Não há bala de prata para uma siderurgia mais limpa, mas gás natural é aposta, diz CEO da Gerdau


Para Gustavo Werneck, fortalecimento do mercado de gás natural no Brasil pode ser saída para acelerar a diminuição de emissão de gases de efeito estufa na indústria do aço ainda nesta década

Por Shagaly Ferreira
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Entrevista comGustavo WerneckCEO da Gerdau

Avanços no mercado de gás natural no Brasil podem ser a aposta que o setor siderúrgico precisa para acelerar a descarbonização da produção de aço na indústria doméstica. A medida é apontada como a alternativa mais viável para uma operação mais limpa em escala industrial pelo CEO da Gerdau, Gustavo Werneck. Segundo ele, a estratégia poderia reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) da siderurgia ainda nesta década.

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“Nessa questão da descarbonização, não existe uma bala de prata, uma única solução. Então, a gente entende que é uma coletânea de pequenas ações que irão, ao longo dos anos, trazer o patamar de emissão de GEE para o valor aceitável,” diz. “Mas, se você me perguntar qual a grande transformação que o Brasil poderia passar no curto e médio prazos para impactar de forma decisiva a descarbonização da indústria brasileira, a resposta chama-se gás natural.”

Na avaliação do executivo, o combustível seria o substituto ideal para o coque metalúrgico, derivado do carvão mineral que, nos fornos industriais, é responsável por parte das emissões de dióxido de carbono (CO2) do setor. No quadro atual, outras alternativas testadas, como biomassa e hidrogênio verde, ainda não conseguiram impactar de forma significativa a transição para uma produção mais limpa, afirma.

“O gás natural é uma solução que pode substituir boa parte do carvão mineral”, comenta o CEO. “A gente tem utilizado hoje a biomassa, por exemplo, mas todas (as alternativas de combustível mais limpo) ainda são iniciativas piloto. Nenhuma delas se concretizou em uma escala industrial. Sequer o hidrogênio verde, que é muito colocado como uma solução de descarbonização, ainda não é uma realidade, e a gente entende que não vai ser uma realidade no curto prazo.”

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O desafio para alcançar uma produção menos poluente é grande no setor. Dados de 2022 da The World Steel Association apontam que, mundialmente, a indústria siderúrgica emite 1,89 tonelada de carbono a cada tonelada de aço produzido. O setor é responsável por volumes entre 7% e 9% das emissões diretas globais, e a maioria do CO2 emitido é oriundo da reação química que ocorre durante a fabricação de aço.

No seu relatório de sustentabilidade de 2023, publicado nesta quarta-feira, 31, a Gerdau informou ter realizado emissões de GEE de 0,91 tonelada de carbono por tonelada de aço produzido. O índice representou um ligeiro aumento em relação a 2022 (0,86), mas ainda segue abaixo da média mundial. O volume mais baixo, que soma emissões diretas e indiretas (escopos 1 e 2), teria relação com investimentos em produção de carvão vegetal (250 mil hectares de base florestal renovável de eucalipto) e em fontes de energias menos poluentes.

Produção de aço enfrenta desafios com emissões de gases poluentes Foto: Washington Alves/Estadão
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Recentemente, a empresa adquiriu 33,33% da plataforma de energia solar Newave Energia, com investimento de R$ 1,5 bilhão para construção de uma megausina. A estimativa é que o empreendimento destine 50% do seu volume de energia renovável para a siderúrgica. Segundo Werneck, outros negócios relacionados a energia solar estão nos planos da siderúrgica.

Já as ambições relacionadas ao uso do gás natural no Brasil precisam vencer alguns impasses de adequações regulatórias instituídas na Nova Lei do Gás e de organização da infraestrutura do mercado doméstico, para ganhos de competitividade e distribuição. De acordo com dados de um estudo de abril feito por ministérios do governo federal e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o País produziu 150 milhões de m³/dia de gás natural em 2023, com 84% da produção atrelada ao pré-sal. Apesar de se tratar de uma produção recorde, o mercado ainda não é robusto.

“O que falta hoje no Brasil é construir a infraestrutura para trazer esse gás para a costa e uma estrutura de distribuição desse gás para as principais fontes consumidoras. São projetos que, no horizonte de cinco, seis anos, a partir do momento de tomada de decisão, podem se tornar uma realidade”, analisa o CEO.

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Abaixo, os principais trechos da entrevista.

A corrida pela descarbonização tem sido um desafio para a produção de aço no mundo, mas a Gerdau tem relatado avanços na redução das emissões de GEE frente à média mundial nos escopos 1 e 2. No caso do escopo 3 (emissões da cadeia de produção não controladas pela empresa), o cenário é mais desafiador para o setor em geral?

Sem dúvida. O grande foco nosso está na redução da emissão de GEE nos escopos 1 e 2, (pois) achamos que neles está a grande contribuição que a gente pode dar para descarbonização do setor produtivo de aço ao longo do tempo. O aço, globalmente, contribui com 7% das emissões de GEE. No Brasil, 4%. Quando você olha outras participações nesse volume total de gás emitido para atmosfera, pode parecer pequeno 4% ou 7%, (mas) entendemos que nós temos uma responsabilidade muito grande de fazer a nossa parte. Então, atacar com mais profundidade os escopos 1 e 2 é a grande oportunidade nossa de promover reduções mais significativas.

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Mas nós também não deixamos de estudar e de pensar como podemos fazer contribuições no escopo 3. A questão desse escopo é que a gente tem uma enormidade de clientes de segmentos (que), muitos deles, já estão preocupados com isso. Por exemplo, o setor automotivo, que é muito importante para nós, tem buscado essa agenda. Mas o setor de construção, que é muito pulverizado, acaba de alguma forma afetando milhares de pessoas físicas, então é um pouco mais complexo criar ações para isso.

Por isso, nós vamos focar nos maiores problemas primeiro, que são escopo 1 e 2 e, à medida que formos criando condição de atacar o escopo 3, isso também está na nossa agenda. Dentro dos escopos 1 e 2, quando nós expressamos publicamente o nosso plano de reduzir as nossas emissões para 0,82 tonelada de CO2 por tonelada de aço (até 2031), isso foi feito com uma metodologia que chama marginal abatement cost curve (em português, curva de custo de redução marginal), que consegue colocar de uma maneira muito clara a viabilidade econômica e técnica das tecnologias disponíveis. Me preocupa muito colocar metas de descarbonização de 20, 30 anos que sejam muito mais práticas do que aspiracionais.

