Exercer lideranças empáticas impulsiona outras mulheres em cargos de destaque, afirma CEO da Mars


Adriana Hartmann afirma que uma postura empática é um dos principais diferenciais para criar um ambiente de trabalho propício para que mulheres cheguem à liderança

Por Beatriz Capirazi
Atualização:
Foto: Divulgação
Entrevista comAdriana HartmannCEO da Mars Wrigley Brasil

Exercer uma postura empática ao assumir uma posição de liderança é um dos principais diferenciais para criar um ambiente de trabalho propício para que mulheres e outros grupos sub-representados (ou seja, grupos sociais historicamente menos presentes nos processos de tomada de decisão) cheguem à liderança. Essa é a percepção da CEO da Mars Wrigley para o Brasil, Adriana Hartmann.

A executiva da companhia, responsável por marcas como M&M’s, Snickers e Twix, destaca que compreender a posição em que está, mas não ignorar os obstáculos existentes, ajuda a criar uma liderança mais próxima e a promover espaços de escuta — uma ação essencial para que a sociedade avance verdadeiramente na pauta da diversidade, segundo Hartmann.

“É crucial assumir uma postura empática: o fato de ter superado essas barreiras e desafios não significa que eles não persistam”, aponta. Segundo ela, a liderança tem um papel essencial não apenas em incluir esse assunto na agenda, mas também em ser um agente de mudança de comportamento. “Compartilhar minha história de forma vulnerável cria um movimento. As mulheres dizem: ‘isso também é um dilema para mim’; surge uma identificação significativa.”

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Além de uma maior participação masculina em debates femininos, considerando que homens majoritariamente estão em posições de poder e são essenciais para mudanças, a executiva defende uma necessidade de aprofundamento em algumas pautas, como a necessidade de lideranças de diferentes etnias. “O enfrentamento dessa realidade requer mudanças voltadas para a educação e projetos de inserção, para que as mulheres alcancem novos espaços de poder”, afirma.

Adriana Hartmann afirma que uma postura empática é um dos principais diferenciais para criar um ambiente de trabalho propício para que mulheres cheguem à liderança Foto: Divulgação/ Mars

Para ela, a criação de projetos que visem acabar com os vieses inconscientes (uma crença ou uma atitude aprendida que parte do subconsciente), seria interessante. “Desenvolvemos o conceito de “currículos ocultos”. Isso significa olhar menos para os currículos acadêmicos e valorizar as histórias e trajetórias de vida”. Abaixo, os principais destaques da entrevista:

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Nos últimos anos, temos visto inúmeras mulheres ascendendo a cargos de alta liderança. Como você vê a discussão sobre lideranças femininas atualmente?

Existe um avanço, e aqui eu me coloco como exemplo. Comecei minha carreira na Unilever e dei o meu primeiro passo na área de vendas. Há mais de 20 anos, ter mulheres nessa área era bem raro. Quando transponho esse cenário para o presente, vejo avanços nas intenções e em ter mais mulheres em cargos de liderança.

Ainda era um processo de negociação muito hostil, marcado por embates, muitas abordagens extremamente machistas e ácidas. Hoje, esse ambiente mudou e continua a mudar cada vez mais. Hoje vemos mais mutualidade, alianças, co-criações, algo muito mais aderente ao universo feminino do que esse modelo do passado.

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Como sociedade já chegamos onde precisamos? Ainda não, mas essa evolução está acontecendo. Acredito que estar nesse lugar de fala, ocupando uma posição de liderança, é uma responsabilidade. Tenho muita alegria em dizer que meu time direto tem mais de 50% de mulheres. Somos seis mulheres e cinco homens na liderança da Mars no Brasil, e isso exigiu intencionalidade das ações da empresa. Isso inspira. Quantas mulheres me param para dizer: “Como você consegue? Como você chegou até aqui?”.

Não é fácil equilibrar nossos pratinhos, os papéis que ainda são esperados das mulheres. A verdade é que não deveríamos ter de abrir mão de nenhum deles, e quando o fazemos, não necessariamente desejamos fazê-lo. Ter valores inegociáveis nessa jornada é algo importante, pois ajuda a nos orientar.

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Nosso propósito aqui na Mars é impulsionar as mulheres e fazer com que se sintam acolhidas. Uma de nossas líderes mais recentes, que está há apenas alguns meses conosco, disse: “Tenho três filhos pequenos, como será isso? Terei essa flexibilidade?” Com certeza, você terá o meu apoio em tudo o que precisar. Aqui nos adaptamos. Isso retira o peso de sentir que precisamos carregar todos os pratos sem poder ser vulneráveis. E é assim que construímos relações mais fortes, com as pessoas realmente olhando para você.

