ESG ainda é um tema muito técnico para o consumidor, diz executiva do Boticário


Para Fabiana de Freitas, vice-presidente de Assuntos Corporativos do grupo, complexidade do assunto é uma barreira para popularizá-lo; pilares sustentáveis integram estratégias de negócios e gestão de riscos da companhia, com metas para 2030

Por Shagaly Ferreira
Foto: Grupo Boticário
Entrevista comFabiana de FreitasVice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Boticário

As temáticas relacionadas aos pilares ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) estão mais presentes em empresas privadas e ainda não se popularizaram. É essa a percepção da vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Boticário, Fabiana de Freitas.

Na avaliação da executiva, parte desse descompasso tem a ver com a complexidade com que as temáticas são tratadas. “O ESG ainda é muito técnico”, avalia. “Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)?”, questiona.

O ESG, no entanto, tem potencial para se tornar um assunto recorrente, como acontece com direitos e deveres presentes no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em vigor há mais de 30 anos, opina Freitas. Isso envolve o movimento de empresas para ampliar seus canais de comunicação com o público e contribuir para que o consumidor veja valor em produtos elaborados com base nos princípios de sustentabilidade.

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“As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso”, diz.

Os pilares ambientais, sociais e de governança estão presentes nas estratégias de gestão do Grupo Boticário, que divulgou em 16 de maio seu 12º relatório ESG e a revisão dos compromissos relativos ao tema para 2030. Conforme o documento, as metas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas (ONU), seguindo o mesmo recorte temporal da Agenda 2030.

Os indicadores, desenvolvidos em 2021 pela companhia, são revisados a cada três anos, e, segundo Freitas, devem ser impactados de alguma forma pelos acontecimentos da crise climática que têm atingido o Rio Grande do Sul (RS). Cerca de 500 colaboradores da organização foram diretamente afetados pelas enchentes na região.

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Sob responsabilidade da alta liderança do Grupo Boticário, os assuntos relacionados a eventos de crise climática de um modo geral — um dos compromissos de sustentabilidade da empresa dentre os oito assumidos — passaram a integrar o planejamento de negócios da companhia de capital fechado em 2023, principalmente por meio de comitês de gestão de riscos e de ESG.

No final do mesmo ano, a companhia emitiu o segundo lote de debêntures ligadas a metas ESG, no valor de R$ 2 bilhões. Os títulos de Sustainability-Linked Bond (SLB) foram atrelados a duas metas de desempenho sustentável: garantir que 100% dos produtos de suas marcas sejam veganos até dezembro de 2026; e utilizar pelo menos 80% da água de reúso gerada na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, até 2029.

Abaixo os destaques da entrevista:

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No ano passado, os assuntos relacionados à crise climática estiveram na agenda dos brasileiros, principalmente em virtude das ondas de calor e enchentes. No Grupo Boticário, a discussão sobre o tema é de responsabilidade da alta liderança e, desde 2023, passou a constar do planejamento dos negócios da companhia. De que maneira isso se dá?

Temos uma área de riscos no grupo que está dentro do guarda-chuva de compliance. Então, temos (áreas de) riscos, controles, auditoria interna, fraudes, enfim, todas as questões relacionadas a compliance. A parte de riscos olha para fora, para os riscos que existem nesse tipo de negócio, e olha para dentro também, olhando o nosso planejamento estratégico.

Água, para nós, (por exemplo) é um capital crítico. Sendo ela um capital crítico, no nosso mapa de riscos, a escassez de água é um tema que é visto como um risco para um negócio. Dentro dessa visão de risco estratégico, que reportamos para o Comitê de Risco e Auditoria (criado em 2015), ligado ao conselho, reportamos as questões relacionadas à crise hídrica, que estão diretamente ligadas à crise climática. Daí, a gente cascateia os riscos que a gente vê, onde eles estão instalados e quais são os programas ou os planos de negócio que a gente vai fazer, colocando também controles para acompanhar a evolução e poder mitigar ou impedir o risco.

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Então, temos muitas iniciativas dentro do nosso contexto de governança relacionadas ao nosso mapa de risco estratégico. Como esse é um tema que está ligado ao nosso capital crítico, que é a água, naturalmente ele está mapeado e tem todas as ações nos planos que a gente tem para mitigar ou para retirar esse tipo de risco.

Grupo Boticário emitiu debêntures com meta de utilização de água de reúso em ambiente fabril Foto: Divulgação/Grupo Boticário

É parte do nosso planejamento estratégico contínuo. Porque, quando você está fazendo um mapa de risco e está olhando riscos estratégicos da organização, que servem justamente para evitar os problemas, você olha para fora e para dentro. Quando a gente olha para fora, a gente também tem que olhar as questões climáticas.

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E o Comitê de ESG também abraça a gestão de riscos?

O trabalho do mapa de riscos transaciona dentro do Comitê de Risco e Auditoria. O Comitê de ESG (criado em 2021) olha as questões de ESG de forma macro. Ele está muito pautado em olhar o que a gente faz da porta para dentro, mas o direcional forte e pesado desse comitê é olhar o futuro e olhar a estratégia.

Óbvio, de alguma forma, esse comitê consegue, olhando a estratégia do grupo, também colocar as estratégias de ESG (em pauta). A gente tem o tema de ESG dentro das metas da organização. Para obter resultados, temos metas de ESG, nossos fornecedores têm metas de ESG. Então, (isso) deixa muito claro que o ESG faz parte de todo o contexto do dia a dia da organização.

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Estruturalmente, a gente está fazendo muita coisa. Temos nossos compromissos claros, temos revisão de três em três anos (das metas de sustentabilidade), temos times de governança, de social e de ambiental dedicados. Então, essa turma faz girar o ESG dentro da organização como uma orquestra, porque, na verdade, não é o time de ESG que faz. Ele orquestra isso dentro do P&D (pesquisa e desenvolvimento), dentro da indústria, dentro do marketing, dentro do RH. O Comitê de ESG tem esse condão de desafiar o interno, olhar para fora, questionar, criticar, olhar indicadores.

A preocupação é que esse tema — e quem se diz especialista me causa um pouco de angústia — é um tema (sobre o qual está) todo mundo aprendendo. No começo da minha carreira de advocacia, surgiu a Lei de Defesa do Consumidor (nº 8.078/1990). Os consumidores não sabiam dos direitos que eles tinham, e aí veio a lei. Hoje em dia, olha como normalizou isso, como o consumidor sabe (sobre a lei), o comércio sabe, o varejo sabe, não tem mais uma acautelamento em cima do tema.

Eu tive a mesma sensação quando saiu a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, nº13.709/2018), só que eu acho que ela ainda está lenta. No Código de Defesa do Consumidor, a coisa não andou mais rápida. E o ESG ainda é muito técnico. Eu acho que as pessoas querem, mas não sabem como fazer.

Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)? O ESG vai ter uma crescida maior quando aumentar o nível de entendimento. Acho que não é falta de vontade, principalmente agora. Com todos esses problemas de mudança climática, eu acho que está todo mundo mais tocado com o tema.

Mas essa ampliação de entendimento para que o ESG se consolide vale tanto para as empresas quanto para o público em geral?

Falo mais da sociedade em si. As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso. Eu nem acho que custa tão caro. Já teve um tempo que custou muito mais caro. Hoje em dia, há coisas que já estão incorporadas dentro do processo e não afetam o preço.

Mas eu acho que tem uma questão, sim, de o tema ainda ser um pouco complexo. Quando isso normalizar, vai ser muito bom para criar consciência. Claro, não vamos esquecer (de que as pessoas precisam ter) trabalho, ter saúde. Há uma série de coisas que a gente tem de desafios do País. Mas aqui é um tema que passa a ser não tema de escrivaninha. Passa a ser um tema do dia a dia, quando a gente vê tanta catástrofe climática como a gente tem visto.

Assim como o Boticário, a gente tem uma série de marcas da indústria da beleza que trazem nos discursos de marketing e cultura empresarial o apoio ao ESG, e você fala em poder proporcionar um maior entendimento sobre o tema para a sociedade. Você acredita que o segmento tem potencial para fazer um trabalho de formação sobre isso?

