Projetos de conservação florestal apostam em relação com produtores locais para se fortalecer


Governança dos projetos ajuda a manter Mata Atlântica e Floresta Amazônica em pé e a gerar renda para a população

Por Luis Filipe Santos
Atualização:

A demanda pela preservação ambiental como forma de evitar o crescimento de emissões de gases de efeito estufa leva a uma questão: como manter áreas florestais conservadas, ou regenerar as que foram degradadas, e, ao mesmo tempo, gerar desenvolvimento e renda para a população local? Embora seja um questionamento comum, a solução existe: utilizar produtos da própria floresta para gerar a renda necessária para a sobrevivência. Essa é a aposta de projetos na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica que tentam regenerar áreas anteriormente degradadas ou conservar áreas ao valorizar os produtores locais.

Os projetos também ajudam a preservar o modo de vida das populações locais e a diversidade gastronômica, com a utilização de gêneros alimentícios pouco conhecidos da maioria da população brasileira como ingredientes. Porém, para tal, os projetos necessitam ter uma governança preparada, para manter as boas relações com os produtores e ajudar em desafios específicos, relativos às questões ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês).

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O ponto principal é ouvir as demandas e aprender com eles como os produtos são utilizados, através de um contato frequente com as comunidades. Oferecer oficinas e buscar inovações nas formas de uso dos itens também pode ser um bom caminho, levando aos produtores conhecimentos tanto biológicos quanto sobre questões administrativas que podem influenciar no dia a dia.

Porém, o manejo de produtos florestais traz riscos diferentes daqueles que existem no agronegócio, por exemplo. O controle sobre o total produzido é menor, já que os produtos são extraídos diretamente da natureza e há mais fatores que influenciam, então as projeções de safra são mais difíceis de serem feitas e pode haver grandes variações de ano a ano. Os possíveis compradores dos produtos precisam se atentar a tal dificuldade. Outros pontos também dependem da infraestrutura de transporte e internet local.

Homem sobe em árvore de palmeira Juçara para coletar o fruto no Parque das Neblinas, em Bertioga (SP) Foto: Eliza Carneiro / Divulgação / Instituto Ecofuturo
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Regeneração

A relação com produtores é um dos trunfos no Parque das Neblinas, que fica entre Bertioga e Mogi das Cruzes, próximo ao litoral e à região metropolitana de São Paulo. O local foi utilizado como fazenda e, posteriormente, pela fabricante de papel Suzano para plantio de eucaliptos. Hoje, ainda pertence à empresa, mas é usado como parque aberto à visitação e administrado desde 2004 pelo Instituto Ecofuturo, organização sem fins lucrativos mantida pela Suzano.

A área florestal foi degradada no período como fazenda, e ainda há partes em regeneração após ser utilizada para o plantio de eucaliptos e como parque. As conversas com moradores e produtores próximos tiveram papel importante na reintrodução das palmeiras Juçara na área. A espécie vegetal foi a única que precisou ser reintroduzida no parque, por ser um importante suporte para a vida animal no inverno, quando frutifica.

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O fruto da juçara, semelhante ao açaí, é um dos produtos mais destacados dos produtores locais - o outro é o cambuci. Junto com outros alimentos, são usados para fabricação de geleias, bolos, licores, cachaças, biscoitos e doces. “Foi a partir da comunidade que começamos, ouvindo para aprender. Buscamos construir essa cadeia produtiva que aí poderiam saber mais sobre outras espécies nativas”, comenta Michele Martins, analista de Sustentabilidade do Ecofuturo.

O parque funciona como um mostruário para os produtos da região, com exposição e vendas no restaurante interno, também tocado por membros da comunidade próxima. “Mostramos a floresta em pé e a economia, um olhar específico levando o fruto como instrumento de sensibilização”, explica Martins. A Suzano ainda adquire os produtos diretamente em outras ocasiões, para dar de brindes, por exemplo.

Frutos da Palmeira Juçara coletados em área de Mata Atlântica Foto: Eliza Carneiro / Divulgação / Instituto Ecofuturo
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Outro ponto é a realização de oficinas para os produtores, em busca de novos usos para os produtos locais e para o ensino da educação ambiental e temas importantes como saneamento, uso da água, restauração florestal e o cadastro ambiental rural do governo. As oficinas ocorrem tanto no parque como nas casas dos próprios produtores.

Moradora local e hoje quem comanda o restaurante do Parque, Marília Murakami conta ter aprendido mais receitas. “Vi mais técnicas, coisas que não tinha muita noção. Hoje o restaurante é minha única fonte de renda e está gerando mais renda para as pessoas do entorno”, relata. “Toda vez que vem um visitante novo, ele fica surpreso com o que dá para fazer com as frutas nativas”, comenta. Murakami hoje faz um curso de gastronomia e emprega apenas pessoas da comunidade ao redor.

