Apesar de aumentarem em até 19% seus investimentos em sustentabilidade no último ano, apenas 31% das companhias no Brasil pretendem priorizar o tema da agenda climática em 2025. Segundo o levantamento da consultoria global Deloitte coletado a partir de relatos de executivos de alta liderança, as mudanças do clima perdem lugar para outros assuntos considerados mais urgentes nas corporações, como inteligência artificial (IA) e perspectivas econômicas.
A terceira edição do estudo “CxO Sustainability Report” ouviu 2.100 executivos que atuam em companhias de 27 países, incluindo China, Estados Unidos, Índia e Alemanha, e apontou que a intenção das empresas do País em abordar as questões de mudança climática está abaixo da média mundial. Globalmente, o tema é priorizado por 37% das organizações — 6 pontos porcentuais a mais.
O levantamento da consultoria foi realizado entre maio e junho de 2024, após ocorrências de grande repercussão no País serem associadas às mudanças climáticas, como as enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul em abril e as ondas de calor que atingiram Estados brasileiros no início do ano.
A baixa prioridade apresentada na amostragem brasileira contrasta com o nível de pressão sofrida pelas corporações por parte de seus variados stakeholders (todas as pessoas ou grupos afetados pelas decisões de uma empresa). O levantamento mostra que, no País, 8 em cada 10 empresas se sentem pressionadas por eles para tomar medidas de mitigação contra mudanças climáticas.
Segundo o relatório, os principais agentes que exercem maior pressão para esse tipo de ação no Brasil são clientes (82%), bancos (80%), empresas concorrentes (79%), acionistas (77%) e membros de conselho (75%).
No País, 83% dos executivos afirmam que se sentem preocupados com as mudanças climáticas na maior parte do tempo. No entanto, somente 45% de representantes de organizações percebem transformações no seu modelo de negócios para abordar a ação do clima no centro de sua estratégia.
Na análise do sócio-líder da Deloitte para Sustentabilidade, Guilherme Lockmann, apesar dos contrastes, os números são positivos em relação ao cenário apresentado em edições passadas do estudo. Ele destaca, principalmente, o aumento nos investimentos das empresas brasileiras em sustentabilidade e explica que a tendência é a de que a agenda climática passe a ganhar mais espaço nas estratégias das empresas.
Segundo o especialista, até então, as prioridades das companhias brasileiras quanto às ações sustentáveis eram voltadas para preservação de fauna e flora, mas a tendência é que haja uma virada de chave, e que o País alcance ou ultrapasse a média global na preocupação com os impactos do clima. “A pandemia trouxe os temas de sustentabilidade cada vez mais para a pauta dos executivos e dos conselheiros no Brasil, e agora a segunda onda sobre o tema no pós-pandemia será sobre a questão da mudança climática.”
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Para Lockmann, a porcentagem mais alta dos demais países na preocupação com o tema é explicada por uma ocorrência mais frequente de eventos trágicos relacionados à ação climática nesses locais. “O número global está descolado para cima pelo fato de que, nesses países, já existiam exemplos claros, como vulcões afetando aviação, terremotos que afetam a comunidade. A gente vê nesses locais um nível de debate empresarial sobre os aspectos de cada modelo de negócio, considerando os aspectos de clima também.”
Ele acrescenta que a dimensão territorial do Brasil, com diferentes eventos climáticos ocorrendo em simultâneo, torna ainda mais complexa a abordagem do tema para as corporações. No entanto, o especialista ressalta que não há mais tempo para ignorar o tema na estratégia de negócios dessas companhias.
“Direta e indiretamente, há muitos fatores que, impactados pelas mudanças climáticas, acabam impactando o modelo de negócios. Então, é necessário se adequar a isso e ter esse ponto na estratégia de expansão. Para ter crescimento hoje, essas considerações não podem mais ser deixadas de lado”, afirma Lockmann.
Pressão para o clima tende a continuar
Se depender de bancos, investidores e clientes, a pressão para que as empresas adotem com urgência ações concretas contra as mudanças climáticas tende a continuar. O gerente de Sustentabilidade e Estratégia ESG do Itaú Unibanco, Fábio Guido, afirma que o fenômeno já se tornou comum na operação da instituição financeira.
“Temos um perfil de investidor que já nos cobra bastante sobre posicionamento. Esses investidores chegam fazendo perguntas profundas que, no passado, não existiam. Temos os reguladores também olhando para essa agenda com bastante perspicácia, perguntando, pedindo informações adicionais, além dos consumidores. A configuração da sociedade atual nos pergunta isso de uma forma muito mais rápida e inteligente do que estávamos acostumados.”
Parte disso tem relação com um movimento global em direção ao tema que, segundo ele, não é novo. “Desde a criação do TCDF (sigla em inglês para a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima, do Financial Stability Board), em 2015, o tema da mudança climática deixou de ser ‘tema de ONG’. Estamos falando de um órgão que é o braço financeiro do G20, e também do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos Bancos Centrais do mundo inteiro nessa agenda.”
Ele lembra que, segundo o Fórum Econômico Mundial, a mudança climática e a perda de biodiversidade estão entre os principais riscos que colocam em xeque a economia global. Portanto, a não inclusão de ações de mitigação nas estratégias de negócios nas operações das companhias pode colaborar para o risco de colapso da economia global. E as empresas brasileiras precisam estar atentas a isso.
“As entidades do coração financeiro do sistema internacional reconhecem que esse é o principal fator de instabilidade do sistema financeiro global, e quando olhamos os riscos, vemos os eventos climáticos, que desestabilizam os sistemas, quebram safras e levam a movimentos migratórios. Isso leva a uma desestabilização do sistema financeiro, e esse é o fluxo do colapso desenhado por essas instituições”, alerta Guido. “Estamos vivendo mudanças importantes, e quanto mais a gente conseguir retardá-las ou freá-las, melhor para o sistema de negócios. Quanto menos esforço fizermos, será pior.”