E, no caso das emissões diretas de CO2, em que a empresa tem investido em alternativas frente à dependência do carvão mineral nas operações, o quão avançado já está este cenário? Já é possível hoje uma produção sem o uso do carvão mineral?

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A gente sempre diz que, nessa questão da descarbonização, não existe uma bala de prata, uma única solução. Então, a gente entende que é uma coletânea de pequenas ações que irão, ao longo dos anos, trazer o patamar de emissão de GEE para o valor aceitável. Temos procurado, sim, diversas iniciativas para testar todas as possibilidades de que isso se torne uma realidade. A gente tem utilizado hoje a biomassa, por exemplo, mas todas (as alternativas de combustível mais limpo) ainda são iniciativas piloto. Nenhuma delas se concretizou em uma escala industrial. Sequer o hidrogênio verde, que é muito colocado como uma solução de descarbonização, ainda não é uma realidade, e a gente entende que não vai ser uma realidade no curto prazo. Talvez (daqui a) uma década haja disponibilidade e distribuição de hidrogênio para que ele possa descarbonizar o setor.

Mas, se você me perguntar qual a grande transformação que o Brasil poderia passar no curto e médio prazos para impactar de forma decisiva a descarbonização da indústria brasileira, a resposta chama-se gás natural. Eu diria que não tem nada mais importante hoje na indústria brasileira, não só a do aço, para contribuir com a descarbonização do que a disponibilidade e a competitividade do gás natural. Temos debatido isso muito. A gente vê um entendimento do Ministério das Minas e Energia e esforços que estão sendo colocados em uma visão de mais médio prazo, para que o gás natural, de fato, seja o grande elemento de descarbonização da indústria brasileira nos próximos anos, mesmo não havendo bala de prata.

Quando o senhor fala em próximos anos, seria um prazo alinhado à Agenda 2030 ou precisaria de mais tempo?

Não precisa de mais tempo. O gás natural está disponível nas plataformas do pré-sal, só que, por falta de estrutura para trazer esse gás da costa, ele é reinjetado em um volume muito grande nas próprias plataformas. Então, o que falta hoje no Brasil é construir a infraestrutura para trazer esse gás para as principais fontes consumidoras. São projetos que, no horizonte de cinco, seis anos, a partir do momento de tomada de decisão, podem se tornar uma realidade. Se essas iniciativas forem concretizadas, o Brasil pode, ainda dentro desta década, promover uma redução muito grande na emissão de GEE.

Não é um projeto de 20, 30 anos. É um projeto de curto prazo.

Seria, então, uma solução para substituir o carvão mineral, um dos grandes gargalos da descarbonização do setor…

O gás natural é uma solução que pode substituir boa parte do carvão mineral. Ele não substitui integralmente o carvão. É por isso que o mundo hoje testa tecnologias para isso, e nos parece que uma delas é o hidrogênio. Para ter um processo de produção de aço em uma rota integrada com carvão e minério, isso vai demorar um tempo. Mas, sem dúvida, o gás natural pode exercer um papel de curto prazo bem importante.

Isso já em escala industrial?

Já em escala industrial. A gente já utiliza o gás natural nesse processo, só que em volumes pequenos. Além disso, esse é um gás que é caro para o processo produtivo. Então, na hora em que houver mais disponibilidade e (menor) preço, esse crescimento do gás natural será imediato porque a gente já sabe como utilizá-lo.

Um outro desafio do setor siderúrgico é a transição energética, e a Gerdau avançou recentemente na parceria com a Newave Energia em um investimento bilionário em energia solar. Uma das possibilidades de caminhar para uma produção mais sustentável poderá ser por meio desse tipo de energia? Existem mais planos de ampliar os negócios nesse setor?

Não há a menor dúvida. A Gerdau vem buscando uma matriz energética cada vez mais sustentável. O processo produtivo de sucata requer o uso de energia elétrica, então, nós estamos no início de uma jornada para ao longo dos anos tornar a Gerdau uma usuária de 100% de energia renovável. Eu acho que isso conversa com os planos do Brasil e isso tem crescido.

Temos buscado comprar energias cada vez mais vindas de matrizes solar e eólica, mas dentro do compromisso nosso de crescer a autoprodução de energia, a gente está indo para esse caminho. 50% da energia da Newave vai vir diretamente para a Gerdau, uma energia basicamente de matriz solar. Mas a Newave não vai ser o único caminho nosso. Ela vai ter uma participação relevante, mas, ao mesmo tempo, nós estamos buscando outras alternativas de ter uma matriz cada vez mais renovável. Isso está diretamente relacionado ao nosso plano estratégico e é muito importante dentro do tema da redução de GEE nos escopos 1 e 2.

Na sua avaliação, considerando o cenário atual, a siderurgia conseguirá arcar com a transição para uma produção sustentável sem que isso pese para o consumidor final?

O grande debate da descarbonização é quem vai pagar a conta. Quando você olha as tecnologias que estão começando a aparecer no setor do aço e em outros, elas vão ser tão caras que não cabem no balanço das empresas. Os clientes, nesse momento, nenhum deles está disposto a financiar essa transformação. Eles também têm seus compromissos de competitividade, têm que sobreviver. Então, se não tiver um debate público mais intenso de criar incentivos públicos que possam promover essa transformação, vai ser muito difícil.

No nosso plano de dez anos, colocamos tecnologias disponíveis e investimentos que caibam no balanço da Gerdau. Então, nós não precisamos de dinheiro público, não precisamos de dinheiro de cliente. Todo esse investimento adicional vai caber no balanço da Gerdau. A gente não pode ficar postergando ações dependendo do dinheiro que não é nosso. Temos um plano muito exequível do ponto de vista de financiamento.

Isso inclui os planos de carbono zero em 2050?

Colocamos um plano mais concreto até 2030 e temos a ambição de chegar até 2050. Na minha opinião, depois de 2030, quando essas tecnologias (de descarbonização) amadurecerem, a tendência é cairem muito de custo. Então, eu acho que a aceleração das novas tecnologias vai permitir que as empresas consigam chegar a esse carbono neutro antes de 2050.