Eu não vejo nenhum setor fora desse caminho. A iniciativa privada participa de muitas frentes importantes no mundo e consegue fazer a diferença em várias. Aqui, independentemente de setor, todo mundo tem oportunidade.

A gente (no Grupo Boticário) usa todos os canais para, de alguma forma, atingir o consumidor, levando algum tipo de conhecimento, incentivo ou atributo, que ele venha a entender que deva valorizar em ESG, seja com plástico verde, seja com um produto que remeta a um entendimento sobre a natureza, seja com a informação na hora que está se comunicando.

As pessoas têm interesse por aquilo que é bom, e cada vez vão entendendo melhor isso. A gente precisa que o ESG entre no atributo de que um produto é melhor quando ele carrega (pilares) de ESG.

No ano passado, os fornecedores estratégicos do Grupo Boticário foram escolhidos com base em critérios sociais e ambientais. Como é que vocês discutem e trabalham essas temáticas com fornecedores contratados antes dessas exigências?

Aditamos o contrato, se precisar. A relação nossa com os fornecedores raramente é de curto prazo. Por exemplo, tivemos cláusulas de compliance que quisemos colocar ao longo do anos. A gente vai chamando os fornecedores, ou, na renovação, vai atualizando as cláusulas deles. Assim como atualizamos as de compliance, atualizamos as de privacidade. E a gente faz a mesma coisa com as questões de ESG.

Executivos do Grupo Boticário divulgaram relatório revisado com metas de sustentabilidade para 2030, no dia 16 de maio de 2024 Foto: Divulgação/Marcos Vinicius Ca

Para nós, isso não é difícil fazer. Estamos acostumados, ou por mudança de legislação ou por alteração do modelo de negócio. O importante é o nosso fornecedor entender que isso é importante para nós.

Então, para a cultura da empresa, é interessante que esses pilares não fiquem somente no reduto das pessoas que estão envolvidas diretamente na companhia…

A gente não vai conseguir fazer a mudança que a gente quer, se não levar nosso ecossistema junto.

Nesse ano, nós estamos passando por uma crise climática de repercussão internacional, relacionada às enchentes no RS. O episódio deve intervir em modificações no Plano de Transição e Adaptação às Mudanças Climáticas feito pelo grupo no ano passado?

Tudo que a gente faz no negócio, a gente tem um plano trianual revisado anualmente. Mesma coisa o nosso trabalho dentro do ESG, porque nós estamos dentro do negócio, a gente está naturalmente dentro dessa revisão. Esse tipo de evento é um evento que mexe com os franqueados, com as revendedoras, com as nossas pessoas — nós temos quase 500 pessoas no RS —, com os nossos consumidores. Então, provavelmente vai ter uma análise, sim, em relação a esse tema.

Na NRF (National Retail Federation) do ano passado, em Nova York (EUA), fiquei sabendo que pela primeira vez foi falado sobre mudança climática. Eu vejo como um copo cheio, porque é o maior encontro de varejo do mundo e poucos temas conseguem entrar lá. Se entra um tema desses, a gente deve entender que ele deve estar chegando realmente na casa das pessoas. A empresa não é um monte de prateleira, ela é um monte de gente.

E aí, eu acho que, talvez, a gente consiga ser mais compreendido na hora que pede para reciclar, para devolver as embalagens nas lojas, (consiga) que as pessoas se sintam mais estimuladas a isso, que deem mais atenção para o que estão consumindo. Porque a gente vive em um País que ainda tem pouca condição econômica, na sua maioria, e, às vezes, as pessoas têm que fazer escolhas.

Mas reciclagem não é uma escolha que custa mais. Tem uma coisa de um mito de que tudo que se faz em ESG é mais caro. Não necessariamente.

Mas, então, o episódio no RS pode impactar todo o ecossistema do negócio?

Eu acho que é muito precipitado falar isso agora porque o evento aconteceu há poucas semanas. A gente está aguardando para ver o que vai acontecer. Acho que vamos precisar ouvir a ciência, vamos precisar ver os dados. Acho que esses dados que estão aí não estão nem perto do que a gente vai ver de dimensão (da tragédia). Mas, por certo, ele vai requerer um olhar sobre.

O Grupo Boticário foi impactado diretamente?

Quando teve o problema, a gente imediatamente instalou um comitê de crise e direcionou fortemente produtos de higiene e beleza para lá. A gente fez um plano para os nossos empregados de localizá-los primeiro — pois tinha gente que demorou para ser localizada —, de adiantamento do décimo terceiro salário, de férias, de ajuda para locomoção, de apoio psicológico.

A gente foi muito rápido para cuidar das pessoas, porque tinha a parte física e financeira, mas tinha a parte psicológica. Então a gente está cuidando para dar esse suporte. E a gente se pronunciou publicamente que segue acompanhando o RS. Acho que esse é um ponto super importante porque, lembre-se, a parte dura será também a da reconstrução.

As temáticas relacionadas aos pilares ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) estão mais presentes em empresas privadas e ainda não se popularizaram. É essa a percepção da vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Boticário, Fabiana de Freitas.

Na avaliação da executiva, parte desse descompasso tem a ver com a complexidade com que as temáticas são tratadas. “O ESG ainda é muito técnico”, avalia. “Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)?”, questiona.

O ESG, no entanto, tem potencial para se tornar um assunto recorrente, como acontece com direitos e deveres presentes no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em vigor há mais de 30 anos, opina Freitas. Isso envolve o movimento de empresas para ampliar seus canais de comunicação com o público e contribuir para que o consumidor veja valor em produtos elaborados com base nos princípios de sustentabilidade.

“As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso”, diz.

Os pilares ambientais, sociais e de governança estão presentes nas estratégias de gestão do Grupo Boticário, que divulgou em 16 de maio seu 12º relatório ESG e a revisão dos compromissos relativos ao tema para 2030. Conforme o documento, as metas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas (ONU), seguindo o mesmo recorte temporal da Agenda 2030.

Os indicadores, desenvolvidos em 2021 pela companhia, são revisados a cada três anos, e, segundo Freitas, devem ser impactados de alguma forma pelos acontecimentos da crise climática que têm atingido o Rio Grande do Sul (RS). Cerca de 500 colaboradores da organização foram diretamente afetados pelas enchentes na região.

Sob responsabilidade da alta liderança do Grupo Boticário, os assuntos relacionados a eventos de crise climática de um modo geral — um dos compromissos de sustentabilidade da empresa dentre os oito assumidos — passaram a integrar o planejamento de negócios da companhia de capital fechado em 2023, principalmente por meio de comitês de gestão de riscos e de ESG.

No final do mesmo ano, a companhia emitiu o segundo lote de debêntures ligadas a metas ESG, no valor de R$ 2 bilhões. Os títulos de Sustainability-Linked Bond (SLB) foram atrelados a duas metas de desempenho sustentável: garantir que 100% dos produtos de suas marcas sejam veganos até dezembro de 2026; e utilizar pelo menos 80% da água de reúso gerada na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, até 2029.

Abaixo os destaques da entrevista:

No ano passado, os assuntos relacionados à crise climática estiveram na agenda dos brasileiros, principalmente em virtude das ondas de calor e enchentes. No Grupo Boticário, a discussão sobre o tema é de responsabilidade da alta liderança e, desde 2023, passou a constar do planejamento dos negócios da companhia. De que maneira isso se dá?

Temos uma área de riscos no grupo que está dentro do guarda-chuva de compliance. Então, temos (áreas de) riscos, controles, auditoria interna, fraudes, enfim, todas as questões relacionadas a compliance. A parte de riscos olha para fora, para os riscos que existem nesse tipo de negócio, e olha para dentro também, olhando o nosso planejamento estratégico.