Produtor rural local, Rafael Hussta foi outro que participou das oficinas. A primeira foi em 2010, em sua própria casa. “Cada oficina tinha uma metodologia diferenciada, como colher a fruta, como produzir a muda, plano de manejo. Envolve toda a comunidade, cada um com seu profissionalismo e chega na hora de fazer, todo mundo se junta para expor as ideias e vira uma relação de todos correndo atrás de um ideal”, diz.

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Hussta afirma ter cerca de 40 receitas com os produtos da Mata Atlântica, mas não está produzindo todos no momento. São coisas como sorvetes, temperos, molhos, biscoitos e bebidas alcoólicas, entre outros. Criado em meio à natureza, diz se manter bem psicologicamente porque se sente realizado com o trabalho de produtor rural e como guia de outro parque da região. “Fiz do meu hobby o meu trabalho”.

Oficina para produtores rurais no Parque das Neblinas, em Bertioga (SP) Foto: Lethicia Galo / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Teia de negócios

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Na Amazônia, o projeto Origens age em outro sentido para valorizar produtores. Coordenada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a iniciativa visa formar uma teia que conecta os produtores locais de povos tradicionais, como indígenas, ribeirinhos, seringueiros e quilombolas, com instituições de apoio e compradores em diversos locais do Brasil. Até agora, são 35 empresas, 70 instituições de apoio e 2.000 pessoas, que movimentaram cerca de R$ 7 milhões em seis anos. A estimativa é que o projeto ajude a conservar 36,8 milhões de hectares na maior floresta tropical do mundo.

A rede é formada a partir de estudos para identificar corredores verdes onde há populações tradicionais que barram o avanço do desmatamento. Nesse levantamento inicial, é verificado se já há uma cadeia de valor estruturada para escoar a produção local, se há apoio de ONGs e, na sequência, são feitas consultas com organizações locais para ver se há interesse em integrar o Origens.

Caso haja, a cadeia é organizada por instituições de apoio, que podem ser cooperativas, ONGs, associações, etc., e a partir de então os produtos passam a ser comercializados para mais locais. “Nosso papel na coordenação é conectar o mercado, as empresas de fora, sensibilizar e engajar, para promover o comércio ético, transparente e com garantia. Somos como alfaiates da rede”, explica Luiz Brasi, coordenador da Rede Origens no Imaflora.

No primeiro contato com as comunidades, é explicado o que é o projeto, o que é o selo de produção ética entregue, como elas podem se cadastrar, o que é o comércio ético e como se relacionam com as empresas. Uma plataforma é oferecida para registrar os dados de origem e rastreabilidade, com um sistema que funciona offline e envia as informações automaticamente assim que se conecta à internet novamente.

Castanhas extraídas na comunidade Cachoeira da Pancada, território quilombola Erepecuru, no norte do Pará Foto: Aloyana Lemos / Divulgação / Projeto Origens

A governança da rede também envolve desafios como ajudar as comunidades em casos de invasões e outros problemas. Nesse caso, o papel é assumido pelas instituições de apoio, ao denunciar para órgãos públicos e subsidiar itens importantes como combustível para navegação, já que boa parte dos produtos é escoado pelos rios.

Na outra ponta, junto aos interessados em participar, a tática também é parecida e se baseia na comunicação. " A estratégia de chegar nas empresas, apresentar o que é a Amazônia, qual é o potencial de criação dos produtos, explicar o papel delas”, comenta Brasi. Em troca, as companhias recebem um conjunto de benefícios, como conhecer a Amazônia e ter acesso a novos ingredientes, obter a plataforma de rastreabilidade e um selo. “Precisamos que as empresas mudem suas práticas e lógicas de atuação”, destaca o coordenador.

Esses benefícios são citados por Joanna Martins, dona da marca Manioca, que produz temperos, molhos, granolas, farinhas, petiscos e geleias a partir de ingredientes nativos da Amazônia. Anteriormente, ela buscava comprar de pequenos produtores da região próxima a Belém, onde vive, até precisar de outros ingredientes que só poderiam vir da floresta. “Então, entrei pra rede, como forma de fazer a compra com as garantias e informar para os clientes”, relata.

Após a adesão em 2019, Martins já fez diversos encontros online com os fornecedores de quem compra e chegou a viajar até Oriximiná, no noroeste do Pará, para visitar uma comunidade quilombola. “A visita torna palpável o esforço dos produtores, ajuda a viver a realidade e sentir de fato o esforço que eles fazem. Tem essa interlocução entre as comunidades, que gera uma segurança maior de que vai ter o ingrediente”, comenta, ao explicar sobre como lida com as possíveis faltas de produtos, em anos ruins.