Tudo que nasce de tecnologia nasce mais caro, mas a conta cai, a gente sabe disso. Com a energia solar, por exemplo, o preço do painel caiu dez vezes em dez anos. Então, eu tenho a impressão de que as tecnologias necessárias vão aparecer até 2030, e o investimento vai ser exponencialmente reduzido para poder promover descarbonização sem dinheiro público.

Avanços no mercado de gás natural no Brasil podem ser a aposta que o setor siderúrgico precisa para acelerar a descarbonização da produção de aço na indústria doméstica. A medida é apontada como a alternativa mais viável para uma operação mais limpa em escala industrial pelo CEO da Gerdau, Gustavo Werneck. Segundo ele, a estratégia poderia reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) da siderurgia ainda nesta década.

“Nessa questão da descarbonização, não existe uma bala de prata, uma única solução. Então, a gente entende que é uma coletânea de pequenas ações que irão, ao longo dos anos, trazer o patamar de emissão de GEE para o valor aceitável,” diz. “Mas, se você me perguntar qual a grande transformação que o Brasil poderia passar no curto e médio prazos para impactar de forma decisiva a descarbonização da indústria brasileira, a resposta chama-se gás natural.”

Na avaliação do executivo, o combustível seria o substituto ideal para o coque metalúrgico, derivado do carvão mineral que, nos fornos industriais, é responsável por parte das emissões de dióxido de carbono (CO2) do setor. No quadro atual, outras alternativas testadas, como biomassa e hidrogênio verde, ainda não conseguiram impactar de forma significativa a transição para uma produção mais limpa, afirma.

“O gás natural é uma solução que pode substituir boa parte do carvão mineral”, comenta o CEO. “A gente tem utilizado hoje a biomassa, por exemplo, mas todas (as alternativas de combustível mais limpo) ainda são iniciativas piloto. Nenhuma delas se concretizou em uma escala industrial. Sequer o hidrogênio verde, que é muito colocado como uma solução de descarbonização, ainda não é uma realidade, e a gente entende que não vai ser uma realidade no curto prazo.”

O desafio para alcançar uma produção menos poluente é grande no setor. Dados de 2022 da The World Steel Association apontam que, mundialmente, a indústria siderúrgica emite 1,89 tonelada de carbono a cada tonelada de aço produzido. O setor é responsável por volumes entre 7% e 9% das emissões diretas globais, e a maioria do CO2 emitido é oriundo da reação química que ocorre durante a fabricação de aço.

No seu relatório de sustentabilidade de 2023, publicado nesta quarta-feira, 31, a Gerdau informou ter realizado emissões de GEE de 0,91 tonelada de carbono por tonelada de aço produzido. O índice representou um ligeiro aumento em relação a 2022 (0,86), mas ainda segue abaixo da média mundial. O volume mais baixo, que soma emissões diretas e indiretas (escopos 1 e 2), teria relação com investimentos em produção de carvão vegetal (250 mil hectares de base florestal renovável de eucalipto) e em fontes de energias menos poluentes.

Produção de aço enfrenta desafios com emissões de gases poluentes Foto: Washington Alves/Estadão

Recentemente, a empresa adquiriu 33,33% da plataforma de energia solar Newave Energia, com investimento de R$ 1,5 bilhão para construção de uma megausina. A estimativa é que o empreendimento destine 50% do seu volume de energia renovável para a siderúrgica. Segundo Werneck, outros negócios relacionados a energia solar estão nos planos da siderúrgica.

Já as ambições relacionadas ao uso do gás natural no Brasil precisam vencer alguns impasses de adequações regulatórias instituídas na Nova Lei do Gás e de organização da infraestrutura do mercado doméstico, para ganhos de competitividade e distribuição. De acordo com dados de um estudo de abril feito por ministérios do governo federal e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o País produziu 150 milhões de m³/dia de gás natural em 2023, com 84% da produção atrelada ao pré-sal. Apesar de se tratar de uma produção recorde, o mercado ainda não é robusto.

“O que falta hoje no Brasil é construir a infraestrutura para trazer esse gás para a costa e uma estrutura de distribuição desse gás para as principais fontes consumidoras. São projetos que, no horizonte de cinco, seis anos, a partir do momento de tomada de decisão, podem se tornar uma realidade”, analisa o CEO.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

A corrida pela descarbonização tem sido um desafio para a produção de aço no mundo, mas a Gerdau tem relatado avanços na redução das emissões de GEE frente à média mundial nos escopos 1 e 2. No caso do escopo 3 (emissões da cadeia de produção não controladas pela empresa), o cenário é mais desafiador para o setor em geral?

Sem dúvida. O grande foco nosso está na redução da emissão de GEE nos escopos 1 e 2, (pois) achamos que neles está a grande contribuição que a gente pode dar para descarbonização do setor produtivo de aço ao longo do tempo. O aço, globalmente, contribui com 7% das emissões de GEE. No Brasil, 4%. Quando você olha outras participações nesse volume total de gás emitido para atmosfera, pode parecer pequeno 4% ou 7%, (mas) entendemos que nós temos uma responsabilidade muito grande de fazer a nossa parte. Então, atacar com mais profundidade os escopos 1 e 2 é a grande oportunidade nossa de promover reduções mais significativas.

Mas nós também não deixamos de estudar e de pensar como podemos fazer contribuições no escopo 3. A questão desse escopo é que a gente tem uma enormidade de clientes de segmentos (que), muitos deles, já estão preocupados com isso. Por exemplo, o setor automotivo, que é muito importante para nós, tem buscado essa agenda. Mas o setor de construção, que é muito pulverizado, acaba de alguma forma afetando milhares de pessoas físicas, então é um pouco mais complexo criar ações para isso.

Por isso, nós vamos focar nos maiores problemas primeiro, que são escopo 1 e 2 e, à medida que formos criando condição de atacar o escopo 3, isso também está na nossa agenda. Dentro dos escopos 1 e 2, quando nós expressamos publicamente o nosso plano de reduzir as nossas emissões para 0,82 tonelada de CO2 por tonelada de aço (até 2031), isso foi feito com uma metodologia que chama marginal abatement cost curve (em português, curva de custo de redução marginal), que consegue colocar de uma maneira muito clara a viabilidade econômica e técnica das tecnologias disponíveis. Me preocupa muito colocar metas de descarbonização de 20, 30 anos que sejam muito mais práticas do que aspiracionais.

