Dia das Mães: gravidez ainda é vista como empecilho por empresas na hora da contratação


Quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade perdem seus trabalhos após 12 meses fora do mercado, segundo estudo da FGV

Por Beatriz Capirazi
Atualização:

Assim como aconteceu com diversas datas comemorativas, o Dia das Mães tem sido visto como uma oportunidade de discutir pautas atreladas ao universo feminino, como as dificuldades que as mães ainda enfrentam para retornar ao mercado de trabalho após a licença-maternidade.

Embora a agenda ESG (sigla em inglês para a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) tenha como uma das suas principais bandeiras a fomentação da diversidade, 88% das mulheres acreditam que a gravidez ainda é vista como um empecilho pelas empresas na hora da contratação, segundo o estudo Mulheres no Trabalho feito pela Opinion Box e Nielsen.

Para a maioria das especialistas, profissionais de recursos humanos (RH) e mães consultadas pelo Estadão, além da prática ainda acontecer na hora da contratação, as mulheres se sentem excluídas das empresas após terem filhos.

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“Para o mercado, quando a mulher tem filho, ela se torna incompetente”, afirma Jennifer Rocha, líder social da comunidade Jardim Elba, na zona leste de São Paulo, e assistente de projetos do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME).

“Quando a mulher volta ao mercado de trabalho, ela é questionada sobre coisas que o homem não é. ‘Você tem filho?’, ‘Com quem você vai deixar?’, ‘E se ficar doente?’. É sobre ser questionada o tempo todo por amigos, família e na área em que você se sente você mesma, no trabalho”, diz Rocha.

Jennifer Rocha, assistente da RME. Foto: Jennifer Rocha/ arquivo pessoal
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A assistente de projetos destaca que o período já é difícil por motivos como autoestima abalada, inseguranças, depressão pós-parto, puerpério, amamentação e mudanças hormonais. No entanto, ele se torna ainda mais complicado quando, segundo ela, a capacidade da mulher é colocada em dúvida apenas pelo fato de ser mãe.

Para os especialistas consultados pelo Estadão, o relato de Jennifer demonstra os desafios que muitas mulheres enfrentam para voltar ao mercado.

Mulheres pobres são mais afetadas

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Segundo uma pesquisa da Condurú Consultoria, 70% das mulheres com filhos têm dificuldades para voltar ao mercado. E quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade perdem o trabalho após 12 meses fora do mercado, segundo o estudo As consequências da licença-maternidade maternidade no mercado de trabalho: evidências do Brasil, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A queda da empregabilidade das mulheres que se tornaram mães se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença-maternidade, de quatro meses. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Segundo o idealizador do estudo, Valdemar Pinho Neto, doutor em economia pela FGV EPGE, a queda se mantém até quatro anos após o fim da licença-maternidade, demonstrando que não é um problema pontual, mas que se arrasta por anos.

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“Todos os dados apontam que mães são as que mais perderam seus empregos nas crises e as que mais demoram a se recolocar. Isso que estamos falando do mercado formal. Se formos olhar a quantidade de mulheres mães na informalidade e em subempregos, os dados são ainda mais assustadores”, afirma a gerente de direitos humanos do Pacto Global da ONU no Brasil, Tayná Leite.

O cenário é ainda pior para as mulheres pobres. Trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35% nos 12 meses após o início da licença-maternidade, enquanto a queda é de 51% para as mulheres com nível educacional mais baixo.

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Para Pinho Neto, os dados demonstram que a política de licença-maternidade funciona melhor para as mulheres com um nível educacional mais alto, já que, por terem habilidades consideradas específicas, segundo ele, elas têm um capital humano mais difícil de substituir. Desta forma, as mulheres com menos renda acabam sendo as mais penalizadas no mercado de trabalho.

Importância de discutir a maternidade real

Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, há uma melhora em comparação com décadas atrás por estarmos discutindo assuntos que antes eram tabus. Além disso, a onda de influenciadoras e figuras públicas falando sobre a maternidade real nas redes sociais também tem ajudado.

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No entanto, as mães destacam que o primeiro passo para que haja uma mudança maior nas empresas é que a maternidade seja menos romantizada na sociedade.

“A mãe sai do hospital totalmente perdida. É preciso parar de romantizar a maternidade e diferenciar a maternidade de quem pode contratar dez babás e de quem não consegue uma vaga na creche”, afirma Jennifer Rocha, destacando que trabalhando fora dois dias por semana paga uma amiga para ficar com a filha. “Se eu for pagar uma creche, é mais da metade do meu salário.”

Luana Gabriela, sócia da holding Anga, que após a licença-maternidade assumiu o cargo de CEO de uma das empresas do grupo, a Tribo Consultoria, destaca que, para que haja uma mudança efetiva, é preciso incluir a sociedade como um todo.

“Não adianta ficar discutindo temas somente de mulheres para mulheres sobre mulheres. Nós já sabemos disso. É o que a gente vive, a gente sente na pele. É preciso incluir os homens e conscientizá-los sobre o papel deles na gravidez”, explica. Para ela, a partir do momento que houver essa difusão, haverá uma mudança genuína tanto no olhar das empresas, quanto dentro das casas.

Luana Gabriela, CEO da Tribo. Foto: Divulgação/Tribo

O que as empresas podem fazer?

Para Lilian Caires, professora da Fundação Vanzolini e especialista em RH, o primeiro passo para uma mudança efetiva é estabelecer um diálogo honesto com a mulher. “Existe um movimento muito grande de trazer mulheres pro mercado de trabalho para cumprir cota e ficar bonito nas redes sociais, mas as empresas discutem muito pouco o que é importante para ela nesse processo, como ela se sente depois”, afirma a especialista, que propõe que os RHs comecem a fazer rodas de conversa.

Ela defende que a mudança comece com os altos cargos de liderança. Nesse sentido, analistas ouvidos pelo Estadão dizem que já presenciaram casos em que o homem não aceitou a licença-paternidade por ter “medo de ser zoado pelos colegas” ou por não enxergar a necessidade dessa pausa. “Essa consciência não vai ser criada a não ser que ouçam. Qualquer atitude tem que vir da liderança. Não pode ser um tabu”, diz a especialista em RH.

Para a psicóloga e especialista em RH, Monique Stony, as empresas poderiam fazer um planejamento prévio, já sabendo que a mulher entrará em licença-maternidade dali a tantos meses, conseguindo tornar todo esse processo mais acolhedor e até mesmo tirar o medo da mulher ser demitida quando retornar para o trabalho.

A opinião, no entanto, não é unânime. Lilian Caires afirma não acreditar que um planejamento inicial, por exemplo, seria efetivo para tornar o retorno das grávidas mais confortáveis. Para ela, tudo pode mudar em uma gestação. Por isso, o acolhimento posterior é essencial.

“O que é um planejamento do retorno de uma grávida? Esperar que ela tenha um parto saudável, licença-maternidade saudável e uma criança saudável. Tem muitas coisas que influenciam: o parto pode ser difícil, ela pode ser uma gravidez de risco, o bebê pode nascer com alguma doença crônica. É difícil ter um planejamento, mas é possível dar recursos de apoio”, defende Caires.

Segundo o estudo Mapeando um ambiente pró-família nas organizações, promovido pela Filhos no Currículo, alguns dos benefícios mais desejados pelas mães nas empresas são:

  • Plano de saúde estendido aos dependentes;
  • Creche na companhia;
  • Trabalho flexível;
  • Home office;
  • Auxílio creche.

Além disso, a instituição defende que haja a implementação de jornadas de trabalho flexíveis, retorno gradual, trabalho remoto, apoio psicológico, programas de mentoria e auxílio-babá aliados a uma mudança cultural da empresa.

Para Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo, além destes requerimentos, para entender a real necessidade dos funcionários, é preciso que as corporações criem um ambiente pró-família, além de ter mais isonomia nas conversas com os funcionários, sem atrelar a pauta de maternidade somente às mulheres.

Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo Foto: Patricia Canola/Filhos no Currículo

“Você já perguntou para seus funcionários como a sua empresa poderia ajudá-los neste sentido? As empresas precisam repensar as suas políticas com mais isonomia e levarem em consideração as novas configurações familiares e a vontade de muitos homens em construir uma relação de vínculo com seus filhos. Elas estarão permitindo que muitos profissionais com filhos, sejam eles homens ou mulheres, sejam protagonistas em suas carreiras”, afirma Terni.

Para Flávio Legieri, CEO da Intelligenza IT, especializada em RH, a principal atitude é investir em iniciativas internas, a fim de tornar o ambiente de trabalho cada vez mais diverso e inclusivo. “O fato de uma mulher se tornar mãe e ter que administrar tantas emoções e tarefas traz a essa mulher habilidades que são fundamentais também no âmbito do trabalho e que deveriam ser valorizadas ao invés de depreciadas.”

Para ele, além de benefícios como a licença-maternidade ampliada com direito a remuneração, auxílio creche, diminuição da carga horária por um período de tempo, é preciso investir em programas de capacitação internos que podem contribuir para o crescimento e desenvolvimento destas mulheres no mercado.

Empresas fomentam práticas inclusivas para mães

Depois de ter passado por um processo complicado de recolocação no mercado de trabalho na sua primeira gestação, a segunda foi bem mais tranquila para Jennifer Rocha justamente pelo acolhimento da empresa.

Ela foi contratada estando grávida de seis meses pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), trabalhando até os oito meses e meio, quando se afastou da empresa pela licença-maternidade.

“Eu fiquei com medo quando fiz o processo seletivo. Mostrei a barriga assim meio com medo, mas elas me contrataram. Eu fiquei surpresa. Eles brincaram: ‘Você não quer?’. Eu falei: ‘É claro que eu quero’. Fica esse trauma de que quem está gestante é incompetente, de que você vai dar problema para empresa”, afirma Jennifer.