Frutos de Andiroba, colhidos na comunidade Cachoeira da Pancada, território quilombola Erepecuru Foto: Aloyana Lemos / Divulgação / Projeto Origens

Ela destaca também a interlocução com outras companhias e organizações. “Me faz conhecer outras empresas que atuam com a biodiversidade amazônica, pensa junto em soluções para as dificuldades. A gente conhece as comunidades, por isso, fazer parte da rede é algo super rico”, conta. “É uma relação boa no sentido de remunerar de forma justa, o mundo precisa ter acesso aos ingredientes amazônicos porque são incríveis”, reforça a empresária, que vende para o Brasil e para o exterior, principalmente França e Estados Unidos.

A Imaflora tem um modelo de negócio em que as empresas pagam uma taxa anual para o instituto pelos benefícios e serviços. Já as instituições de apoio e povos tradicionais não pagam. Para o futuro da rede Origens, o Instituto busca a expansão. “Teremos crescimento no número de empresas, no volume de produtos e expansão para novos territórios”, projeta Brasi.

Atualmente, o projeto está em cinco áreas: Xingu, Norte do Pará, Solimões, Rio Negro e Tupi Guaporé, cada uma das quais realiza os encontros periódicos de governança. Para 2023, a previsão é de aumento de 15 a 20% no número de participantes. “A estratégia é conseguir alcançar consumidores fora da bolha para mostrar que a economia da floresta em pé existe, mostrar que a estratégia é a que o Brasil deve investir e que é possível aliar produção com conservação”, reforça o coordenador.

A demanda pela preservação ambiental como forma de evitar o crescimento de emissões de gases de efeito estufa leva a uma questão: como manter áreas florestais conservadas, ou regenerar as que foram degradadas, e, ao mesmo tempo, gerar desenvolvimento e renda para a população local? Embora seja um questionamento comum, a solução existe: utilizar produtos da própria floresta para gerar a renda necessária para a sobrevivência. Essa é a aposta de projetos na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica que tentam regenerar áreas anteriormente degradadas ou conservar áreas ao valorizar os produtores locais.

Os projetos também ajudam a preservar o modo de vida das populações locais e a diversidade gastronômica, com a utilização de gêneros alimentícios pouco conhecidos da maioria da população brasileira como ingredientes. Porém, para tal, os projetos necessitam ter uma governança preparada, para manter as boas relações com os produtores e ajudar em desafios específicos, relativos às questões ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês).

O ponto principal é ouvir as demandas e aprender com eles como os produtos são utilizados, através de um contato frequente com as comunidades. Oferecer oficinas e buscar inovações nas formas de uso dos itens também pode ser um bom caminho, levando aos produtores conhecimentos tanto biológicos quanto sobre questões administrativas que podem influenciar no dia a dia.

Porém, o manejo de produtos florestais traz riscos diferentes daqueles que existem no agronegócio, por exemplo. O controle sobre o total produzido é menor, já que os produtos são extraídos diretamente da natureza e há mais fatores que influenciam, então as projeções de safra são mais difíceis de serem feitas e pode haver grandes variações de ano a ano. Os possíveis compradores dos produtos precisam se atentar a tal dificuldade. Outros pontos também dependem da infraestrutura de transporte e internet local.

Homem sobe em árvore de palmeira Juçara para coletar o fruto no Parque das Neblinas, em Bertioga (SP) Foto: Eliza Carneiro / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Regeneração

A relação com produtores é um dos trunfos no Parque das Neblinas, que fica entre Bertioga e Mogi das Cruzes, próximo ao litoral e à região metropolitana de São Paulo. O local foi utilizado como fazenda e, posteriormente, pela fabricante de papel Suzano para plantio de eucaliptos. Hoje, ainda pertence à empresa, mas é usado como parque aberto à visitação e administrado desde 2004 pelo Instituto Ecofuturo, organização sem fins lucrativos mantida pela Suzano.

A área florestal foi degradada no período como fazenda, e ainda há partes em regeneração após ser utilizada para o plantio de eucaliptos e como parque. As conversas com moradores e produtores próximos tiveram papel importante na reintrodução das palmeiras Juçara na área. A espécie vegetal foi a única que precisou ser reintroduzida no parque, por ser um importante suporte para a vida animal no inverno, quando frutifica.

O fruto da juçara, semelhante ao açaí, é um dos produtos mais destacados dos produtores locais - o outro é o cambuci. Junto com outros alimentos, são usados para fabricação de geleias, bolos, licores, cachaças, biscoitos e doces. “Foi a partir da comunidade que começamos, ouvindo para aprender. Buscamos construir essa cadeia produtiva que aí poderiam saber mais sobre outras espécies nativas”, comenta Michele Martins, analista de Sustentabilidade do Ecofuturo.