Como uma das mulheres que chegou a este patamar, quais as dificuldades para se chegar em um cargo de liderança?

Tive o privilégio de trabalhar em ambientes e empresas inclusivas, e sou grata por isso. Tem momentos da minha vida em que olho para trás e me pergunto: “Como consegui?”. Acredito que tudo se resume aos não-negociáveis. Fazer as escolhas certas, há momentos na carreira em que você pensa: “esses caminhos não fazem sentido para mim”.

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A maternidade é um dos grandes elementos dessa equação. Para mim, ficou muito claro que meus filhos eram a prioridade, e tive o privilégio de trabalhar em uma organização que era muito vanguardista nesse aspecto. Pude levar meus dois filhos à creche, amamentá-los, e combinar o profissional com o pessoal, em um ambiente extremamente inclusivo, em uma das empresas que iniciou esse movimento anos atrás, a Unilever.

Da esquerda para a direita: Tatiana Hayashi, Vivian Franco, Denise Door, Ana Seixas, Adriana Hartmann e Paula Coury. Líderanças femininas da Mars no Brasil.  Foto: Divulgação

Nesse papel de liderança, vejo que é crucial assumir uma postura empática: o fato de ter superado essas barreiras e desafios não significa que eles não persistam. Estamos aqui para impulsionar outras mulheres, nos apoiar, para sermos agentes de mudança de comportamento. Além disso, ao compartilhar minha história de forma vulnerável, cria um movimento. As mulheres dizem: “isso também é um dilema para mim”; surge uma identificação significativa.

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Você mencionou que ao longo da sua trajetória teve valores inegociáveis que você acredita que te ajudaram a chegar na liderança. Quais são esses valores?

Costumo dizer que crescemos quando nos tornamos mães. Sou casada e temos dois filhos, Manuela, de 18 anos, e Lucas, de 16 anos. Temos uma conexão familiar incrível! A verdade é que a vida vira de cabeça para baixo e, muitas vezes, me pego olhando para trás e me perguntando: como consegui?! Meus filhos, minha família, sempre foram minha maior prioridade, meus maiores valores inegociáveis, e me desdobrei para dar conta, para estar presente. E faria tudo de novo!

Precisei ser mais disciplinada, fazer escolhas, renunciar a alguns caminhos, mas se o propósito estiver claro, dá certo. Isso é verdade não apenas para as mães. As mulheres na sociedade ainda carregam a responsabilidade de múltiplas tarefas, e essa perspectiva também é muito relevante quando falamos de diversidade de gênero.

As empresas têm um papel importante nisso; deve haver esse cuidado, essas políticas. Eu, por exemplo, pude levar meus filhos para a creche da empresa onde trabalhava, amamentei-os até os 9 meses, e isso só foi possível por estar em um ambiente inclusivo e acolhedor. Nunca tive vergonha de dizer: “Preciso levar meu filho ao médico”.

Não acredito em uma maternidade distante. Não falo nem tanto em quantidade de tempo, mas em qualidade de tempo. Não tenho família em São Paulo; eles são do Sul, mas nunca deixei de levá-los ao médico, às apresentações na escola, de estar com eles nos momentos fundamentais. Por conta dessas escolhas, certamente me vi em situações em que poderia ter sido julgada. Mas com as discussões sobre mulheres, esse movimento crescendo, as pessoas começam a olhar com outros olhos. São exemplos como esse que precisamos.

O que quero reforçar é que ao longo de nossas vidas são feitas escolhas, e para mim, família e esporte são valores. Somos uma família de surfistas, sempre estamos juntos. Todo mundo sempre soube que eu não abria mão disso.

Qual o papel do homem nessa jornada de mudança?

Eu digo que não são apenas as mulheres que devem celebrar este dia; convido todos os homens a fazerem isso também. Independentemente das diferentes perspectivas de diversidade, todos nós devemos comemorar os avanços femininos, as mudanças na sociedade.

Hoje vejo homens sendo muito ativistas. Nosso diretor tem trigêmeos e para ele também é uma jornada desafiadora, e todos estamos lá para apoiá-lo. Ele desempenha um papel muito mais moderno e progressista em como se envolve com a criação dos filhos. Acredito que entender como convidamos os homens para compreender a tradução desses papéis sociais é importante.

A gente vê um perfil muito parecido de mulheres na liderança no Brasil, tanto na questão étnica quanto de classe social e econômica. Como você vê esse avanço desigual da pauta?