Ela retornou da sua licença-maternidade em abril, já animada para voltar a trabalhar. “Eu fui muito acolhida na empresa. Lá também tem a opção de home office, o que me ajudou demais com a minha bebê. Hoje eu estava trabalhando com a minha bebê do lado, amamentando, brincando, fazendo carinho, vendo ela crescer. No mercado de trabalho, ou você vê seu filho crescer ou banca ele”.

Além do incentivo contratação de mulheres mesmo no final de sua gravidez, Débora Monteiro, gerente executiva do RME, destaca que a empresa ainda oferece como benefícios a licença-maternidade de seis meses; flexibilidade na rotina de escritório para possível necessidade de retirar o leite e um plano de acolhimento na volta da mãe com a equipe.

Débora Monteiro, gerente executiva do RME. Foto: Divulgação/ RME

Outra empresa que se destaca nos benefícios concedidos para tornar o processo de retorno mais fácil é o Grupo Boticário, que oferece a licença Parental Universal, permitindo que os homens também tirem esse momento para cuidar de seus filhos após a gravidez.

“A licença surge com o objetivo de fomentar a coparentalidade, propondo que pai e mãe dividam a liderança, equilibrando a responsabilidade feminina, que acaba sendo mais demandada”, explica a diretora de jornada do volaborador do Grupo Boticário, Renata Simioni.

Lançado no segundo semestre de 2021, o grupo concede 120 dias de licença 100% remunerada para homens (cis e trans), relações hétero e homoafetivas e pais de filhos não-consanguíneos, além de pessoas gestantes que já usufruem de licença-maternidade de até 180 dias. Entre julho de 2021 e abril de 2023, 1.049 colaboradores usufruíram da licença-maternidade parental. Destes, 34% foram homens.

“Me perguntam: ‘Pedro, que legal a licença de quatro meses, mas me conta, você trabalhou um pouquinho ou escondido,né ?’ e a resposta é: “Sim, exclusivamente para minha nova chefe Manuela”, brinca o diretor de Tesouraria do Grupo, Pedro Andrade, que usufruiu da licença e destacou que foi um momento de muitas mudanças na sua vida.

Outra empresa que também se destaca é a Kimberly-Clark, que lançou no Brasil um programa de contratação exclusivo para mães, o Working Mom’s. “A iniciativa traz de volta ao mercado de trabalho excelentes profissionais com muita experiência. Não faz sentido algum pensar que, por exemplo, uma mulher que trabalhou por dez anos e fez uma pausa perdeu todo o conhecimento adquirido”, afirma o diretor de recursos humanos da empresa no Brasil, Felipe Balbino.

O projeto já foi implementado na Argentina, Costa Rica, Chile, Peru, Bolívia, Colômbia e Brasil, ofertando vagas temporárias (contratos de seis meses) ou permanentes exclusivamente para mulheres que têm filhos. Desde setembro de 2022 até abril deste ano, de todas as mulheres contratadas pela Kimberly-Clark, 46% são mães.

Ainda se destacam as empresas Schneider Electric, que oferece uma linha de apoio gratuita para todos os colaboradores da empresa, em que o funcionário tem acesso a apoio jurídico, financeiro e psicológico para a família de forma confidencial e a holding Anga, que concede licença-paternidade.

“Eu consegui tirar 120 dias de licença. A gente sabia a data, então consegui sair um pouco antes da Ester nascer, preparar todo o processo, viver de fato esses dias. Como casal, crescemos muito”, explica Augusto Júnior, sócio da empresa.

Para ele, o processo foi essencial para não deixar a sua esposa sobrecarregada com os cuidados da bebê e os afazeres de casa.“Eu acho essencial ter essa licença para os homens também, porque a gestação é um processo de duas pessoas. Enquanto ela cuidava da bebê, eu cuidava da minha esposa, desde a alimentação até a casa. Fiz um cardápio com as comidas favoritas dela, para que ela pudesse viver esse momento de forma mais leve”, explica Júnior.

Augusto Júnior, sócio da Anga& Din4mo. Foto: Acervo pessoal

Para Júnior, a licença-paternidade deve se tornar uma opção na lei, mas uma mudança cultural deve vir junto “Não acho que a lei vai resolver tudo. Durante minha licença, meus amigos achavam que eu estava de férias. Olha o perigo que pode ser se o pai não tiver a consciência na licença e usar para outra coisa. A gente precisa do governo, das empresas e elevar o nivel de consciência do papel do pai”.

Além disso, existem movimentos também para aproximar empresas e colaboradoras. Em parceria com a B2Mammy, o Filhos no Currículo lançou um movimento para empregabilidade de mães, o Ser mãe dá trabalho. O objetivo é conectar mães em busca de recolocação com empresas comprometidas a criar um ambiente de trabalho mais acolhedor para as figuras parentais.

Governo e iniciativa privada devem andar juntos

Todos os analistas consultados pelo Estadão defendem que é essencial que haja políticas públicas promulgadas pelo governo, desde a implementação da licença-paternidade de forma efetiva, como a criação de creches.

No entanto, os especialistas destacam que não é preciso apenas aumentar o número de creches, mas também estudar um plano de ação que foque na localização delas e também no horário.

“Com as creches, é preciso que ela esteja localizada em um ponto estratégico, não adianta ser longe de onde ela mora e de onde ela trabalha. É preciso desenhar um estudo para entender onde estão as maiores demandas por creche”, explica Valdemar Pinho Neto, professor da FGV.

Para ele, uma mudança na legislação é muito difícil pois é um tema muito complexo e o Brasil está apenas começando a discutir esse assunto. “Deve haver a combinação de legislação com a reeducação para que as pessoas consigam entender que é natural haver uma distribuição entre o casal”.

A representante do Pacto Global da ONU Brasil, Tayná Leite, é da mesma opinião, reforçando que não deve haver uma mudança de cultura na sociedade para que só posteriormente haja uma mudança nas empresas. “Precisamos trocar os pneus com o carro andando. Não há tempo para esperar mudança de cultura e, a bem da verdade, isso não existe. O amanhã já é o ontem de depois de amanhã”, afirma.

Assim como aconteceu com diversas datas comemorativas, o Dia das Mães tem sido visto como uma oportunidade de discutir pautas atreladas ao universo feminino, como as dificuldades que as mães ainda enfrentam para retornar ao mercado de trabalho após a licença-maternidade.

Embora a agenda ESG (sigla em inglês para a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) tenha como uma das suas principais bandeiras a fomentação da diversidade, 88% das mulheres acreditam que a gravidez ainda é vista como um empecilho pelas empresas na hora da contratação, segundo o estudo Mulheres no Trabalho feito pela Opinion Box e Nielsen.

Para a maioria das especialistas, profissionais de recursos humanos (RH) e mães consultadas pelo Estadão, além da prática ainda acontecer na hora da contratação, as mulheres se sentem excluídas das empresas após terem filhos.

“Para o mercado, quando a mulher tem filho, ela se torna incompetente”, afirma Jennifer Rocha, líder social da comunidade Jardim Elba, na zona leste de São Paulo, e assistente de projetos do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME).

“Quando a mulher volta ao mercado de trabalho, ela é questionada sobre coisas que o homem não é. ‘Você tem filho?’, ‘Com quem você vai deixar?’, ‘E se ficar doente?’. É sobre ser questionada o tempo todo por amigos, família e na área em que você se sente você mesma, no trabalho”, diz Rocha.

Jennifer Rocha, assistente da RME. Foto: Jennifer Rocha/ arquivo pessoal

A assistente de projetos destaca que o período já é difícil por motivos como autoestima abalada, inseguranças, depressão pós-parto, puerpério, amamentação e mudanças hormonais. No entanto, ele se torna ainda mais complicado quando, segundo ela, a capacidade da mulher é colocada em dúvida apenas pelo fato de ser mãe.

Para os especialistas consultados pelo Estadão, o relato de Jennifer demonstra os desafios que muitas mulheres enfrentam para voltar ao mercado.

Mulheres pobres são mais afetadas

Segundo uma pesquisa da Condurú Consultoria, 70% das mulheres com filhos têm dificuldades para voltar ao mercado. E quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade perdem o trabalho após 12 meses fora do mercado, segundo o estudo As consequências da licença-maternidade maternidade no mercado de trabalho: evidências do Brasil, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A queda da empregabilidade das mulheres que se tornaram mães se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença-maternidade, de quatro meses. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Segundo o idealizador do estudo, Valdemar Pinho Neto, doutor em economia pela FGV EPGE, a queda se mantém até quatro anos após o fim da licença-maternidade, demonstrando que não é um problema pontual, mas que se arrasta por anos.

“Todos os dados apontam que mães são as que mais perderam seus empregos nas crises e as que mais demoram a se recolocar. Isso que estamos falando do mercado formal. Se formos olhar a quantidade de mulheres mães na informalidade e em subempregos, os dados são ainda mais assustadores”, afirma a gerente de direitos humanos do Pacto Global da ONU no Brasil, Tayná Leite.

O cenário é ainda pior para as mulheres pobres. Trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35% nos 12 meses após o início da licença-maternidade, enquanto a queda é de 51% para as mulheres com nível educacional mais baixo.

Para Pinho Neto, os dados demonstram que a política de licença-maternidade funciona melhor para as mulheres com um nível educacional mais alto, já que, por terem habilidades consideradas específicas, segundo ele, elas têm um capital humano mais difícil de substituir. Desta forma, as mulheres com menos renda acabam sendo as mais penalizadas no mercado de trabalho.

Importância de discutir a maternidade real

Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, há uma melhora em comparação com décadas atrás por estarmos discutindo assuntos que antes eram tabus. Além disso, a onda de influenciadoras e figuras públicas falando sobre a maternidade real nas redes sociais também tem ajudado.

