Dia dos Povos Indígenas: povos originários se sentem excluídos da agenda ESG


Representantes de diversos povos indígenas afirmam que sentem que há uma exclusão devido aos estereótipos perpetuados no Brasil e ao preconceito

Por Beatriz Capirazi
Atualização:

Nesta quarta-feira, 19, é celebrado o “Dia dos Povos Indígenas”, população essencial para a criação de uma agenda ESG efetiva na inclusão étnica de pessoas e na preservação do meio ambiente. No entanto, para os especialistas e representantes dos povos ouvidos pelo Estadão, há uma exclusão dos indígenas nesta pauta.

Para Suliete Baré, coordenadora geral de enfrentamento à crise climática do Ministério dos Povos Indígenas, os povos originários são excluídos de diversas pautas historicamente relevantes para a sociedade, inclusive do ESG.

“Há sim uma exclusão dos povos indígenas, principalmente em tomadas de decisões importantes”, diz a coordenadora, que compõe o ministério voltado para as causas indígenas, criado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no seu terceiro mandato no Executivo.

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A presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana, reitera a fala de Baré, ressaltando que é preciso que as empresas que prezam pelo ESG ouçam as reivindicações dos povos originários. ”É importante que o mundo corporativo entenda o tipo de desenvolvimento que os indígenas querem para si e que aconteça esse diálogo com os povos na agenda da sustentabilidade”, afirma.

Presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Joenia Wapichana Foto: Lohana Chaves/FUNAI

O presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPISP) na Secretaria de Justiça do Governo do Estado de São Paulo, Cristiano Awa Kiririndju, é de opinião similar. “ESG é uma palavra totalmente nova para mim. Dentro dos territórios indígenas, poucos sabem o que é, apesar de termos um desenvolvimento sustentável como algo do dia a dia”, diz ele, que é membro da comunidade tupi-guarani e uma das lideranças dos indígenas em Ubatuba, no interior de São Paulo.

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Preconceito histórico

Para a coordenadora do Ministério dos Povos Indígenas, que compõe o povo Baré, a explicação para essa exclusão seria o preconceito e a visão estereotipada que a população brasileira têm dos povos originários.

“A nossa sociedade ainda enxerga os povos indígenas como um atraso no desenvolvimento econômico do país. Ou por não querer a participação dos povos originários nesses espaços de debates, ou por desconhecer a importância da participação dos povos nas discussões sobre meio ambiente”, afirma a coordenadora do Ministério.

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“O senso comum ainda enxerga o povo indígena como uma população de 1.500, com a visão dos portugueses. A expectativa é de pessoas que vivem em aldeias, podem ou não falar português, vivem apenas da caça e estão apartados da sociedade brasileira”, explica a doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora da iO Diversidade, Rachel Rua.

Neste processo, ela afirma que há uma dificuldade de aceitar a cultura dos indígenas por historicamente o Brasil ter sido regido por uma visão eurocentrista. “Fomos acostumados a olhar os indígenas pelo que eles não têm: escolas, ciência. Como se fosse um povo primitivo. Estamos falando de pessoas que estão no século 21, mantiveram a sua cultura e deram inúmeras contribuições para o país”, explica.

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“A gente acha que a pessoa que sai da aldeia deixa de ser indígena. Eles não deixam a sua identidade por ter acesso a tecnologia ou vestir roupas ‘tidas’ como da metrópole”, explica Rachel, afirmando que a solução para acabar com esse estereótipo é não só uma mudança na visão cultural, mas também o Brasil aceitar que é um país pluriétnico.

Mercado de trabalho

Para Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU Brasil, essas afirmações podem ser verificadas apenas com uma rápida observação no quadro de funcionários das grandes empresas. “Tem uma exclusão enorme. Se eu tentar buscar alguma pessoa indígena em um cargo de poder em uma grande empresa… eu desconheço. É uma população de um milhão de pessoas que não aparece nas empresas.”

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O CEO do Pacto Global afirma que há um racismo estrutural nesta exclusão, assim como acontece com outras etnias. O porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, vai além e afirma que o Brasil naturalizou historicamente a violência contra os povos indígenas e suas terras, o que impossibilita uma inclusão efetiva desta população nas discussões sobre ESG e uma representatividade indígena nas empresas.