O parque funciona como um mostruário para os produtos da região, com exposição e vendas no restaurante interno, também tocado por membros da comunidade próxima. “Mostramos a floresta em pé e a economia, um olhar específico levando o fruto como instrumento de sensibilização”, explica Martins. A Suzano ainda adquire os produtos diretamente em outras ocasiões, para dar de brindes, por exemplo.

Frutos da Palmeira Juçara coletados em área de Mata Atlântica Foto: Eliza Carneiro / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Outro ponto é a realização de oficinas para os produtores, em busca de novos usos para os produtos locais e para o ensino da educação ambiental e temas importantes como saneamento, uso da água, restauração florestal e o cadastro ambiental rural do governo. As oficinas ocorrem tanto no parque como nas casas dos próprios produtores.

Moradora local e hoje quem comanda o restaurante do Parque, Marília Murakami conta ter aprendido mais receitas. “Vi mais técnicas, coisas que não tinha muita noção. Hoje o restaurante é minha única fonte de renda e está gerando mais renda para as pessoas do entorno”, relata. “Toda vez que vem um visitante novo, ele fica surpreso com o que dá para fazer com as frutas nativas”, comenta. Murakami hoje faz um curso de gastronomia e emprega apenas pessoas da comunidade ao redor.

Produtor rural local, Rafael Hussta foi outro que participou das oficinas. A primeira foi em 2010, em sua própria casa. “Cada oficina tinha uma metodologia diferenciada, como colher a fruta, como produzir a muda, plano de manejo. Envolve toda a comunidade, cada um com seu profissionalismo e chega na hora de fazer, todo mundo se junta para expor as ideias e vira uma relação de todos correndo atrás de um ideal”, diz.

Hussta afirma ter cerca de 40 receitas com os produtos da Mata Atlântica, mas não está produzindo todos no momento. São coisas como sorvetes, temperos, molhos, biscoitos e bebidas alcoólicas, entre outros. Criado em meio à natureza, diz se manter bem psicologicamente porque se sente realizado com o trabalho de produtor rural e como guia de outro parque da região. “Fiz do meu hobby o meu trabalho”.

Oficina para produtores rurais no Parque das Neblinas, em Bertioga (SP) Foto: Lethicia Galo / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Teia de negócios

Na Amazônia, o projeto Origens age em outro sentido para valorizar produtores. Coordenada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a iniciativa visa formar uma teia que conecta os produtores locais de povos tradicionais, como indígenas, ribeirinhos, seringueiros e quilombolas, com instituições de apoio e compradores em diversos locais do Brasil. Até agora, são 35 empresas, 70 instituições de apoio e 2.000 pessoas, que movimentaram cerca de R$ 7 milhões em seis anos. A estimativa é que o projeto ajude a conservar 36,8 milhões de hectares na maior floresta tropical do mundo.

A rede é formada a partir de estudos para identificar corredores verdes onde há populações tradicionais que barram o avanço do desmatamento. Nesse levantamento inicial, é verificado se já há uma cadeia de valor estruturada para escoar a produção local, se há apoio de ONGs e, na sequência, são feitas consultas com organizações locais para ver se há interesse em integrar o Origens.

Caso haja, a cadeia é organizada por instituições de apoio, que podem ser cooperativas, ONGs, associações, etc., e a partir de então os produtos passam a ser comercializados para mais locais. “Nosso papel na coordenação é conectar o mercado, as empresas de fora, sensibilizar e engajar, para promover o comércio ético, transparente e com garantia. Somos como alfaiates da rede”, explica Luiz Brasi, coordenador da Rede Origens no Imaflora.

No primeiro contato com as comunidades, é explicado o que é o projeto, o que é o selo de produção ética entregue, como elas podem se cadastrar, o que é o comércio ético e como se relacionam com as empresas. Uma plataforma é oferecida para registrar os dados de origem e rastreabilidade, com um sistema que funciona offline e envia as informações automaticamente assim que se conecta à internet novamente.

Castanhas extraídas na comunidade Cachoeira da Pancada, território quilombola Erepecuru, no norte do Pará Foto: Aloyana Lemos / Divulgação / Projeto Origens

A governança da rede também envolve desafios como ajudar as comunidades em casos de invasões e outros problemas. Nesse caso, o papel é assumido pelas instituições de apoio, ao denunciar para órgãos públicos e subsidiar itens importantes como combustível para navegação, já que boa parte dos produtos é escoado pelos rios.

Na outra ponta, junto aos interessados em participar, a tática também é parecida e se baseia na comunicação. " A estratégia de chegar nas empresas, apresentar o que é a Amazônia, qual é o potencial de criação dos produtos, explicar o papel delas”, comenta Brasi. Em troca, as companhias recebem um conjunto de benefícios, como conhecer a Amazônia e ter acesso a novos ingredientes, obter a plataforma de rastreabilidade e um selo. “Precisamos que as empresas mudem suas práticas e lógicas de atuação”, destaca o coordenador.

