‘Indústria não tem de escolher entre descarbonizar e crescer, dá para fazer os dois’, diz CEO da Dow


Primeira mulher a liderar a divisão brasileira da companhia, Mariana Orsini afirma que é preciso integrar agenda verde à estratégia de negócio das empresas do setor químico e defende que governo subsidie os custos da transição

Por Shagaly Ferreira
Atualização:
Foto: Dow/Divulgação
Entrevista comMarina OrsiniLíder regional do Brasil na Dow

Investir em descarbonização não significa retroceder em estratégias de crescimento de uma empresa, e a indústria química precisa estar ciente disso. A avaliação é da executiva Mariana Orsini, líder regional do Brasil na Dow, cargo equivalente à função de CEO na subsidiária brasileira. Para a gestora, o setor no País está bem posicionado em relação à produção limpa frente aos pares globais, mas precisa fazer desse diferencial uma estratégia de negócio.

“Dentro da discussão da descarbonização, a indústria química no Brasil tem um lugar muito bom para explorar. O que a gente precisa fazer é transformar essa vantagem em negócio”, diz Orsini. “(Na Dow), há um esforço de muitas lideranças para alcançar o desafio de descarbonizar a nossa operação enquanto cresce. A gente não pode trabalhar com o binômio: ou um ou outro.”

continua após a publicidade

A executiva pondera que a jornada da descarbonização do setor é uma “mudança assustadora” e “muito cara”. Por isso, defende a necessidade de que o governo brasileiro avance em políticas públicas de subsídio à transição, como as já adotadas em países da Europa e nos Estados Unidos. Segundo a CEO, o fomento desses países à agenda verde de seus territórios tem atraído o apetite de investidores, o que abala a competitividade global das empresas brasileiras.

Em novembro passado, a Dow recebeu subsídios governamentais do Canadá e fez investimento de capital próprio de US$ 6,5 bilhões para construir uma instalação integrada de cracker de etileno e derivativos com emissões zero de gases poluentes no escopo 1 e 2 (emissões diretas). De acordo com a empresa, a estratégia de produção limpa tem a meta de gerar US$ 1 bilhão em crescimento de Ebitda (lucro antes de juros, depreciação, impostos e amortização) por ano na companhia e descarbonizar 20% da capacidade global de etileno das operações.

“Estamos acenando para o governo (brasileiro) que subsídios para políticas que incentivem a inovação já estão acontecendo no mundo todo. A questão não é se vale a pena, mas (saber) quando o Brasil estará pronto para reconhecer e implementar incentivos para inovação e subsídios para transição industrial, para a gente não perder esse espaço”, argumenta a gestora.

continua após a publicidade
Mariana Orsini assumiu cargo de líder regional do Brasil na Dow Química Foto: Dow/Divulgação

Contratada pela Dow em 2011, Orsini é a primeira mulher a assumir o posto de liderança da divisão brasileira da companhia, sediada nos Estados Unidos. Ela assumiu o cargo em agosto deste ano, após a aposentadoria do executivo Javier Constante, que atuava como CEO da empresa pela América Latina, incluindo o Brasil. A executiva irá conciliar a operação regional com a função de diretora de assuntos institucionais para a América Latina.

“Chego (à função de CEO) em um momento muito promissor em termos de construção de políticas públicas que estimulem o crescimento econômico a partir de uma relação nova com o meio ambiente”, diz.

continua após a publicidade

Abaixo os principais trechos da entrevista:

A sra. já atuava na Dow como diretora de assuntos institucionais para a América Latina e, em agosto, assumiu também a posição de líder regional da companhia no Brasil. Como está sendo exercer esses dois cargos simultaneamente?

É um desafio muito recente, de algumas semanas. Entrei na Dow em 2011, na área de relações governamentais. O meu histórico é de relações internacionais e institucionais, e parte do meu trabalho foi se consolidando nessa área. E construir pontes e redes é o desafio básico de uma pessoa nessa posição. A minha sensação é a de que o pacote de habilidades que fui desenvolvendo ao longo do tempo me ajudou muito a poder acumular essas duas posições. Meus públicos principais eram governos, e hoje eu ampliei ainda mais o leque de públicos-alvo, olhando também por um ângulo um pouco diferente. Então, estar nas duas posições é um desafio factível.

continua após a publicidade

E como é para a sra. ser a primeira mulher neste posto?

Estou muito honrada. Acho que isso também é reflexo de uma empresa que leva a sério a cultura de inclusão e diversidade. Temos um CEO global que é um homem abertamente gay (fazendo referência ao executivo Jim Fitterling). Então, temos um ambiente que é pautado pelo respeito às pessoas. Desde que entrei na Dow, participei e ajudei a construir uma série de iniciativas, como o primeiro programa de mentoria específico para mulheres em 2014. Tive minhas duas filhas em momentos diferentes da carreira dentro da empresa. Sempre tive muitos aliados que enxergavam os desafios de ser uma mulher na indústria química e na área de relações governamentais, que também é um setor bastante masculino. Era comum eu estar em uma reunião com entes do governo e ser a única ou a minoria.

Parte dessa função vai envolver a busca por novas oportunidades de crescimento, incluindo sua expertise no diálogo com os governos, para áreas da agenda verde, como economia circular e descarbonização. Quais oportunidades a sra. tem observado no Brasil relacionadas a isso?