Água, para nós, (por exemplo) é um capital crítico. Sendo ela um capital crítico, no nosso mapa de riscos, a escassez de água é um tema que é visto como um risco para um negócio. Dentro dessa visão de risco estratégico, que reportamos para o Comitê de Risco e Auditoria (criado em 2015), ligado ao conselho, reportamos as questões relacionadas à crise hídrica, que estão diretamente ligadas à crise climática. Daí, a gente cascateia os riscos que a gente vê, onde eles estão instalados e quais são os programas ou os planos de negócio que a gente vai fazer, colocando também controles para acompanhar a evolução e poder mitigar ou impedir o risco.

Então, temos muitas iniciativas dentro do nosso contexto de governança relacionadas ao nosso mapa de risco estratégico. Como esse é um tema que está ligado ao nosso capital crítico, que é a água, naturalmente ele está mapeado e tem todas as ações nos planos que a gente tem para mitigar ou para retirar esse tipo de risco.

Grupo Boticário emitiu debêntures com meta de utilização de água de reúso em ambiente fabril Foto: Divulgação/Grupo Boticário

É parte do nosso planejamento estratégico contínuo. Porque, quando você está fazendo um mapa de risco e está olhando riscos estratégicos da organização, que servem justamente para evitar os problemas, você olha para fora e para dentro. Quando a gente olha para fora, a gente também tem que olhar as questões climáticas.

E o Comitê de ESG também abraça a gestão de riscos?

O trabalho do mapa de riscos transaciona dentro do Comitê de Risco e Auditoria. O Comitê de ESG (criado em 2021) olha as questões de ESG de forma macro. Ele está muito pautado em olhar o que a gente faz da porta para dentro, mas o direcional forte e pesado desse comitê é olhar o futuro e olhar a estratégia.

Óbvio, de alguma forma, esse comitê consegue, olhando a estratégia do grupo, também colocar as estratégias de ESG (em pauta). A gente tem o tema de ESG dentro das metas da organização. Para obter resultados, temos metas de ESG, nossos fornecedores têm metas de ESG. Então, (isso) deixa muito claro que o ESG faz parte de todo o contexto do dia a dia da organização.

Estruturalmente, a gente está fazendo muita coisa. Temos nossos compromissos claros, temos revisão de três em três anos (das metas de sustentabilidade), temos times de governança, de social e de ambiental dedicados. Então, essa turma faz girar o ESG dentro da organização como uma orquestra, porque, na verdade, não é o time de ESG que faz. Ele orquestra isso dentro do P&D (pesquisa e desenvolvimento), dentro da indústria, dentro do marketing, dentro do RH. O Comitê de ESG tem esse condão de desafiar o interno, olhar para fora, questionar, criticar, olhar indicadores.

A preocupação é que esse tema — e quem se diz especialista me causa um pouco de angústia — é um tema (sobre o qual está) todo mundo aprendendo. No começo da minha carreira de advocacia, surgiu a Lei de Defesa do Consumidor (nº 8.078/1990). Os consumidores não sabiam dos direitos que eles tinham, e aí veio a lei. Hoje em dia, olha como normalizou isso, como o consumidor sabe (sobre a lei), o comércio sabe, o varejo sabe, não tem mais uma acautelamento em cima do tema.

Eu tive a mesma sensação quando saiu a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, nº13.709/2018), só que eu acho que ela ainda está lenta. No Código de Defesa do Consumidor, a coisa não andou mais rápida. E o ESG ainda é muito técnico. Eu acho que as pessoas querem, mas não sabem como fazer.

Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)? O ESG vai ter uma crescida maior quando aumentar o nível de entendimento. Acho que não é falta de vontade, principalmente agora. Com todos esses problemas de mudança climática, eu acho que está todo mundo mais tocado com o tema.

Mas essa ampliação de entendimento para que o ESG se consolide vale tanto para as empresas quanto para o público em geral?

Falo mais da sociedade em si. As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso. Eu nem acho que custa tão caro. Já teve um tempo que custou muito mais caro. Hoje em dia, há coisas que já estão incorporadas dentro do processo e não afetam o preço.

Mas eu acho que tem uma questão, sim, de o tema ainda ser um pouco complexo. Quando isso normalizar, vai ser muito bom para criar consciência. Claro, não vamos esquecer (de que as pessoas precisam ter) trabalho, ter saúde. Há uma série de coisas que a gente tem de desafios do País. Mas aqui é um tema que passa a ser não tema de escrivaninha. Passa a ser um tema do dia a dia, quando a gente vê tanta catástrofe climática como a gente tem visto.

Assim como o Boticário, a gente tem uma série de marcas da indústria da beleza que trazem nos discursos de marketing e cultura empresarial o apoio ao ESG, e você fala em poder proporcionar um maior entendimento sobre o tema para a sociedade. Você acredita que o segmento tem potencial para fazer um trabalho de formação sobre isso?

Eu não vejo nenhum setor fora desse caminho. A iniciativa privada participa de muitas frentes importantes no mundo e consegue fazer a diferença em várias. Aqui, independentemente de setor, todo mundo tem oportunidade.

A gente (no Grupo Boticário) usa todos os canais para, de alguma forma, atingir o consumidor, levando algum tipo de conhecimento, incentivo ou atributo, que ele venha a entender que deva valorizar em ESG, seja com plástico verde, seja com um produto que remeta a um entendimento sobre a natureza, seja com a informação na hora que está se comunicando.

As pessoas têm interesse por aquilo que é bom, e cada vez vão entendendo melhor isso. A gente precisa que o ESG entre no atributo de que um produto é melhor quando ele carrega (pilares) de ESG.

No ano passado, os fornecedores estratégicos do Grupo Boticário foram escolhidos com base em critérios sociais e ambientais. Como é que vocês discutem e trabalham essas temáticas com fornecedores contratados antes dessas exigências?

Aditamos o contrato, se precisar. A relação nossa com os fornecedores raramente é de curto prazo. Por exemplo, tivemos cláusulas de compliance que quisemos colocar ao longo do anos. A gente vai chamando os fornecedores, ou, na renovação, vai atualizando as cláusulas deles. Assim como atualizamos as de compliance, atualizamos as de privacidade. E a gente faz a mesma coisa com as questões de ESG.

Executivos do Grupo Boticário divulgaram relatório revisado com metas de sustentabilidade para 2030, no dia 16 de maio de 2024 Foto: Divulgação/Marcos Vinicius Ca

Para nós, isso não é difícil fazer. Estamos acostumados, ou por mudança de legislação ou por alteração do modelo de negócio. O importante é o nosso fornecedor entender que isso é importante para nós.

Então, para a cultura da empresa, é interessante que esses pilares não fiquem somente no reduto das pessoas que estão envolvidas diretamente na companhia…

A gente não vai conseguir fazer a mudança que a gente quer, se não levar nosso ecossistema junto.

Nesse ano, nós estamos passando por uma crise climática de repercussão internacional, relacionada às enchentes no RS. O episódio deve intervir em modificações no Plano de Transição e Adaptação às Mudanças Climáticas feito pelo grupo no ano passado?

Tudo que a gente faz no negócio, a gente tem um plano trianual revisado anualmente. Mesma coisa o nosso trabalho dentro do ESG, porque nós estamos dentro do negócio, a gente está naturalmente dentro dessa revisão. Esse tipo de evento é um evento que mexe com os franqueados, com as revendedoras, com as nossas pessoas — nós temos quase 500 pessoas no RS —, com os nossos consumidores. Então, provavelmente vai ter uma análise, sim, em relação a esse tema.

Na NRF (National Retail Federation) do ano passado, em Nova York (EUA), fiquei sabendo que pela primeira vez foi falado sobre mudança climática. Eu vejo como um copo cheio, porque é o maior encontro de varejo do mundo e poucos temas conseguem entrar lá. Se entra um tema desses, a gente deve entender que ele deve estar chegando realmente na casa das pessoas. A empresa não é um monte de prateleira, ela é um monte de gente.

E aí, eu acho que, talvez, a gente consiga ser mais compreendido na hora que pede para reciclar, para devolver as embalagens nas lojas, (consiga) que as pessoas se sintam mais estimuladas a isso, que deem mais atenção para o que estão consumindo. Porque a gente vive em um País que ainda tem pouca condição econômica, na sua maioria, e, às vezes, as pessoas têm que fazer escolhas.