Esses benefícios são citados por Joanna Martins, dona da marca Manioca, que produz temperos, molhos, granolas, farinhas, petiscos e geleias a partir de ingredientes nativos da Amazônia. Anteriormente, ela buscava comprar de pequenos produtores da região próxima a Belém, onde vive, até precisar de outros ingredientes que só poderiam vir da floresta. “Então, entrei pra rede, como forma de fazer a compra com as garantias e informar para os clientes”, relata.

Após a adesão em 2019, Martins já fez diversos encontros online com os fornecedores de quem compra e chegou a viajar até Oriximiná, no noroeste do Pará, para visitar uma comunidade quilombola. “A visita torna palpável o esforço dos produtores, ajuda a viver a realidade e sentir de fato o esforço que eles fazem. Tem essa interlocução entre as comunidades, que gera uma segurança maior de que vai ter o ingrediente”, comenta, ao explicar sobre como lida com as possíveis faltas de produtos, em anos ruins.

Frutos de Andiroba, colhidos na comunidade Cachoeira da Pancada, território quilombola Erepecuru Foto: Aloyana Lemos / Divulgação / Projeto Origens

Ela destaca também a interlocução com outras companhias e organizações. “Me faz conhecer outras empresas que atuam com a biodiversidade amazônica, pensa junto em soluções para as dificuldades. A gente conhece as comunidades, por isso, fazer parte da rede é algo super rico”, conta. “É uma relação boa no sentido de remunerar de forma justa, o mundo precisa ter acesso aos ingredientes amazônicos porque são incríveis”, reforça a empresária, que vende para o Brasil e para o exterior, principalmente França e Estados Unidos.

A Imaflora tem um modelo de negócio em que as empresas pagam uma taxa anual para o instituto pelos benefícios e serviços. Já as instituições de apoio e povos tradicionais não pagam. Para o futuro da rede Origens, o Instituto busca a expansão. “Teremos crescimento no número de empresas, no volume de produtos e expansão para novos territórios”, projeta Brasi.

Atualmente, o projeto está em cinco áreas: Xingu, Norte do Pará, Solimões, Rio Negro e Tupi Guaporé, cada uma das quais realiza os encontros periódicos de governança. Para 2023, a previsão é de aumento de 15 a 20% no número de participantes. “A estratégia é conseguir alcançar consumidores fora da bolha para mostrar que a economia da floresta em pé existe, mostrar que a estratégia é a que o Brasil deve investir e que é possível aliar produção com conservação”, reforça o coordenador.

A demanda pela preservação ambiental como forma de evitar o crescimento de emissões de gases de efeito estufa leva a uma questão: como manter áreas florestais conservadas, ou regenerar as que foram degradadas, e, ao mesmo tempo, gerar desenvolvimento e renda para a população local? Embora seja um questionamento comum, a solução existe: utilizar produtos da própria floresta para gerar a renda necessária para a sobrevivência. Essa é a aposta de projetos na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica que tentam regenerar áreas anteriormente degradadas ou conservar áreas ao valorizar os produtores locais.

Os projetos também ajudam a preservar o modo de vida das populações locais e a diversidade gastronômica, com a utilização de gêneros alimentícios pouco conhecidos da maioria da população brasileira como ingredientes. Porém, para tal, os projetos necessitam ter uma governança preparada, para manter as boas relações com os produtores e ajudar em desafios específicos, relativos às questões ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês).

O ponto principal é ouvir as demandas e aprender com eles como os produtos são utilizados, através de um contato frequente com as comunidades. Oferecer oficinas e buscar inovações nas formas de uso dos itens também pode ser um bom caminho, levando aos produtores conhecimentos tanto biológicos quanto sobre questões administrativas que podem influenciar no dia a dia.

Porém, o manejo de produtos florestais traz riscos diferentes daqueles que existem no agronegócio, por exemplo. O controle sobre o total produzido é menor, já que os produtos são extraídos diretamente da natureza e há mais fatores que influenciam, então as projeções de safra são mais difíceis de serem feitas e pode haver grandes variações de ano a ano. Os possíveis compradores dos produtos precisam se atentar a tal dificuldade. Outros pontos também dependem da infraestrutura de transporte e internet local.