continua após a publicidade

Particularmente, acho que chego (à função de CEO) em um momento muito promissor em termos de construção de políticas públicas que estimulem o crescimento econômico a partir de uma relação nova com o meio ambiente. Pela perspectiva da descarbonização, por exemplo, a gente já tem um compromisso global de diminuir 5 milhões de toneladas da nossa emissão de gases de efeito estufa (GEE) até 2030 e ter carbono neutro até 2050. No Brasil, sete das nossas nove operações já utilizam energia renovável. Ano que vem, a gente chega a 100%. Então, há um esforço de muitas lideranças para alcançar o desafio de descarbonizar a nossa operação enquanto cresce. A gente não pode trabalhar com o binômio: ou um ou outro. E, dentro da discussão da descarbonização, a indústria química no Brasil tem um lugar muito bom para explorar. Hoje, já somos a indústria química mais limpa do mundo, e o que a gente precisa fazer é transformar essa vantagem em negócio. O meu desafio é saber como acompanhamos essas discussões de políticas públicas globais do mercado de carbono e como o Brasil joga nessa dinâmica onde o carbono tem o preço, trazendo oportunidades de negócio para as nossas operações locais. Já para a economia circular, temos um desafio enorme, mas bem menos desconfortável do que no passado. Hoje, temos um pouco mais de maturidade enquanto sociedade para entender que o modelo industrial no qual todos nós nos instalamos é um modelo que não cabe mais. Uma economia linear, em que a gente terminava a responsabilidade na prateleira, criou muitos desafios para nós, e temos agora trabalhado muito para entender o que é, efetivamente, transformar o modelo econômico. O primeiro grande desafio é a humildade de reconhecer que isso não se resolve sozinho. O governo não vai conseguir resolver sozinho, a indústria não vai conseguir resolver sozinha, as ONGs não vão conseguir resolver sozinhas e nem nós, como cidadãos.

E como anda o diálogo da Dow com o governo brasileiro? Há o acompanhamento de discussões, por exemplo, sobre regulamentação de hidrogênio verde e de biocombustíveis?

Nós acompanhamos muito de perto (essas discussões), especialmente via associações de classe e entidades setoriais. A Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) é o principal lugar no qual construímos políticas públicas. A gente acredita que políticas públicas bem-feitas são políticas públicas setoriais, e não individuais. O nosso trabalho na Abiquim, por exemplo, é entender de que forma a gente reforça a indústria para pensar à frente, se consolidar. Trata-se da sexta maior indústria química do mundo, não é nada desprezível, tem muito potencial, mas temos que pensar como a gente começa a transformar esse novo ambiente regulatório global em políticas públicas que viabilizem negócios, no final do dia. Acompanhamos muito de perto as discussões sobre logística reversa, sobre quais são os espaços de construção de uma economia circular, sobre projetos de lei para propor um guarda-chuva na discussão de um plano pela economia circular brasileira. No mercado de carbono, a gente é um setor regulado, e acompanhamos muito de perto o tema, pois globalmente, teremos o grande desafio de neutralizar as nossas operações até 2050. Parte disso a gente reconhece que será em offsetting (compensação). Queremos entender para onde vai o mercado de carbono voluntário no Brasil para identificar oportunidades. O Brasil pode virar o grande fornecedor de créditos de carbono para offsetting nas próximas décadas, mesmo com um mercado tão complexo.

continua após a publicidade

A indústria química já está entendendo que o Brasil tem esse potencial em relação ao mercado de carbono e que as estratégias relacionadas à agenda verde também podem virar negócio?

São níveis diferentes de compreensão. Parte da oportunidade que a gente tem em trabalhar com a Abiquim e a ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação) é entender de que forma a gente consegue demonstrar para as indústrias ou empresas um pouco mais resistentes a essa mudança — que é uma mudança assustadora — que existe um caminho lucrativo para essa transição. Eu acho que a sabedoria do Jim Fitterling, nosso CEO, é falar que o desafio de descarbonizar e crescer é também o de oferecer à indústria uma visão de que dá para fazer os dois, a gente não precisa escolher entre um e outro. Então, entendo que a gente está em uma indústria com diferentes graus de reconhecimento do desafio.

Quando a sra. fala que a indústria precisa entender que não é preciso escolher entre descarbonizar e crescer, por que ainda há essa percepção? A descarbonização é cara?

Muito cara. São trilhões de dólares para as indústrias nos setores regulados efetivamente conseguirem fazer a sua transição. E são muitas as tecnologias que ainda não foram desenvolvidas. Isso, então, pressupõe que você reconheça que está muito atrás em algumas áreas. Então, você vai precisar investir muito dinheiro em inovação e, obviamente, ter uma atenção para o quanto esse custo fixo vai impactar na operação. Temos um projeto, por exemplo, em Alberta, no Canadá, que vai ser a primeira operação carbono neutro dos escopos 1 e 2 da indústria química global. Esse projeto demandou investimento de US$ 6,5 bilhões para garantir tecnologia de capturas e sequestro de carbono, infraestrutura para chegar até a operação, e a gente também tinha uma conversa bem estabelecida com o governo de que as inovações ainda estão em construção. O governo do Canadá e o governo da província foram grandes incentivadores e ofereceram subsídios. Por isso temos acompanhado muito de perto aqui essa dança do diálogo público-privado. Os Estados Unidos e a Europa lançaram grandes planos industriais. O “Inflation Reduction Act” (voltado para soluções em energia limpa) nos Estados Unidos redirecionou o fluxo de investimento para lá, e a Europa deu uma resposta com o “Green Deal Industrial Plan” (de apoio à transição da indústria para as emissões zero). Estamos acenando para o governo (brasileiro) que subsídios para políticas que incentivem a inovação já estão acontecendo no mundo todo. A questão não é se vale a pena, mas saber quando o Brasil estará pronto para reconhecer e implementar incentivos para inovação e subsídios para transição industrial, para a gente não perder esse espaço.

Então, o setor privado no Brasil não consegue custear a descarbonização sem subsídio do poder público?

Acho que não existe uma resposta definitiva para qualquer coisa. O que eu enxergo é que, por exemplo, o “Inflation Reduction Act” mudou os fluxos de investimentos estrangeiro direto para os Estados Unidos. Tem empresa brasileira que foi para lá construir estrutura para SAF (combustível sustentável de aviação). O ponto principal para o governo brasileiro — e eu acho que o governo tem se esforçado em conseguir fazer essas conexões, como o Nova Indústria Brasil, que é um início de conversa bastante bom — é reconhecer que, em um mundo globalizado, quem oferece as melhores condições para uma empresa ser competitiva na sua estrutura está na frente. A gente pode ser o país do futuro eternamente, se o cara fizer a conta na ponta do lápis e for muito mais complexo e demorado investir no Brasil, será uma decisão pragmática, né? Então, o meu ponto sobre a política pública é que os incentivos, os subsídios e o reconhecimento de um plano específico de modernização e inovação da indústria está colocado em vários grandes países desenvolvidos. A pergunta é como é que o Brasil quer responder a isso.