As diferenças econômicas e sociais, assim como as desigualdades estruturais entre homens e mulheres, são uma realidade no Brasil e em várias partes do mundo. O enfrentamento dessa realidade requer mudanças voltadas para a educação e projetos de inserção, para que as mulheres alcancem novos espaços de poder. Mulheres negras na liderança enfrentam desafios ainda mais complexos e uma agenda que precisa ser estimulada. Acredito que abrir esses espaços só traz mais benefícios. Eu valorizo a diversidade; times diversos prosperam, são mais inovadores e criativos.

Ao conversar com mulheres trans, por exemplo, desenvolvemos o conceito de “currículos ocultos”. Isso significa olhar menos para os currículos acadêmicos e valorizar as histórias e trajetórias de vida. Quando abrimos espaço para essas escutas, comportamentos como resiliência, superação, coragem, inovação e criatividade sempre estão presentes. Afinal, as pessoas que têm a coragem de viver quem realmente são, enfrentando os preconceitos estruturais, naturalmente demonstram comportamentos que o ambiente corporativo mais deseja ter. Talvez elas não tenham a formação acadêmica mais tradicional, mas podemos contribuir para sua formação.

A interseccionalidade (sobreposição de fatores sociais que definem a identidade de uma pessoa) é, sim, uma agenda muito importante. A ambição e o nosso sonho deveriam envolver não apenas mulheres na liderança, mas mulheres que representem a realidade do nosso País. Isso significa que deveríamos ter mais de 50% de mulheres pretas ou pardas na liderança e abrir espaço para outras lentes de diversidade.

Nesses cenários, é importante ter uma escuta ativa. Me ensine, me conte. Se eu cometer erros, me corrija. Criar essas relações e esses ambientes de confiança, onde está tudo bem errar e onde está tudo bem nos corrigirmos, é essencial. O aprendizado acontece, as coisas se tornam mais fluídas e a própria consciência adquire outra dimensão.

Empresas como a Mars Wrigley existem há muitos anos e produtos como balas e snacks se relacionam com um público mais jovem. Hoje vimos que as expectativas das novas gerações são diferentes das anteriores quanto a diversidade e inclusão. Acredita que a cultura das empresas está acompanhando essa evolução?

Na Mars, acreditamos que precisamos tomar uma posição e promover uma sociedade inclusiva hoje para impulsionar as mudanças que desejamos amanhã. Trabalhamos por uma comunidade global inclusiva onde a diversidade de pensamentos, experiências e identidades sejam respeitadas. Um exemplo prático é o programa interno chamado “I Can Be Me”, que incentiva o autoconhecimento de nossos colaboradores e fomenta um ambiente inclusivo por meio da livre expressão de ideias e integração entre times.

Temos também grupos de afinidades representados por funcionários voluntários que estão à frente de cinco grupos: gênero, raça, LGBTQIA+, pessoas com Deficiência (PCD) e diferença geracional. Dentro de cada grupo, os funcionários têm autonomia para desenvolver ações e criar métricas para que possamos acompanhar nossa evolução a curto, médio e longo prazos.

Para aterrissar os planos de diversidade, queremos garantir 50% de mulheres entre nossos colaboradores e aumentar a contratação de funcionários negros, atingindo representatividade de 30% até 2030.

Exercer uma postura empática ao assumir uma posição de liderança é um dos principais diferenciais para criar um ambiente de trabalho propício para que mulheres e outros grupos sub-representados (ou seja, grupos sociais historicamente menos presentes nos processos de tomada de decisão) cheguem à liderança. Essa é a percepção da CEO da Mars Wrigley para o Brasil, Adriana Hartmann.

A executiva da companhia, responsável por marcas como M&M’s, Snickers e Twix, destaca que compreender a posição em que está, mas não ignorar os obstáculos existentes, ajuda a criar uma liderança mais próxima e a promover espaços de escuta — uma ação essencial para que a sociedade avance verdadeiramente na pauta da diversidade, segundo Hartmann.

“É crucial assumir uma postura empática: o fato de ter superado essas barreiras e desafios não significa que eles não persistam”, aponta. Segundo ela, a liderança tem um papel essencial não apenas em incluir esse assunto na agenda, mas também em ser um agente de mudança de comportamento. “Compartilhar minha história de forma vulnerável cria um movimento. As mulheres dizem: ‘isso também é um dilema para mim’; surge uma identificação significativa.”

Além de uma maior participação masculina em debates femininos, considerando que homens majoritariamente estão em posições de poder e são essenciais para mudanças, a executiva defende uma necessidade de aprofundamento em algumas pautas, como a necessidade de lideranças de diferentes etnias. “O enfrentamento dessa realidade requer mudanças voltadas para a educação e projetos de inserção, para que as mulheres alcancem novos espaços de poder”, afirma.