Homem sobe em árvore de palmeira Juçara para coletar o fruto no Parque das Neblinas, em Bertioga (SP) Foto: Eliza Carneiro / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Regeneração

A relação com produtores é um dos trunfos no Parque das Neblinas, que fica entre Bertioga e Mogi das Cruzes, próximo ao litoral e à região metropolitana de São Paulo. O local foi utilizado como fazenda e, posteriormente, pela fabricante de papel Suzano para plantio de eucaliptos. Hoje, ainda pertence à empresa, mas é usado como parque aberto à visitação e administrado desde 2004 pelo Instituto Ecofuturo, organização sem fins lucrativos mantida pela Suzano.

A área florestal foi degradada no período como fazenda, e ainda há partes em regeneração após ser utilizada para o plantio de eucaliptos e como parque. As conversas com moradores e produtores próximos tiveram papel importante na reintrodução das palmeiras Juçara na área. A espécie vegetal foi a única que precisou ser reintroduzida no parque, por ser um importante suporte para a vida animal no inverno, quando frutifica.

O fruto da juçara, semelhante ao açaí, é um dos produtos mais destacados dos produtores locais - o outro é o cambuci. Junto com outros alimentos, são usados para fabricação de geleias, bolos, licores, cachaças, biscoitos e doces. “Foi a partir da comunidade que começamos, ouvindo para aprender. Buscamos construir essa cadeia produtiva que aí poderiam saber mais sobre outras espécies nativas”, comenta Michele Martins, analista de Sustentabilidade do Ecofuturo.

O parque funciona como um mostruário para os produtos da região, com exposição e vendas no restaurante interno, também tocado por membros da comunidade próxima. “Mostramos a floresta em pé e a economia, um olhar específico levando o fruto como instrumento de sensibilização”, explica Martins. A Suzano ainda adquire os produtos diretamente em outras ocasiões, para dar de brindes, por exemplo.

Frutos da Palmeira Juçara coletados em área de Mata Atlântica Foto: Eliza Carneiro / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Outro ponto é a realização de oficinas para os produtores, em busca de novos usos para os produtos locais e para o ensino da educação ambiental e temas importantes como saneamento, uso da água, restauração florestal e o cadastro ambiental rural do governo. As oficinas ocorrem tanto no parque como nas casas dos próprios produtores.

Moradora local e hoje quem comanda o restaurante do Parque, Marília Murakami conta ter aprendido mais receitas. “Vi mais técnicas, coisas que não tinha muita noção. Hoje o restaurante é minha única fonte de renda e está gerando mais renda para as pessoas do entorno”, relata. “Toda vez que vem um visitante novo, ele fica surpreso com o que dá para fazer com as frutas nativas”, comenta. Murakami hoje faz um curso de gastronomia e emprega apenas pessoas da comunidade ao redor.

Produtor rural local, Rafael Hussta foi outro que participou das oficinas. A primeira foi em 2010, em sua própria casa. “Cada oficina tinha uma metodologia diferenciada, como colher a fruta, como produzir a muda, plano de manejo. Envolve toda a comunidade, cada um com seu profissionalismo e chega na hora de fazer, todo mundo se junta para expor as ideias e vira uma relação de todos correndo atrás de um ideal”, diz.

Hussta afirma ter cerca de 40 receitas com os produtos da Mata Atlântica, mas não está produzindo todos no momento. São coisas como sorvetes, temperos, molhos, biscoitos e bebidas alcoólicas, entre outros. Criado em meio à natureza, diz se manter bem psicologicamente porque se sente realizado com o trabalho de produtor rural e como guia de outro parque da região. “Fiz do meu hobby o meu trabalho”.

Oficina para produtores rurais no Parque das Neblinas, em Bertioga (SP) Foto: Lethicia Galo / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Teia de negócios

Na Amazônia, o projeto Origens age em outro sentido para valorizar produtores. Coordenada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a iniciativa visa formar uma teia que conecta os produtores locais de povos tradicionais, como indígenas, ribeirinhos, seringueiros e quilombolas, com instituições de apoio e compradores em diversos locais do Brasil. Até agora, são 35 empresas, 70 instituições de apoio e 2.000 pessoas, que movimentaram cerca de R$ 7 milhões em seis anos. A estimativa é que o projeto ajude a conservar 36,8 milhões de hectares na maior floresta tropical do mundo.

A rede é formada a partir de estudos para identificar corredores verdes onde há populações tradicionais que barram o avanço do desmatamento. Nesse levantamento inicial, é verificado se já há uma cadeia de valor estruturada para escoar a produção local, se há apoio de ONGs e, na sequência, são feitas consultas com organizações locais para ver se há interesse em integrar o Origens.

Caso haja, a cadeia é organizada por instituições de apoio, que podem ser cooperativas, ONGs, associações, etc., e a partir de então os produtos passam a ser comercializados para mais locais. “Nosso papel na coordenação é conectar o mercado, as empresas de fora, sensibilizar e engajar, para promover o comércio ético, transparente e com garantia. Somos como alfaiates da rede”, explica Luiz Brasi, coordenador da Rede Origens no Imaflora.