Mas reciclagem não é uma escolha que custa mais. Tem uma coisa de um mito de que tudo que se faz em ESG é mais caro. Não necessariamente.

Mas, então, o episódio no RS pode impactar todo o ecossistema do negócio?

Eu acho que é muito precipitado falar isso agora porque o evento aconteceu há poucas semanas. A gente está aguardando para ver o que vai acontecer. Acho que vamos precisar ouvir a ciência, vamos precisar ver os dados. Acho que esses dados que estão aí não estão nem perto do que a gente vai ver de dimensão (da tragédia). Mas, por certo, ele vai requerer um olhar sobre.

O Grupo Boticário foi impactado diretamente?

Quando teve o problema, a gente imediatamente instalou um comitê de crise e direcionou fortemente produtos de higiene e beleza para lá. A gente fez um plano para os nossos empregados de localizá-los primeiro — pois tinha gente que demorou para ser localizada —, de adiantamento do décimo terceiro salário, de férias, de ajuda para locomoção, de apoio psicológico.

A gente foi muito rápido para cuidar das pessoas, porque tinha a parte física e financeira, mas tinha a parte psicológica. Então a gente está cuidando para dar esse suporte. E a gente se pronunciou publicamente que segue acompanhando o RS. Acho que esse é um ponto super importante porque, lembre-se, a parte dura será também a da reconstrução.

As temáticas relacionadas aos pilares ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) estão mais presentes em empresas privadas e ainda não se popularizaram. É essa a percepção da vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Boticário, Fabiana de Freitas.

Na avaliação da executiva, parte desse descompasso tem a ver com a complexidade com que as temáticas são tratadas. “O ESG ainda é muito técnico”, avalia. “Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)?”, questiona.

O ESG, no entanto, tem potencial para se tornar um assunto recorrente, como acontece com direitos e deveres presentes no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em vigor há mais de 30 anos, opina Freitas. Isso envolve o movimento de empresas para ampliar seus canais de comunicação com o público e contribuir para que o consumidor veja valor em produtos elaborados com base nos princípios de sustentabilidade.

“As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso”, diz.

Os pilares ambientais, sociais e de governança estão presentes nas estratégias de gestão do Grupo Boticário, que divulgou em 16 de maio seu 12º relatório ESG e a revisão dos compromissos relativos ao tema para 2030. Conforme o documento, as metas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas (ONU), seguindo o mesmo recorte temporal da Agenda 2030.

Os indicadores, desenvolvidos em 2021 pela companhia, são revisados a cada três anos, e, segundo Freitas, devem ser impactados de alguma forma pelos acontecimentos da crise climática que têm atingido o Rio Grande do Sul (RS). Cerca de 500 colaboradores da organização foram diretamente afetados pelas enchentes na região.

Sob responsabilidade da alta liderança do Grupo Boticário, os assuntos relacionados a eventos de crise climática de um modo geral — um dos compromissos de sustentabilidade da empresa dentre os oito assumidos — passaram a integrar o planejamento de negócios da companhia de capital fechado em 2023, principalmente por meio de comitês de gestão de riscos e de ESG.

No final do mesmo ano, a companhia emitiu o segundo lote de debêntures ligadas a metas ESG, no valor de R$ 2 bilhões. Os títulos de Sustainability-Linked Bond (SLB) foram atrelados a duas metas de desempenho sustentável: garantir que 100% dos produtos de suas marcas sejam veganos até dezembro de 2026; e utilizar pelo menos 80% da água de reúso gerada na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, até 2029.

Abaixo os destaques da entrevista:

No ano passado, os assuntos relacionados à crise climática estiveram na agenda dos brasileiros, principalmente em virtude das ondas de calor e enchentes. No Grupo Boticário, a discussão sobre o tema é de responsabilidade da alta liderança e, desde 2023, passou a constar do planejamento dos negócios da companhia. De que maneira isso se dá?

Temos uma área de riscos no grupo que está dentro do guarda-chuva de compliance. Então, temos (áreas de) riscos, controles, auditoria interna, fraudes, enfim, todas as questões relacionadas a compliance. A parte de riscos olha para fora, para os riscos que existem nesse tipo de negócio, e olha para dentro também, olhando o nosso planejamento estratégico.

Água, para nós, (por exemplo) é um capital crítico. Sendo ela um capital crítico, no nosso mapa de riscos, a escassez de água é um tema que é visto como um risco para um negócio. Dentro dessa visão de risco estratégico, que reportamos para o Comitê de Risco e Auditoria (criado em 2015), ligado ao conselho, reportamos as questões relacionadas à crise hídrica, que estão diretamente ligadas à crise climática. Daí, a gente cascateia os riscos que a gente vê, onde eles estão instalados e quais são os programas ou os planos de negócio que a gente vai fazer, colocando também controles para acompanhar a evolução e poder mitigar ou impedir o risco.

Então, temos muitas iniciativas dentro do nosso contexto de governança relacionadas ao nosso mapa de risco estratégico. Como esse é um tema que está ligado ao nosso capital crítico, que é a água, naturalmente ele está mapeado e tem todas as ações nos planos que a gente tem para mitigar ou para retirar esse tipo de risco.

Grupo Boticário emitiu debêntures com meta de utilização de água de reúso em ambiente fabril Foto: Divulgação/Grupo Boticário

É parte do nosso planejamento estratégico contínuo. Porque, quando você está fazendo um mapa de risco e está olhando riscos estratégicos da organização, que servem justamente para evitar os problemas, você olha para fora e para dentro. Quando a gente olha para fora, a gente também tem que olhar as questões climáticas.

E o Comitê de ESG também abraça a gestão de riscos?

O trabalho do mapa de riscos transaciona dentro do Comitê de Risco e Auditoria. O Comitê de ESG (criado em 2021) olha as questões de ESG de forma macro. Ele está muito pautado em olhar o que a gente faz da porta para dentro, mas o direcional forte e pesado desse comitê é olhar o futuro e olhar a estratégia.

Óbvio, de alguma forma, esse comitê consegue, olhando a estratégia do grupo, também colocar as estratégias de ESG (em pauta). A gente tem o tema de ESG dentro das metas da organização. Para obter resultados, temos metas de ESG, nossos fornecedores têm metas de ESG. Então, (isso) deixa muito claro que o ESG faz parte de todo o contexto do dia a dia da organização.

Estruturalmente, a gente está fazendo muita coisa. Temos nossos compromissos claros, temos revisão de três em três anos (das metas de sustentabilidade), temos times de governança, de social e de ambiental dedicados. Então, essa turma faz girar o ESG dentro da organização como uma orquestra, porque, na verdade, não é o time de ESG que faz. Ele orquestra isso dentro do P&D (pesquisa e desenvolvimento), dentro da indústria, dentro do marketing, dentro do RH. O Comitê de ESG tem esse condão de desafiar o interno, olhar para fora, questionar, criticar, olhar indicadores.

A preocupação é que esse tema — e quem se diz especialista me causa um pouco de angústia — é um tema (sobre o qual está) todo mundo aprendendo. No começo da minha carreira de advocacia, surgiu a Lei de Defesa do Consumidor (nº 8.078/1990). Os consumidores não sabiam dos direitos que eles tinham, e aí veio a lei. Hoje em dia, olha como normalizou isso, como o consumidor sabe (sobre a lei), o comércio sabe, o varejo sabe, não tem mais uma acautelamento em cima do tema.

Eu tive a mesma sensação quando saiu a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, nº13.709/2018), só que eu acho que ela ainda está lenta. No Código de Defesa do Consumidor, a coisa não andou mais rápida. E o ESG ainda é muito técnico. Eu acho que as pessoas querem, mas não sabem como fazer.

Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)? O ESG vai ter uma crescida maior quando aumentar o nível de entendimento. Acho que não é falta de vontade, principalmente agora. Com todos esses problemas de mudança climática, eu acho que está todo mundo mais tocado com o tema.