“Uma das causas para a falta de inclusão é o desconhecimento das populações indígenas. Esse desconhecimento gera preconceito, discriminação e racismo. A maioria da população atualmente tem o pensamento que só existe ‘índio’ na Amazônia, o que não é verdade, existem povos indígenas em todo canto do país”, afirma Suliete Baré.

Suliete Baré, coordenadora geral de enfrentamento à crise climática do Ministério dos Povos Indígenas. Foto: Nayra Kaxuyanav/ Ministério dos Povos Indígenas
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Ela ainda destaca que a exclusão muitas vezes acontece até mesmo nos editais específicos para indígenas, quando se pede o inglês como requisito. “Alguns povos indígenas têm a língua portuguesa como terceira língua, a primeira é a sua língua materna, a segunda o espanhol e a terceira o português (geralmente são povos de regiões fronteiriças)”, diz a representante do Ministério dos Povos Indígenas.

Inclusão na agenda ESG

Para os especialistas e representantes dos povos indígenas ouvidos pelo Estadão, o fator-chave para um combate efetivo ao desmatamento ambiental e a criação de uma agenda ESG eficaz é pensar em uma economia sustentável e ecológica para o longo prazo.

“Não dá para pensar em uma economia sustentável sem considerar os saberes tradicionais e a inclusão dos povos originários”, afirma Rachel Rua, doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP). “Entender os povos originários como conhecedores do manejo dos produtos naturais sem destruição do meio ambiente é fundamental para uma agenda ESG eficaz.”

O porta-voz da Amazônia do Greenpeace é da mesma opinião. “O setor corporativo tem que ser parte da solução e não do problema, desde a multinacional até o dono da padaria. É uma tarefa de todo empreendedor brasileiro. Uma nova economia capaz de conviver com as florestas e respeitar os direitos humanos. Romper com a economia de destruição.”

Para Rachel Rua, além desta mudança, é preciso ampliar as vozes que representam estes povos nos espaços de poder. “É preciso ouvir o que eles querem e não apenas justificar que os povos não querem se integrar ou produzir economicamente. Além de dialogar, é preciso também ouvir o impacto que a produção das empresas e fábricas têm nas terras indígenas e na vida destes povos.”

José Neto, tupinambá formado em engenharia de produção, é da mesma opinião, destacando ainda que quando incluídos, os povos originários são frequentemente colocados na posição de “objeto de estudo” em vez de protagonistas de projetos.

“É possível incluir a responsabilidade social efetivamente no setor privado, algo que muitas vezes só se faz quando tem um impacto em terra indígena por conta da legislação. Hoje nós temos uma série de propostas e por isso é importante que haja diálogo com os povos. Cada povo tem uma realidade diferente e muito a contribuir em relação à implementação do desenvolvimento sustentável”, afirma a presidente da Funai, Joenia Wapichana.

José Neto, conhecido na internet por atuar ativamente pelos direitos dos povos originários, afirma que precisa haver mudanças não só na indústria. “Para que o ESG funcione, precisamos mudar nossa forma de consumo. Nenhuma das políticas discutidas pelas empresas discutem isso. Comprar e produzir localmente para diminuir a pegada de carbono. Automaticamente assim o ESG estaria funcionando”, afirma.

O ativista pelos povos originários, conhecido como ‘Zé na Rede’ no Instagram, complementa que a maioria dos indígenas com os quais ele convive não sabem o que é a sigla, mas vivem os princípios dela no seu dia a dia. “O ESG fica muito focado em pensar coisas que vão ser mostradas. Para que essas práticas funcionem, é preciso se despir dos seus preconceitos para entender como os povos indígenas se relacionam com a natureza e como eles pensam. É preciso ir além do que o ESG propõe.”

José Neto, tupinambá ativista pelos direitos dos indígenas. Foto: Helena Alba/Instagram

Atuação governamental

Além disso, os especialistas ouvidos defendem que haja não só uma mobilização da iniciativa privada, mas também um posicionamento governamental mais efetivo. A criação de um Ministério dos Povos Indígenas teria sido apenas o passo inicial do que é preciso que o governo federal faça para viabilizar as pautas reivindicadas pelos indígenas.

