As empresas estão se movimentando para serem menos poluentes e avançarem na agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança corporativa) não necessariamente pela crença de que é o melhor modelo econômico, mas por pressão social. A análise é de Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU).
O executivo afirma que as mudanças sociais que têm acontecido, com a sociedade civil e os governos exigindo cada vez mais boas práticas, forçam as empresas a mudarem, considerando que, caso isso não aconteça, elas podem perder lugar no mercado nos próximos anos.
“Não é por conta de iluminação, de um gestor, mas porque o mundo está obrigando”, aponta o representante do Pacto Global, iniciativa da ONU que visa engajar empresas e organizações na adoção de princípios nas áreas de direitos humanos e meio ambiente.
Pereira aponta que a agenda ESG cresceu radicalmente nos últimos anos, se fortalecendo nas empresas em 2022 e 2023. Para 2024, ele vê a adoção de sustentabilidade e de práticas de bioeconomia como algo crucial para a sustentabilidade das empresas nos próximos anos. “A opinião pública está indo para esse lugar, fazendo os empresários entender que esse movimento virá com cada vez mais força.”
Abaixo, confira os principais trechos da entrevista:
O financiamento climático foi um dos principais focos de discussão de consultorias e de empresas ao longo de 2023. Para 2024, o senhor vê essa pauta como foco também?
Tenho certeza que será. Acho que ainda estamos naquele momento que um lado fala que não tem bons projetos, e outro que não tem dinheiro. Acho que tem muitos bons projetos e acho que tem muito dinheiro, mas a ligação não está finalizando. Temos visto o BNDES, o Banco do Brasil e outros bancos se movimentando e investindo em programas que impulsionem as empresas, assim como grandes instituições globais também tem impulsionado essa pauta mundialmente.
A crise climática está servindo de capital catalítico, não só resolvendo algum problema pontual, mas ajudando projetos a saírem do papel. O dinheiro tá sendo colocado. Temos como signatários do Pacto desde as startups às empresas mais poderosas do Brasil e está todo mundo muito crente de que agora é a hora.
Existe uma discussão se o montante que as empresas que extraem recursos naturais estão investindo em descarbonização e energia limpa é o suficiente. Como o senhor vê essa discussão?
Precisa aumentar, é claro. Se você olhar quanto uma empresa de petróleo investia em renováveis há três anos e quanto investe agora, é muito maior. Precisa ser muito maior para a gente fazer essa transição, mas também não dá para negar que houve um crescimento muito significativo do investimento das empresas. Hoje uma empresa de petróleo se vê como uma empresa petróleo em transição [ou seja, migrando também para um outro campo de negócio].
Hoje, você não consegue, por interesses múltiplos, fazer uma mudança drástica em uma empresa gigante do dia para a noite. É preciso ter compromissos claros, consistentes e alinhados a pautas que são necessárias para mudanças na empresa. O que eu quero dizer é que não adianta ficar falando em produção de renováveis se você não fala em descarbonizar o seu próprio petróleo. Você tem que trabalhar todas as áreas juntas e por isso você tem que tomar cuidado com os anúncios das empresas, entender se tudo está indo para o mesmo rumo.
As empresas estão se mexendo muito porque elas estão precisando. Não é por uma iluminação, de um gestor, mas porque o mundo está obrigando. A gente vê todas as pesquisas falando sobre esses temas e da expectativa da população com relação a lideranças empresariais para temas da sociedade em geral. Entendo que esse movimento virá com cada vez mais força em 2024 e só aumentar com o passar dos anos.
Em 2024, o Brasil sediará a cúpula de chefes de Estado e governo do G20 pela primeira vez, criando uma expectativa sobre como o país pode influenciar a discussão global sobre bioeconomia. Qual a expectativa do Pacto para este ano de liderança?
Posso dizer que as reuniões com foco em economia começaram ainda no ano passado, a mil por hora, e que o Brasil não quer fazer o que a Índia fez quando esteve à frente do G-20. Concordo com o embaixador André Correia do Lago, que comentou que os países desenvolvidos não perceberam que eles deixaram a presidência do G-20 quatro vezes seguidas para um país em desenvolvimento. Apesar dessa fala, não me parece que a gente conseguiu trazer uma discussão fortalecida do Sul Global e, por isso existe, uma expectativa com o Brasil.
Acho que os países em desenvolvimento estão olhando para o Brasil e vai depender muito da nossa articulação. Tenho certeza de que o Brasil vai usar desse momento para lançar muita coisa e vai associar esse momento fortemente à COP-30.
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Queria falar um pouco também da COP-30, em 2025, que terá Belém, no Pará, como sede. Especialistas apontaram que 2024 seria crucial na sustentabilidade para discutir a implementação do evento no país. O senhor tem visto os executivos se movimentando para viabilizar o evento?
Esse tema já está pegando fogo nas reuniões que tenho participado. Ficou claro que queremos fazer uma COP histórica em 2025 e duvido que a gente não consiga. A gente já vê muita coisa acontecendo. No final do ano, nos reunimos com boa parte dos maiores empresários do País e todo mundo quer entender como vai trabalhar. Você pode ter certeza que não vai faltar dinheiro do capital privado para a COP.
O governo do Pará vem se mobilizando, e a gente, como Pacto Global, já assumiu o compromisso público de mobilizar as empresas para ajudar na estruturação da COP. Assumimos esse compromisso com o governador do Pará, Helder Barbalho, e a ministra Sonia Guajajara. Mas o que posso garantir é que esse assunto já está na pauta das grandes empresas do Brasil desde já.
O senhor vê uma preocupação já do setor privado e do governo com o pós-COP? Considerando que houve uma reclamação após a Copa de 2014 sobre a criação de estruturas muito grandes que foram deixadas de lado após o evento.
Sem dúvida. Tenho escutado o governo falar de, no máximo, usar estruturas temporárias. Não vejo eles fazendo alguma grande estrutura para abarcar a COP, como um grande novo centro. Com relação às pessoas ficarem na COP, existe a possibilidade de levar transatlânticos para lá. Pode parecer estranho, mas não é incomum, na própria Copa houve isso. Existem vários caminhos.
Me parece que o governo está muito comprometido, até pelo trauma recente de Copa e todos os escândalos de corrupção que vieram, muitas vezes com obras superfaturadas. Todo mundo quer que a COP deixe um legado positivo para Belém, mas o tempo é um fator a ser avaliado. Belém tem questões a ser trabalhadas com esgoto sanitário e seria um legado incrível de deixar, mas não dá tempo de resolver tudo em dois anos.
De uma maneira geral, me parece que vai ser muito positivo para Belém. Algumas coisas vão ter que ser melhoradas e isso vai ficar para a sociedade. Não vejo nenhum elefante branco sendo construído. O foco vão ser estruturas temporárias.