Mas essa ampliação de entendimento para que o ESG se consolide vale tanto para as empresas quanto para o público em geral?

Falo mais da sociedade em si. As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso. Eu nem acho que custa tão caro. Já teve um tempo que custou muito mais caro. Hoje em dia, há coisas que já estão incorporadas dentro do processo e não afetam o preço.

Mas eu acho que tem uma questão, sim, de o tema ainda ser um pouco complexo. Quando isso normalizar, vai ser muito bom para criar consciência. Claro, não vamos esquecer (de que as pessoas precisam ter) trabalho, ter saúde. Há uma série de coisas que a gente tem de desafios do País. Mas aqui é um tema que passa a ser não tema de escrivaninha. Passa a ser um tema do dia a dia, quando a gente vê tanta catástrofe climática como a gente tem visto.

Assim como o Boticário, a gente tem uma série de marcas da indústria da beleza que trazem nos discursos de marketing e cultura empresarial o apoio ao ESG, e você fala em poder proporcionar um maior entendimento sobre o tema para a sociedade. Você acredita que o segmento tem potencial para fazer um trabalho de formação sobre isso?

Eu não vejo nenhum setor fora desse caminho. A iniciativa privada participa de muitas frentes importantes no mundo e consegue fazer a diferença em várias. Aqui, independentemente de setor, todo mundo tem oportunidade.

A gente (no Grupo Boticário) usa todos os canais para, de alguma forma, atingir o consumidor, levando algum tipo de conhecimento, incentivo ou atributo, que ele venha a entender que deva valorizar em ESG, seja com plástico verde, seja com um produto que remeta a um entendimento sobre a natureza, seja com a informação na hora que está se comunicando.

As pessoas têm interesse por aquilo que é bom, e cada vez vão entendendo melhor isso. A gente precisa que o ESG entre no atributo de que um produto é melhor quando ele carrega (pilares) de ESG.

No ano passado, os fornecedores estratégicos do Grupo Boticário foram escolhidos com base em critérios sociais e ambientais. Como é que vocês discutem e trabalham essas temáticas com fornecedores contratados antes dessas exigências?

Aditamos o contrato, se precisar. A relação nossa com os fornecedores raramente é de curto prazo. Por exemplo, tivemos cláusulas de compliance que quisemos colocar ao longo do anos. A gente vai chamando os fornecedores, ou, na renovação, vai atualizando as cláusulas deles. Assim como atualizamos as de compliance, atualizamos as de privacidade. E a gente faz a mesma coisa com as questões de ESG.

Executivos do Grupo Boticário divulgaram relatório revisado com metas de sustentabilidade para 2030, no dia 16 de maio de 2024 Foto: Divulgação/Marcos Vinicius Ca

Para nós, isso não é difícil fazer. Estamos acostumados, ou por mudança de legislação ou por alteração do modelo de negócio. O importante é o nosso fornecedor entender que isso é importante para nós.

Então, para a cultura da empresa, é interessante que esses pilares não fiquem somente no reduto das pessoas que estão envolvidas diretamente na companhia…

A gente não vai conseguir fazer a mudança que a gente quer, se não levar nosso ecossistema junto.

Nesse ano, nós estamos passando por uma crise climática de repercussão internacional, relacionada às enchentes no RS. O episódio deve intervir em modificações no Plano de Transição e Adaptação às Mudanças Climáticas feito pelo grupo no ano passado?

Tudo que a gente faz no negócio, a gente tem um plano trianual revisado anualmente. Mesma coisa o nosso trabalho dentro do ESG, porque nós estamos dentro do negócio, a gente está naturalmente dentro dessa revisão. Esse tipo de evento é um evento que mexe com os franqueados, com as revendedoras, com as nossas pessoas — nós temos quase 500 pessoas no RS —, com os nossos consumidores. Então, provavelmente vai ter uma análise, sim, em relação a esse tema.

Na NRF (National Retail Federation) do ano passado, em Nova York (EUA), fiquei sabendo que pela primeira vez foi falado sobre mudança climática. Eu vejo como um copo cheio, porque é o maior encontro de varejo do mundo e poucos temas conseguem entrar lá. Se entra um tema desses, a gente deve entender que ele deve estar chegando realmente na casa das pessoas. A empresa não é um monte de prateleira, ela é um monte de gente.

E aí, eu acho que, talvez, a gente consiga ser mais compreendido na hora que pede para reciclar, para devolver as embalagens nas lojas, (consiga) que as pessoas se sintam mais estimuladas a isso, que deem mais atenção para o que estão consumindo. Porque a gente vive em um País que ainda tem pouca condição econômica, na sua maioria, e, às vezes, as pessoas têm que fazer escolhas.

Mas reciclagem não é uma escolha que custa mais. Tem uma coisa de um mito de que tudo que se faz em ESG é mais caro. Não necessariamente.

Mas, então, o episódio no RS pode impactar todo o ecossistema do negócio?

Eu acho que é muito precipitado falar isso agora porque o evento aconteceu há poucas semanas. A gente está aguardando para ver o que vai acontecer. Acho que vamos precisar ouvir a ciência, vamos precisar ver os dados. Acho que esses dados que estão aí não estão nem perto do que a gente vai ver de dimensão (da tragédia). Mas, por certo, ele vai requerer um olhar sobre.

O Grupo Boticário foi impactado diretamente?

Quando teve o problema, a gente imediatamente instalou um comitê de crise e direcionou fortemente produtos de higiene e beleza para lá. A gente fez um plano para os nossos empregados de localizá-los primeiro — pois tinha gente que demorou para ser localizada —, de adiantamento do décimo terceiro salário, de férias, de ajuda para locomoção, de apoio psicológico.

A gente foi muito rápido para cuidar das pessoas, porque tinha a parte física e financeira, mas tinha a parte psicológica. Então a gente está cuidando para dar esse suporte. E a gente se pronunciou publicamente que segue acompanhando o RS. Acho que esse é um ponto super importante porque, lembre-se, a parte dura será também a da reconstrução.

As temáticas relacionadas aos pilares ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) estão mais presentes em empresas privadas e ainda não se popularizaram. É essa a percepção da vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Boticário, Fabiana de Freitas.

Na avaliação da executiva, parte desse descompasso tem a ver com a complexidade com que as temáticas são tratadas. “O ESG ainda é muito técnico”, avalia. “Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)?”, questiona.

O ESG, no entanto, tem potencial para se tornar um assunto recorrente, como acontece com direitos e deveres presentes no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em vigor há mais de 30 anos, opina Freitas. Isso envolve o movimento de empresas para ampliar seus canais de comunicação com o público e contribuir para que o consumidor veja valor em produtos elaborados com base nos princípios de sustentabilidade.

“As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso”, diz.

Os pilares ambientais, sociais e de governança estão presentes nas estratégias de gestão do Grupo Boticário, que divulgou em 16 de maio seu 12º relatório ESG e a revisão dos compromissos relativos ao tema para 2030. Conforme o documento, as metas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas (ONU), seguindo o mesmo recorte temporal da Agenda 2030.

Os indicadores, desenvolvidos em 2021 pela companhia, são revisados a cada três anos, e, segundo Freitas, devem ser impactados de alguma forma pelos acontecimentos da crise climática que têm atingido o Rio Grande do Sul (RS). Cerca de 500 colaboradores da organização foram diretamente afetados pelas enchentes na região.

Sob responsabilidade da alta liderança do Grupo Boticário, os assuntos relacionados a eventos de crise climática de um modo geral — um dos compromissos de sustentabilidade da empresa dentre os oito assumidos — passaram a integrar o planejamento de negócios da companhia de capital fechado em 2023, principalmente por meio de comitês de gestão de riscos e de ESG.

No final do mesmo ano, a companhia emitiu o segundo lote de debêntures ligadas a metas ESG, no valor de R$ 2 bilhões. Os títulos de Sustainability-Linked Bond (SLB) foram atrelados a duas metas de desempenho sustentável: garantir que 100% dos produtos de suas marcas sejam veganos até dezembro de 2026; e utilizar pelo menos 80% da água de reúso gerada na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, até 2029.