“Você levar pessoas indígenas para posições de poder, como a primeira ministra indígena na história, passa um recado forte. É uma mudança estrutural representativa. Isso certamente traz uma força muito grande”, diz Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU Brasil, afirmando que acredita que com a criação do Ministério a voz dos povos originários será ampliada também para o setor privado.

Suliete Baré, que compõe o ministério criado recentemente, é da mesma opinião. “É uma oportunidade de incluir os povos indígenas de forma eficaz, dando poder de decisão”, afirma, destacando que por terem conhecimento técnico e científico no manejo do meio ambiente, já passou da hora dos indígenas serem “protagonistas de suas próprias histórias”.

Os especialistas e representantes de povos indígenas ouvidos pelo Estadão destacam que é preciso haver outras medidas além da lei de cotas, que também contempla os povos originários.

Para o tupi-guarani Cristiano Awa Kiririndju, presidente do CEPISP e membro da aldeia Renascer Ywyty Guaçu, é preciso implementar políticas públicas que incluam a base indígena nestas discussões. “A minha aldeia tem várias ações sustentáveis, mas é tudo autônomo. Não temos incentivos de projetos ou de organizações.”

Presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPISP) na Secretaria de Justiça do Governo do Estado de São Paulo, Cristiano Awa Kiririndju Foto: Divulgação/ Aldeia Renascer Ywyty Guaçu

Para o representante do Pacto Global, é preciso ampliar ainda mais o acesso à universidade, assim como o uso das tecnologias e o mercado de trabalho. A instituição destaca ainda que o comprometimento com a demarcação das terras indígenas e o respeito aos direitos dos povos indígenas “é o básico”.

Nesta quarta-feira, 19, é celebrado o “Dia dos Povos Indígenas”, população essencial para a criação de uma agenda ESG efetiva na inclusão étnica de pessoas e na preservação do meio ambiente. No entanto, para os especialistas e representantes dos povos ouvidos pelo Estadão, há uma exclusão dos indígenas nesta pauta.

Para Suliete Baré, coordenadora geral de enfrentamento à crise climática do Ministério dos Povos Indígenas, os povos originários são excluídos de diversas pautas historicamente relevantes para a sociedade, inclusive do ESG.

“Há sim uma exclusão dos povos indígenas, principalmente em tomadas de decisões importantes”, diz a coordenadora, que compõe o ministério voltado para as causas indígenas, criado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no seu terceiro mandato no Executivo.

A presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana, reitera a fala de Baré, ressaltando que é preciso que as empresas que prezam pelo ESG ouçam as reivindicações dos povos originários. ”É importante que o mundo corporativo entenda o tipo de desenvolvimento que os indígenas querem para si e que aconteça esse diálogo com os povos na agenda da sustentabilidade”, afirma.

Presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Joenia Wapichana Foto: Lohana Chaves/FUNAI

O presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPISP) na Secretaria de Justiça do Governo do Estado de São Paulo, Cristiano Awa Kiririndju, é de opinião similar. “ESG é uma palavra totalmente nova para mim. Dentro dos territórios indígenas, poucos sabem o que é, apesar de termos um desenvolvimento sustentável como algo do dia a dia”, diz ele, que é membro da comunidade tupi-guarani e uma das lideranças dos indígenas em Ubatuba, no interior de São Paulo.

Preconceito histórico

Para a coordenadora do Ministério dos Povos Indígenas, que compõe o povo Baré, a explicação para essa exclusão seria o preconceito e a visão estereotipada que a população brasileira têm dos povos originários.

“A nossa sociedade ainda enxerga os povos indígenas como um atraso no desenvolvimento econômico do país. Ou por não querer a participação dos povos originários nesses espaços de debates, ou por desconhecer a importância da participação dos povos nas discussões sobre meio ambiente”, afirma a coordenadora do Ministério.

“O senso comum ainda enxerga o povo indígena como uma população de 1.500, com a visão dos portugueses. A expectativa é de pessoas que vivem em aldeias, podem ou não falar português, vivem apenas da caça e estão apartados da sociedade brasileira”, explica a doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora da iO Diversidade, Rachel Rua.