No primeiro contato com as comunidades, é explicado o que é o projeto, o que é o selo de produção ética entregue, como elas podem se cadastrar, o que é o comércio ético e como se relacionam com as empresas. Uma plataforma é oferecida para registrar os dados de origem e rastreabilidade, com um sistema que funciona offline e envia as informações automaticamente assim que se conecta à internet novamente.

Castanhas extraídas na comunidade Cachoeira da Pancada, território quilombola Erepecuru, no norte do Pará Foto: Aloyana Lemos / Divulgação / Projeto Origens

A governança da rede também envolve desafios como ajudar as comunidades em casos de invasões e outros problemas. Nesse caso, o papel é assumido pelas instituições de apoio, ao denunciar para órgãos públicos e subsidiar itens importantes como combustível para navegação, já que boa parte dos produtos é escoado pelos rios.

Na outra ponta, junto aos interessados em participar, a tática também é parecida e se baseia na comunicação. " A estratégia de chegar nas empresas, apresentar o que é a Amazônia, qual é o potencial de criação dos produtos, explicar o papel delas”, comenta Brasi. Em troca, as companhias recebem um conjunto de benefícios, como conhecer a Amazônia e ter acesso a novos ingredientes, obter a plataforma de rastreabilidade e um selo. “Precisamos que as empresas mudem suas práticas e lógicas de atuação”, destaca o coordenador.

Esses benefícios são citados por Joanna Martins, dona da marca Manioca, que produz temperos, molhos, granolas, farinhas, petiscos e geleias a partir de ingredientes nativos da Amazônia. Anteriormente, ela buscava comprar de pequenos produtores da região próxima a Belém, onde vive, até precisar de outros ingredientes que só poderiam vir da floresta. “Então, entrei pra rede, como forma de fazer a compra com as garantias e informar para os clientes”, relata.

Após a adesão em 2019, Martins já fez diversos encontros online com os fornecedores de quem compra e chegou a viajar até Oriximiná, no noroeste do Pará, para visitar uma comunidade quilombola. “A visita torna palpável o esforço dos produtores, ajuda a viver a realidade e sentir de fato o esforço que eles fazem. Tem essa interlocução entre as comunidades, que gera uma segurança maior de que vai ter o ingrediente”, comenta, ao explicar sobre como lida com as possíveis faltas de produtos, em anos ruins.

Frutos de Andiroba, colhidos na comunidade Cachoeira da Pancada, território quilombola Erepecuru Foto: Aloyana Lemos / Divulgação / Projeto Origens

Ela destaca também a interlocução com outras companhias e organizações. “Me faz conhecer outras empresas que atuam com a biodiversidade amazônica, pensa junto em soluções para as dificuldades. A gente conhece as comunidades, por isso, fazer parte da rede é algo super rico”, conta. “É uma relação boa no sentido de remunerar de forma justa, o mundo precisa ter acesso aos ingredientes amazônicos porque são incríveis”, reforça a empresária, que vende para o Brasil e para o exterior, principalmente França e Estados Unidos.

A Imaflora tem um modelo de negócio em que as empresas pagam uma taxa anual para o instituto pelos benefícios e serviços. Já as instituições de apoio e povos tradicionais não pagam. Para o futuro da rede Origens, o Instituto busca a expansão. “Teremos crescimento no número de empresas, no volume de produtos e expansão para novos territórios”, projeta Brasi.

Atualmente, o projeto está em cinco áreas: Xingu, Norte do Pará, Solimões, Rio Negro e Tupi Guaporé, cada uma das quais realiza os encontros periódicos de governança. Para 2023, a previsão é de aumento de 15 a 20% no número de participantes. “A estratégia é conseguir alcançar consumidores fora da bolha para mostrar que a economia da floresta em pé existe, mostrar que a estratégia é a que o Brasil deve investir e que é possível aliar produção com conservação”, reforça o coordenador.

A demanda pela preservação ambiental como forma de evitar o crescimento de emissões de gases de efeito estufa leva a uma questão: como manter áreas florestais conservadas, ou regenerar as que foram degradadas, e, ao mesmo tempo, gerar desenvolvimento e renda para a população local? Embora seja um questionamento comum, a solução existe: utilizar produtos da própria floresta para gerar a renda necessária para a sobrevivência. Essa é a aposta de projetos na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica que tentam regenerar áreas anteriormente degradadas ou conservar áreas ao valorizar os produtores locais.

Os projetos também ajudam a preservar o modo de vida das populações locais e a diversidade gastronômica, com a utilização de gêneros alimentícios pouco conhecidos da maioria da população brasileira como ingredientes. Porém, para tal, os projetos necessitam ter uma governança preparada, para manter as boas relações com os produtores e ajudar em desafios específicos, relativos às questões ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês).