Adriana Hartmann afirma que uma postura empática é um dos principais diferenciais para criar um ambiente de trabalho propício para que mulheres cheguem à liderança Foto: Divulgação/ Mars

Para ela, a criação de projetos que visem acabar com os vieses inconscientes (uma crença ou uma atitude aprendida que parte do subconsciente), seria interessante. “Desenvolvemos o conceito de “currículos ocultos”. Isso significa olhar menos para os currículos acadêmicos e valorizar as histórias e trajetórias de vida”. Abaixo, os principais destaques da entrevista:

Nos últimos anos, temos visto inúmeras mulheres ascendendo a cargos de alta liderança. Como você vê a discussão sobre lideranças femininas atualmente?

Existe um avanço, e aqui eu me coloco como exemplo. Comecei minha carreira na Unilever e dei o meu primeiro passo na área de vendas. Há mais de 20 anos, ter mulheres nessa área era bem raro. Quando transponho esse cenário para o presente, vejo avanços nas intenções e em ter mais mulheres em cargos de liderança.

Ainda era um processo de negociação muito hostil, marcado por embates, muitas abordagens extremamente machistas e ácidas. Hoje, esse ambiente mudou e continua a mudar cada vez mais. Hoje vemos mais mutualidade, alianças, co-criações, algo muito mais aderente ao universo feminino do que esse modelo do passado.

Como sociedade já chegamos onde precisamos? Ainda não, mas essa evolução está acontecendo. Acredito que estar nesse lugar de fala, ocupando uma posição de liderança, é uma responsabilidade. Tenho muita alegria em dizer que meu time direto tem mais de 50% de mulheres. Somos seis mulheres e cinco homens na liderança da Mars no Brasil, e isso exigiu intencionalidade das ações da empresa. Isso inspira. Quantas mulheres me param para dizer: “Como você consegue? Como você chegou até aqui?”.

Não é fácil equilibrar nossos pratinhos, os papéis que ainda são esperados das mulheres. A verdade é que não deveríamos ter de abrir mão de nenhum deles, e quando o fazemos, não necessariamente desejamos fazê-lo. Ter valores inegociáveis nessa jornada é algo importante, pois ajuda a nos orientar.

Nosso propósito aqui na Mars é impulsionar as mulheres e fazer com que se sintam acolhidas. Uma de nossas líderes mais recentes, que está há apenas alguns meses conosco, disse: “Tenho três filhos pequenos, como será isso? Terei essa flexibilidade?” Com certeza, você terá o meu apoio em tudo o que precisar. Aqui nos adaptamos. Isso retira o peso de sentir que precisamos carregar todos os pratos sem poder ser vulneráveis. E é assim que construímos relações mais fortes, com as pessoas realmente olhando para você.

Como uma das mulheres que chegou a este patamar, quais as dificuldades para se chegar em um cargo de liderança?

Tive o privilégio de trabalhar em ambientes e empresas inclusivas, e sou grata por isso. Tem momentos da minha vida em que olho para trás e me pergunto: “Como consegui?”. Acredito que tudo se resume aos não-negociáveis. Fazer as escolhas certas, há momentos na carreira em que você pensa: “esses caminhos não fazem sentido para mim”.

A maternidade é um dos grandes elementos dessa equação. Para mim, ficou muito claro que meus filhos eram a prioridade, e tive o privilégio de trabalhar em uma organização que era muito vanguardista nesse aspecto. Pude levar meus dois filhos à creche, amamentá-los, e combinar o profissional com o pessoal, em um ambiente extremamente inclusivo, em uma das empresas que iniciou esse movimento anos atrás, a Unilever.

Da esquerda para a direita: Tatiana Hayashi, Vivian Franco, Denise Door, Ana Seixas, Adriana Hartmann e Paula Coury. Líderanças femininas da Mars no Brasil.  Foto: Divulgação

Nesse papel de liderança, vejo que é crucial assumir uma postura empática: o fato de ter superado essas barreiras e desafios não significa que eles não persistam. Estamos aqui para impulsionar outras mulheres, nos apoiar, para sermos agentes de mudança de comportamento. Além disso, ao compartilhar minha história de forma vulnerável, cria um movimento. As mulheres dizem: “isso também é um dilema para mim”; surge uma identificação significativa.

Você mencionou que ao longo da sua trajetória teve valores inegociáveis que você acredita que te ajudaram a chegar na liderança. Quais são esses valores?