Neste processo, ela afirma que há uma dificuldade de aceitar a cultura dos indígenas por historicamente o Brasil ter sido regido por uma visão eurocentrista. “Fomos acostumados a olhar os indígenas pelo que eles não têm: escolas, ciência. Como se fosse um povo primitivo. Estamos falando de pessoas que estão no século 21, mantiveram a sua cultura e deram inúmeras contribuições para o país”, explica.

“A gente acha que a pessoa que sai da aldeia deixa de ser indígena. Eles não deixam a sua identidade por ter acesso a tecnologia ou vestir roupas ‘tidas’ como da metrópole”, explica Rachel, afirmando que a solução para acabar com esse estereótipo é não só uma mudança na visão cultural, mas também o Brasil aceitar que é um país pluriétnico.

Mercado de trabalho

Para Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU Brasil, essas afirmações podem ser verificadas apenas com uma rápida observação no quadro de funcionários das grandes empresas. “Tem uma exclusão enorme. Se eu tentar buscar alguma pessoa indígena em um cargo de poder em uma grande empresa… eu desconheço. É uma população de um milhão de pessoas que não aparece nas empresas.”

O CEO do Pacto Global afirma que há um racismo estrutural nesta exclusão, assim como acontece com outras etnias. O porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, vai além e afirma que o Brasil naturalizou historicamente a violência contra os povos indígenas e suas terras, o que impossibilita uma inclusão efetiva desta população nas discussões sobre ESG e uma representatividade indígena nas empresas.

“Uma das causas para a falta de inclusão é o desconhecimento das populações indígenas. Esse desconhecimento gera preconceito, discriminação e racismo. A maioria da população atualmente tem o pensamento que só existe ‘índio’ na Amazônia, o que não é verdade, existem povos indígenas em todo canto do país”, afirma Suliete Baré.

Suliete Baré, coordenadora geral de enfrentamento à crise climática do Ministério dos Povos Indígenas. Foto: Nayra Kaxuyanav/ Ministério dos Povos Indígenas

Ela ainda destaca que a exclusão muitas vezes acontece até mesmo nos editais específicos para indígenas, quando se pede o inglês como requisito. “Alguns povos indígenas têm a língua portuguesa como terceira língua, a primeira é a sua língua materna, a segunda o espanhol e a terceira o português (geralmente são povos de regiões fronteiriças)”, diz a representante do Ministério dos Povos Indígenas.

Inclusão na agenda ESG

Para os especialistas e representantes dos povos indígenas ouvidos pelo Estadão, o fator-chave para um combate efetivo ao desmatamento ambiental e a criação de uma agenda ESG eficaz é pensar em uma economia sustentável e ecológica para o longo prazo.

“Não dá para pensar em uma economia sustentável sem considerar os saberes tradicionais e a inclusão dos povos originários”, afirma Rachel Rua, doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP). “Entender os povos originários como conhecedores do manejo dos produtos naturais sem destruição do meio ambiente é fundamental para uma agenda ESG eficaz.”

O porta-voz da Amazônia do Greenpeace é da mesma opinião. “O setor corporativo tem que ser parte da solução e não do problema, desde a multinacional até o dono da padaria. É uma tarefa de todo empreendedor brasileiro. Uma nova economia capaz de conviver com as florestas e respeitar os direitos humanos. Romper com a economia de destruição.”

Para Rachel Rua, além desta mudança, é preciso ampliar as vozes que representam estes povos nos espaços de poder. “É preciso ouvir o que eles querem e não apenas justificar que os povos não querem se integrar ou produzir economicamente. Além de dialogar, é preciso também ouvir o impacto que a produção das empresas e fábricas têm nas terras indígenas e na vida destes povos.”

José Neto, tupinambá formado em engenharia de produção, é da mesma opinião, destacando ainda que quando incluídos, os povos originários são frequentemente colocados na posição de “objeto de estudo” em vez de protagonistas de projetos.

“É possível incluir a responsabilidade social efetivamente no setor privado, algo que muitas vezes só se faz quando tem um impacto em terra indígena por conta da legislação. Hoje nós temos uma série de propostas e por isso é importante que haja diálogo com os povos. Cada povo tem uma realidade diferente e muito a contribuir em relação à implementação do desenvolvimento sustentável”, afirma a presidente da Funai, Joenia Wapichana.