Abaixo os destaques da entrevista:

No ano passado, os assuntos relacionados à crise climática estiveram na agenda dos brasileiros, principalmente em virtude das ondas de calor e enchentes. No Grupo Boticário, a discussão sobre o tema é de responsabilidade da alta liderança e, desde 2023, passou a constar do planejamento dos negócios da companhia. De que maneira isso se dá?

Temos uma área de riscos no grupo que está dentro do guarda-chuva de compliance. Então, temos (áreas de) riscos, controles, auditoria interna, fraudes, enfim, todas as questões relacionadas a compliance. A parte de riscos olha para fora, para os riscos que existem nesse tipo de negócio, e olha para dentro também, olhando o nosso planejamento estratégico.

Água, para nós, (por exemplo) é um capital crítico. Sendo ela um capital crítico, no nosso mapa de riscos, a escassez de água é um tema que é visto como um risco para um negócio. Dentro dessa visão de risco estratégico, que reportamos para o Comitê de Risco e Auditoria (criado em 2015), ligado ao conselho, reportamos as questões relacionadas à crise hídrica, que estão diretamente ligadas à crise climática. Daí, a gente cascateia os riscos que a gente vê, onde eles estão instalados e quais são os programas ou os planos de negócio que a gente vai fazer, colocando também controles para acompanhar a evolução e poder mitigar ou impedir o risco.

Então, temos muitas iniciativas dentro do nosso contexto de governança relacionadas ao nosso mapa de risco estratégico. Como esse é um tema que está ligado ao nosso capital crítico, que é a água, naturalmente ele está mapeado e tem todas as ações nos planos que a gente tem para mitigar ou para retirar esse tipo de risco.

Grupo Boticário emitiu debêntures com meta de utilização de água de reúso em ambiente fabril Foto: Divulgação/Grupo Boticário

É parte do nosso planejamento estratégico contínuo. Porque, quando você está fazendo um mapa de risco e está olhando riscos estratégicos da organização, que servem justamente para evitar os problemas, você olha para fora e para dentro. Quando a gente olha para fora, a gente também tem que olhar as questões climáticas.

E o Comitê de ESG também abraça a gestão de riscos?

O trabalho do mapa de riscos transaciona dentro do Comitê de Risco e Auditoria. O Comitê de ESG (criado em 2021) olha as questões de ESG de forma macro. Ele está muito pautado em olhar o que a gente faz da porta para dentro, mas o direcional forte e pesado desse comitê é olhar o futuro e olhar a estratégia.

Óbvio, de alguma forma, esse comitê consegue, olhando a estratégia do grupo, também colocar as estratégias de ESG (em pauta). A gente tem o tema de ESG dentro das metas da organização. Para obter resultados, temos metas de ESG, nossos fornecedores têm metas de ESG. Então, (isso) deixa muito claro que o ESG faz parte de todo o contexto do dia a dia da organização.

Estruturalmente, a gente está fazendo muita coisa. Temos nossos compromissos claros, temos revisão de três em três anos (das metas de sustentabilidade), temos times de governança, de social e de ambiental dedicados. Então, essa turma faz girar o ESG dentro da organização como uma orquestra, porque, na verdade, não é o time de ESG que faz. Ele orquestra isso dentro do P&D (pesquisa e desenvolvimento), dentro da indústria, dentro do marketing, dentro do RH. O Comitê de ESG tem esse condão de desafiar o interno, olhar para fora, questionar, criticar, olhar indicadores.

A preocupação é que esse tema — e quem se diz especialista me causa um pouco de angústia — é um tema (sobre o qual está) todo mundo aprendendo. No começo da minha carreira de advocacia, surgiu a Lei de Defesa do Consumidor (nº 8.078/1990). Os consumidores não sabiam dos direitos que eles tinham, e aí veio a lei. Hoje em dia, olha como normalizou isso, como o consumidor sabe (sobre a lei), o comércio sabe, o varejo sabe, não tem mais uma acautelamento em cima do tema.

Eu tive a mesma sensação quando saiu a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, nº13.709/2018), só que eu acho que ela ainda está lenta. No Código de Defesa do Consumidor, a coisa não andou mais rápida. E o ESG ainda é muito técnico. Eu acho que as pessoas querem, mas não sabem como fazer.

Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)? O ESG vai ter uma crescida maior quando aumentar o nível de entendimento. Acho que não é falta de vontade, principalmente agora. Com todos esses problemas de mudança climática, eu acho que está todo mundo mais tocado com o tema.

Mas essa ampliação de entendimento para que o ESG se consolide vale tanto para as empresas quanto para o público em geral?

Falo mais da sociedade em si. As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso. Eu nem acho que custa tão caro. Já teve um tempo que custou muito mais caro. Hoje em dia, há coisas que já estão incorporadas dentro do processo e não afetam o preço.

Mas eu acho que tem uma questão, sim, de o tema ainda ser um pouco complexo. Quando isso normalizar, vai ser muito bom para criar consciência. Claro, não vamos esquecer (de que as pessoas precisam ter) trabalho, ter saúde. Há uma série de coisas que a gente tem de desafios do País. Mas aqui é um tema que passa a ser não tema de escrivaninha. Passa a ser um tema do dia a dia, quando a gente vê tanta catástrofe climática como a gente tem visto.

Assim como o Boticário, a gente tem uma série de marcas da indústria da beleza que trazem nos discursos de marketing e cultura empresarial o apoio ao ESG, e você fala em poder proporcionar um maior entendimento sobre o tema para a sociedade. Você acredita que o segmento tem potencial para fazer um trabalho de formação sobre isso?

Eu não vejo nenhum setor fora desse caminho. A iniciativa privada participa de muitas frentes importantes no mundo e consegue fazer a diferença em várias. Aqui, independentemente de setor, todo mundo tem oportunidade.

A gente (no Grupo Boticário) usa todos os canais para, de alguma forma, atingir o consumidor, levando algum tipo de conhecimento, incentivo ou atributo, que ele venha a entender que deva valorizar em ESG, seja com plástico verde, seja com um produto que remeta a um entendimento sobre a natureza, seja com a informação na hora que está se comunicando.

As pessoas têm interesse por aquilo que é bom, e cada vez vão entendendo melhor isso. A gente precisa que o ESG entre no atributo de que um produto é melhor quando ele carrega (pilares) de ESG.

No ano passado, os fornecedores estratégicos do Grupo Boticário foram escolhidos com base em critérios sociais e ambientais. Como é que vocês discutem e trabalham essas temáticas com fornecedores contratados antes dessas exigências?

Aditamos o contrato, se precisar. A relação nossa com os fornecedores raramente é de curto prazo. Por exemplo, tivemos cláusulas de compliance que quisemos colocar ao longo do anos. A gente vai chamando os fornecedores, ou, na renovação, vai atualizando as cláusulas deles. Assim como atualizamos as de compliance, atualizamos as de privacidade. E a gente faz a mesma coisa com as questões de ESG.

Executivos do Grupo Boticário divulgaram relatório revisado com metas de sustentabilidade para 2030, no dia 16 de maio de 2024 Foto: Divulgação/Marcos Vinicius Ca

Para nós, isso não é difícil fazer. Estamos acostumados, ou por mudança de legislação ou por alteração do modelo de negócio. O importante é o nosso fornecedor entender que isso é importante para nós.

Então, para a cultura da empresa, é interessante que esses pilares não fiquem somente no reduto das pessoas que estão envolvidas diretamente na companhia…

A gente não vai conseguir fazer a mudança que a gente quer, se não levar nosso ecossistema junto.

Nesse ano, nós estamos passando por uma crise climática de repercussão internacional, relacionada às enchentes no RS. O episódio deve intervir em modificações no Plano de Transição e Adaptação às Mudanças Climáticas feito pelo grupo no ano passado?