E, no caso das emissões diretas de CO2, em que a empresa tem investido em alternativas frente à dependência do carvão mineral nas operações, o quão avançado já está este cenário? Já é possível hoje uma produção sem o uso do carvão mineral?

A gente sempre diz que, nessa questão da descarbonização, não existe uma bala de prata, uma única solução. Então, a gente entende que é uma coletânea de pequenas ações que irão, ao longo dos anos, trazer o patamar de emissão de GEE para o valor aceitável. Temos procurado, sim, diversas iniciativas para testar todas as possibilidades de que isso se torne uma realidade. A gente tem utilizado hoje a biomassa, por exemplo, mas todas (as alternativas de combustível mais limpo) ainda são iniciativas piloto. Nenhuma delas se concretizou em uma escala industrial. Sequer o hidrogênio verde, que é muito colocado como uma solução de descarbonização, ainda não é uma realidade, e a gente entende que não vai ser uma realidade no curto prazo. Talvez (daqui a) uma década haja disponibilidade e distribuição de hidrogênio para que ele possa descarbonizar o setor.

Mas, se você me perguntar qual a grande transformação que o Brasil poderia passar no curto e médio prazos para impactar de forma decisiva a descarbonização da indústria brasileira, a resposta chama-se gás natural. Eu diria que não tem nada mais importante hoje na indústria brasileira, não só a do aço, para contribuir com a descarbonização do que a disponibilidade e a competitividade do gás natural. Temos debatido isso muito. A gente vê um entendimento do Ministério das Minas e Energia e esforços que estão sendo colocados em uma visão de mais médio prazo, para que o gás natural, de fato, seja o grande elemento de descarbonização da indústria brasileira nos próximos anos, mesmo não havendo bala de prata.

Quando o senhor fala em próximos anos, seria um prazo alinhado à Agenda 2030 ou precisaria de mais tempo?

Não precisa de mais tempo. O gás natural está disponível nas plataformas do pré-sal, só que, por falta de estrutura para trazer esse gás da costa, ele é reinjetado em um volume muito grande nas próprias plataformas. Então, o que falta hoje no Brasil é construir a infraestrutura para trazer esse gás para as principais fontes consumidoras. São projetos que, no horizonte de cinco, seis anos, a partir do momento de tomada de decisão, podem se tornar uma realidade. Se essas iniciativas forem concretizadas, o Brasil pode, ainda dentro desta década, promover uma redução muito grande na emissão de GEE.

Não é um projeto de 20, 30 anos. É um projeto de curto prazo.

Seria, então, uma solução para substituir o carvão mineral, um dos grandes gargalos da descarbonização do setor…

O gás natural é uma solução que pode substituir boa parte do carvão mineral. Ele não substitui integralmente o carvão. É por isso que o mundo hoje testa tecnologias para isso, e nos parece que uma delas é o hidrogênio. Para ter um processo de produção de aço em uma rota integrada com carvão e minério, isso vai demorar um tempo. Mas, sem dúvida, o gás natural pode exercer um papel de curto prazo bem importante.

Isso já em escala industrial?

Já em escala industrial. A gente já utiliza o gás natural nesse processo, só que em volumes pequenos. Além disso, esse é um gás que é caro para o processo produtivo. Então, na hora em que houver mais disponibilidade e (menor) preço, esse crescimento do gás natural será imediato porque a gente já sabe como utilizá-lo.

Um outro desafio do setor siderúrgico é a transição energética, e a Gerdau avançou recentemente na parceria com a Newave Energia em um investimento bilionário em energia solar. Uma das possibilidades de caminhar para uma produção mais sustentável poderá ser por meio desse tipo de energia? Existem mais planos de ampliar os negócios nesse setor?

Não há a menor dúvida. A Gerdau vem buscando uma matriz energética cada vez mais sustentável. O processo produtivo de sucata requer o uso de energia elétrica, então, nós estamos no início de uma jornada para ao longo dos anos tornar a Gerdau uma usuária de 100% de energia renovável. Eu acho que isso conversa com os planos do Brasil e isso tem crescido.

Temos buscado comprar energias cada vez mais vindas de matrizes solar e eólica, mas dentro do compromisso nosso de crescer a autoprodução de energia, a gente está indo para esse caminho. 50% da energia da Newave vai vir diretamente para a Gerdau, uma energia basicamente de matriz solar. Mas a Newave não vai ser o único caminho nosso. Ela vai ter uma participação relevante, mas, ao mesmo tempo, nós estamos buscando outras alternativas de ter uma matriz cada vez mais renovável. Isso está diretamente relacionado ao nosso plano estratégico e é muito importante dentro do tema da redução de GEE nos escopos 1 e 2.

Na sua avaliação, considerando o cenário atual, a siderurgia conseguirá arcar com a transição para uma produção sustentável sem que isso pese para o consumidor final?

O grande debate da descarbonização é quem vai pagar a conta. Quando você olha as tecnologias que estão começando a aparecer no setor do aço e em outros, elas vão ser tão caras que não cabem no balanço das empresas. Os clientes, nesse momento, nenhum deles está disposto a financiar essa transformação. Eles também têm seus compromissos de competitividade, têm que sobreviver. Então, se não tiver um debate público mais intenso de criar incentivos públicos que possam promover essa transformação, vai ser muito difícil.

No nosso plano de dez anos, colocamos tecnologias disponíveis e investimentos que caibam no balanço da Gerdau. Então, nós não precisamos de dinheiro público, não precisamos de dinheiro de cliente. Todo esse investimento adicional vai caber no balanço da Gerdau. A gente não pode ficar postergando ações dependendo do dinheiro que não é nosso. Temos um plano muito exequível do ponto de vista de financiamento.

Isso inclui os planos de carbono zero em 2050?

Colocamos um plano mais concreto até 2030 e temos a ambição de chegar até 2050. Na minha opinião, depois de 2030, quando essas tecnologias (de descarbonização) amadurecerem, a tendência é cairem muito de custo. Então, eu acho que a aceleração das novas tecnologias vai permitir que as empresas consigam chegar a esse carbono neutro antes de 2050.

Tudo que nasce de tecnologia nasce mais caro, mas a conta cai, a gente sabe disso. Com a energia solar, por exemplo, o preço do painel caiu dez vezes em dez anos. Então, eu tenho a impressão de que as tecnologias necessárias vão aparecer até 2030, e o investimento vai ser exponencialmente reduzido para poder promover descarbonização sem dinheiro público.