Costumo dizer que crescemos quando nos tornamos mães. Sou casada e temos dois filhos, Manuela, de 18 anos, e Lucas, de 16 anos. Temos uma conexão familiar incrível! A verdade é que a vida vira de cabeça para baixo e, muitas vezes, me pego olhando para trás e me perguntando: como consegui?! Meus filhos, minha família, sempre foram minha maior prioridade, meus maiores valores inegociáveis, e me desdobrei para dar conta, para estar presente. E faria tudo de novo!

Precisei ser mais disciplinada, fazer escolhas, renunciar a alguns caminhos, mas se o propósito estiver claro, dá certo. Isso é verdade não apenas para as mães. As mulheres na sociedade ainda carregam a responsabilidade de múltiplas tarefas, e essa perspectiva também é muito relevante quando falamos de diversidade de gênero.

As empresas têm um papel importante nisso; deve haver esse cuidado, essas políticas. Eu, por exemplo, pude levar meus filhos para a creche da empresa onde trabalhava, amamentei-os até os 9 meses, e isso só foi possível por estar em um ambiente inclusivo e acolhedor. Nunca tive vergonha de dizer: “Preciso levar meu filho ao médico”.

Não acredito em uma maternidade distante. Não falo nem tanto em quantidade de tempo, mas em qualidade de tempo. Não tenho família em São Paulo; eles são do Sul, mas nunca deixei de levá-los ao médico, às apresentações na escola, de estar com eles nos momentos fundamentais. Por conta dessas escolhas, certamente me vi em situações em que poderia ter sido julgada. Mas com as discussões sobre mulheres, esse movimento crescendo, as pessoas começam a olhar com outros olhos. São exemplos como esse que precisamos.

O que quero reforçar é que ao longo de nossas vidas são feitas escolhas, e para mim, família e esporte são valores. Somos uma família de surfistas, sempre estamos juntos. Todo mundo sempre soube que eu não abria mão disso.

Qual o papel do homem nessa jornada de mudança?

Eu digo que não são apenas as mulheres que devem celebrar este dia; convido todos os homens a fazerem isso também. Independentemente das diferentes perspectivas de diversidade, todos nós devemos comemorar os avanços femininos, as mudanças na sociedade.

Hoje vejo homens sendo muito ativistas. Nosso diretor tem trigêmeos e para ele também é uma jornada desafiadora, e todos estamos lá para apoiá-lo. Ele desempenha um papel muito mais moderno e progressista em como se envolve com a criação dos filhos. Acredito que entender como convidamos os homens para compreender a tradução desses papéis sociais é importante.

A gente vê um perfil muito parecido de mulheres na liderança no Brasil, tanto na questão étnica quanto de classe social e econômica. Como você vê esse avanço desigual da pauta?

As diferenças econômicas e sociais, assim como as desigualdades estruturais entre homens e mulheres, são uma realidade no Brasil e em várias partes do mundo. O enfrentamento dessa realidade requer mudanças voltadas para a educação e projetos de inserção, para que as mulheres alcancem novos espaços de poder. Mulheres negras na liderança enfrentam desafios ainda mais complexos e uma agenda que precisa ser estimulada. Acredito que abrir esses espaços só traz mais benefícios. Eu valorizo a diversidade; times diversos prosperam, são mais inovadores e criativos.

Ao conversar com mulheres trans, por exemplo, desenvolvemos o conceito de “currículos ocultos”. Isso significa olhar menos para os currículos acadêmicos e valorizar as histórias e trajetórias de vida. Quando abrimos espaço para essas escutas, comportamentos como resiliência, superação, coragem, inovação e criatividade sempre estão presentes. Afinal, as pessoas que têm a coragem de viver quem realmente são, enfrentando os preconceitos estruturais, naturalmente demonstram comportamentos que o ambiente corporativo mais deseja ter. Talvez elas não tenham a formação acadêmica mais tradicional, mas podemos contribuir para sua formação.

A interseccionalidade (sobreposição de fatores sociais que definem a identidade de uma pessoa) é, sim, uma agenda muito importante. A ambição e o nosso sonho deveriam envolver não apenas mulheres na liderança, mas mulheres que representem a realidade do nosso País. Isso significa que deveríamos ter mais de 50% de mulheres pretas ou pardas na liderança e abrir espaço para outras lentes de diversidade.

Nesses cenários, é importante ter uma escuta ativa. Me ensine, me conte. Se eu cometer erros, me corrija. Criar essas relações e esses ambientes de confiança, onde está tudo bem errar e onde está tudo bem nos corrigirmos, é essencial. O aprendizado acontece, as coisas se tornam mais fluídas e a própria consciência adquire outra dimensão.

