RIO E SÃO PAULO - A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) vai pedir à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao Ministério da Economia que facilitem o adiamento das assembleias-gerais ordinárias (AGOs) da temporada 2020, diante da expansão da covid-19 pelo Brasil. Como o prazo está definido em lei, o entendimento é que a mudança terá que ser feita por meio de Medida Provisória (MP).
A Lei das S.A. prevê que as reuniões presenciais de acionistas ocorram nos quatro primeiros meses após o fim do exercício social, em geral até 30 de abril. A recomendação de isolamento, entretanto, criou um impasse para as empresas.
"Nossa visão é que deve haver a facilitação do adiamento da realização das assembleias", disse ao Broadcast o presidente executivo da Abrasca, Eduardo Lucano. "Entendemos que a solução sólida para a safra de assembleias de 2020 é a edição de uma MP que permita a prorrogação de prazos", completa.
O Broadcast apurou que o tema já está sendo estudado pelo governo. A CVM também está analisando o assunto internamente, mas não tem competência para alterar a lei. Nas últimas duas semanas a autarquia já publicou alguns ofícios com orientações aos participantes do mercado em relação a impactos da pandemia, como por exemplo no que tange à realização e prorrogação de prazos para ofertas públicas de valores mobiliários. Em relação às assembleias, entretanto, informou que ainda não pode dar informações adicionais.
Representando companhias que detém 85% do valor de mercado da B3, com nomes como Vale, Petrobras, Ambev e BRF, a Abrasca discutiu a questão nesta quinta-feira em uma reunião com suas comissões técnicas de mercado de capitais e jurídica. Em tempos de coronavírus, o debate realizado por videoconferência teve mais de 200 inscritos, entre advogados e executivos das áreas de Relações com Investidores, um recorde de participação.
De acordo com Lucano, a MP poderia estabelecer que esse tipo de adiamento ou extensão de prazo valha apenas em circunstâncias extraordinárias, como quando houver estado de emergência decretado. A sugestão é que isso seja feito junto com a facilitação da participação remota de acionistas, seja via pedido público de procuração, carta ou boletim de voto à distância. Os procuradores poderiam participar das reuniões em salas distintas e via aplicativos como o Skype.
"O que não dá é para administrar uma assembleia aberta, que vai aglomerar pessoas. A companhia não pode impedir o acionista de entrar na reunião", pondera Lucano.
Ao mesmo tempo, a Abrasca não vê com bons olhos a adoção abrupta do modelo de participação virtual, por considerar que isso pode dificultar o controle dos participantes e trazer insegurança jurídica. Para Lucano, a assembleia foi criada essencialmente para ser presencial, com a apresentação de propostas e seu debate.
Algumas empresas como a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e a Lojas Renner já anunciaram mudanças em suas assembleias frente a orientação das autoridades de isolamento por conta da pandemia. Na quarta-feira, 18, a varejista informou em fato relevante uma série de medidas tomadas para minimizar o contágio por coronavírus e informou que, para uma melhor análise da situação, estaria cancelando a assembleia geral ordinária e extraordinária, convocada para o dia 16 de abril.
Já a Cesp comunicou o mercado que em decorrência do avanço das contaminações pelo novo coronavírus e em linha com as orientações oficiais visando à contenção da pandemia, recomenda a utilização da alternativa de voto à distância referente às matérias da assembleia agendada para 30 de março de 2020.
O advogado e ex-diretor da CVM, Pablo Renteria, diz que embora não possa alterar prazos a autarquia deveria orientar as companhias a comunicarem o mais cedo possível sua decisão sobre as assembleias e sinalizar que pode "perdoar" eventuais atrasos.
"Acho que a CVM deveria dar um conforto no sentido de que entende que as companhias não estão em condições de realizar assembleias e que não necessariamente haverá uma responsabilização se não cumprirem o prazo legal", afirma o sócio do Renteria Advogados.
No dia 13 de março a Securities and Exchange Comission (SEC), a CVM norte-americana, divulgou um comunicado orientando acionistas, companhias e o mercado em geral sobre a realização de assembleias em meio à pandemia. O órgão regulador afirma que a disseminação do Covid-19 afetou a capacidade das empresas de realizar as reuniões de acionistas pessoalmente devido a problemas de saúde, transporte e logísticos.
À luz dessas dificuldades, a SEC dá flexibilidade regulatória para as companhias que desejem alterar a data e o local das reuniões e usar novas tecnologias, como reuniões virtuais, sem incorrer no custo de envio adicional de materiais de procuração. Também incentiva as empresas a fornecer aos acionistas meios alternativos para apresentar propostas nas reuniões anuais, inclusive por telefone.
Pedido à CVM
Paralelamente, associações relacionadas ao Mercado de Capitais já encaminharam um pedido à CVM com medidas que podem auxiliar empresas na gestão da crise do coronavírus. Elas pedem a extensão de prazo para entrega das demonstrações financeiras, autorização para uso de mecanismos alternativos para a realização das assembleias e flexibilização de prazos de realização das assembleias.
O documento foi assinado pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais (AMEC), pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), pela Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC NACIONAL), pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e pelo Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI). O ofício foi entregue na tarde desta quinta-feira, 19.
Para o presidente da AMEC, Fábio Coelho, o momento em que a pandemia atingiu o Brasil é de muita movimentação nas empresas e pede medidas excepcionais. “O mês de abril é um período sensível para a realização de assembleias e finalização das demonstrações financeiras. Fizemos esses pedidos para que as empresas possam concluir esses processos com relativa qualidade e não impactar na qualidade da informação que será apresentada ao mercado”, afirma.
Como exemplo, o executivo alerta para possíveis dificuldades no trabalho das auditorias independentes: “Nem todos os processos de auditoria podem ser feitos remotamente. Essa crise pode impactar na qualidade do trabalho e, consequentemente, nos demonstrativos financeiros”.
As associações esperam que a CVM flexibilize os prazos e formas de realização das assembleias para amenizar os impactos da pandemia do coronavírus. Dessa forma, acreditam que as empresas poderão se preparar melhor para as prestações de contas previstas pela CVM.
Em nota, a CVM confirmou o recebimento do pedido das associações e que "está analisando os pontos ali indicados".