José Neto, conhecido na internet por atuar ativamente pelos direitos dos povos originários, afirma que precisa haver mudanças não só na indústria. “Para que o ESG funcione, precisamos mudar nossa forma de consumo. Nenhuma das políticas discutidas pelas empresas discutem isso. Comprar e produzir localmente para diminuir a pegada de carbono. Automaticamente assim o ESG estaria funcionando”, afirma.

O ativista pelos povos originários, conhecido como ‘Zé na Rede’ no Instagram, complementa que a maioria dos indígenas com os quais ele convive não sabem o que é a sigla, mas vivem os princípios dela no seu dia a dia. “O ESG fica muito focado em pensar coisas que vão ser mostradas. Para que essas práticas funcionem, é preciso se despir dos seus preconceitos para entender como os povos indígenas se relacionam com a natureza e como eles pensam. É preciso ir além do que o ESG propõe.”

José Neto, tupinambá ativista pelos direitos dos indígenas. Foto: Helena Alba/Instagram

Atuação governamental

Além disso, os especialistas ouvidos defendem que haja não só uma mobilização da iniciativa privada, mas também um posicionamento governamental mais efetivo. A criação de um Ministério dos Povos Indígenas teria sido apenas o passo inicial do que é preciso que o governo federal faça para viabilizar as pautas reivindicadas pelos indígenas.

“Você levar pessoas indígenas para posições de poder, como a primeira ministra indígena na história, passa um recado forte. É uma mudança estrutural representativa. Isso certamente traz uma força muito grande”, diz Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU Brasil, afirmando que acredita que com a criação do Ministério a voz dos povos originários será ampliada também para o setor privado.

Suliete Baré, que compõe o ministério criado recentemente, é da mesma opinião. “É uma oportunidade de incluir os povos indígenas de forma eficaz, dando poder de decisão”, afirma, destacando que por terem conhecimento técnico e científico no manejo do meio ambiente, já passou da hora dos indígenas serem “protagonistas de suas próprias histórias”.

Os especialistas e representantes de povos indígenas ouvidos pelo Estadão destacam que é preciso haver outras medidas além da lei de cotas, que também contempla os povos originários.

Para o tupi-guarani Cristiano Awa Kiririndju, presidente do CEPISP e membro da aldeia Renascer Ywyty Guaçu, é preciso implementar políticas públicas que incluam a base indígena nestas discussões. “A minha aldeia tem várias ações sustentáveis, mas é tudo autônomo. Não temos incentivos de projetos ou de organizações.”

Presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPISP) na Secretaria de Justiça do Governo do Estado de São Paulo, Cristiano Awa Kiririndju Foto: Divulgação/ Aldeia Renascer Ywyty Guaçu

Para o representante do Pacto Global, é preciso ampliar ainda mais o acesso à universidade, assim como o uso das tecnologias e o mercado de trabalho. A instituição destaca ainda que o comprometimento com a demarcação das terras indígenas e o respeito aos direitos dos povos indígenas “é o básico”.

Nesta quarta-feira, 19, é celebrado o “Dia dos Povos Indígenas”, população essencial para a criação de uma agenda ESG efetiva na inclusão étnica de pessoas e na preservação do meio ambiente. No entanto, para os especialistas e representantes dos povos ouvidos pelo Estadão, há uma exclusão dos indígenas nesta pauta.

Para Suliete Baré, coordenadora geral de enfrentamento à crise climática do Ministério dos Povos Indígenas, os povos originários são excluídos de diversas pautas historicamente relevantes para a sociedade, inclusive do ESG.

“Há sim uma exclusão dos povos indígenas, principalmente em tomadas de decisões importantes”, diz a coordenadora, que compõe o ministério voltado para as causas indígenas, criado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no seu terceiro mandato no Executivo.

A presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana, reitera a fala de Baré, ressaltando que é preciso que as empresas que prezam pelo ESG ouçam as reivindicações dos povos originários. ”É importante que o mundo corporativo entenda o tipo de desenvolvimento que os indígenas querem para si e que aconteça esse diálogo com os povos na agenda da sustentabilidade”, afirma.

Presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Joenia Wapichana Foto: Lohana Chaves/FUNAI

O presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPISP) na Secretaria de Justiça do Governo do Estado de São Paulo, Cristiano Awa Kiririndju, é de opinião similar. “ESG é uma palavra totalmente nova para mim. Dentro dos territórios indígenas, poucos sabem o que é, apesar de termos um desenvolvimento sustentável como algo do dia a dia”, diz ele, que é membro da comunidade tupi-guarani e uma das lideranças dos indígenas em Ubatuba, no interior de São Paulo.

Preconceito histórico

Para a coordenadora do Ministério dos Povos Indígenas, que compõe o povo Baré, a explicação para essa exclusão seria o preconceito e a visão estereotipada que a população brasileira têm dos povos originários.

“A nossa sociedade ainda enxerga os povos indígenas como um atraso no desenvolvimento econômico do país. Ou por não querer a participação dos povos originários nesses espaços de debates, ou por desconhecer a importância da participação dos povos nas discussões sobre meio ambiente”, afirma a coordenadora do Ministério.

“O senso comum ainda enxerga o povo indígena como uma população de 1.500, com a visão dos portugueses. A expectativa é de pessoas que vivem em aldeias, podem ou não falar português, vivem apenas da caça e estão apartados da sociedade brasileira”, explica a doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora da iO Diversidade, Rachel Rua.

Neste processo, ela afirma que há uma dificuldade de aceitar a cultura dos indígenas por historicamente o Brasil ter sido regido por uma visão eurocentrista. “Fomos acostumados a olhar os indígenas pelo que eles não têm: escolas, ciência. Como se fosse um povo primitivo. Estamos falando de pessoas que estão no século 21, mantiveram a sua cultura e deram inúmeras contribuições para o país”, explica.

“A gente acha que a pessoa que sai da aldeia deixa de ser indígena. Eles não deixam a sua identidade por ter acesso a tecnologia ou vestir roupas ‘tidas’ como da metrópole”, explica Rachel, afirmando que a solução para acabar com esse estereótipo é não só uma mudança na visão cultural, mas também o Brasil aceitar que é um país pluriétnico.

Mercado de trabalho

Para Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU Brasil, essas afirmações podem ser verificadas apenas com uma rápida observação no quadro de funcionários das grandes empresas. “Tem uma exclusão enorme. Se eu tentar buscar alguma pessoa indígena em um cargo de poder em uma grande empresa… eu desconheço. É uma população de um milhão de pessoas que não aparece nas empresas.”

O CEO do Pacto Global afirma que há um racismo estrutural nesta exclusão, assim como acontece com outras etnias. O porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, vai além e afirma que o Brasil naturalizou historicamente a violência contra os povos indígenas e suas terras, o que impossibilita uma inclusão efetiva desta população nas discussões sobre ESG e uma representatividade indígena nas empresas.

“Uma das causas para a falta de inclusão é o desconhecimento das populações indígenas. Esse desconhecimento gera preconceito, discriminação e racismo. A maioria da população atualmente tem o pensamento que só existe ‘índio’ na Amazônia, o que não é verdade, existem povos indígenas em todo canto do país”, afirma Suliete Baré.

Suliete Baré, coordenadora geral de enfrentamento à crise climática do Ministério dos Povos Indígenas. Foto: Nayra Kaxuyanav/ Ministério dos Povos Indígenas

Ela ainda destaca que a exclusão muitas vezes acontece até mesmo nos editais específicos para indígenas, quando se pede o inglês como requisito. “Alguns povos indígenas têm a língua portuguesa como terceira língua, a primeira é a sua língua materna, a segunda o espanhol e a terceira o português (geralmente são povos de regiões fronteiriças)”, diz a representante do Ministério dos Povos Indígenas.

Inclusão na agenda ESG

Para os especialistas e representantes dos povos indígenas ouvidos pelo Estadão, o fator-chave para um combate efetivo ao desmatamento ambiental e a criação de uma agenda ESG eficaz é pensar em uma economia sustentável e ecológica para o longo prazo.

“Não dá para pensar em uma economia sustentável sem considerar os saberes tradicionais e a inclusão dos povos originários”, afirma Rachel Rua, doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP). “Entender os povos originários como conhecedores do manejo dos produtos naturais sem destruição do meio ambiente é fundamental para uma agenda ESG eficaz.”