Avanços no mercado de gás natural no Brasil podem ser a aposta que o setor siderúrgico precisa para acelerar a descarbonização da produção de aço na indústria doméstica. A medida é apontada como a alternativa mais viável para uma operação mais limpa em escala industrial pelo CEO da Gerdau, Gustavo Werneck. Segundo ele, a estratégia poderia reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) da siderurgia ainda nesta década.

“Nessa questão da descarbonização, não existe uma bala de prata, uma única solução. Então, a gente entende que é uma coletânea de pequenas ações que irão, ao longo dos anos, trazer o patamar de emissão de GEE para o valor aceitável,” diz. “Mas, se você me perguntar qual a grande transformação que o Brasil poderia passar no curto e médio prazos para impactar de forma decisiva a descarbonização da indústria brasileira, a resposta chama-se gás natural.”

Na avaliação do executivo, o combustível seria o substituto ideal para o coque metalúrgico, derivado do carvão mineral que, nos fornos industriais, é responsável por parte das emissões de dióxido de carbono (CO2) do setor. No quadro atual, outras alternativas testadas, como biomassa e hidrogênio verde, ainda não conseguiram impactar de forma significativa a transição para uma produção mais limpa, afirma.

“O gás natural é uma solução que pode substituir boa parte do carvão mineral”, comenta o CEO. “A gente tem utilizado hoje a biomassa, por exemplo, mas todas (as alternativas de combustível mais limpo) ainda são iniciativas piloto. Nenhuma delas se concretizou em uma escala industrial. Sequer o hidrogênio verde, que é muito colocado como uma solução de descarbonização, ainda não é uma realidade, e a gente entende que não vai ser uma realidade no curto prazo.”

O desafio para alcançar uma produção menos poluente é grande no setor. Dados de 2022 da The World Steel Association apontam que, mundialmente, a indústria siderúrgica emite 1,89 tonelada de carbono a cada tonelada de aço produzido. O setor é responsável por volumes entre 7% e 9% das emissões diretas globais, e a maioria do CO2 emitido é oriundo da reação química que ocorre durante a fabricação de aço.

No seu relatório de sustentabilidade de 2023, publicado nesta quarta-feira, 31, a Gerdau informou ter realizado emissões de GEE de 0,91 tonelada de carbono por tonelada de aço produzido. O índice representou um ligeiro aumento em relação a 2022 (0,86), mas ainda segue abaixo da média mundial. O volume mais baixo, que soma emissões diretas e indiretas (escopos 1 e 2), teria relação com investimentos em produção de carvão vegetal (250 mil hectares de base florestal renovável de eucalipto) e em fontes de energias menos poluentes.

Produção de aço enfrenta desafios com emissões de gases poluentes Foto: Washington Alves/Estadão

Recentemente, a empresa adquiriu 33,33% da plataforma de energia solar Newave Energia, com investimento de R$ 1,5 bilhão para construção de uma megausina. A estimativa é que o empreendimento destine 50% do seu volume de energia renovável para a siderúrgica. Segundo Werneck, outros negócios relacionados a energia solar estão nos planos da siderúrgica.

Já as ambições relacionadas ao uso do gás natural no Brasil precisam vencer alguns impasses de adequações regulatórias instituídas na Nova Lei do Gás e de organização da infraestrutura do mercado doméstico, para ganhos de competitividade e distribuição. De acordo com dados de um estudo de abril feito por ministérios do governo federal e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o País produziu 150 milhões de m³/dia de gás natural em 2023, com 84% da produção atrelada ao pré-sal. Apesar de se tratar de uma produção recorde, o mercado ainda não é robusto.

“O que falta hoje no Brasil é construir a infraestrutura para trazer esse gás para a costa e uma estrutura de distribuição desse gás para as principais fontes consumidoras. São projetos que, no horizonte de cinco, seis anos, a partir do momento de tomada de decisão, podem se tornar uma realidade”, analisa o CEO.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

A corrida pela descarbonização tem sido um desafio para a produção de aço no mundo, mas a Gerdau tem relatado avanços na redução das emissões de GEE frente à média mundial nos escopos 1 e 2. No caso do escopo 3 (emissões da cadeia de produção não controladas pela empresa), o cenário é mais desafiador para o setor em geral?

Sem dúvida. O grande foco nosso está na redução da emissão de GEE nos escopos 1 e 2, (pois) achamos que neles está a grande contribuição que a gente pode dar para descarbonização do setor produtivo de aço ao longo do tempo. O aço, globalmente, contribui com 7% das emissões de GEE. No Brasil, 4%. Quando você olha outras participações nesse volume total de gás emitido para atmosfera, pode parecer pequeno 4% ou 7%, (mas) entendemos que nós temos uma responsabilidade muito grande de fazer a nossa parte. Então, atacar com mais profundidade os escopos 1 e 2 é a grande oportunidade nossa de promover reduções mais significativas.

Mas nós também não deixamos de estudar e de pensar como podemos fazer contribuições no escopo 3. A questão desse escopo é que a gente tem uma enormidade de clientes de segmentos (que), muitos deles, já estão preocupados com isso. Por exemplo, o setor automotivo, que é muito importante para nós, tem buscado essa agenda. Mas o setor de construção, que é muito pulverizado, acaba de alguma forma afetando milhares de pessoas físicas, então é um pouco mais complexo criar ações para isso.

Por isso, nós vamos focar nos maiores problemas primeiro, que são escopo 1 e 2 e, à medida que formos criando condição de atacar o escopo 3, isso também está na nossa agenda. Dentro dos escopos 1 e 2, quando nós expressamos publicamente o nosso plano de reduzir as nossas emissões para 0,82 tonelada de CO2 por tonelada de aço (até 2031), isso foi feito com uma metodologia que chama marginal abatement cost curve (em português, curva de custo de redução marginal), que consegue colocar de uma maneira muito clara a viabilidade econômica e técnica das tecnologias disponíveis. Me preocupa muito colocar metas de descarbonização de 20, 30 anos que sejam muito mais práticas do que aspiracionais.

E, no caso das emissões diretas de CO2, em que a empresa tem investido em alternativas frente à dependência do carvão mineral nas operações, o quão avançado já está este cenário? Já é possível hoje uma produção sem o uso do carvão mineral?