Investir em descarbonização não significa retroceder em estratégias de crescimento de uma empresa, e a indústria química precisa estar ciente disso. A avaliação é da executiva Mariana Orsini, líder regional do Brasil na Dow, cargo equivalente à função de CEO na subsidiária brasileira. Para a gestora, o setor no País está bem posicionado em relação à produção limpa frente aos pares globais, mas precisa fazer desse diferencial uma estratégia de negócio.

“Dentro da discussão da descarbonização, a indústria química no Brasil tem um lugar muito bom para explorar. O que a gente precisa fazer é transformar essa vantagem em negócio”, diz Orsini. “(Na Dow), há um esforço de muitas lideranças para alcançar o desafio de descarbonizar a nossa operação enquanto cresce. A gente não pode trabalhar com o binômio: ou um ou outro.”

A executiva pondera que a jornada da descarbonização do setor é uma “mudança assustadora” e “muito cara”. Por isso, defende a necessidade de que o governo brasileiro avance em políticas públicas de subsídio à transição, como as já adotadas em países da Europa e nos Estados Unidos. Segundo a CEO, o fomento desses países à agenda verde de seus territórios tem atraído o apetite de investidores, o que abala a competitividade global das empresas brasileiras.

Em novembro passado, a Dow recebeu subsídios governamentais do Canadá e fez investimento de capital próprio de US$ 6,5 bilhões para construir uma instalação integrada de cracker de etileno e derivativos com emissões zero de gases poluentes no escopo 1 e 2 (emissões diretas). De acordo com a empresa, a estratégia de produção limpa tem a meta de gerar US$ 1 bilhão em crescimento de Ebitda (lucro antes de juros, depreciação, impostos e amortização) por ano na companhia e descarbonizar 20% da capacidade global de etileno das operações.

“Estamos acenando para o governo (brasileiro) que subsídios para políticas que incentivem a inovação já estão acontecendo no mundo todo. A questão não é se vale a pena, mas (saber) quando o Brasil estará pronto para reconhecer e implementar incentivos para inovação e subsídios para transição industrial, para a gente não perder esse espaço”, argumenta a gestora.

Mariana Orsini assumiu cargo de líder regional do Brasil na Dow Química Foto: Dow/Divulgação

Contratada pela Dow em 2011, Orsini é a primeira mulher a assumir o posto de liderança da divisão brasileira da companhia, sediada nos Estados Unidos. Ela assumiu o cargo em agosto deste ano, após a aposentadoria do executivo Javier Constante, que atuava como CEO da empresa pela América Latina, incluindo o Brasil. A executiva irá conciliar a operação regional com a função de diretora de assuntos institucionais para a América Latina.

“Chego (à função de CEO) em um momento muito promissor em termos de construção de políticas públicas que estimulem o crescimento econômico a partir de uma relação nova com o meio ambiente”, diz.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

A sra. já atuava na Dow como diretora de assuntos institucionais para a América Latina e, em agosto, assumiu também a posição de líder regional da companhia no Brasil. Como está sendo exercer esses dois cargos simultaneamente?

É um desafio muito recente, de algumas semanas. Entrei na Dow em 2011, na área de relações governamentais. O meu histórico é de relações internacionais e institucionais, e parte do meu trabalho foi se consolidando nessa área. E construir pontes e redes é o desafio básico de uma pessoa nessa posição. A minha sensação é a de que o pacote de habilidades que fui desenvolvendo ao longo do tempo me ajudou muito a poder acumular essas duas posições. Meus públicos principais eram governos, e hoje eu ampliei ainda mais o leque de públicos-alvo, olhando também por um ângulo um pouco diferente. Então, estar nas duas posições é um desafio factível.

E como é para a sra. ser a primeira mulher neste posto?

Estou muito honrada. Acho que isso também é reflexo de uma empresa que leva a sério a cultura de inclusão e diversidade. Temos um CEO global que é um homem abertamente gay (fazendo referência ao executivo Jim Fitterling). Então, temos um ambiente que é pautado pelo respeito às pessoas. Desde que entrei na Dow, participei e ajudei a construir uma série de iniciativas, como o primeiro programa de mentoria específico para mulheres em 2014. Tive minhas duas filhas em momentos diferentes da carreira dentro da empresa. Sempre tive muitos aliados que enxergavam os desafios de ser uma mulher na indústria química e na área de relações governamentais, que também é um setor bastante masculino. Era comum eu estar em uma reunião com entes do governo e ser a única ou a minoria.

Parte dessa função vai envolver a busca por novas oportunidades de crescimento, incluindo sua expertise no diálogo com os governos, para áreas da agenda verde, como economia circular e descarbonização. Quais oportunidades a sra. tem observado no Brasil relacionadas a isso?

Particularmente, acho que chego (à função de CEO) em um momento muito promissor em termos de construção de políticas públicas que estimulem o crescimento econômico a partir de uma relação nova com o meio ambiente. Pela perspectiva da descarbonização, por exemplo, a gente já tem um compromisso global de diminuir 5 milhões de toneladas da nossa emissão de gases de efeito estufa (GEE) até 2030 e ter carbono neutro até 2050. No Brasil, sete das nossas nove operações já utilizam energia renovável. Ano que vem, a gente chega a 100%. Então, há um esforço de muitas lideranças para alcançar o desafio de descarbonizar a nossa operação enquanto cresce. A gente não pode trabalhar com o binômio: ou um ou outro. E, dentro da discussão da descarbonização, a indústria química no Brasil tem um lugar muito bom para explorar. Hoje, já somos a indústria química mais limpa do mundo, e o que a gente precisa fazer é transformar essa vantagem em negócio. O meu desafio é saber como acompanhamos essas discussões de políticas públicas globais do mercado de carbono e como o Brasil joga nessa dinâmica onde o carbono tem o preço, trazendo oportunidades de negócio para as nossas operações locais. Já para a economia circular, temos um desafio enorme, mas bem menos desconfortável do que no passado. Hoje, temos um pouco mais de maturidade enquanto sociedade para entender que o modelo industrial no qual todos nós nos instalamos é um modelo que não cabe mais. Uma economia linear, em que a gente terminava a responsabilidade na prateleira, criou muitos desafios para nós, e temos agora trabalhado muito para entender o que é, efetivamente, transformar o modelo econômico. O primeiro grande desafio é a humildade de reconhecer que isso não se resolve sozinho. O governo não vai conseguir resolver sozinho, a indústria não vai conseguir resolver sozinha, as ONGs não vão conseguir resolver sozinhas e nem nós, como cidadãos.