Tudo que a gente faz no negócio, a gente tem um plano trianual revisado anualmente. Mesma coisa o nosso trabalho dentro do ESG, porque nós estamos dentro do negócio, a gente está naturalmente dentro dessa revisão. Esse tipo de evento é um evento que mexe com os franqueados, com as revendedoras, com as nossas pessoas — nós temos quase 500 pessoas no RS —, com os nossos consumidores. Então, provavelmente vai ter uma análise, sim, em relação a esse tema.

Na NRF (National Retail Federation) do ano passado, em Nova York (EUA), fiquei sabendo que pela primeira vez foi falado sobre mudança climática. Eu vejo como um copo cheio, porque é o maior encontro de varejo do mundo e poucos temas conseguem entrar lá. Se entra um tema desses, a gente deve entender que ele deve estar chegando realmente na casa das pessoas. A empresa não é um monte de prateleira, ela é um monte de gente.

E aí, eu acho que, talvez, a gente consiga ser mais compreendido na hora que pede para reciclar, para devolver as embalagens nas lojas, (consiga) que as pessoas se sintam mais estimuladas a isso, que deem mais atenção para o que estão consumindo. Porque a gente vive em um País que ainda tem pouca condição econômica, na sua maioria, e, às vezes, as pessoas têm que fazer escolhas.

Mas reciclagem não é uma escolha que custa mais. Tem uma coisa de um mito de que tudo que se faz em ESG é mais caro. Não necessariamente.

Mas, então, o episódio no RS pode impactar todo o ecossistema do negócio?

Eu acho que é muito precipitado falar isso agora porque o evento aconteceu há poucas semanas. A gente está aguardando para ver o que vai acontecer. Acho que vamos precisar ouvir a ciência, vamos precisar ver os dados. Acho que esses dados que estão aí não estão nem perto do que a gente vai ver de dimensão (da tragédia). Mas, por certo, ele vai requerer um olhar sobre.

O Grupo Boticário foi impactado diretamente?

Quando teve o problema, a gente imediatamente instalou um comitê de crise e direcionou fortemente produtos de higiene e beleza para lá. A gente fez um plano para os nossos empregados de localizá-los primeiro — pois tinha gente que demorou para ser localizada —, de adiantamento do décimo terceiro salário, de férias, de ajuda para locomoção, de apoio psicológico.

A gente foi muito rápido para cuidar das pessoas, porque tinha a parte física e financeira, mas tinha a parte psicológica. Então a gente está cuidando para dar esse suporte. E a gente se pronunciou publicamente que segue acompanhando o RS. Acho que esse é um ponto super importante porque, lembre-se, a parte dura será também a da reconstrução.

As temáticas relacionadas aos pilares ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) estão mais presentes em empresas privadas e ainda não se popularizaram. É essa a percepção da vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Boticário, Fabiana de Freitas.

Na avaliação da executiva, parte desse descompasso tem a ver com a complexidade com que as temáticas são tratadas. “O ESG ainda é muito técnico”, avalia. “Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)?”, questiona.

O ESG, no entanto, tem potencial para se tornar um assunto recorrente, como acontece com direitos e deveres presentes no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em vigor há mais de 30 anos, opina Freitas. Isso envolve o movimento de empresas para ampliar seus canais de comunicação com o público e contribuir para que o consumidor veja valor em produtos elaborados com base nos princípios de sustentabilidade.

“As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso”, diz.

Os pilares ambientais, sociais e de governança estão presentes nas estratégias de gestão do Grupo Boticário, que divulgou em 16 de maio seu 12º relatório ESG e a revisão dos compromissos relativos ao tema para 2030. Conforme o documento, as metas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas (ONU), seguindo o mesmo recorte temporal da Agenda 2030.

Os indicadores, desenvolvidos em 2021 pela companhia, são revisados a cada três anos, e, segundo Freitas, devem ser impactados de alguma forma pelos acontecimentos da crise climática que têm atingido o Rio Grande do Sul (RS). Cerca de 500 colaboradores da organização foram diretamente afetados pelas enchentes na região.

Sob responsabilidade da alta liderança do Grupo Boticário, os assuntos relacionados a eventos de crise climática de um modo geral — um dos compromissos de sustentabilidade da empresa dentre os oito assumidos — passaram a integrar o planejamento de negócios da companhia de capital fechado em 2023, principalmente por meio de comitês de gestão de riscos e de ESG.

No final do mesmo ano, a companhia emitiu o segundo lote de debêntures ligadas a metas ESG, no valor de R$ 2 bilhões. Os títulos de Sustainability-Linked Bond (SLB) foram atrelados a duas metas de desempenho sustentável: garantir que 100% dos produtos de suas marcas sejam veganos até dezembro de 2026; e utilizar pelo menos 80% da água de reúso gerada na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, até 2029.

Abaixo os destaques da entrevista:

No ano passado, os assuntos relacionados à crise climática estiveram na agenda dos brasileiros, principalmente em virtude das ondas de calor e enchentes. No Grupo Boticário, a discussão sobre o tema é de responsabilidade da alta liderança e, desde 2023, passou a constar do planejamento dos negócios da companhia. De que maneira isso se dá?

Temos uma área de riscos no grupo que está dentro do guarda-chuva de compliance. Então, temos (áreas de) riscos, controles, auditoria interna, fraudes, enfim, todas as questões relacionadas a compliance. A parte de riscos olha para fora, para os riscos que existem nesse tipo de negócio, e olha para dentro também, olhando o nosso planejamento estratégico.

Água, para nós, (por exemplo) é um capital crítico. Sendo ela um capital crítico, no nosso mapa de riscos, a escassez de água é um tema que é visto como um risco para um negócio. Dentro dessa visão de risco estratégico, que reportamos para o Comitê de Risco e Auditoria (criado em 2015), ligado ao conselho, reportamos as questões relacionadas à crise hídrica, que estão diretamente ligadas à crise climática. Daí, a gente cascateia os riscos que a gente vê, onde eles estão instalados e quais são os programas ou os planos de negócio que a gente vai fazer, colocando também controles para acompanhar a evolução e poder mitigar ou impedir o risco.

Então, temos muitas iniciativas dentro do nosso contexto de governança relacionadas ao nosso mapa de risco estratégico. Como esse é um tema que está ligado ao nosso capital crítico, que é a água, naturalmente ele está mapeado e tem todas as ações nos planos que a gente tem para mitigar ou para retirar esse tipo de risco.

Grupo Boticário emitiu debêntures com meta de utilização de água de reúso em ambiente fabril Foto: Divulgação/Grupo Boticário

É parte do nosso planejamento estratégico contínuo. Porque, quando você está fazendo um mapa de risco e está olhando riscos estratégicos da organização, que servem justamente para evitar os problemas, você olha para fora e para dentro. Quando a gente olha para fora, a gente também tem que olhar as questões climáticas.

E o Comitê de ESG também abraça a gestão de riscos?

O trabalho do mapa de riscos transaciona dentro do Comitê de Risco e Auditoria. O Comitê de ESG (criado em 2021) olha as questões de ESG de forma macro. Ele está muito pautado em olhar o que a gente faz da porta para dentro, mas o direcional forte e pesado desse comitê é olhar o futuro e olhar a estratégia.

Óbvio, de alguma forma, esse comitê consegue, olhando a estratégia do grupo, também colocar as estratégias de ESG (em pauta). A gente tem o tema de ESG dentro das metas da organização. Para obter resultados, temos metas de ESG, nossos fornecedores têm metas de ESG. Então, (isso) deixa muito claro que o ESG faz parte de todo o contexto do dia a dia da organização.

Estruturalmente, a gente está fazendo muita coisa. Temos nossos compromissos claros, temos revisão de três em três anos (das metas de sustentabilidade), temos times de governança, de social e de ambiental dedicados. Então, essa turma faz girar o ESG dentro da organização como uma orquestra, porque, na verdade, não é o time de ESG que faz. Ele orquestra isso dentro do P&D (pesquisa e desenvolvimento), dentro da indústria, dentro do marketing, dentro do RH. O Comitê de ESG tem esse condão de desafiar o interno, olhar para fora, questionar, criticar, olhar indicadores.

