A troca de comando na Petrobrás, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro, não foi bem recebida no mercado financeiro. As ações da estatal tiveram queda nos dias seguintes ao anúncio e a petroleira chegou a perder bilhões em valor de mercado, em meio ao receio de acionistas e investidores de que a decisão pudesse significar mais interferência política na gestão da companhia.
Bolsonaro indicou, pelas redes sociais, o general Joaquim Silva e Luna para substituir o atual presidente Roberto Castello Branco. O nome, no entanto, ainda precisa ser referendado pela assembleia de acionistas, cujo edital de convocação deve sair no início desta semana.
Especialistas explicam que o papel de escolher o presidente de uma empresa de capital aberto é do Conselho de Administração. “De modo geral, o CEO ou o presidente, dependendo da denominação que cada empresa utiliza, é escolhido pelo Conselho de Administração, que tem também o papel importante de fazer o elo entre a gestão e os acionistas, além de orientar e supervisionar a gestão. Então, o conselho tem um papel chave nessa escolha”, diz Viviane Martins, CEO da consultoria em gestão Falconi.
A escolha do presidente das companhias abertas segue uma série de regras, normas e leis. Fernanda Barroso, diretora-geral da consultoria Kroll no Brasil, explica que o funcionamento das empresas de capital aberto é regido pela Lei das S.A e que as companhias também devem seguir algumas das normativas da B3, a Bolsa de São Paulo, dependendo do nível de governança corporativa em que elas estão listadas. “E, dependendo do segmento de atuação da companhia, ainda pode haver ou outras regulações de órgãos regulatórios específicos”, afirma.
Todos esses dispositivos estabelecem requisitos que devem ser levados em consideração no processo de nomeação do presidente da companhia. No caso da Petrobrás, que é uma sociedade de economia mista, mais requisitos devem ser cumpridos, afinal, a companhia também deve seguir a Lei das Estatais.
“As sociedades de economia mista são sociedades de direito privado que têm a União como controladora, como dona da maior parte das ações com direito a voto. Por isso, é preciso considerar todo o arcabouço regulatório que sustenta seu funcionamento, o que inclui a Lei das Estatais. Ela estabelece, por exemplo, que o presidente de uma empresa mista deve ser alguém de reputação ilibada e de notório conhecimento, ter formação compatível com o cargo e ter experiência de pelo menos dez anos de experiência no setor ou em empresa de mesmo porte de outro setor”, diz Fernanda.
Para escolher um presidente, as empresas de capital aberto geralmente buscam perfis que cumprem os requisitos e se encaixam no que a companhia está buscando. “Muitas vezes, o Conselho de Administração faz um short list (lista curta) de alguns nomes e ali faz-se uma avaliação e uma votação do nome preferido. Então fazem o convite e a nomeação do presidente”, afirma Viviane, da Falconi.
Dependendo do grau de complexidade da empresa, também há outros agentes que podem auxiliar o Conselho de Administração na função de escolher o presidente. Viviane cita a Petrobrás como exemplo. “A Petrobrás, que é uma empresa de economia mista que tem uma governança bastante processualizada e estruturada, conta com comitês que auxiliam o conselho nessa escolha, sendo um deles o Comitê de Pessoas.”
De acordo com a executiva, é comum que empresas maiores, com uma governança corporativa mais robusta, tenham esses comitês auxiliares no processo para nomear seus presidentes. Nesses casos, os comitês fazem a avaliação prévia dos nomes cogitados para o cargo. “Eles analisam se estão dentro do perfil que a empresa procura e também realizam um background check do candidato, verificando se é uma pessoa ilibada ou se tem alguma restrição. Mas a tomada de decisão final é do conselho, que é quem de fato vota e aponta o presidente ou o CEO da empresa”, ressalta.
Caso Petrobrás: o presidente da República pode indicar nomes?
Por ser uma empresa de economia mista, a Petrobrás tem o governo como acionista majoritário, ou seja, como controlador. O presidente da República, portanto, poderia indicar um nome para a consideração do Conselho de Administração para a presdiência da empresa, segundo Fernanda, da Kroll. “O problema foi a forma como ocorreu a divulgação da informação e não a indicação em si.”
Ela ressalta que a Petrobrás é uma empresa que foi criada com interesse público, para cumprir objetivos da política energética brasileira, sendo um deles proteger os interesses do consumidor. “A União tem o interesse que isso seja cumprido na política energética e ela pode atuar nesse sentido, também indicando o nome do presidente”, explica.
Na sua visão, no entanto, a forma como Bolsonaro fez a indicação não está de acordo com a Lei das Estatais. “O artigo 14 da lei diz que o controlador da empresa, no caso, a União, não pode divulgar sem autorização do órgão competente da própria empresa, que seria o Conselho de Administração, nenhuma informação que possa causar impacto na cotação dos títulos da empresa. Na divulgação feita por Bolsonaro, houve uma não observância desse artigo específico, pois afetou os preços de mercado da companhia e foi feita sem que tivesse havido nem a comunicação ao Conselho de Administração nem a definição pelo conselho de que seria feito dessa forma”, destaca.
Viviane, da Falconi, concorda que Bolsonaro atropelou o processo recomendado. Ela esclarece que há um conceito chamado conflito de agência, que pode ocorrer em qualquer empresa de capital aberto, não somente nas de economia mista, em que os interesses dos acionistas e a forma como a gestão vem conduzindo a empresa divergem.
“O rito padrão no caso da Petrobrás, que está ligada ao Ministério de Minas e Energia, seria o ministro enviar uma comunicação formal ao presidente do conselho da companhia questionando a gestão. O conselho delibera e avalia a necessidade de substituir ou de fazer uma troca da presidência”, explica Viviane.
Para ela, o que causou tanto “ruído”, foi o presidente ter pulado todo esse passo a passo. “O presidente fez uma interferência e fez uma substituição direta. É possível que isso aconteça? Sim, pois o governo é o controlador. As boas práticas recomendam esse 'atalho'? Não”, diz. “O controlador também tem essa prerrogativa de apontar a maioria das cadeiras do conselho. Então tem dois caminhos possíveis para esse atalho: persuadir o conselho a fazer a troca ou trocar o conselho. O atalho não é o mais recomendado, causa ruído, causa um certo atrito. Mas ele é possível”, conclui.