No entanto, as mães destacam que o primeiro passo para que haja uma mudança maior nas empresas é que a maternidade seja menos romantizada na sociedade.

“A mãe sai do hospital totalmente perdida. É preciso parar de romantizar a maternidade e diferenciar a maternidade de quem pode contratar dez babás e de quem não consegue uma vaga na creche”, afirma Jennifer Rocha, destacando que trabalhando fora dois dias por semana paga uma amiga para ficar com a filha. “Se eu for pagar uma creche, é mais da metade do meu salário.”

Luana Gabriela, sócia da holding Anga, que após a licença-maternidade assumiu o cargo de CEO de uma das empresas do grupo, a Tribo Consultoria, destaca que, para que haja uma mudança efetiva, é preciso incluir a sociedade como um todo.

“Não adianta ficar discutindo temas somente de mulheres para mulheres sobre mulheres. Nós já sabemos disso. É o que a gente vive, a gente sente na pele. É preciso incluir os homens e conscientizá-los sobre o papel deles na gravidez”, explica. Para ela, a partir do momento que houver essa difusão, haverá uma mudança genuína tanto no olhar das empresas, quanto dentro das casas.

Luana Gabriela, CEO da Tribo. Foto: Divulgação/Tribo

O que as empresas podem fazer?

Para Lilian Caires, professora da Fundação Vanzolini e especialista em RH, o primeiro passo para uma mudança efetiva é estabelecer um diálogo honesto com a mulher. “Existe um movimento muito grande de trazer mulheres pro mercado de trabalho para cumprir cota e ficar bonito nas redes sociais, mas as empresas discutem muito pouco o que é importante para ela nesse processo, como ela se sente depois”, afirma a especialista, que propõe que os RHs comecem a fazer rodas de conversa.

Ela defende que a mudança comece com os altos cargos de liderança. Nesse sentido, analistas ouvidos pelo Estadão dizem que já presenciaram casos em que o homem não aceitou a licença-paternidade por ter “medo de ser zoado pelos colegas” ou por não enxergar a necessidade dessa pausa. “Essa consciência não vai ser criada a não ser que ouçam. Qualquer atitude tem que vir da liderança. Não pode ser um tabu”, diz a especialista em RH.

Para a psicóloga e especialista em RH, Monique Stony, as empresas poderiam fazer um planejamento prévio, já sabendo que a mulher entrará em licença-maternidade dali a tantos meses, conseguindo tornar todo esse processo mais acolhedor e até mesmo tirar o medo da mulher ser demitida quando retornar para o trabalho.

A opinião, no entanto, não é unânime. Lilian Caires afirma não acreditar que um planejamento inicial, por exemplo, seria efetivo para tornar o retorno das grávidas mais confortáveis. Para ela, tudo pode mudar em uma gestação. Por isso, o acolhimento posterior é essencial.

“O que é um planejamento do retorno de uma grávida? Esperar que ela tenha um parto saudável, licença-maternidade saudável e uma criança saudável. Tem muitas coisas que influenciam: o parto pode ser difícil, ela pode ser uma gravidez de risco, o bebê pode nascer com alguma doença crônica. É difícil ter um planejamento, mas é possível dar recursos de apoio”, defende Caires.

Segundo o estudo Mapeando um ambiente pró-família nas organizações, promovido pela Filhos no Currículo, alguns dos benefícios mais desejados pelas mães nas empresas são:

  • Plano de saúde estendido aos dependentes;
  • Creche na companhia;
  • Trabalho flexível;
  • Home office;
  • Auxílio creche.

Além disso, a instituição defende que haja a implementação de jornadas de trabalho flexíveis, retorno gradual, trabalho remoto, apoio psicológico, programas de mentoria e auxílio-babá aliados a uma mudança cultural da empresa.

Para Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo, além destes requerimentos, para entender a real necessidade dos funcionários, é preciso que as corporações criem um ambiente pró-família, além de ter mais isonomia nas conversas com os funcionários, sem atrelar a pauta de maternidade somente às mulheres.

Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo Foto: Patricia Canola/Filhos no Currículo

“Você já perguntou para seus funcionários como a sua empresa poderia ajudá-los neste sentido? As empresas precisam repensar as suas políticas com mais isonomia e levarem em consideração as novas configurações familiares e a vontade de muitos homens em construir uma relação de vínculo com seus filhos. Elas estarão permitindo que muitos profissionais com filhos, sejam eles homens ou mulheres, sejam protagonistas em suas carreiras”, afirma Terni.

Para Flávio Legieri, CEO da Intelligenza IT, especializada em RH, a principal atitude é investir em iniciativas internas, a fim de tornar o ambiente de trabalho cada vez mais diverso e inclusivo. “O fato de uma mulher se tornar mãe e ter que administrar tantas emoções e tarefas traz a essa mulher habilidades que são fundamentais também no âmbito do trabalho e que deveriam ser valorizadas ao invés de depreciadas.”

Para ele, além de benefícios como a licença-maternidade ampliada com direito a remuneração, auxílio creche, diminuição da carga horária por um período de tempo, é preciso investir em programas de capacitação internos que podem contribuir para o crescimento e desenvolvimento destas mulheres no mercado.

Empresas fomentam práticas inclusivas para mães

Depois de ter passado por um processo complicado de recolocação no mercado de trabalho na sua primeira gestação, a segunda foi bem mais tranquila para Jennifer Rocha justamente pelo acolhimento da empresa.

Ela foi contratada estando grávida de seis meses pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), trabalhando até os oito meses e meio, quando se afastou da empresa pela licença-maternidade.

“Eu fiquei com medo quando fiz o processo seletivo. Mostrei a barriga assim meio com medo, mas elas me contrataram. Eu fiquei surpresa. Eles brincaram: ‘Você não quer?’. Eu falei: ‘É claro que eu quero’. Fica esse trauma de que quem está gestante é incompetente, de que você vai dar problema para empresa”, afirma Jennifer.

Ela retornou da sua licença-maternidade em abril, já animada para voltar a trabalhar. “Eu fui muito acolhida na empresa. Lá também tem a opção de home office, o que me ajudou demais com a minha bebê. Hoje eu estava trabalhando com a minha bebê do lado, amamentando, brincando, fazendo carinho, vendo ela crescer. No mercado de trabalho, ou você vê seu filho crescer ou banca ele”.

Além do incentivo contratação de mulheres mesmo no final de sua gravidez, Débora Monteiro, gerente executiva do RME, destaca que a empresa ainda oferece como benefícios a licença-maternidade de seis meses; flexibilidade na rotina de escritório para possível necessidade de retirar o leite e um plano de acolhimento na volta da mãe com a equipe.

Débora Monteiro, gerente executiva do RME. Foto: Divulgação/ RME

Outra empresa que se destaca nos benefícios concedidos para tornar o processo de retorno mais fácil é o Grupo Boticário, que oferece a licença Parental Universal, permitindo que os homens também tirem esse momento para cuidar de seus filhos após a gravidez.

“A licença surge com o objetivo de fomentar a coparentalidade, propondo que pai e mãe dividam a liderança, equilibrando a responsabilidade feminina, que acaba sendo mais demandada”, explica a diretora de jornada do volaborador do Grupo Boticário, Renata Simioni.

Lançado no segundo semestre de 2021, o grupo concede 120 dias de licença 100% remunerada para homens (cis e trans), relações hétero e homoafetivas e pais de filhos não-consanguíneos, além de pessoas gestantes que já usufruem de licença-maternidade de até 180 dias. Entre julho de 2021 e abril de 2023, 1.049 colaboradores usufruíram da licença-maternidade parental. Destes, 34% foram homens.

“Me perguntam: ‘Pedro, que legal a licença de quatro meses, mas me conta, você trabalhou um pouquinho ou escondido,né ?’ e a resposta é: “Sim, exclusivamente para minha nova chefe Manuela”, brinca o diretor de Tesouraria do Grupo, Pedro Andrade, que usufruiu da licença e destacou que foi um momento de muitas mudanças na sua vida.

Outra empresa que também se destaca é a Kimberly-Clark, que lançou no Brasil um programa de contratação exclusivo para mães, o Working Mom’s. “A iniciativa traz de volta ao mercado de trabalho excelentes profissionais com muita experiência. Não faz sentido algum pensar que, por exemplo, uma mulher que trabalhou por dez anos e fez uma pausa perdeu todo o conhecimento adquirido”, afirma o diretor de recursos humanos da empresa no Brasil, Felipe Balbino.

O projeto já foi implementado na Argentina, Costa Rica, Chile, Peru, Bolívia, Colômbia e Brasil, ofertando vagas temporárias (contratos de seis meses) ou permanentes exclusivamente para mulheres que têm filhos. Desde setembro de 2022 até abril deste ano, de todas as mulheres contratadas pela Kimberly-Clark, 46% são mães.

Ainda se destacam as empresas Schneider Electric, que oferece uma linha de apoio gratuita para todos os colaboradores da empresa, em que o funcionário tem acesso a apoio jurídico, financeiro e psicológico para a família de forma confidencial e a holding Anga, que concede licença-paternidade.

“Eu consegui tirar 120 dias de licença. A gente sabia a data, então consegui sair um pouco antes da Ester nascer, preparar todo o processo, viver de fato esses dias. Como casal, crescemos muito”, explica Augusto Júnior, sócio da empresa.

Para ele, o processo foi essencial para não deixar a sua esposa sobrecarregada com os cuidados da bebê e os afazeres de casa.“Eu acho essencial ter essa licença para os homens também, porque a gestação é um processo de duas pessoas. Enquanto ela cuidava da bebê, eu cuidava da minha esposa, desde a alimentação até a casa. Fiz um cardápio com as comidas favoritas dela, para que ela pudesse viver esse momento de forma mais leve”, explica Júnior.