E como anda o diálogo da Dow com o governo brasileiro? Há o acompanhamento de discussões, por exemplo, sobre regulamentação de hidrogênio verde e de biocombustíveis?

Nós acompanhamos muito de perto (essas discussões), especialmente via associações de classe e entidades setoriais. A Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) é o principal lugar no qual construímos políticas públicas. A gente acredita que políticas públicas bem-feitas são políticas públicas setoriais, e não individuais. O nosso trabalho na Abiquim, por exemplo, é entender de que forma a gente reforça a indústria para pensar à frente, se consolidar. Trata-se da sexta maior indústria química do mundo, não é nada desprezível, tem muito potencial, mas temos que pensar como a gente começa a transformar esse novo ambiente regulatório global em políticas públicas que viabilizem negócios, no final do dia. Acompanhamos muito de perto as discussões sobre logística reversa, sobre quais são os espaços de construção de uma economia circular, sobre projetos de lei para propor um guarda-chuva na discussão de um plano pela economia circular brasileira. No mercado de carbono, a gente é um setor regulado, e acompanhamos muito de perto o tema, pois globalmente, teremos o grande desafio de neutralizar as nossas operações até 2050. Parte disso a gente reconhece que será em offsetting (compensação). Queremos entender para onde vai o mercado de carbono voluntário no Brasil para identificar oportunidades. O Brasil pode virar o grande fornecedor de créditos de carbono para offsetting nas próximas décadas, mesmo com um mercado tão complexo.

A indústria química já está entendendo que o Brasil tem esse potencial em relação ao mercado de carbono e que as estratégias relacionadas à agenda verde também podem virar negócio?

São níveis diferentes de compreensão. Parte da oportunidade que a gente tem em trabalhar com a Abiquim e a ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação) é entender de que forma a gente consegue demonstrar para as indústrias ou empresas um pouco mais resistentes a essa mudança — que é uma mudança assustadora — que existe um caminho lucrativo para essa transição. Eu acho que a sabedoria do Jim Fitterling, nosso CEO, é falar que o desafio de descarbonizar e crescer é também o de oferecer à indústria uma visão de que dá para fazer os dois, a gente não precisa escolher entre um e outro. Então, entendo que a gente está em uma indústria com diferentes graus de reconhecimento do desafio.

Quando a sra. fala que a indústria precisa entender que não é preciso escolher entre descarbonizar e crescer, por que ainda há essa percepção? A descarbonização é cara?

Muito cara. São trilhões de dólares para as indústrias nos setores regulados efetivamente conseguirem fazer a sua transição. E são muitas as tecnologias que ainda não foram desenvolvidas. Isso, então, pressupõe que você reconheça que está muito atrás em algumas áreas. Então, você vai precisar investir muito dinheiro em inovação e, obviamente, ter uma atenção para o quanto esse custo fixo vai impactar na operação. Temos um projeto, por exemplo, em Alberta, no Canadá, que vai ser a primeira operação carbono neutro dos escopos 1 e 2 da indústria química global. Esse projeto demandou investimento de US$ 6,5 bilhões para garantir tecnologia de capturas e sequestro de carbono, infraestrutura para chegar até a operação, e a gente também tinha uma conversa bem estabelecida com o governo de que as inovações ainda estão em construção. O governo do Canadá e o governo da província foram grandes incentivadores e ofereceram subsídios. Por isso temos acompanhado muito de perto aqui essa dança do diálogo público-privado. Os Estados Unidos e a Europa lançaram grandes planos industriais. O “Inflation Reduction Act” (voltado para soluções em energia limpa) nos Estados Unidos redirecionou o fluxo de investimento para lá, e a Europa deu uma resposta com o “Green Deal Industrial Plan” (de apoio à transição da indústria para as emissões zero). Estamos acenando para o governo (brasileiro) que subsídios para políticas que incentivem a inovação já estão acontecendo no mundo todo. A questão não é se vale a pena, mas saber quando o Brasil estará pronto para reconhecer e implementar incentivos para inovação e subsídios para transição industrial, para a gente não perder esse espaço.

Então, o setor privado no Brasil não consegue custear a descarbonização sem subsídio do poder público?

Acho que não existe uma resposta definitiva para qualquer coisa. O que eu enxergo é que, por exemplo, o “Inflation Reduction Act” mudou os fluxos de investimentos estrangeiro direto para os Estados Unidos. Tem empresa brasileira que foi para lá construir estrutura para SAF (combustível sustentável de aviação). O ponto principal para o governo brasileiro — e eu acho que o governo tem se esforçado em conseguir fazer essas conexões, como o Nova Indústria Brasil, que é um início de conversa bastante bom — é reconhecer que, em um mundo globalizado, quem oferece as melhores condições para uma empresa ser competitiva na sua estrutura está na frente. A gente pode ser o país do futuro eternamente, se o cara fizer a conta na ponta do lápis e for muito mais complexo e demorado investir no Brasil, será uma decisão pragmática, né? Então, o meu ponto sobre a política pública é que os incentivos, os subsídios e o reconhecimento de um plano específico de modernização e inovação da indústria está colocado em vários grandes países desenvolvidos. A pergunta é como é que o Brasil quer responder a isso.