A gente sempre diz que, nessa questão da descarbonização, não existe uma bala de prata, uma única solução. Então, a gente entende que é uma coletânea de pequenas ações que irão, ao longo dos anos, trazer o patamar de emissão de GEE para o valor aceitável. Temos procurado, sim, diversas iniciativas para testar todas as possibilidades de que isso se torne uma realidade. A gente tem utilizado hoje a biomassa, por exemplo, mas todas (as alternativas de combustível mais limpo) ainda são iniciativas piloto. Nenhuma delas se concretizou em uma escala industrial. Sequer o hidrogênio verde, que é muito colocado como uma solução de descarbonização, ainda não é uma realidade, e a gente entende que não vai ser uma realidade no curto prazo. Talvez (daqui a) uma década haja disponibilidade e distribuição de hidrogênio para que ele possa descarbonizar o setor.

Mas, se você me perguntar qual a grande transformação que o Brasil poderia passar no curto e médio prazos para impactar de forma decisiva a descarbonização da indústria brasileira, a resposta chama-se gás natural. Eu diria que não tem nada mais importante hoje na indústria brasileira, não só a do aço, para contribuir com a descarbonização do que a disponibilidade e a competitividade do gás natural. Temos debatido isso muito. A gente vê um entendimento do Ministério das Minas e Energia e esforços que estão sendo colocados em uma visão de mais médio prazo, para que o gás natural, de fato, seja o grande elemento de descarbonização da indústria brasileira nos próximos anos, mesmo não havendo bala de prata.

Quando o senhor fala em próximos anos, seria um prazo alinhado à Agenda 2030 ou precisaria de mais tempo?

Não precisa de mais tempo. O gás natural está disponível nas plataformas do pré-sal, só que, por falta de estrutura para trazer esse gás da costa, ele é reinjetado em um volume muito grande nas próprias plataformas. Então, o que falta hoje no Brasil é construir a infraestrutura para trazer esse gás para as principais fontes consumidoras. São projetos que, no horizonte de cinco, seis anos, a partir do momento de tomada de decisão, podem se tornar uma realidade. Se essas iniciativas forem concretizadas, o Brasil pode, ainda dentro desta década, promover uma redução muito grande na emissão de GEE.

Não é um projeto de 20, 30 anos. É um projeto de curto prazo.

Seria, então, uma solução para substituir o carvão mineral, um dos grandes gargalos da descarbonização do setor…

O gás natural é uma solução que pode substituir boa parte do carvão mineral. Ele não substitui integralmente o carvão. É por isso que o mundo hoje testa tecnologias para isso, e nos parece que uma delas é o hidrogênio. Para ter um processo de produção de aço em uma rota integrada com carvão e minério, isso vai demorar um tempo. Mas, sem dúvida, o gás natural pode exercer um papel de curto prazo bem importante.

Isso já em escala industrial?

Já em escala industrial. A gente já utiliza o gás natural nesse processo, só que em volumes pequenos. Além disso, esse é um gás que é caro para o processo produtivo. Então, na hora em que houver mais disponibilidade e (menor) preço, esse crescimento do gás natural será imediato porque a gente já sabe como utilizá-lo.

Um outro desafio do setor siderúrgico é a transição energética, e a Gerdau avançou recentemente na parceria com a Newave Energia em um investimento bilionário em energia solar. Uma das possibilidades de caminhar para uma produção mais sustentável poderá ser por meio desse tipo de energia? Existem mais planos de ampliar os negócios nesse setor?

Não há a menor dúvida. A Gerdau vem buscando uma matriz energética cada vez mais sustentável. O processo produtivo de sucata requer o uso de energia elétrica, então, nós estamos no início de uma jornada para ao longo dos anos tornar a Gerdau uma usuária de 100% de energia renovável. Eu acho que isso conversa com os planos do Brasil e isso tem crescido.

Temos buscado comprar energias cada vez mais vindas de matrizes solar e eólica, mas dentro do compromisso nosso de crescer a autoprodução de energia, a gente está indo para esse caminho. 50% da energia da Newave vai vir diretamente para a Gerdau, uma energia basicamente de matriz solar. Mas a Newave não vai ser o único caminho nosso. Ela vai ter uma participação relevante, mas, ao mesmo tempo, nós estamos buscando outras alternativas de ter uma matriz cada vez mais renovável. Isso está diretamente relacionado ao nosso plano estratégico e é muito importante dentro do tema da redução de GEE nos escopos 1 e 2.

Na sua avaliação, considerando o cenário atual, a siderurgia conseguirá arcar com a transição para uma produção sustentável sem que isso pese para o consumidor final?

O grande debate da descarbonização é quem vai pagar a conta. Quando você olha as tecnologias que estão começando a aparecer no setor do aço e em outros, elas vão ser tão caras que não cabem no balanço das empresas. Os clientes, nesse momento, nenhum deles está disposto a financiar essa transformação. Eles também têm seus compromissos de competitividade, têm que sobreviver. Então, se não tiver um debate público mais intenso de criar incentivos públicos que possam promover essa transformação, vai ser muito difícil.

No nosso plano de dez anos, colocamos tecnologias disponíveis e investimentos que caibam no balanço da Gerdau. Então, nós não precisamos de dinheiro público, não precisamos de dinheiro de cliente. Todo esse investimento adicional vai caber no balanço da Gerdau. A gente não pode ficar postergando ações dependendo do dinheiro que não é nosso. Temos um plano muito exequível do ponto de vista de financiamento.

Isso inclui os planos de carbono zero em 2050?

Colocamos um plano mais concreto até 2030 e temos a ambição de chegar até 2050. Na minha opinião, depois de 2030, quando essas tecnologias (de descarbonização) amadurecerem, a tendência é cairem muito de custo. Então, eu acho que a aceleração das novas tecnologias vai permitir que as empresas consigam chegar a esse carbono neutro antes de 2050.

Tudo que nasce de tecnologia nasce mais caro, mas a conta cai, a gente sabe disso. Com a energia solar, por exemplo, o preço do painel caiu dez vezes em dez anos. Então, eu tenho a impressão de que as tecnologias necessárias vão aparecer até 2030, e o investimento vai ser exponencialmente reduzido para poder promover descarbonização sem dinheiro público.

Avanços no mercado de gás natural no Brasil podem ser a aposta que o setor siderúrgico precisa para acelerar a descarbonização da produção de aço na indústria doméstica. A medida é apontada como a alternativa mais viável para uma operação mais limpa em escala industrial pelo CEO da Gerdau, Gustavo Werneck. Segundo ele, a estratégia poderia reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) da siderurgia ainda nesta década.