Empresas como a Mars Wrigley existem há muitos anos e produtos como balas e snacks se relacionam com um público mais jovem. Hoje vimos que as expectativas das novas gerações são diferentes das anteriores quanto a diversidade e inclusão. Acredita que a cultura das empresas está acompanhando essa evolução?

Na Mars, acreditamos que precisamos tomar uma posição e promover uma sociedade inclusiva hoje para impulsionar as mudanças que desejamos amanhã. Trabalhamos por uma comunidade global inclusiva onde a diversidade de pensamentos, experiências e identidades sejam respeitadas. Um exemplo prático é o programa interno chamado “I Can Be Me”, que incentiva o autoconhecimento de nossos colaboradores e fomenta um ambiente inclusivo por meio da livre expressão de ideias e integração entre times.

Temos também grupos de afinidades representados por funcionários voluntários que estão à frente de cinco grupos: gênero, raça, LGBTQIA+, pessoas com Deficiência (PCD) e diferença geracional. Dentro de cada grupo, os funcionários têm autonomia para desenvolver ações e criar métricas para que possamos acompanhar nossa evolução a curto, médio e longo prazos.

Para aterrissar os planos de diversidade, queremos garantir 50% de mulheres entre nossos colaboradores e aumentar a contratação de funcionários negros, atingindo representatividade de 30% até 2030.

Exercer uma postura empática ao assumir uma posição de liderança é um dos principais diferenciais para criar um ambiente de trabalho propício para que mulheres e outros grupos sub-representados (ou seja, grupos sociais historicamente menos presentes nos processos de tomada de decisão) cheguem à liderança. Essa é a percepção da CEO da Mars Wrigley para o Brasil, Adriana Hartmann.

A executiva da companhia, responsável por marcas como M&M’s, Snickers e Twix, destaca que compreender a posição em que está, mas não ignorar os obstáculos existentes, ajuda a criar uma liderança mais próxima e a promover espaços de escuta — uma ação essencial para que a sociedade avance verdadeiramente na pauta da diversidade, segundo Hartmann.

“É crucial assumir uma postura empática: o fato de ter superado essas barreiras e desafios não significa que eles não persistam”, aponta. Segundo ela, a liderança tem um papel essencial não apenas em incluir esse assunto na agenda, mas também em ser um agente de mudança de comportamento. “Compartilhar minha história de forma vulnerável cria um movimento. As mulheres dizem: ‘isso também é um dilema para mim’; surge uma identificação significativa.”

Além de uma maior participação masculina em debates femininos, considerando que homens majoritariamente estão em posições de poder e são essenciais para mudanças, a executiva defende uma necessidade de aprofundamento em algumas pautas, como a necessidade de lideranças de diferentes etnias. “O enfrentamento dessa realidade requer mudanças voltadas para a educação e projetos de inserção, para que as mulheres alcancem novos espaços de poder”, afirma.

Adriana Hartmann afirma que uma postura empática é um dos principais diferenciais para criar um ambiente de trabalho propício para que mulheres cheguem à liderança Foto: Divulgação/ Mars

Para ela, a criação de projetos que visem acabar com os vieses inconscientes (uma crença ou uma atitude aprendida que parte do subconsciente), seria interessante. “Desenvolvemos o conceito de “currículos ocultos”. Isso significa olhar menos para os currículos acadêmicos e valorizar as histórias e trajetórias de vida”. Abaixo, os principais destaques da entrevista:

Nos últimos anos, temos visto inúmeras mulheres ascendendo a cargos de alta liderança. Como você vê a discussão sobre lideranças femininas atualmente?

Existe um avanço, e aqui eu me coloco como exemplo. Comecei minha carreira na Unilever e dei o meu primeiro passo na área de vendas. Há mais de 20 anos, ter mulheres nessa área era bem raro. Quando transponho esse cenário para o presente, vejo avanços nas intenções e em ter mais mulheres em cargos de liderança.

Ainda era um processo de negociação muito hostil, marcado por embates, muitas abordagens extremamente machistas e ácidas. Hoje, esse ambiente mudou e continua a mudar cada vez mais. Hoje vemos mais mutualidade, alianças, co-criações, algo muito mais aderente ao universo feminino do que esse modelo do passado.