Investir em descarbonização não significa retroceder em estratégias de crescimento de uma empresa, e a indústria química precisa estar ciente disso. A avaliação é da executiva Mariana Orsini, líder regional do Brasil na Dow, cargo equivalente à função de CEO na subsidiária brasileira. Para a gestora, o setor no País está bem posicionado em relação à produção limpa frente aos pares globais, mas precisa fazer desse diferencial uma estratégia de negócio.

“Dentro da discussão da descarbonização, a indústria química no Brasil tem um lugar muito bom para explorar. O que a gente precisa fazer é transformar essa vantagem em negócio”, diz Orsini. “(Na Dow), há um esforço de muitas lideranças para alcançar o desafio de descarbonizar a nossa operação enquanto cresce. A gente não pode trabalhar com o binômio: ou um ou outro.”

A executiva pondera que a jornada da descarbonização do setor é uma “mudança assustadora” e “muito cara”. Por isso, defende a necessidade de que o governo brasileiro avance em políticas públicas de subsídio à transição, como as já adotadas em países da Europa e nos Estados Unidos. Segundo a CEO, o fomento desses países à agenda verde de seus territórios tem atraído o apetite de investidores, o que abala a competitividade global das empresas brasileiras.

Em novembro passado, a Dow recebeu subsídios governamentais do Canadá e fez investimento de capital próprio de US$ 6,5 bilhões para construir uma instalação integrada de cracker de etileno e derivativos com emissões zero de gases poluentes no escopo 1 e 2 (emissões diretas). De acordo com a empresa, a estratégia de produção limpa tem a meta de gerar US$ 1 bilhão em crescimento de Ebitda (lucro antes de juros, depreciação, impostos e amortização) por ano na companhia e descarbonizar 20% da capacidade global de etileno das operações.

“Estamos acenando para o governo (brasileiro) que subsídios para políticas que incentivem a inovação já estão acontecendo no mundo todo. A questão não é se vale a pena, mas (saber) quando o Brasil estará pronto para reconhecer e implementar incentivos para inovação e subsídios para transição industrial, para a gente não perder esse espaço”, argumenta a gestora.

Mariana Orsini assumiu cargo de líder regional do Brasil na Dow Química Foto: Dow/Divulgação

Contratada pela Dow em 2011, Orsini é a primeira mulher a assumir o posto de liderança da divisão brasileira da companhia, sediada nos Estados Unidos. Ela assumiu o cargo em agosto deste ano, após a aposentadoria do executivo Javier Constante, que atuava como CEO da empresa pela América Latina, incluindo o Brasil. A executiva irá conciliar a operação regional com a função de diretora de assuntos institucionais para a América Latina.

“Chego (à função de CEO) em um momento muito promissor em termos de construção de políticas públicas que estimulem o crescimento econômico a partir de uma relação nova com o meio ambiente”, diz.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

A sra. já atuava na Dow como diretora de assuntos institucionais para a América Latina e, em agosto, assumiu também a posição de líder regional da companhia no Brasil. Como está sendo exercer esses dois cargos simultaneamente?

É um desafio muito recente, de algumas semanas. Entrei na Dow em 2011, na área de relações governamentais. O meu histórico é de relações internacionais e institucionais, e parte do meu trabalho foi se consolidando nessa área. E construir pontes e redes é o desafio básico de uma pessoa nessa posição. A minha sensação é a de que o pacote de habilidades que fui desenvolvendo ao longo do tempo me ajudou muito a poder acumular essas duas posições. Meus públicos principais eram governos, e hoje eu ampliei ainda mais o leque de públicos-alvo, olhando também por um ângulo um pouco diferente. Então, estar nas duas posições é um desafio factível.

E como é para a sra. ser a primeira mulher neste posto?

Estou muito honrada. Acho que isso também é reflexo de uma empresa que leva a sério a cultura de inclusão e diversidade. Temos um CEO global que é um homem abertamente gay (fazendo referência ao executivo Jim Fitterling). Então, temos um ambiente que é pautado pelo respeito às pessoas. Desde que entrei na Dow, participei e ajudei a construir uma série de iniciativas, como o primeiro programa de mentoria específico para mulheres em 2014. Tive minhas duas filhas em momentos diferentes da carreira dentro da empresa. Sempre tive muitos aliados que enxergavam os desafios de ser uma mulher na indústria química e na área de relações governamentais, que também é um setor bastante masculino. Era comum eu estar em uma reunião com entes do governo e ser a única ou a minoria.

Parte dessa função vai envolver a busca por novas oportunidades de crescimento, incluindo sua expertise no diálogo com os governos, para áreas da agenda verde, como economia circular e descarbonização. Quais oportunidades a sra. tem observado no Brasil relacionadas a isso?

Particularmente, acho que chego (à função de CEO) em um momento muito promissor em termos de construção de políticas públicas que estimulem o crescimento econômico a partir de uma relação nova com o meio ambiente. Pela perspectiva da descarbonização, por exemplo, a gente já tem um compromisso global de diminuir 5 milhões de toneladas da nossa emissão de gases de efeito estufa (GEE) até 2030 e ter carbono neutro até 2050. No Brasil, sete das nossas nove operações já utilizam energia renovável. Ano que vem, a gente chega a 100%. Então, há um esforço de muitas lideranças para alcançar o desafio de descarbonizar a nossa operação enquanto cresce. A gente não pode trabalhar com o binômio: ou um ou outro. E, dentro da discussão da descarbonização, a indústria química no Brasil tem um lugar muito bom para explorar. Hoje, já somos a indústria química mais limpa do mundo, e o que a gente precisa fazer é transformar essa vantagem em negócio. O meu desafio é saber como acompanhamos essas discussões de políticas públicas globais do mercado de carbono e como o Brasil joga nessa dinâmica onde o carbono tem o preço, trazendo oportunidades de negócio para as nossas operações locais. Já para a economia circular, temos um desafio enorme, mas bem menos desconfortável do que no passado. Hoje, temos um pouco mais de maturidade enquanto sociedade para entender que o modelo industrial no qual todos nós nos instalamos é um modelo que não cabe mais. Uma economia linear, em que a gente terminava a responsabilidade na prateleira, criou muitos desafios para nós, e temos agora trabalhado muito para entender o que é, efetivamente, transformar o modelo econômico. O primeiro grande desafio é a humildade de reconhecer que isso não se resolve sozinho. O governo não vai conseguir resolver sozinho, a indústria não vai conseguir resolver sozinha, as ONGs não vão conseguir resolver sozinhas e nem nós, como cidadãos.