“Nessa questão da descarbonização, não existe uma bala de prata, uma única solução. Então, a gente entende que é uma coletânea de pequenas ações que irão, ao longo dos anos, trazer o patamar de emissão de GEE para o valor aceitável,” diz. “Mas, se você me perguntar qual a grande transformação que o Brasil poderia passar no curto e médio prazos para impactar de forma decisiva a descarbonização da indústria brasileira, a resposta chama-se gás natural.”

Na avaliação do executivo, o combustível seria o substituto ideal para o coque metalúrgico, derivado do carvão mineral que, nos fornos industriais, é responsável por parte das emissões de dióxido de carbono (CO2) do setor. No quadro atual, outras alternativas testadas, como biomassa e hidrogênio verde, ainda não conseguiram impactar de forma significativa a transição para uma produção mais limpa, afirma.

“O gás natural é uma solução que pode substituir boa parte do carvão mineral”, comenta o CEO. “A gente tem utilizado hoje a biomassa, por exemplo, mas todas (as alternativas de combustível mais limpo) ainda são iniciativas piloto. Nenhuma delas se concretizou em uma escala industrial. Sequer o hidrogênio verde, que é muito colocado como uma solução de descarbonização, ainda não é uma realidade, e a gente entende que não vai ser uma realidade no curto prazo.”

O desafio para alcançar uma produção menos poluente é grande no setor. Dados de 2022 da The World Steel Association apontam que, mundialmente, a indústria siderúrgica emite 1,89 tonelada de carbono a cada tonelada de aço produzido. O setor é responsável por volumes entre 7% e 9% das emissões diretas globais, e a maioria do CO2 emitido é oriundo da reação química que ocorre durante a fabricação de aço.

No seu relatório de sustentabilidade de 2023, publicado nesta quarta-feira, 31, a Gerdau informou ter realizado emissões de GEE de 0,91 tonelada de carbono por tonelada de aço produzido. O índice representou um ligeiro aumento em relação a 2022 (0,86), mas ainda segue abaixo da média mundial. O volume mais baixo, que soma emissões diretas e indiretas (escopos 1 e 2), teria relação com investimentos em produção de carvão vegetal (250 mil hectares de base florestal renovável de eucalipto) e em fontes de energias menos poluentes.

Produção de aço enfrenta desafios com emissões de gases poluentes Foto: Washington Alves/Estadão

Recentemente, a empresa adquiriu 33,33% da plataforma de energia solar Newave Energia, com investimento de R$ 1,5 bilhão para construção de uma megausina. A estimativa é que o empreendimento destine 50% do seu volume de energia renovável para a siderúrgica. Segundo Werneck, outros negócios relacionados a energia solar estão nos planos da siderúrgica.

Já as ambições relacionadas ao uso do gás natural no Brasil precisam vencer alguns impasses de adequações regulatórias instituídas na Nova Lei do Gás e de organização da infraestrutura do mercado doméstico, para ganhos de competitividade e distribuição. De acordo com dados de um estudo de abril feito por ministérios do governo federal e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o País produziu 150 milhões de m³/dia de gás natural em 2023, com 84% da produção atrelada ao pré-sal. Apesar de se tratar de uma produção recorde, o mercado ainda não é robusto.

“O que falta hoje no Brasil é construir a infraestrutura para trazer esse gás para a costa e uma estrutura de distribuição desse gás para as principais fontes consumidoras. São projetos que, no horizonte de cinco, seis anos, a partir do momento de tomada de decisão, podem se tornar uma realidade”, analisa o CEO.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

A corrida pela descarbonização tem sido um desafio para a produção de aço no mundo, mas a Gerdau tem relatado avanços na redução das emissões de GEE frente à média mundial nos escopos 1 e 2. No caso do escopo 3 (emissões da cadeia de produção não controladas pela empresa), o cenário é mais desafiador para o setor em geral?

Sem dúvida. O grande foco nosso está na redução da emissão de GEE nos escopos 1 e 2, (pois) achamos que neles está a grande contribuição que a gente pode dar para descarbonização do setor produtivo de aço ao longo do tempo. O aço, globalmente, contribui com 7% das emissões de GEE. No Brasil, 4%. Quando você olha outras participações nesse volume total de gás emitido para atmosfera, pode parecer pequeno 4% ou 7%, (mas) entendemos que nós temos uma responsabilidade muito grande de fazer a nossa parte. Então, atacar com mais profundidade os escopos 1 e 2 é a grande oportunidade nossa de promover reduções mais significativas.

Mas nós também não deixamos de estudar e de pensar como podemos fazer contribuições no escopo 3. A questão desse escopo é que a gente tem uma enormidade de clientes de segmentos (que), muitos deles, já estão preocupados com isso. Por exemplo, o setor automotivo, que é muito importante para nós, tem buscado essa agenda. Mas o setor de construção, que é muito pulverizado, acaba de alguma forma afetando milhares de pessoas físicas, então é um pouco mais complexo criar ações para isso.

Por isso, nós vamos focar nos maiores problemas primeiro, que são escopo 1 e 2 e, à medida que formos criando condição de atacar o escopo 3, isso também está na nossa agenda. Dentro dos escopos 1 e 2, quando nós expressamos publicamente o nosso plano de reduzir as nossas emissões para 0,82 tonelada de CO2 por tonelada de aço (até 2031), isso foi feito com uma metodologia que chama marginal abatement cost curve (em português, curva de custo de redução marginal), que consegue colocar de uma maneira muito clara a viabilidade econômica e técnica das tecnologias disponíveis. Me preocupa muito colocar metas de descarbonização de 20, 30 anos que sejam muito mais práticas do que aspiracionais.

E, no caso das emissões diretas de CO2, em que a empresa tem investido em alternativas frente à dependência do carvão mineral nas operações, o quão avançado já está este cenário? Já é possível hoje uma produção sem o uso do carvão mineral?