Como sociedade já chegamos onde precisamos? Ainda não, mas essa evolução está acontecendo. Acredito que estar nesse lugar de fala, ocupando uma posição de liderança, é uma responsabilidade. Tenho muita alegria em dizer que meu time direto tem mais de 50% de mulheres. Somos seis mulheres e cinco homens na liderança da Mars no Brasil, e isso exigiu intencionalidade das ações da empresa. Isso inspira. Quantas mulheres me param para dizer: “Como você consegue? Como você chegou até aqui?”.

Não é fácil equilibrar nossos pratinhos, os papéis que ainda são esperados das mulheres. A verdade é que não deveríamos ter de abrir mão de nenhum deles, e quando o fazemos, não necessariamente desejamos fazê-lo. Ter valores inegociáveis nessa jornada é algo importante, pois ajuda a nos orientar.

Nosso propósito aqui na Mars é impulsionar as mulheres e fazer com que se sintam acolhidas. Uma de nossas líderes mais recentes, que está há apenas alguns meses conosco, disse: “Tenho três filhos pequenos, como será isso? Terei essa flexibilidade?” Com certeza, você terá o meu apoio em tudo o que precisar. Aqui nos adaptamos. Isso retira o peso de sentir que precisamos carregar todos os pratos sem poder ser vulneráveis. E é assim que construímos relações mais fortes, com as pessoas realmente olhando para você.

Como uma das mulheres que chegou a este patamar, quais as dificuldades para se chegar em um cargo de liderança?

Tive o privilégio de trabalhar em ambientes e empresas inclusivas, e sou grata por isso. Tem momentos da minha vida em que olho para trás e me pergunto: “Como consegui?”. Acredito que tudo se resume aos não-negociáveis. Fazer as escolhas certas, há momentos na carreira em que você pensa: “esses caminhos não fazem sentido para mim”.

A maternidade é um dos grandes elementos dessa equação. Para mim, ficou muito claro que meus filhos eram a prioridade, e tive o privilégio de trabalhar em uma organização que era muito vanguardista nesse aspecto. Pude levar meus dois filhos à creche, amamentá-los, e combinar o profissional com o pessoal, em um ambiente extremamente inclusivo, em uma das empresas que iniciou esse movimento anos atrás, a Unilever.

Da esquerda para a direita: Tatiana Hayashi, Vivian Franco, Denise Door, Ana Seixas, Adriana Hartmann e Paula Coury. Líderanças femininas da Mars no Brasil.  Foto: Divulgação

Nesse papel de liderança, vejo que é crucial assumir uma postura empática: o fato de ter superado essas barreiras e desafios não significa que eles não persistam. Estamos aqui para impulsionar outras mulheres, nos apoiar, para sermos agentes de mudança de comportamento. Além disso, ao compartilhar minha história de forma vulnerável, cria um movimento. As mulheres dizem: “isso também é um dilema para mim”; surge uma identificação significativa.

Você mencionou que ao longo da sua trajetória teve valores inegociáveis que você acredita que te ajudaram a chegar na liderança. Quais são esses valores?

Costumo dizer que crescemos quando nos tornamos mães. Sou casada e temos dois filhos, Manuela, de 18 anos, e Lucas, de 16 anos. Temos uma conexão familiar incrível! A verdade é que a vida vira de cabeça para baixo e, muitas vezes, me pego olhando para trás e me perguntando: como consegui?! Meus filhos, minha família, sempre foram minha maior prioridade, meus maiores valores inegociáveis, e me desdobrei para dar conta, para estar presente. E faria tudo de novo!

Precisei ser mais disciplinada, fazer escolhas, renunciar a alguns caminhos, mas se o propósito estiver claro, dá certo. Isso é verdade não apenas para as mães. As mulheres na sociedade ainda carregam a responsabilidade de múltiplas tarefas, e essa perspectiva também é muito relevante quando falamos de diversidade de gênero.

As empresas têm um papel importante nisso; deve haver esse cuidado, essas políticas. Eu, por exemplo, pude levar meus filhos para a creche da empresa onde trabalhava, amamentei-os até os 9 meses, e isso só foi possível por estar em um ambiente inclusivo e acolhedor. Nunca tive vergonha de dizer: “Preciso levar meu filho ao médico”.

Não acredito em uma maternidade distante. Não falo nem tanto em quantidade de tempo, mas em qualidade de tempo. Não tenho família em São Paulo; eles são do Sul, mas nunca deixei de levá-los ao médico, às apresentações na escola, de estar com eles nos momentos fundamentais. Por conta dessas escolhas, certamente me vi em situações em que poderia ter sido julgada. Mas com as discussões sobre mulheres, esse movimento crescendo, as pessoas começam a olhar com outros olhos. São exemplos como esse que precisamos.