E como anda o diálogo da Dow com o governo brasileiro? Há o acompanhamento de discussões, por exemplo, sobre regulamentação de hidrogênio verde e de biocombustíveis?

Nós acompanhamos muito de perto (essas discussões), especialmente via associações de classe e entidades setoriais. A Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) é o principal lugar no qual construímos políticas públicas. A gente acredita que políticas públicas bem-feitas são políticas públicas setoriais, e não individuais. O nosso trabalho na Abiquim, por exemplo, é entender de que forma a gente reforça a indústria para pensar à frente, se consolidar. Trata-se da sexta maior indústria química do mundo, não é nada desprezível, tem muito potencial, mas temos que pensar como a gente começa a transformar esse novo ambiente regulatório global em políticas públicas que viabilizem negócios, no final do dia. Acompanhamos muito de perto as discussões sobre logística reversa, sobre quais são os espaços de construção de uma economia circular, sobre projetos de lei para propor um guarda-chuva na discussão de um plano pela economia circular brasileira. No mercado de carbono, a gente é um setor regulado, e acompanhamos muito de perto o tema, pois globalmente, teremos o grande desafio de neutralizar as nossas operações até 2050. Parte disso a gente reconhece que será em offsetting (compensação). Queremos entender para onde vai o mercado de carbono voluntário no Brasil para identificar oportunidades. O Brasil pode virar o grande fornecedor de créditos de carbono para offsetting nas próximas décadas, mesmo com um mercado tão complexo.

A indústria química já está entendendo que o Brasil tem esse potencial em relação ao mercado de carbono e que as estratégias relacionadas à agenda verde também podem virar negócio?

São níveis diferentes de compreensão. Parte da oportunidade que a gente tem em trabalhar com a Abiquim e a ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação) é entender de que forma a gente consegue demonstrar para as indústrias ou empresas um pouco mais resistentes a essa mudança — que é uma mudança assustadora — que existe um caminho lucrativo para essa transição. Eu acho que a sabedoria do Jim Fitterling, nosso CEO, é falar que o desafio de descarbonizar e crescer é também o de oferecer à indústria uma visão de que dá para fazer os dois, a gente não precisa escolher entre um e outro. Então, entendo que a gente está em uma indústria com diferentes graus de reconhecimento do desafio.

Quando a sra. fala que a indústria precisa entender que não é preciso escolher entre descarbonizar e crescer, por que ainda há essa percepção? A descarbonização é cara?

Muito cara. São trilhões de dólares para as indústrias nos setores regulados efetivamente conseguirem fazer a sua transição. E são muitas as tecnologias que ainda não foram desenvolvidas. Isso, então, pressupõe que você reconheça que está muito atrás em algumas áreas. Então, você vai precisar investir muito dinheiro em inovação e, obviamente, ter uma atenção para o quanto esse custo fixo vai impactar na operação. Temos um projeto, por exemplo, em Alberta, no Canadá, que vai ser a primeira operação carbono neutro dos escopos 1 e 2 da indústria química global. Esse projeto demandou investimento de US$ 6,5 bilhões para garantir tecnologia de capturas e sequestro de carbono, infraestrutura para chegar até a operação, e a gente também tinha uma conversa bem estabelecida com o governo de que as inovações ainda estão em construção. O governo do Canadá e o governo da província foram grandes incentivadores e ofereceram subsídios. Por isso temos acompanhado muito de perto aqui essa dança do diálogo público-privado. Os Estados Unidos e a Europa lançaram grandes planos industriais. O “Inflation Reduction Act” (voltado para soluções em energia limpa) nos Estados Unidos redirecionou o fluxo de investimento para lá, e a Europa deu uma resposta com o “Green Deal Industrial Plan” (de apoio à transição da indústria para as emissões zero). Estamos acenando para o governo (brasileiro) que subsídios para políticas que incentivem a inovação já estão acontecendo no mundo todo. A questão não é se vale a pena, mas saber quando o Brasil estará pronto para reconhecer e implementar incentivos para inovação e subsídios para transição industrial, para a gente não perder esse espaço.

Então, o setor privado no Brasil não consegue custear a descarbonização sem subsídio do poder público?

Acho que não existe uma resposta definitiva para qualquer coisa. O que eu enxergo é que, por exemplo, o “Inflation Reduction Act” mudou os fluxos de investimentos estrangeiro direto para os Estados Unidos. Tem empresa brasileira que foi para lá construir estrutura para SAF (combustível sustentável de aviação). O ponto principal para o governo brasileiro — e eu acho que o governo tem se esforçado em conseguir fazer essas conexões, como o Nova Indústria Brasil, que é um início de conversa bastante bom — é reconhecer que, em um mundo globalizado, quem oferece as melhores condições para uma empresa ser competitiva na sua estrutura está na frente. A gente pode ser o país do futuro eternamente, se o cara fizer a conta na ponta do lápis e for muito mais complexo e demorado investir no Brasil, será uma decisão pragmática, né? Então, o meu ponto sobre a política pública é que os incentivos, os subsídios e o reconhecimento de um plano específico de modernização e inovação da indústria está colocado em vários grandes países desenvolvidos. A pergunta é como é que o Brasil quer responder a isso.