Augusto Júnior, sócio da Anga& Din4mo. Foto: Acervo pessoal

Para Júnior, a licença-paternidade deve se tornar uma opção na lei, mas uma mudança cultural deve vir junto “Não acho que a lei vai resolver tudo. Durante minha licença, meus amigos achavam que eu estava de férias. Olha o perigo que pode ser se o pai não tiver a consciência na licença e usar para outra coisa. A gente precisa do governo, das empresas e elevar o nivel de consciência do papel do pai”.

Além disso, existem movimentos também para aproximar empresas e colaboradoras. Em parceria com a B2Mammy, o Filhos no Currículo lançou um movimento para empregabilidade de mães, o Ser mãe dá trabalho. O objetivo é conectar mães em busca de recolocação com empresas comprometidas a criar um ambiente de trabalho mais acolhedor para as figuras parentais.

Governo e iniciativa privada devem andar juntos

Todos os analistas consultados pelo Estadão defendem que é essencial que haja políticas públicas promulgadas pelo governo, desde a implementação da licença-paternidade de forma efetiva, como a criação de creches.

No entanto, os especialistas destacam que não é preciso apenas aumentar o número de creches, mas também estudar um plano de ação que foque na localização delas e também no horário.

“Com as creches, é preciso que ela esteja localizada em um ponto estratégico, não adianta ser longe de onde ela mora e de onde ela trabalha. É preciso desenhar um estudo para entender onde estão as maiores demandas por creche”, explica Valdemar Pinho Neto, professor da FGV.

Para ele, uma mudança na legislação é muito difícil pois é um tema muito complexo e o Brasil está apenas começando a discutir esse assunto. “Deve haver a combinação de legislação com a reeducação para que as pessoas consigam entender que é natural haver uma distribuição entre o casal”.

A representante do Pacto Global da ONU Brasil, Tayná Leite, é da mesma opinião, reforçando que não deve haver uma mudança de cultura na sociedade para que só posteriormente haja uma mudança nas empresas. “Precisamos trocar os pneus com o carro andando. Não há tempo para esperar mudança de cultura e, a bem da verdade, isso não existe. O amanhã já é o ontem de depois de amanhã”, afirma.

Assim como aconteceu com diversas datas comemorativas, o Dia das Mães tem sido visto como uma oportunidade de discutir pautas atreladas ao universo feminino, como as dificuldades que as mães ainda enfrentam para retornar ao mercado de trabalho após a licença-maternidade.

Embora a agenda ESG (sigla em inglês para a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) tenha como uma das suas principais bandeiras a fomentação da diversidade, 88% das mulheres acreditam que a gravidez ainda é vista como um empecilho pelas empresas na hora da contratação, segundo o estudo Mulheres no Trabalho feito pela Opinion Box e Nielsen.

Para a maioria das especialistas, profissionais de recursos humanos (RH) e mães consultadas pelo Estadão, além da prática ainda acontecer na hora da contratação, as mulheres se sentem excluídas das empresas após terem filhos.

“Para o mercado, quando a mulher tem filho, ela se torna incompetente”, afirma Jennifer Rocha, líder social da comunidade Jardim Elba, na zona leste de São Paulo, e assistente de projetos do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME).

“Quando a mulher volta ao mercado de trabalho, ela é questionada sobre coisas que o homem não é. ‘Você tem filho?’, ‘Com quem você vai deixar?’, ‘E se ficar doente?’. É sobre ser questionada o tempo todo por amigos, família e na área em que você se sente você mesma, no trabalho”, diz Rocha.

Jennifer Rocha, assistente da RME. Foto: Jennifer Rocha/ arquivo pessoal

A assistente de projetos destaca que o período já é difícil por motivos como autoestima abalada, inseguranças, depressão pós-parto, puerpério, amamentação e mudanças hormonais. No entanto, ele se torna ainda mais complicado quando, segundo ela, a capacidade da mulher é colocada em dúvida apenas pelo fato de ser mãe.

Para os especialistas consultados pelo Estadão, o relato de Jennifer demonstra os desafios que muitas mulheres enfrentam para voltar ao mercado.

Mulheres pobres são mais afetadas

Segundo uma pesquisa da Condurú Consultoria, 70% das mulheres com filhos têm dificuldades para voltar ao mercado. E quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade perdem o trabalho após 12 meses fora do mercado, segundo o estudo As consequências da licença-maternidade maternidade no mercado de trabalho: evidências do Brasil, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A queda da empregabilidade das mulheres que se tornaram mães se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença-maternidade, de quatro meses. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Segundo o idealizador do estudo, Valdemar Pinho Neto, doutor em economia pela FGV EPGE, a queda se mantém até quatro anos após o fim da licença-maternidade, demonstrando que não é um problema pontual, mas que se arrasta por anos.

“Todos os dados apontam que mães são as que mais perderam seus empregos nas crises e as que mais demoram a se recolocar. Isso que estamos falando do mercado formal. Se formos olhar a quantidade de mulheres mães na informalidade e em subempregos, os dados são ainda mais assustadores”, afirma a gerente de direitos humanos do Pacto Global da ONU no Brasil, Tayná Leite.

O cenário é ainda pior para as mulheres pobres. Trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35% nos 12 meses após o início da licença-maternidade, enquanto a queda é de 51% para as mulheres com nível educacional mais baixo.

Para Pinho Neto, os dados demonstram que a política de licença-maternidade funciona melhor para as mulheres com um nível educacional mais alto, já que, por terem habilidades consideradas específicas, segundo ele, elas têm um capital humano mais difícil de substituir. Desta forma, as mulheres com menos renda acabam sendo as mais penalizadas no mercado de trabalho.

Importância de discutir a maternidade real

Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, há uma melhora em comparação com décadas atrás por estarmos discutindo assuntos que antes eram tabus. Além disso, a onda de influenciadoras e figuras públicas falando sobre a maternidade real nas redes sociais também tem ajudado.

No entanto, as mães destacam que o primeiro passo para que haja uma mudança maior nas empresas é que a maternidade seja menos romantizada na sociedade.

“A mãe sai do hospital totalmente perdida. É preciso parar de romantizar a maternidade e diferenciar a maternidade de quem pode contratar dez babás e de quem não consegue uma vaga na creche”, afirma Jennifer Rocha, destacando que trabalhando fora dois dias por semana paga uma amiga para ficar com a filha. “Se eu for pagar uma creche, é mais da metade do meu salário.”

Luana Gabriela, sócia da holding Anga, que após a licença-maternidade assumiu o cargo de CEO de uma das empresas do grupo, a Tribo Consultoria, destaca que, para que haja uma mudança efetiva, é preciso incluir a sociedade como um todo.

“Não adianta ficar discutindo temas somente de mulheres para mulheres sobre mulheres. Nós já sabemos disso. É o que a gente vive, a gente sente na pele. É preciso incluir os homens e conscientizá-los sobre o papel deles na gravidez”, explica. Para ela, a partir do momento que houver essa difusão, haverá uma mudança genuína tanto no olhar das empresas, quanto dentro das casas.

Luana Gabriela, CEO da Tribo. Foto: Divulgação/Tribo

O que as empresas podem fazer?

Para Lilian Caires, professora da Fundação Vanzolini e especialista em RH, o primeiro passo para uma mudança efetiva é estabelecer um diálogo honesto com a mulher. “Existe um movimento muito grande de trazer mulheres pro mercado de trabalho para cumprir cota e ficar bonito nas redes sociais, mas as empresas discutem muito pouco o que é importante para ela nesse processo, como ela se sente depois”, afirma a especialista, que propõe que os RHs comecem a fazer rodas de conversa.

Ela defende que a mudança comece com os altos cargos de liderança. Nesse sentido, analistas ouvidos pelo Estadão dizem que já presenciaram casos em que o homem não aceitou a licença-paternidade por ter “medo de ser zoado pelos colegas” ou por não enxergar a necessidade dessa pausa. “Essa consciência não vai ser criada a não ser que ouçam. Qualquer atitude tem que vir da liderança. Não pode ser um tabu”, diz a especialista em RH.

Para a psicóloga e especialista em RH, Monique Stony, as empresas poderiam fazer um planejamento prévio, já sabendo que a mulher entrará em licença-maternidade dali a tantos meses, conseguindo tornar todo esse processo mais acolhedor e até mesmo tirar o medo da mulher ser demitida quando retornar para o trabalho.

A opinião, no entanto, não é unânime. Lilian Caires afirma não acreditar que um planejamento inicial, por exemplo, seria efetivo para tornar o retorno das grávidas mais confortáveis. Para ela, tudo pode mudar em uma gestação. Por isso, o acolhimento posterior é essencial.

“O que é um planejamento do retorno de uma grávida? Esperar que ela tenha um parto saudável, licença-maternidade saudável e uma criança saudável. Tem muitas coisas que influenciam: o parto pode ser difícil, ela pode ser uma gravidez de risco, o bebê pode nascer com alguma doença crônica. É difícil ter um planejamento, mas é possível dar recursos de apoio”, defende Caires.

Segundo o estudo Mapeando um ambiente pró-família nas organizações, promovido pela Filhos no Currículo, alguns dos benefícios mais desejados pelas mães nas empresas são:

  • Plano de saúde estendido aos dependentes;
  • Creche na companhia;
  • Trabalho flexível;
  • Home office;
  • Auxílio creche.

Além disso, a instituição defende que haja a implementação de jornadas de trabalho flexíveis, retorno gradual, trabalho remoto, apoio psicológico, programas de mentoria e auxílio-babá aliados a uma mudança cultural da empresa.

Para Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo, além destes requerimentos, para entender a real necessidade dos funcionários, é preciso que as corporações criem um ambiente pró-família, além de ter mais isonomia nas conversas com os funcionários, sem atrelar a pauta de maternidade somente às mulheres.

Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo Foto: Patricia Canola/Filhos no Currículo

“Você já perguntou para seus funcionários como a sua empresa poderia ajudá-los neste sentido? As empresas precisam repensar as suas políticas com mais isonomia e levarem em consideração as novas configurações familiares e a vontade de muitos homens em construir uma relação de vínculo com seus filhos. Elas estarão permitindo que muitos profissionais com filhos, sejam eles homens ou mulheres, sejam protagonistas em suas carreiras”, afirma Terni.

Para Flávio Legieri, CEO da Intelligenza IT, especializada em RH, a principal atitude é investir em iniciativas internas, a fim de tornar o ambiente de trabalho cada vez mais diverso e inclusivo. “O fato de uma mulher se tornar mãe e ter que administrar tantas emoções e tarefas traz a essa mulher habilidades que são fundamentais também no âmbito do trabalho e que deveriam ser valorizadas ao invés de depreciadas.”

Para ele, além de benefícios como a licença-maternidade ampliada com direito a remuneração, auxílio creche, diminuição da carga horária por um período de tempo, é preciso investir em programas de capacitação internos que podem contribuir para o crescimento e desenvolvimento destas mulheres no mercado.

Empresas fomentam práticas inclusivas para mães

Depois de ter passado por um processo complicado de recolocação no mercado de trabalho na sua primeira gestação, a segunda foi bem mais tranquila para Jennifer Rocha justamente pelo acolhimento da empresa.

Ela foi contratada estando grávida de seis meses pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), trabalhando até os oito meses e meio, quando se afastou da empresa pela licença-maternidade.

“Eu fiquei com medo quando fiz o processo seletivo. Mostrei a barriga assim meio com medo, mas elas me contrataram. Eu fiquei surpresa. Eles brincaram: ‘Você não quer?’. Eu falei: ‘É claro que eu quero’. Fica esse trauma de que quem está gestante é incompetente, de que você vai dar problema para empresa”, afirma Jennifer.

Ela retornou da sua licença-maternidade em abril, já animada para voltar a trabalhar. “Eu fui muito acolhida na empresa. Lá também tem a opção de home office, o que me ajudou demais com a minha bebê. Hoje eu estava trabalhando com a minha bebê do lado, amamentando, brincando, fazendo carinho, vendo ela crescer. No mercado de trabalho, ou você vê seu filho crescer ou banca ele”.

Além do incentivo contratação de mulheres mesmo no final de sua gravidez, Débora Monteiro, gerente executiva do RME, destaca que a empresa ainda oferece como benefícios a licença-maternidade de seis meses; flexibilidade na rotina de escritório para possível necessidade de retirar o leite e um plano de acolhimento na volta da mãe com a equipe.

Débora Monteiro, gerente executiva do RME. Foto: Divulgação/ RME

Outra empresa que se destaca nos benefícios concedidos para tornar o processo de retorno mais fácil é o Grupo Boticário, que oferece a licença Parental Universal, permitindo que os homens também tirem esse momento para cuidar de seus filhos após a gravidez.

“A licença surge com o objetivo de fomentar a coparentalidade, propondo que pai e mãe dividam a liderança, equilibrando a responsabilidade feminina, que acaba sendo mais demandada”, explica a diretora de jornada do volaborador do Grupo Boticário, Renata Simioni.

Lançado no segundo semestre de 2021, o grupo concede 120 dias de licença 100% remunerada para homens (cis e trans), relações hétero e homoafetivas e pais de filhos não-consanguíneos, além de pessoas gestantes que já usufruem de licença-maternidade de até 180 dias. Entre julho de 2021 e abril de 2023, 1.049 colaboradores usufruíram da licença-maternidade parental. Destes, 34% foram homens.

“Me perguntam: ‘Pedro, que legal a licença de quatro meses, mas me conta, você trabalhou um pouquinho ou escondido,né ?’ e a resposta é: “Sim, exclusivamente para minha nova chefe Manuela”, brinca o diretor de Tesouraria do Grupo, Pedro Andrade, que usufruiu da licença e destacou que foi um momento de muitas mudanças na sua vida.

Outra empresa que também se destaca é a Kimberly-Clark, que lançou no Brasil um programa de contratação exclusivo para mães, o Working Mom’s. “A iniciativa traz de volta ao mercado de trabalho excelentes profissionais com muita experiência. Não faz sentido algum pensar que, por exemplo, uma mulher que trabalhou por dez anos e fez uma pausa perdeu todo o conhecimento adquirido”, afirma o diretor de recursos humanos da empresa no Brasil, Felipe Balbino.

O projeto já foi implementado na Argentina, Costa Rica, Chile, Peru, Bolívia, Colômbia e Brasil, ofertando vagas temporárias (contratos de seis meses) ou permanentes exclusivamente para mulheres que têm filhos. Desde setembro de 2022 até abril deste ano, de todas as mulheres contratadas pela Kimberly-Clark, 46% são mães.

Ainda se destacam as empresas Schneider Electric, que oferece uma linha de apoio gratuita para todos os colaboradores da empresa, em que o funcionário tem acesso a apoio jurídico, financeiro e psicológico para a família de forma confidencial e a holding Anga, que concede licença-paternidade.

“Eu consegui tirar 120 dias de licença. A gente sabia a data, então consegui sair um pouco antes da Ester nascer, preparar todo o processo, viver de fato esses dias. Como casal, crescemos muito”, explica Augusto Júnior, sócio da empresa.

Para ele, o processo foi essencial para não deixar a sua esposa sobrecarregada com os cuidados da bebê e os afazeres de casa.“Eu acho essencial ter essa licença para os homens também, porque a gestação é um processo de duas pessoas. Enquanto ela cuidava da bebê, eu cuidava da minha esposa, desde a alimentação até a casa. Fiz um cardápio com as comidas favoritas dela, para que ela pudesse viver esse momento de forma mais leve”, explica Júnior.

Augusto Júnior, sócio da Anga& Din4mo. Foto: Acervo pessoal

Para Júnior, a licença-paternidade deve se tornar uma opção na lei, mas uma mudança cultural deve vir junto “Não acho que a lei vai resolver tudo. Durante minha licença, meus amigos achavam que eu estava de férias. Olha o perigo que pode ser se o pai não tiver a consciência na licença e usar para outra coisa. A gente precisa do governo, das empresas e elevar o nivel de consciência do papel do pai”.

Além disso, existem movimentos também para aproximar empresas e colaboradoras. Em parceria com a B2Mammy, o Filhos no Currículo lançou um movimento para empregabilidade de mães, o Ser mãe dá trabalho. O objetivo é conectar mães em busca de recolocação com empresas comprometidas a criar um ambiente de trabalho mais acolhedor para as figuras parentais.

Governo e iniciativa privada devem andar juntos

Todos os analistas consultados pelo Estadão defendem que é essencial que haja políticas públicas promulgadas pelo governo, desde a implementação da licença-paternidade de forma efetiva, como a criação de creches.

No entanto, os especialistas destacam que não é preciso apenas aumentar o número de creches, mas também estudar um plano de ação que foque na localização delas e também no horário.

“Com as creches, é preciso que ela esteja localizada em um ponto estratégico, não adianta ser longe de onde ela mora e de onde ela trabalha. É preciso desenhar um estudo para entender onde estão as maiores demandas por creche”, explica Valdemar Pinho Neto, professor da FGV.

Para ele, uma mudança na legislação é muito difícil pois é um tema muito complexo e o Brasil está apenas começando a discutir esse assunto. “Deve haver a combinação de legislação com a reeducação para que as pessoas consigam entender que é natural haver uma distribuição entre o casal”.

A representante do Pacto Global da ONU Brasil, Tayná Leite, é da mesma opinião, reforçando que não deve haver uma mudança de cultura na sociedade para que só posteriormente haja uma mudança nas empresas. “Precisamos trocar os pneus com o carro andando. Não há tempo para esperar mudança de cultura e, a bem da verdade, isso não existe. O amanhã já é o ontem de depois de amanhã”, afirma.

Assim como aconteceu com diversas datas comemorativas, o Dia das Mães tem sido visto como uma oportunidade de discutir pautas atreladas ao universo feminino, como as dificuldades que as mães ainda enfrentam para retornar ao mercado de trabalho após a licença-maternidade.

Embora a agenda ESG (sigla em inglês para a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) tenha como uma das suas principais bandeiras a fomentação da diversidade, 88% das mulheres acreditam que a gravidez ainda é vista como um empecilho pelas empresas na hora da contratação, segundo o estudo Mulheres no Trabalho feito pela Opinion Box e Nielsen.

Para a maioria das especialistas, profissionais de recursos humanos (RH) e mães consultadas pelo Estadão, além da prática ainda acontecer na hora da contratação, as mulheres se sentem excluídas das empresas após terem filhos.

“Para o mercado, quando a mulher tem filho, ela se torna incompetente”, afirma Jennifer Rocha, líder social da comunidade Jardim Elba, na zona leste de São Paulo, e assistente de projetos do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME).

“Quando a mulher volta ao mercado de trabalho, ela é questionada sobre coisas que o homem não é. ‘Você tem filho?’, ‘Com quem você vai deixar?’, ‘E se ficar doente?’. É sobre ser questionada o tempo todo por amigos, família e na área em que você se sente você mesma, no trabalho”, diz Rocha.

Jennifer Rocha, assistente da RME. Foto: Jennifer Rocha/ arquivo pessoal

A assistente de projetos destaca que o período já é difícil por motivos como autoestima abalada, inseguranças, depressão pós-parto, puerpério, amamentação e mudanças hormonais. No entanto, ele se torna ainda mais complicado quando, segundo ela, a capacidade da mulher é colocada em dúvida apenas pelo fato de ser mãe.

Para os especialistas consultados pelo Estadão, o relato de Jennifer demonstra os desafios que muitas mulheres enfrentam para voltar ao mercado.