O porta-voz da Amazônia do Greenpeace é da mesma opinião. “O setor corporativo tem que ser parte da solução e não do problema, desde a multinacional até o dono da padaria. É uma tarefa de todo empreendedor brasileiro. Uma nova economia capaz de conviver com as florestas e respeitar os direitos humanos. Romper com a economia de destruição.”

Para Rachel Rua, além desta mudança, é preciso ampliar as vozes que representam estes povos nos espaços de poder. “É preciso ouvir o que eles querem e não apenas justificar que os povos não querem se integrar ou produzir economicamente. Além de dialogar, é preciso também ouvir o impacto que a produção das empresas e fábricas têm nas terras indígenas e na vida destes povos.”

José Neto, tupinambá formado em engenharia de produção, é da mesma opinião, destacando ainda que quando incluídos, os povos originários são frequentemente colocados na posição de “objeto de estudo” em vez de protagonistas de projetos.

“É possível incluir a responsabilidade social efetivamente no setor privado, algo que muitas vezes só se faz quando tem um impacto em terra indígena por conta da legislação. Hoje nós temos uma série de propostas e por isso é importante que haja diálogo com os povos. Cada povo tem uma realidade diferente e muito a contribuir em relação à implementação do desenvolvimento sustentável”, afirma a presidente da Funai, Joenia Wapichana.

José Neto, conhecido na internet por atuar ativamente pelos direitos dos povos originários, afirma que precisa haver mudanças não só na indústria. “Para que o ESG funcione, precisamos mudar nossa forma de consumo. Nenhuma das políticas discutidas pelas empresas discutem isso. Comprar e produzir localmente para diminuir a pegada de carbono. Automaticamente assim o ESG estaria funcionando”, afirma.

O ativista pelos povos originários, conhecido como ‘Zé na Rede’ no Instagram, complementa que a maioria dos indígenas com os quais ele convive não sabem o que é a sigla, mas vivem os princípios dela no seu dia a dia. “O ESG fica muito focado em pensar coisas que vão ser mostradas. Para que essas práticas funcionem, é preciso se despir dos seus preconceitos para entender como os povos indígenas se relacionam com a natureza e como eles pensam. É preciso ir além do que o ESG propõe.”

José Neto, tupinambá ativista pelos direitos dos indígenas. Foto: Helena Alba/Instagram

Atuação governamental

Além disso, os especialistas ouvidos defendem que haja não só uma mobilização da iniciativa privada, mas também um posicionamento governamental mais efetivo. A criação de um Ministério dos Povos Indígenas teria sido apenas o passo inicial do que é preciso que o governo federal faça para viabilizar as pautas reivindicadas pelos indígenas.

“Você levar pessoas indígenas para posições de poder, como a primeira ministra indígena na história, passa um recado forte. É uma mudança estrutural representativa. Isso certamente traz uma força muito grande”, diz Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU Brasil, afirmando que acredita que com a criação do Ministério a voz dos povos originários será ampliada também para o setor privado.

Suliete Baré, que compõe o ministério criado recentemente, é da mesma opinião. “É uma oportunidade de incluir os povos indígenas de forma eficaz, dando poder de decisão”, afirma, destacando que por terem conhecimento técnico e científico no manejo do meio ambiente, já passou da hora dos indígenas serem “protagonistas de suas próprias histórias”.

Os especialistas e representantes de povos indígenas ouvidos pelo Estadão destacam que é preciso haver outras medidas além da lei de cotas, que também contempla os povos originários.

Para o tupi-guarani Cristiano Awa Kiririndju, presidente do CEPISP e membro da aldeia Renascer Ywyty Guaçu, é preciso implementar políticas públicas que incluam a base indígena nestas discussões. “A minha aldeia tem várias ações sustentáveis, mas é tudo autônomo. Não temos incentivos de projetos ou de organizações.”

Presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPISP) na Secretaria de Justiça do Governo do Estado de São Paulo, Cristiano Awa Kiririndju Foto: Divulgação/ Aldeia Renascer Ywyty Guaçu

Para o representante do Pacto Global, é preciso ampliar ainda mais o acesso à universidade, assim como o uso das tecnologias e o mercado de trabalho. A instituição destaca ainda que o comprometimento com a demarcação das terras indígenas e o respeito aos direitos dos povos indígenas “é o básico”.

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