Investir em descarbonização não significa retroceder em estratégias de crescimento de uma empresa, e a indústria química precisa estar ciente disso. A avaliação é da executiva Mariana Orsini, líder regional do Brasil na Dow, cargo equivalente à função de CEO na subsidiária brasileira. Para a gestora, o setor no País está bem posicionado em relação à produção limpa frente aos pares globais, mas precisa fazer desse diferencial uma estratégia de negócio.

“Dentro da discussão da descarbonização, a indústria química no Brasil tem um lugar muito bom para explorar. O que a gente precisa fazer é transformar essa vantagem em negócio”, diz Orsini. “(Na Dow), há um esforço de muitas lideranças para alcançar o desafio de descarbonizar a nossa operação enquanto cresce. A gente não pode trabalhar com o binômio: ou um ou outro.”

A executiva pondera que a jornada da descarbonização do setor é uma “mudança assustadora” e “muito cara”. Por isso, defende a necessidade de que o governo brasileiro avance em políticas públicas de subsídio à transição, como as já adotadas em países da Europa e nos Estados Unidos. Segundo a CEO, o fomento desses países à agenda verde de seus territórios tem atraído o apetite de investidores, o que abala a competitividade global das empresas brasileiras.

Em novembro passado, a Dow recebeu subsídios governamentais do Canadá e fez investimento de capital próprio de US$ 6,5 bilhões para construir uma instalação integrada de cracker de etileno e derivativos com emissões zero de gases poluentes no escopo 1 e 2 (emissões diretas). De acordo com a empresa, a estratégia de produção limpa tem a meta de gerar US$ 1 bilhão em crescimento de Ebitda (lucro antes de juros, depreciação, impostos e amortização) por ano na companhia e descarbonizar 20% da capacidade global de etileno das operações.

“Estamos acenando para o governo (brasileiro) que subsídios para políticas que incentivem a inovação já estão acontecendo no mundo todo. A questão não é se vale a pena, mas (saber) quando o Brasil estará pronto para reconhecer e implementar incentivos para inovação e subsídios para transição industrial, para a gente não perder esse espaço”, argumenta a gestora.

Mariana Orsini assumiu cargo de líder regional do Brasil na Dow Química Foto: Dow/Divulgação

Contratada pela Dow em 2011, Orsini é a primeira mulher a assumir o posto de liderança da divisão brasileira da companhia, sediada nos Estados Unidos. Ela assumiu o cargo em agosto deste ano, após a aposentadoria do executivo Javier Constante, que atuava como CEO da empresa pela América Latina, incluindo o Brasil. A executiva irá conciliar a operação regional com a função de diretora de assuntos institucionais para a América Latina.

“Chego (à função de CEO) em um momento muito promissor em termos de construção de políticas públicas que estimulem o crescimento econômico a partir de uma relação nova com o meio ambiente”, diz.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

A sra. já atuava na Dow como diretora de assuntos institucionais para a América Latina e, em agosto, assumiu também a posição de líder regional da companhia no Brasil. Como está sendo exercer esses dois cargos simultaneamente?

É um desafio muito recente, de algumas semanas. Entrei na Dow em 2011, na área de relações governamentais. O meu histórico é de relações internacionais e institucionais, e parte do meu trabalho foi se consolidando nessa área. E construir pontes e redes é o desafio básico de uma pessoa nessa posição. A minha sensação é a de que o pacote de habilidades que fui desenvolvendo ao longo do tempo me ajudou muito a poder acumular essas duas posições. Meus públicos principais eram governos, e hoje eu ampliei ainda mais o leque de públicos-alvo, olhando também por um ângulo um pouco diferente. Então, estar nas duas posições é um desafio factível.

E como é para a sra. ser a primeira mulher neste posto?

Estou muito honrada. Acho que isso também é reflexo de uma empresa que leva a sério a cultura de inclusão e diversidade. Temos um CEO global que é um homem abertamente gay (fazendo referência ao executivo Jim Fitterling). Então, temos um ambiente que é pautado pelo respeito às pessoas. Desde que entrei na Dow, participei e ajudei a construir uma série de iniciativas, como o primeiro programa de mentoria específico para mulheres em 2014. Tive minhas duas filhas em momentos diferentes da carreira dentro da empresa. Sempre tive muitos aliados que enxergavam os desafios de ser uma mulher na indústria química e na área de relações governamentais, que também é um setor bastante masculino. Era comum eu estar em uma reunião com entes do governo e ser a única ou a minoria.

Parte dessa função vai envolver a busca por novas oportunidades de crescimento, incluindo sua expertise no diálogo com os governos, para áreas da agenda verde, como economia circular e descarbonização. Quais oportunidades a sra. tem observado no Brasil relacionadas a isso?

Particularmente, acho que chego (à função de CEO) em um momento muito promissor em termos de construção de políticas públicas que estimulem o crescimento econômico a partir de uma relação nova com o meio ambiente. Pela perspectiva da descarbonização, por exemplo, a gente já tem um compromisso global de diminuir 5 milhões de toneladas da nossa emissão de gases de efeito estufa (GEE) até 2030 e ter carbono neutro até 2050. No Brasil, sete das nossas nove operações já utilizam energia renovável. Ano que vem, a gente chega a 100%. Então, há um esforço de muitas lideranças para alcançar o desafio de descarbonizar a nossa operação enquanto cresce. A gente não pode trabalhar com o binômio: ou um ou outro. E, dentro da discussão da descarbonização, a indústria química no Brasil tem um lugar muito bom para explorar. Hoje, já somos a indústria química mais limpa do mundo, e o que a gente precisa fazer é transformar essa vantagem em negócio. O meu desafio é saber como acompanhamos essas discussões de políticas públicas globais do mercado de carbono e como o Brasil joga nessa dinâmica onde o carbono tem o preço, trazendo oportunidades de negócio para as nossas operações locais. Já para a economia circular, temos um desafio enorme, mas bem menos desconfortável do que no passado. Hoje, temos um pouco mais de maturidade enquanto sociedade para entender que o modelo industrial no qual todos nós nos instalamos é um modelo que não cabe mais. Uma economia linear, em que a gente terminava a responsabilidade na prateleira, criou muitos desafios para nós, e temos agora trabalhado muito para entender o que é, efetivamente, transformar o modelo econômico. O primeiro grande desafio é a humildade de reconhecer que isso não se resolve sozinho. O governo não vai conseguir resolver sozinho, a indústria não vai conseguir resolver sozinha, as ONGs não vão conseguir resolver sozinhas e nem nós, como cidadãos.