Mulheres pobres são mais afetadas

Segundo uma pesquisa da Condurú Consultoria, 70% das mulheres com filhos têm dificuldades para voltar ao mercado. E quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade perdem o trabalho após 12 meses fora do mercado, segundo o estudo As consequências da licença-maternidade maternidade no mercado de trabalho: evidências do Brasil, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A queda da empregabilidade das mulheres que se tornaram mães se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença-maternidade, de quatro meses. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Segundo o idealizador do estudo, Valdemar Pinho Neto, doutor em economia pela FGV EPGE, a queda se mantém até quatro anos após o fim da licença-maternidade, demonstrando que não é um problema pontual, mas que se arrasta por anos.

“Todos os dados apontam que mães são as que mais perderam seus empregos nas crises e as que mais demoram a se recolocar. Isso que estamos falando do mercado formal. Se formos olhar a quantidade de mulheres mães na informalidade e em subempregos, os dados são ainda mais assustadores”, afirma a gerente de direitos humanos do Pacto Global da ONU no Brasil, Tayná Leite.

O cenário é ainda pior para as mulheres pobres. Trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35% nos 12 meses após o início da licença-maternidade, enquanto a queda é de 51% para as mulheres com nível educacional mais baixo.

Para Pinho Neto, os dados demonstram que a política de licença-maternidade funciona melhor para as mulheres com um nível educacional mais alto, já que, por terem habilidades consideradas específicas, segundo ele, elas têm um capital humano mais difícil de substituir. Desta forma, as mulheres com menos renda acabam sendo as mais penalizadas no mercado de trabalho.

Importância de discutir a maternidade real

Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, há uma melhora em comparação com décadas atrás por estarmos discutindo assuntos que antes eram tabus. Além disso, a onda de influenciadoras e figuras públicas falando sobre a maternidade real nas redes sociais também tem ajudado.

No entanto, as mães destacam que o primeiro passo para que haja uma mudança maior nas empresas é que a maternidade seja menos romantizada na sociedade.

“A mãe sai do hospital totalmente perdida. É preciso parar de romantizar a maternidade e diferenciar a maternidade de quem pode contratar dez babás e de quem não consegue uma vaga na creche”, afirma Jennifer Rocha, destacando que trabalhando fora dois dias por semana paga uma amiga para ficar com a filha. “Se eu for pagar uma creche, é mais da metade do meu salário.”

Luana Gabriela, sócia da holding Anga, que após a licença-maternidade assumiu o cargo de CEO de uma das empresas do grupo, a Tribo Consultoria, destaca que, para que haja uma mudança efetiva, é preciso incluir a sociedade como um todo.

“Não adianta ficar discutindo temas somente de mulheres para mulheres sobre mulheres. Nós já sabemos disso. É o que a gente vive, a gente sente na pele. É preciso incluir os homens e conscientizá-los sobre o papel deles na gravidez”, explica. Para ela, a partir do momento que houver essa difusão, haverá uma mudança genuína tanto no olhar das empresas, quanto dentro das casas.

Luana Gabriela, CEO da Tribo. Foto: Divulgação/Tribo

O que as empresas podem fazer?

Para Lilian Caires, professora da Fundação Vanzolini e especialista em RH, o primeiro passo para uma mudança efetiva é estabelecer um diálogo honesto com a mulher. “Existe um movimento muito grande de trazer mulheres pro mercado de trabalho para cumprir cota e ficar bonito nas redes sociais, mas as empresas discutem muito pouco o que é importante para ela nesse processo, como ela se sente depois”, afirma a especialista, que propõe que os RHs comecem a fazer rodas de conversa.

Ela defende que a mudança comece com os altos cargos de liderança. Nesse sentido, analistas ouvidos pelo Estadão dizem que já presenciaram casos em que o homem não aceitou a licença-paternidade por ter “medo de ser zoado pelos colegas” ou por não enxergar a necessidade dessa pausa. “Essa consciência não vai ser criada a não ser que ouçam. Qualquer atitude tem que vir da liderança. Não pode ser um tabu”, diz a especialista em RH.

Para a psicóloga e especialista em RH, Monique Stony, as empresas poderiam fazer um planejamento prévio, já sabendo que a mulher entrará em licença-maternidade dali a tantos meses, conseguindo tornar todo esse processo mais acolhedor e até mesmo tirar o medo da mulher ser demitida quando retornar para o trabalho.

A opinião, no entanto, não é unânime. Lilian Caires afirma não acreditar que um planejamento inicial, por exemplo, seria efetivo para tornar o retorno das grávidas mais confortáveis. Para ela, tudo pode mudar em uma gestação. Por isso, o acolhimento posterior é essencial.

“O que é um planejamento do retorno de uma grávida? Esperar que ela tenha um parto saudável, licença-maternidade saudável e uma criança saudável. Tem muitas coisas que influenciam: o parto pode ser difícil, ela pode ser uma gravidez de risco, o bebê pode nascer com alguma doença crônica. É difícil ter um planejamento, mas é possível dar recursos de apoio”, defende Caires.

Segundo o estudo Mapeando um ambiente pró-família nas organizações, promovido pela Filhos no Currículo, alguns dos benefícios mais desejados pelas mães nas empresas são:

  • Plano de saúde estendido aos dependentes;
  • Creche na companhia;
  • Trabalho flexível;
  • Home office;
  • Auxílio creche.

Além disso, a instituição defende que haja a implementação de jornadas de trabalho flexíveis, retorno gradual, trabalho remoto, apoio psicológico, programas de mentoria e auxílio-babá aliados a uma mudança cultural da empresa.

Para Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo, além destes requerimentos, para entender a real necessidade dos funcionários, é preciso que as corporações criem um ambiente pró-família, além de ter mais isonomia nas conversas com os funcionários, sem atrelar a pauta de maternidade somente às mulheres.

Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo Foto: Patricia Canola/Filhos no Currículo

“Você já perguntou para seus funcionários como a sua empresa poderia ajudá-los neste sentido? As empresas precisam repensar as suas políticas com mais isonomia e levarem em consideração as novas configurações familiares e a vontade de muitos homens em construir uma relação de vínculo com seus filhos. Elas estarão permitindo que muitos profissionais com filhos, sejam eles homens ou mulheres, sejam protagonistas em suas carreiras”, afirma Terni.

Para Flávio Legieri, CEO da Intelligenza IT, especializada em RH, a principal atitude é investir em iniciativas internas, a fim de tornar o ambiente de trabalho cada vez mais diverso e inclusivo. “O fato de uma mulher se tornar mãe e ter que administrar tantas emoções e tarefas traz a essa mulher habilidades que são fundamentais também no âmbito do trabalho e que deveriam ser valorizadas ao invés de depreciadas.”

Para ele, além de benefícios como a licença-maternidade ampliada com direito a remuneração, auxílio creche, diminuição da carga horária por um período de tempo, é preciso investir em programas de capacitação internos que podem contribuir para o crescimento e desenvolvimento destas mulheres no mercado.

Empresas fomentam práticas inclusivas para mães

Depois de ter passado por um processo complicado de recolocação no mercado de trabalho na sua primeira gestação, a segunda foi bem mais tranquila para Jennifer Rocha justamente pelo acolhimento da empresa.

Ela foi contratada estando grávida de seis meses pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), trabalhando até os oito meses e meio, quando se afastou da empresa pela licença-maternidade.

“Eu fiquei com medo quando fiz o processo seletivo. Mostrei a barriga assim meio com medo, mas elas me contrataram. Eu fiquei surpresa. Eles brincaram: ‘Você não quer?’. Eu falei: ‘É claro que eu quero’. Fica esse trauma de que quem está gestante é incompetente, de que você vai dar problema para empresa”, afirma Jennifer.

Ela retornou da sua licença-maternidade em abril, já animada para voltar a trabalhar. “Eu fui muito acolhida na empresa. Lá também tem a opção de home office, o que me ajudou demais com a minha bebê. Hoje eu estava trabalhando com a minha bebê do lado, amamentando, brincando, fazendo carinho, vendo ela crescer. No mercado de trabalho, ou você vê seu filho crescer ou banca ele”.

Além do incentivo contratação de mulheres mesmo no final de sua gravidez, Débora Monteiro, gerente executiva do RME, destaca que a empresa ainda oferece como benefícios a licença-maternidade de seis meses; flexibilidade na rotina de escritório para possível necessidade de retirar o leite e um plano de acolhimento na volta da mãe com a equipe.

Débora Monteiro, gerente executiva do RME. Foto: Divulgação/ RME

Outra empresa que se destaca nos benefícios concedidos para tornar o processo de retorno mais fácil é o Grupo Boticário, que oferece a licença Parental Universal, permitindo que os homens também tirem esse momento para cuidar de seus filhos após a gravidez.

“A licença surge com o objetivo de fomentar a coparentalidade, propondo que pai e mãe dividam a liderança, equilibrando a responsabilidade feminina, que acaba sendo mais demandada”, explica a diretora de jornada do volaborador do Grupo Boticário, Renata Simioni.

Lançado no segundo semestre de 2021, o grupo concede 120 dias de licença 100% remunerada para homens (cis e trans), relações hétero e homoafetivas e pais de filhos não-consanguíneos, além de pessoas gestantes que já usufruem de licença-maternidade de até 180 dias. Entre julho de 2021 e abril de 2023, 1.049 colaboradores usufruíram da licença-maternidade parental. Destes, 34% foram homens.

“Me perguntam: ‘Pedro, que legal a licença de quatro meses, mas me conta, você trabalhou um pouquinho ou escondido,né ?’ e a resposta é: “Sim, exclusivamente para minha nova chefe Manuela”, brinca o diretor de Tesouraria do Grupo, Pedro Andrade, que usufruiu da licença e destacou que foi um momento de muitas mudanças na sua vida.