A preocupação é que esse tema — e quem se diz especialista me causa um pouco de angústia — é um tema (sobre o qual está) todo mundo aprendendo. No começo da minha carreira de advocacia, surgiu a Lei de Defesa do Consumidor (nº 8.078/1990). Os consumidores não sabiam dos direitos que eles tinham, e aí veio a lei. Hoje em dia, olha como normalizou isso, como o consumidor sabe (sobre a lei), o comércio sabe, o varejo sabe, não tem mais uma acautelamento em cima do tema.

Eu tive a mesma sensação quando saiu a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, nº13.709/2018), só que eu acho que ela ainda está lenta. No Código de Defesa do Consumidor, a coisa não andou mais rápida. E o ESG ainda é muito técnico. Eu acho que as pessoas querem, mas não sabem como fazer.

Eu vi um estudo que dizia que o consumidor pega um saco de feijão, e (na embalagem) fala que tem menos emissão de carbono. Para nós, que estamos com o tema no dia a dia, estamos sempre remetendo ao conceito. Mas o que é exatamente isso (para o consumidor)? O ESG vai ter uma crescida maior quando aumentar o nível de entendimento. Acho que não é falta de vontade, principalmente agora. Com todos esses problemas de mudança climática, eu acho que está todo mundo mais tocado com o tema.

Mas essa ampliação de entendimento para que o ESG se consolide vale tanto para as empresas quanto para o público em geral?

Falo mais da sociedade em si. As empresas, por terem que colocar suas metas, acabam se preparando mais para isso. Mas é um tema que precisa de todo mundo, é um tema coletivo. Precisa de consumidores achando valor nisso. Eu nem acho que custa tão caro. Já teve um tempo que custou muito mais caro. Hoje em dia, há coisas que já estão incorporadas dentro do processo e não afetam o preço.

Mas eu acho que tem uma questão, sim, de o tema ainda ser um pouco complexo. Quando isso normalizar, vai ser muito bom para criar consciência. Claro, não vamos esquecer (de que as pessoas precisam ter) trabalho, ter saúde. Há uma série de coisas que a gente tem de desafios do País. Mas aqui é um tema que passa a ser não tema de escrivaninha. Passa a ser um tema do dia a dia, quando a gente vê tanta catástrofe climática como a gente tem visto.

Assim como o Boticário, a gente tem uma série de marcas da indústria da beleza que trazem nos discursos de marketing e cultura empresarial o apoio ao ESG, e você fala em poder proporcionar um maior entendimento sobre o tema para a sociedade. Você acredita que o segmento tem potencial para fazer um trabalho de formação sobre isso?

Eu não vejo nenhum setor fora desse caminho. A iniciativa privada participa de muitas frentes importantes no mundo e consegue fazer a diferença em várias. Aqui, independentemente de setor, todo mundo tem oportunidade.

A gente (no Grupo Boticário) usa todos os canais para, de alguma forma, atingir o consumidor, levando algum tipo de conhecimento, incentivo ou atributo, que ele venha a entender que deva valorizar em ESG, seja com plástico verde, seja com um produto que remeta a um entendimento sobre a natureza, seja com a informação na hora que está se comunicando.

As pessoas têm interesse por aquilo que é bom, e cada vez vão entendendo melhor isso. A gente precisa que o ESG entre no atributo de que um produto é melhor quando ele carrega (pilares) de ESG.

No ano passado, os fornecedores estratégicos do Grupo Boticário foram escolhidos com base em critérios sociais e ambientais. Como é que vocês discutem e trabalham essas temáticas com fornecedores contratados antes dessas exigências?

Aditamos o contrato, se precisar. A relação nossa com os fornecedores raramente é de curto prazo. Por exemplo, tivemos cláusulas de compliance que quisemos colocar ao longo do anos. A gente vai chamando os fornecedores, ou, na renovação, vai atualizando as cláusulas deles. Assim como atualizamos as de compliance, atualizamos as de privacidade. E a gente faz a mesma coisa com as questões de ESG.

Executivos do Grupo Boticário divulgaram relatório revisado com metas de sustentabilidade para 2030, no dia 16 de maio de 2024 Foto: Divulgação/Marcos Vinicius Ca

Para nós, isso não é difícil fazer. Estamos acostumados, ou por mudança de legislação ou por alteração do modelo de negócio. O importante é o nosso fornecedor entender que isso é importante para nós.

Então, para a cultura da empresa, é interessante que esses pilares não fiquem somente no reduto das pessoas que estão envolvidas diretamente na companhia…

A gente não vai conseguir fazer a mudança que a gente quer, se não levar nosso ecossistema junto.

Nesse ano, nós estamos passando por uma crise climática de repercussão internacional, relacionada às enchentes no RS. O episódio deve intervir em modificações no Plano de Transição e Adaptação às Mudanças Climáticas feito pelo grupo no ano passado?

Tudo que a gente faz no negócio, a gente tem um plano trianual revisado anualmente. Mesma coisa o nosso trabalho dentro do ESG, porque nós estamos dentro do negócio, a gente está naturalmente dentro dessa revisão. Esse tipo de evento é um evento que mexe com os franqueados, com as revendedoras, com as nossas pessoas — nós temos quase 500 pessoas no RS —, com os nossos consumidores. Então, provavelmente vai ter uma análise, sim, em relação a esse tema.

Na NRF (National Retail Federation) do ano passado, em Nova York (EUA), fiquei sabendo que pela primeira vez foi falado sobre mudança climática. Eu vejo como um copo cheio, porque é o maior encontro de varejo do mundo e poucos temas conseguem entrar lá. Se entra um tema desses, a gente deve entender que ele deve estar chegando realmente na casa das pessoas. A empresa não é um monte de prateleira, ela é um monte de gente.

E aí, eu acho que, talvez, a gente consiga ser mais compreendido na hora que pede para reciclar, para devolver as embalagens nas lojas, (consiga) que as pessoas se sintam mais estimuladas a isso, que deem mais atenção para o que estão consumindo. Porque a gente vive em um País que ainda tem pouca condição econômica, na sua maioria, e, às vezes, as pessoas têm que fazer escolhas.

Mas reciclagem não é uma escolha que custa mais. Tem uma coisa de um mito de que tudo que se faz em ESG é mais caro. Não necessariamente.

Mas, então, o episódio no RS pode impactar todo o ecossistema do negócio?

Eu acho que é muito precipitado falar isso agora porque o evento aconteceu há poucas semanas. A gente está aguardando para ver o que vai acontecer. Acho que vamos precisar ouvir a ciência, vamos precisar ver os dados. Acho que esses dados que estão aí não estão nem perto do que a gente vai ver de dimensão (da tragédia). Mas, por certo, ele vai requerer um olhar sobre.

O Grupo Boticário foi impactado diretamente?

Quando teve o problema, a gente imediatamente instalou um comitê de crise e direcionou fortemente produtos de higiene e beleza para lá. A gente fez um plano para os nossos empregados de localizá-los primeiro — pois tinha gente que demorou para ser localizada —, de adiantamento do décimo terceiro salário, de férias, de ajuda para locomoção, de apoio psicológico.

A gente foi muito rápido para cuidar das pessoas, porque tinha a parte física e financeira, mas tinha a parte psicológica. Então a gente está cuidando para dar esse suporte. E a gente se pronunciou publicamente que segue acompanhando o RS. Acho que esse é um ponto super importante porque, lembre-se, a parte dura será também a da reconstrução.

Entrevista por Shagaly Ferreira

É repórter de Economia no Estadão, com foco em Governança. Formada em Jornalismo pela UFRB, é também graduada em Letras e mestra em Literatura e Cultura pela UFBA. Tem passagens por PEGN, Época Negócios, E-Investidor e A Tarde. Prêmios: 9º Prêmio Sebrae de Jornalismo, 22º Prêmio Estadão, Top 50+ Admirados Jornalistas Negros e Prêmio Itaú Cultural.

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