E como anda o diálogo da Dow com o governo brasileiro? Há o acompanhamento de discussões, por exemplo, sobre regulamentação de hidrogênio verde e de biocombustíveis?

Nós acompanhamos muito de perto (essas discussões), especialmente via associações de classe e entidades setoriais. A Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) é o principal lugar no qual construímos políticas públicas. A gente acredita que políticas públicas bem-feitas são políticas públicas setoriais, e não individuais. O nosso trabalho na Abiquim, por exemplo, é entender de que forma a gente reforça a indústria para pensar à frente, se consolidar. Trata-se da sexta maior indústria química do mundo, não é nada desprezível, tem muito potencial, mas temos que pensar como a gente começa a transformar esse novo ambiente regulatório global em políticas públicas que viabilizem negócios, no final do dia. Acompanhamos muito de perto as discussões sobre logística reversa, sobre quais são os espaços de construção de uma economia circular, sobre projetos de lei para propor um guarda-chuva na discussão de um plano pela economia circular brasileira. No mercado de carbono, a gente é um setor regulado, e acompanhamos muito de perto o tema, pois globalmente, teremos o grande desafio de neutralizar as nossas operações até 2050. Parte disso a gente reconhece que será em offsetting (compensação). Queremos entender para onde vai o mercado de carbono voluntário no Brasil para identificar oportunidades. O Brasil pode virar o grande fornecedor de créditos de carbono para offsetting nas próximas décadas, mesmo com um mercado tão complexo.

A indústria química já está entendendo que o Brasil tem esse potencial em relação ao mercado de carbono e que as estratégias relacionadas à agenda verde também podem virar negócio?

São níveis diferentes de compreensão. Parte da oportunidade que a gente tem em trabalhar com a Abiquim e a ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação) é entender de que forma a gente consegue demonstrar para as indústrias ou empresas um pouco mais resistentes a essa mudança — que é uma mudança assustadora — que existe um caminho lucrativo para essa transição. Eu acho que a sabedoria do Jim Fitterling, nosso CEO, é falar que o desafio de descarbonizar e crescer é também o de oferecer à indústria uma visão de que dá para fazer os dois, a gente não precisa escolher entre um e outro. Então, entendo que a gente está em uma indústria com diferentes graus de reconhecimento do desafio.

Quando a sra. fala que a indústria precisa entender que não é preciso escolher entre descarbonizar e crescer, por que ainda há essa percepção? A descarbonização é cara?

Muito cara. São trilhões de dólares para as indústrias nos setores regulados efetivamente conseguirem fazer a sua transição. E são muitas as tecnologias que ainda não foram desenvolvidas. Isso, então, pressupõe que você reconheça que está muito atrás em algumas áreas. Então, você vai precisar investir muito dinheiro em inovação e, obviamente, ter uma atenção para o quanto esse custo fixo vai impactar na operação. Temos um projeto, por exemplo, em Alberta, no Canadá, que vai ser a primeira operação carbono neutro dos escopos 1 e 2 da indústria química global. Esse projeto demandou investimento de US$ 6,5 bilhões para garantir tecnologia de capturas e sequestro de carbono, infraestrutura para chegar até a operação, e a gente também tinha uma conversa bem estabelecida com o governo de que as inovações ainda estão em construção. O governo do Canadá e o governo da província foram grandes incentivadores e ofereceram subsídios. Por isso temos acompanhado muito de perto aqui essa dança do diálogo público-privado. Os Estados Unidos e a Europa lançaram grandes planos industriais. O “Inflation Reduction Act” (voltado para soluções em energia limpa) nos Estados Unidos redirecionou o fluxo de investimento para lá, e a Europa deu uma resposta com o “Green Deal Industrial Plan” (de apoio à transição da indústria para as emissões zero). Estamos acenando para o governo (brasileiro) que subsídios para políticas que incentivem a inovação já estão acontecendo no mundo todo. A questão não é se vale a pena, mas saber quando o Brasil estará pronto para reconhecer e implementar incentivos para inovação e subsídios para transição industrial, para a gente não perder esse espaço.

Então, o setor privado no Brasil não consegue custear a descarbonização sem subsídio do poder público?

Acho que não existe uma resposta definitiva para qualquer coisa. O que eu enxergo é que, por exemplo, o “Inflation Reduction Act” mudou os fluxos de investimentos estrangeiro direto para os Estados Unidos. Tem empresa brasileira que foi para lá construir estrutura para SAF (combustível sustentável de aviação). O ponto principal para o governo brasileiro — e eu acho que o governo tem se esforçado em conseguir fazer essas conexões, como o Nova Indústria Brasil, que é um início de conversa bastante bom — é reconhecer que, em um mundo globalizado, quem oferece as melhores condições para uma empresa ser competitiva na sua estrutura está na frente. A gente pode ser o país do futuro eternamente, se o cara fizer a conta na ponta do lápis e for muito mais complexo e demorado investir no Brasil, será uma decisão pragmática, né? Então, o meu ponto sobre a política pública é que os incentivos, os subsídios e o reconhecimento de um plano específico de modernização e inovação da indústria está colocado em vários grandes países desenvolvidos. A pergunta é como é que o Brasil quer responder a isso.

Entrevista por Shagaly Ferreira

É repórter de Economia no Estadão, com foco em Governança. Formada em Jornalismo pela UFRB, é também graduada em Letras e mestra em Literatura e Cultura pela UFBA. Tem passagens por PEGN, Época Negócios, E-Investidor e A Tarde. Prêmios: 9º Prêmio Sebrae de Jornalismo, 22º Prêmio Estadão, Top 50+ Admirados Jornalistas Negros e Prêmio Itaú Cultural.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.