Outra empresa que também se destaca é a Kimberly-Clark, que lançou no Brasil um programa de contratação exclusivo para mães, o Working Mom’s. “A iniciativa traz de volta ao mercado de trabalho excelentes profissionais com muita experiência. Não faz sentido algum pensar que, por exemplo, uma mulher que trabalhou por dez anos e fez uma pausa perdeu todo o conhecimento adquirido”, afirma o diretor de recursos humanos da empresa no Brasil, Felipe Balbino.

O projeto já foi implementado na Argentina, Costa Rica, Chile, Peru, Bolívia, Colômbia e Brasil, ofertando vagas temporárias (contratos de seis meses) ou permanentes exclusivamente para mulheres que têm filhos. Desde setembro de 2022 até abril deste ano, de todas as mulheres contratadas pela Kimberly-Clark, 46% são mães.

Ainda se destacam as empresas Schneider Electric, que oferece uma linha de apoio gratuita para todos os colaboradores da empresa, em que o funcionário tem acesso a apoio jurídico, financeiro e psicológico para a família de forma confidencial e a holding Anga, que concede licença-paternidade.

“Eu consegui tirar 120 dias de licença. A gente sabia a data, então consegui sair um pouco antes da Ester nascer, preparar todo o processo, viver de fato esses dias. Como casal, crescemos muito”, explica Augusto Júnior, sócio da empresa.

Para ele, o processo foi essencial para não deixar a sua esposa sobrecarregada com os cuidados da bebê e os afazeres de casa.“Eu acho essencial ter essa licença para os homens também, porque a gestação é um processo de duas pessoas. Enquanto ela cuidava da bebê, eu cuidava da minha esposa, desde a alimentação até a casa. Fiz um cardápio com as comidas favoritas dela, para que ela pudesse viver esse momento de forma mais leve”, explica Júnior.

Augusto Júnior, sócio da Anga& Din4mo. Foto: Acervo pessoal

Para Júnior, a licença-paternidade deve se tornar uma opção na lei, mas uma mudança cultural deve vir junto “Não acho que a lei vai resolver tudo. Durante minha licença, meus amigos achavam que eu estava de férias. Olha o perigo que pode ser se o pai não tiver a consciência na licença e usar para outra coisa. A gente precisa do governo, das empresas e elevar o nivel de consciência do papel do pai”.

Além disso, existem movimentos também para aproximar empresas e colaboradoras. Em parceria com a B2Mammy, o Filhos no Currículo lançou um movimento para empregabilidade de mães, o Ser mãe dá trabalho. O objetivo é conectar mães em busca de recolocação com empresas comprometidas a criar um ambiente de trabalho mais acolhedor para as figuras parentais.

Governo e iniciativa privada devem andar juntos

Todos os analistas consultados pelo Estadão defendem que é essencial que haja políticas públicas promulgadas pelo governo, desde a implementação da licença-paternidade de forma efetiva, como a criação de creches.

No entanto, os especialistas destacam que não é preciso apenas aumentar o número de creches, mas também estudar um plano de ação que foque na localização delas e também no horário.

“Com as creches, é preciso que ela esteja localizada em um ponto estratégico, não adianta ser longe de onde ela mora e de onde ela trabalha. É preciso desenhar um estudo para entender onde estão as maiores demandas por creche”, explica Valdemar Pinho Neto, professor da FGV.

Para ele, uma mudança na legislação é muito difícil pois é um tema muito complexo e o Brasil está apenas começando a discutir esse assunto. “Deve haver a combinação de legislação com a reeducação para que as pessoas consigam entender que é natural haver uma distribuição entre o casal”.

A representante do Pacto Global da ONU Brasil, Tayná Leite, é da mesma opinião, reforçando que não deve haver uma mudança de cultura na sociedade para que só posteriormente haja uma mudança nas empresas. “Precisamos trocar os pneus com o carro andando. Não há tempo para esperar mudança de cultura e, a bem da verdade, isso não existe. O amanhã já é o ontem de depois de amanhã”, afirma.

Assim como aconteceu com diversas datas comemorativas, o Dia das Mães tem sido visto como uma oportunidade de discutir pautas atreladas ao universo feminino, como as dificuldades que as mães ainda enfrentam para retornar ao mercado de trabalho após a licença-maternidade.

Embora a agenda ESG (sigla em inglês para a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) tenha como uma das suas principais bandeiras a fomentação da diversidade, 88% das mulheres acreditam que a gravidez ainda é vista como um empecilho pelas empresas na hora da contratação, segundo o estudo Mulheres no Trabalho feito pela Opinion Box e Nielsen.

Para a maioria das especialistas, profissionais de recursos humanos (RH) e mães consultadas pelo Estadão, além da prática ainda acontecer na hora da contratação, as mulheres se sentem excluídas das empresas após terem filhos.

“Para o mercado, quando a mulher tem filho, ela se torna incompetente”, afirma Jennifer Rocha, líder social da comunidade Jardim Elba, na zona leste de São Paulo, e assistente de projetos do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME).

“Quando a mulher volta ao mercado de trabalho, ela é questionada sobre coisas que o homem não é. ‘Você tem filho?’, ‘Com quem você vai deixar?’, ‘E se ficar doente?’. É sobre ser questionada o tempo todo por amigos, família e na área em que você se sente você mesma, no trabalho”, diz Rocha.

Jennifer Rocha, assistente da RME. Foto: Jennifer Rocha/ arquivo pessoal

A assistente de projetos destaca que o período já é difícil por motivos como autoestima abalada, inseguranças, depressão pós-parto, puerpério, amamentação e mudanças hormonais. No entanto, ele se torna ainda mais complicado quando, segundo ela, a capacidade da mulher é colocada em dúvida apenas pelo fato de ser mãe.

Para os especialistas consultados pelo Estadão, o relato de Jennifer demonstra os desafios que muitas mulheres enfrentam para voltar ao mercado.

Mulheres pobres são mais afetadas

Segundo uma pesquisa da Condurú Consultoria, 70% das mulheres com filhos têm dificuldades para voltar ao mercado. E quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade perdem o trabalho após 12 meses fora do mercado, segundo o estudo As consequências da licença-maternidade maternidade no mercado de trabalho: evidências do Brasil, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A queda da empregabilidade das mulheres que se tornaram mães se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença-maternidade, de quatro meses. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Segundo o idealizador do estudo, Valdemar Pinho Neto, doutor em economia pela FGV EPGE, a queda se mantém até quatro anos após o fim da licença-maternidade, demonstrando que não é um problema pontual, mas que se arrasta por anos.

“Todos os dados apontam que mães são as que mais perderam seus empregos nas crises e as que mais demoram a se recolocar. Isso que estamos falando do mercado formal. Se formos olhar a quantidade de mulheres mães na informalidade e em subempregos, os dados são ainda mais assustadores”, afirma a gerente de direitos humanos do Pacto Global da ONU no Brasil, Tayná Leite.

O cenário é ainda pior para as mulheres pobres. Trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35% nos 12 meses após o início da licença-maternidade, enquanto a queda é de 51% para as mulheres com nível educacional mais baixo.

Para Pinho Neto, os dados demonstram que a política de licença-maternidade funciona melhor para as mulheres com um nível educacional mais alto, já que, por terem habilidades consideradas específicas, segundo ele, elas têm um capital humano mais difícil de substituir. Desta forma, as mulheres com menos renda acabam sendo as mais penalizadas no mercado de trabalho.

Importância de discutir a maternidade real

Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, há uma melhora em comparação com décadas atrás por estarmos discutindo assuntos que antes eram tabus. Além disso, a onda de influenciadoras e figuras públicas falando sobre a maternidade real nas redes sociais também tem ajudado.

No entanto, as mães destacam que o primeiro passo para que haja uma mudança maior nas empresas é que a maternidade seja menos romantizada na sociedade.

“A mãe sai do hospital totalmente perdida. É preciso parar de romantizar a maternidade e diferenciar a maternidade de quem pode contratar dez babás e de quem não consegue uma vaga na creche”, afirma Jennifer Rocha, destacando que trabalhando fora dois dias por semana paga uma amiga para ficar com a filha. “Se eu for pagar uma creche, é mais da metade do meu salário.”

Luana Gabriela, sócia da holding Anga, que após a licença-maternidade assumiu o cargo de CEO de uma das empresas do grupo, a Tribo Consultoria, destaca que, para que haja uma mudança efetiva, é preciso incluir a sociedade como um todo.

“Não adianta ficar discutindo temas somente de mulheres para mulheres sobre mulheres. Nós já sabemos disso. É o que a gente vive, a gente sente na pele. É preciso incluir os homens e conscientizá-los sobre o papel deles na gravidez”, explica. Para ela, a partir do momento que houver essa difusão, haverá uma mudança genuína tanto no olhar das empresas, quanto dentro das casas.

Luana Gabriela, CEO da Tribo. Foto: Divulgação/Tribo

O que as empresas podem fazer?

Para Lilian Caires, professora da Fundação Vanzolini e especialista em RH, o primeiro passo para uma mudança efetiva é estabelecer um diálogo honesto com a mulher. “Existe um movimento muito grande de trazer mulheres pro mercado de trabalho para cumprir cota e ficar bonito nas redes sociais, mas as empresas discutem muito pouco o que é importante para ela nesse processo, como ela se sente depois”, afirma a especialista, que propõe que os RHs comecem a fazer rodas de conversa.

Ela defende que a mudança comece com os altos cargos de liderança. Nesse sentido, analistas ouvidos pelo Estadão dizem que já presenciaram casos em que o homem não aceitou a licença-paternidade por ter “medo de ser zoado pelos colegas” ou por não enxergar a necessidade dessa pausa. “Essa consciência não vai ser criada a não ser que ouçam. Qualquer atitude tem que vir da liderança. Não pode ser um tabu”, diz a especialista em RH.