A gente sempre diz que, nessa questão da descarbonização, não existe uma bala de prata, uma única solução. Então, a gente entende que é uma coletânea de pequenas ações que irão, ao longo dos anos, trazer o patamar de emissão de GEE para o valor aceitável. Temos procurado, sim, diversas iniciativas para testar todas as possibilidades de que isso se torne uma realidade. A gente tem utilizado hoje a biomassa, por exemplo, mas todas (as alternativas de combustível mais limpo) ainda são iniciativas piloto. Nenhuma delas se concretizou em uma escala industrial. Sequer o hidrogênio verde, que é muito colocado como uma solução de descarbonização, ainda não é uma realidade, e a gente entende que não vai ser uma realidade no curto prazo. Talvez (daqui a) uma década haja disponibilidade e distribuição de hidrogênio para que ele possa descarbonizar o setor.

Mas, se você me perguntar qual a grande transformação que o Brasil poderia passar no curto e médio prazos para impactar de forma decisiva a descarbonização da indústria brasileira, a resposta chama-se gás natural. Eu diria que não tem nada mais importante hoje na indústria brasileira, não só a do aço, para contribuir com a descarbonização do que a disponibilidade e a competitividade do gás natural. Temos debatido isso muito. A gente vê um entendimento do Ministério das Minas e Energia e esforços que estão sendo colocados em uma visão de mais médio prazo, para que o gás natural, de fato, seja o grande elemento de descarbonização da indústria brasileira nos próximos anos, mesmo não havendo bala de prata.

Quando o senhor fala em próximos anos, seria um prazo alinhado à Agenda 2030 ou precisaria de mais tempo?

Não precisa de mais tempo. O gás natural está disponível nas plataformas do pré-sal, só que, por falta de estrutura para trazer esse gás da costa, ele é reinjetado em um volume muito grande nas próprias plataformas. Então, o que falta hoje no Brasil é construir a infraestrutura para trazer esse gás para as principais fontes consumidoras. São projetos que, no horizonte de cinco, seis anos, a partir do momento de tomada de decisão, podem se tornar uma realidade. Se essas iniciativas forem concretizadas, o Brasil pode, ainda dentro desta década, promover uma redução muito grande na emissão de GEE.

Não é um projeto de 20, 30 anos. É um projeto de curto prazo.

Seria, então, uma solução para substituir o carvão mineral, um dos grandes gargalos da descarbonização do setor…

O gás natural é uma solução que pode substituir boa parte do carvão mineral. Ele não substitui integralmente o carvão. É por isso que o mundo hoje testa tecnologias para isso, e nos parece que uma delas é o hidrogênio. Para ter um processo de produção de aço em uma rota integrada com carvão e minério, isso vai demorar um tempo. Mas, sem dúvida, o gás natural pode exercer um papel de curto prazo bem importante.

Isso já em escala industrial?

Já em escala industrial. A gente já utiliza o gás natural nesse processo, só que em volumes pequenos. Além disso, esse é um gás que é caro para o processo produtivo. Então, na hora em que houver mais disponibilidade e (menor) preço, esse crescimento do gás natural será imediato porque a gente já sabe como utilizá-lo.

Um outro desafio do setor siderúrgico é a transição energética, e a Gerdau avançou recentemente na parceria com a Newave Energia em um investimento bilionário em energia solar. Uma das possibilidades de caminhar para uma produção mais sustentável poderá ser por meio desse tipo de energia? Existem mais planos de ampliar os negócios nesse setor?

Não há a menor dúvida. A Gerdau vem buscando uma matriz energética cada vez mais sustentável. O processo produtivo de sucata requer o uso de energia elétrica, então, nós estamos no início de uma jornada para ao longo dos anos tornar a Gerdau uma usuária de 100% de energia renovável. Eu acho que isso conversa com os planos do Brasil e isso tem crescido.

Temos buscado comprar energias cada vez mais vindas de matrizes solar e eólica, mas dentro do compromisso nosso de crescer a autoprodução de energia, a gente está indo para esse caminho. 50% da energia da Newave vai vir diretamente para a Gerdau, uma energia basicamente de matriz solar. Mas a Newave não vai ser o único caminho nosso. Ela vai ter uma participação relevante, mas, ao mesmo tempo, nós estamos buscando outras alternativas de ter uma matriz cada vez mais renovável. Isso está diretamente relacionado ao nosso plano estratégico e é muito importante dentro do tema da redução de GEE nos escopos 1 e 2.

Na sua avaliação, considerando o cenário atual, a siderurgia conseguirá arcar com a transição para uma produção sustentável sem que isso pese para o consumidor final?

O grande debate da descarbonização é quem vai pagar a conta. Quando você olha as tecnologias que estão começando a aparecer no setor do aço e em outros, elas vão ser tão caras que não cabem no balanço das empresas. Os clientes, nesse momento, nenhum deles está disposto a financiar essa transformação. Eles também têm seus compromissos de competitividade, têm que sobreviver. Então, se não tiver um debate público mais intenso de criar incentivos públicos que possam promover essa transformação, vai ser muito difícil.

No nosso plano de dez anos, colocamos tecnologias disponíveis e investimentos que caibam no balanço da Gerdau. Então, nós não precisamos de dinheiro público, não precisamos de dinheiro de cliente. Todo esse investimento adicional vai caber no balanço da Gerdau. A gente não pode ficar postergando ações dependendo do dinheiro que não é nosso. Temos um plano muito exequível do ponto de vista de financiamento.

Isso inclui os planos de carbono zero em 2050?

Colocamos um plano mais concreto até 2030 e temos a ambição de chegar até 2050. Na minha opinião, depois de 2030, quando essas tecnologias (de descarbonização) amadurecerem, a tendência é cairem muito de custo. Então, eu acho que a aceleração das novas tecnologias vai permitir que as empresas consigam chegar a esse carbono neutro antes de 2050.

Tudo que nasce de tecnologia nasce mais caro, mas a conta cai, a gente sabe disso. Com a energia solar, por exemplo, o preço do painel caiu dez vezes em dez anos. Então, eu tenho a impressão de que as tecnologias necessárias vão aparecer até 2030, e o investimento vai ser exponencialmente reduzido para poder promover descarbonização sem dinheiro público.

Entrevista por Shagaly Ferreira

É repórter de Economia no Estadão, com foco em Governança. Formada em Jornalismo pela UFRB, é também graduada em Letras e mestra em Literatura e Cultura pela UFBA. Tem passagens por PEGN, Época Negócios, E-Investidor e A Tarde. Prêmios: 9º Prêmio Sebrae de Jornalismo, 22º Prêmio Estadão, Top 50+ Admirados Jornalistas Negros e Prêmio Itaú Cultural.

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