O que quero reforçar é que ao longo de nossas vidas são feitas escolhas, e para mim, família e esporte são valores. Somos uma família de surfistas, sempre estamos juntos. Todo mundo sempre soube que eu não abria mão disso.

Qual o papel do homem nessa jornada de mudança?

Eu digo que não são apenas as mulheres que devem celebrar este dia; convido todos os homens a fazerem isso também. Independentemente das diferentes perspectivas de diversidade, todos nós devemos comemorar os avanços femininos, as mudanças na sociedade.

Hoje vejo homens sendo muito ativistas. Nosso diretor tem trigêmeos e para ele também é uma jornada desafiadora, e todos estamos lá para apoiá-lo. Ele desempenha um papel muito mais moderno e progressista em como se envolve com a criação dos filhos. Acredito que entender como convidamos os homens para compreender a tradução desses papéis sociais é importante.

A gente vê um perfil muito parecido de mulheres na liderança no Brasil, tanto na questão étnica quanto de classe social e econômica. Como você vê esse avanço desigual da pauta?

As diferenças econômicas e sociais, assim como as desigualdades estruturais entre homens e mulheres, são uma realidade no Brasil e em várias partes do mundo. O enfrentamento dessa realidade requer mudanças voltadas para a educação e projetos de inserção, para que as mulheres alcancem novos espaços de poder. Mulheres negras na liderança enfrentam desafios ainda mais complexos e uma agenda que precisa ser estimulada. Acredito que abrir esses espaços só traz mais benefícios. Eu valorizo a diversidade; times diversos prosperam, são mais inovadores e criativos.

Ao conversar com mulheres trans, por exemplo, desenvolvemos o conceito de “currículos ocultos”. Isso significa olhar menos para os currículos acadêmicos e valorizar as histórias e trajetórias de vida. Quando abrimos espaço para essas escutas, comportamentos como resiliência, superação, coragem, inovação e criatividade sempre estão presentes. Afinal, as pessoas que têm a coragem de viver quem realmente são, enfrentando os preconceitos estruturais, naturalmente demonstram comportamentos que o ambiente corporativo mais deseja ter. Talvez elas não tenham a formação acadêmica mais tradicional, mas podemos contribuir para sua formação.

A interseccionalidade (sobreposição de fatores sociais que definem a identidade de uma pessoa) é, sim, uma agenda muito importante. A ambição e o nosso sonho deveriam envolver não apenas mulheres na liderança, mas mulheres que representem a realidade do nosso País. Isso significa que deveríamos ter mais de 50% de mulheres pretas ou pardas na liderança e abrir espaço para outras lentes de diversidade.

Nesses cenários, é importante ter uma escuta ativa. Me ensine, me conte. Se eu cometer erros, me corrija. Criar essas relações e esses ambientes de confiança, onde está tudo bem errar e onde está tudo bem nos corrigirmos, é essencial. O aprendizado acontece, as coisas se tornam mais fluídas e a própria consciência adquire outra dimensão.

Empresas como a Mars Wrigley existem há muitos anos e produtos como balas e snacks se relacionam com um público mais jovem. Hoje vimos que as expectativas das novas gerações são diferentes das anteriores quanto a diversidade e inclusão. Acredita que a cultura das empresas está acompanhando essa evolução?

Na Mars, acreditamos que precisamos tomar uma posição e promover uma sociedade inclusiva hoje para impulsionar as mudanças que desejamos amanhã. Trabalhamos por uma comunidade global inclusiva onde a diversidade de pensamentos, experiências e identidades sejam respeitadas. Um exemplo prático é o programa interno chamado “I Can Be Me”, que incentiva o autoconhecimento de nossos colaboradores e fomenta um ambiente inclusivo por meio da livre expressão de ideias e integração entre times.

Temos também grupos de afinidades representados por funcionários voluntários que estão à frente de cinco grupos: gênero, raça, LGBTQIA+, pessoas com Deficiência (PCD) e diferença geracional. Dentro de cada grupo, os funcionários têm autonomia para desenvolver ações e criar métricas para que possamos acompanhar nossa evolução a curto, médio e longo prazos.

Para aterrissar os planos de diversidade, queremos garantir 50% de mulheres entre nossos colaboradores e aumentar a contratação de funcionários negros, atingindo representatividade de 30% até 2030.

Entrevista por Beatriz Capirazi

Repórter de economia com foco em empresas de saúde no Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. Formada em Jornalismo pela Universidade Paulista, é especializada em jornalismo econômico pela FGV e Jornalismo de Dados pelo Insper. Tem passagens por Estadão, UOL, Suno Research e Eu Quero Investir.

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