Para a psicóloga e especialista em RH, Monique Stony, as empresas poderiam fazer um planejamento prévio, já sabendo que a mulher entrará em licença-maternidade dali a tantos meses, conseguindo tornar todo esse processo mais acolhedor e até mesmo tirar o medo da mulher ser demitida quando retornar para o trabalho.

A opinião, no entanto, não é unânime. Lilian Caires afirma não acreditar que um planejamento inicial, por exemplo, seria efetivo para tornar o retorno das grávidas mais confortáveis. Para ela, tudo pode mudar em uma gestação. Por isso, o acolhimento posterior é essencial.

“O que é um planejamento do retorno de uma grávida? Esperar que ela tenha um parto saudável, licença-maternidade saudável e uma criança saudável. Tem muitas coisas que influenciam: o parto pode ser difícil, ela pode ser uma gravidez de risco, o bebê pode nascer com alguma doença crônica. É difícil ter um planejamento, mas é possível dar recursos de apoio”, defende Caires.

Segundo o estudo Mapeando um ambiente pró-família nas organizações, promovido pela Filhos no Currículo, alguns dos benefícios mais desejados pelas mães nas empresas são:

  • Plano de saúde estendido aos dependentes;
  • Creche na companhia;
  • Trabalho flexível;
  • Home office;
  • Auxílio creche.

Além disso, a instituição defende que haja a implementação de jornadas de trabalho flexíveis, retorno gradual, trabalho remoto, apoio psicológico, programas de mentoria e auxílio-babá aliados a uma mudança cultural da empresa.

Para Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo, além destes requerimentos, para entender a real necessidade dos funcionários, é preciso que as corporações criem um ambiente pró-família, além de ter mais isonomia nas conversas com os funcionários, sem atrelar a pauta de maternidade somente às mulheres.

Michelle Terni, CEO do Filhos no Currículo Foto: Patricia Canola/Filhos no Currículo

“Você já perguntou para seus funcionários como a sua empresa poderia ajudá-los neste sentido? As empresas precisam repensar as suas políticas com mais isonomia e levarem em consideração as novas configurações familiares e a vontade de muitos homens em construir uma relação de vínculo com seus filhos. Elas estarão permitindo que muitos profissionais com filhos, sejam eles homens ou mulheres, sejam protagonistas em suas carreiras”, afirma Terni.

Para Flávio Legieri, CEO da Intelligenza IT, especializada em RH, a principal atitude é investir em iniciativas internas, a fim de tornar o ambiente de trabalho cada vez mais diverso e inclusivo. “O fato de uma mulher se tornar mãe e ter que administrar tantas emoções e tarefas traz a essa mulher habilidades que são fundamentais também no âmbito do trabalho e que deveriam ser valorizadas ao invés de depreciadas.”

Para ele, além de benefícios como a licença-maternidade ampliada com direito a remuneração, auxílio creche, diminuição da carga horária por um período de tempo, é preciso investir em programas de capacitação internos que podem contribuir para o crescimento e desenvolvimento destas mulheres no mercado.

Empresas fomentam práticas inclusivas para mães

Depois de ter passado por um processo complicado de recolocação no mercado de trabalho na sua primeira gestação, a segunda foi bem mais tranquila para Jennifer Rocha justamente pelo acolhimento da empresa.

Ela foi contratada estando grávida de seis meses pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), trabalhando até os oito meses e meio, quando se afastou da empresa pela licença-maternidade.

“Eu fiquei com medo quando fiz o processo seletivo. Mostrei a barriga assim meio com medo, mas elas me contrataram. Eu fiquei surpresa. Eles brincaram: ‘Você não quer?’. Eu falei: ‘É claro que eu quero’. Fica esse trauma de que quem está gestante é incompetente, de que você vai dar problema para empresa”, afirma Jennifer.

Ela retornou da sua licença-maternidade em abril, já animada para voltar a trabalhar. “Eu fui muito acolhida na empresa. Lá também tem a opção de home office, o que me ajudou demais com a minha bebê. Hoje eu estava trabalhando com a minha bebê do lado, amamentando, brincando, fazendo carinho, vendo ela crescer. No mercado de trabalho, ou você vê seu filho crescer ou banca ele”.

Além do incentivo contratação de mulheres mesmo no final de sua gravidez, Débora Monteiro, gerente executiva do RME, destaca que a empresa ainda oferece como benefícios a licença-maternidade de seis meses; flexibilidade na rotina de escritório para possível necessidade de retirar o leite e um plano de acolhimento na volta da mãe com a equipe.

Débora Monteiro, gerente executiva do RME. Foto: Divulgação/ RME

Outra empresa que se destaca nos benefícios concedidos para tornar o processo de retorno mais fácil é o Grupo Boticário, que oferece a licença Parental Universal, permitindo que os homens também tirem esse momento para cuidar de seus filhos após a gravidez.

“A licença surge com o objetivo de fomentar a coparentalidade, propondo que pai e mãe dividam a liderança, equilibrando a responsabilidade feminina, que acaba sendo mais demandada”, explica a diretora de jornada do volaborador do Grupo Boticário, Renata Simioni.

Lançado no segundo semestre de 2021, o grupo concede 120 dias de licença 100% remunerada para homens (cis e trans), relações hétero e homoafetivas e pais de filhos não-consanguíneos, além de pessoas gestantes que já usufruem de licença-maternidade de até 180 dias. Entre julho de 2021 e abril de 2023, 1.049 colaboradores usufruíram da licença-maternidade parental. Destes, 34% foram homens.

“Me perguntam: ‘Pedro, que legal a licença de quatro meses, mas me conta, você trabalhou um pouquinho ou escondido,né ?’ e a resposta é: “Sim, exclusivamente para minha nova chefe Manuela”, brinca o diretor de Tesouraria do Grupo, Pedro Andrade, que usufruiu da licença e destacou que foi um momento de muitas mudanças na sua vida.

Outra empresa que também se destaca é a Kimberly-Clark, que lançou no Brasil um programa de contratação exclusivo para mães, o Working Mom’s. “A iniciativa traz de volta ao mercado de trabalho excelentes profissionais com muita experiência. Não faz sentido algum pensar que, por exemplo, uma mulher que trabalhou por dez anos e fez uma pausa perdeu todo o conhecimento adquirido”, afirma o diretor de recursos humanos da empresa no Brasil, Felipe Balbino.

O projeto já foi implementado na Argentina, Costa Rica, Chile, Peru, Bolívia, Colômbia e Brasil, ofertando vagas temporárias (contratos de seis meses) ou permanentes exclusivamente para mulheres que têm filhos. Desde setembro de 2022 até abril deste ano, de todas as mulheres contratadas pela Kimberly-Clark, 46% são mães.

Ainda se destacam as empresas Schneider Electric, que oferece uma linha de apoio gratuita para todos os colaboradores da empresa, em que o funcionário tem acesso a apoio jurídico, financeiro e psicológico para a família de forma confidencial e a holding Anga, que concede licença-paternidade.

“Eu consegui tirar 120 dias de licença. A gente sabia a data, então consegui sair um pouco antes da Ester nascer, preparar todo o processo, viver de fato esses dias. Como casal, crescemos muito”, explica Augusto Júnior, sócio da empresa.

Para ele, o processo foi essencial para não deixar a sua esposa sobrecarregada com os cuidados da bebê e os afazeres de casa.“Eu acho essencial ter essa licença para os homens também, porque a gestação é um processo de duas pessoas. Enquanto ela cuidava da bebê, eu cuidava da minha esposa, desde a alimentação até a casa. Fiz um cardápio com as comidas favoritas dela, para que ela pudesse viver esse momento de forma mais leve”, explica Júnior.

Augusto Júnior, sócio da Anga& Din4mo. Foto: Acervo pessoal

Para Júnior, a licença-paternidade deve se tornar uma opção na lei, mas uma mudança cultural deve vir junto “Não acho que a lei vai resolver tudo. Durante minha licença, meus amigos achavam que eu estava de férias. Olha o perigo que pode ser se o pai não tiver a consciência na licença e usar para outra coisa. A gente precisa do governo, das empresas e elevar o nivel de consciência do papel do pai”.

Além disso, existem movimentos também para aproximar empresas e colaboradoras. Em parceria com a B2Mammy, o Filhos no Currículo lançou um movimento para empregabilidade de mães, o Ser mãe dá trabalho. O objetivo é conectar mães em busca de recolocação com empresas comprometidas a criar um ambiente de trabalho mais acolhedor para as figuras parentais.

Governo e iniciativa privada devem andar juntos

Todos os analistas consultados pelo Estadão defendem que é essencial que haja políticas públicas promulgadas pelo governo, desde a implementação da licença-paternidade de forma efetiva, como a criação de creches.

No entanto, os especialistas destacam que não é preciso apenas aumentar o número de creches, mas também estudar um plano de ação que foque na localização delas e também no horário.

“Com as creches, é preciso que ela esteja localizada em um ponto estratégico, não adianta ser longe de onde ela mora e de onde ela trabalha. É preciso desenhar um estudo para entender onde estão as maiores demandas por creche”, explica Valdemar Pinho Neto, professor da FGV.

Para ele, uma mudança na legislação é muito difícil pois é um tema muito complexo e o Brasil está apenas começando a discutir esse assunto. “Deve haver a combinação de legislação com a reeducação para que as pessoas consigam entender que é natural haver uma distribuição entre o casal”.

A representante do Pacto Global da ONU Brasil, Tayná Leite, é da mesma opinião, reforçando que não deve haver uma mudança de cultura na sociedade para que só posteriormente haja uma mudança nas empresas. “Precisamos trocar os pneus com o carro andando. Não há tempo para esperar mudança de cultura e, a bem da verdade, isso não existe. O amanhã já é o ontem de depois de amanhã”, afirma.

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