O ponto principal é ouvir as demandas e aprender com eles como os produtos são utilizados, através de um contato frequente com as comunidades. Oferecer oficinas e buscar inovações nas formas de uso dos itens também pode ser um bom caminho, levando aos produtores conhecimentos tanto biológicos quanto sobre questões administrativas que podem influenciar no dia a dia.

Porém, o manejo de produtos florestais traz riscos diferentes daqueles que existem no agronegócio, por exemplo. O controle sobre o total produzido é menor, já que os produtos são extraídos diretamente da natureza e há mais fatores que influenciam, então as projeções de safra são mais difíceis de serem feitas e pode haver grandes variações de ano a ano. Os possíveis compradores dos produtos precisam se atentar a tal dificuldade. Outros pontos também dependem da infraestrutura de transporte e internet local.

Homem sobe em árvore de palmeira Juçara para coletar o fruto no Parque das Neblinas, em Bertioga (SP) Foto: Eliza Carneiro / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Regeneração

A relação com produtores é um dos trunfos no Parque das Neblinas, que fica entre Bertioga e Mogi das Cruzes, próximo ao litoral e à região metropolitana de São Paulo. O local foi utilizado como fazenda e, posteriormente, pela fabricante de papel Suzano para plantio de eucaliptos. Hoje, ainda pertence à empresa, mas é usado como parque aberto à visitação e administrado desde 2004 pelo Instituto Ecofuturo, organização sem fins lucrativos mantida pela Suzano.

A área florestal foi degradada no período como fazenda, e ainda há partes em regeneração após ser utilizada para o plantio de eucaliptos e como parque. As conversas com moradores e produtores próximos tiveram papel importante na reintrodução das palmeiras Juçara na área. A espécie vegetal foi a única que precisou ser reintroduzida no parque, por ser um importante suporte para a vida animal no inverno, quando frutifica.

O fruto da juçara, semelhante ao açaí, é um dos produtos mais destacados dos produtores locais - o outro é o cambuci. Junto com outros alimentos, são usados para fabricação de geleias, bolos, licores, cachaças, biscoitos e doces. “Foi a partir da comunidade que começamos, ouvindo para aprender. Buscamos construir essa cadeia produtiva que aí poderiam saber mais sobre outras espécies nativas”, comenta Michele Martins, analista de Sustentabilidade do Ecofuturo.

O parque funciona como um mostruário para os produtos da região, com exposição e vendas no restaurante interno, também tocado por membros da comunidade próxima. “Mostramos a floresta em pé e a economia, um olhar específico levando o fruto como instrumento de sensibilização”, explica Martins. A Suzano ainda adquire os produtos diretamente em outras ocasiões, para dar de brindes, por exemplo.

Frutos da Palmeira Juçara coletados em área de Mata Atlântica Foto: Eliza Carneiro / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Outro ponto é a realização de oficinas para os produtores, em busca de novos usos para os produtos locais e para o ensino da educação ambiental e temas importantes como saneamento, uso da água, restauração florestal e o cadastro ambiental rural do governo. As oficinas ocorrem tanto no parque como nas casas dos próprios produtores.

Moradora local e hoje quem comanda o restaurante do Parque, Marília Murakami conta ter aprendido mais receitas. “Vi mais técnicas, coisas que não tinha muita noção. Hoje o restaurante é minha única fonte de renda e está gerando mais renda para as pessoas do entorno”, relata. “Toda vez que vem um visitante novo, ele fica surpreso com o que dá para fazer com as frutas nativas”, comenta. Murakami hoje faz um curso de gastronomia e emprega apenas pessoas da comunidade ao redor.

Produtor rural local, Rafael Hussta foi outro que participou das oficinas. A primeira foi em 2010, em sua própria casa. “Cada oficina tinha uma metodologia diferenciada, como colher a fruta, como produzir a muda, plano de manejo. Envolve toda a comunidade, cada um com seu profissionalismo e chega na hora de fazer, todo mundo se junta para expor as ideias e vira uma relação de todos correndo atrás de um ideal”, diz.

Hussta afirma ter cerca de 40 receitas com os produtos da Mata Atlântica, mas não está produzindo todos no momento. São coisas como sorvetes, temperos, molhos, biscoitos e bebidas alcoólicas, entre outros. Criado em meio à natureza, diz se manter bem psicologicamente porque se sente realizado com o trabalho de produtor rural e como guia de outro parque da região. “Fiz do meu hobby o meu trabalho”.

Oficina para produtores rurais no Parque das Neblinas, em Bertioga (SP) Foto: Lethicia Galo / Divulgação / Instituto Ecofuturo

Teia de negócios

Na Amazônia, o projeto Origens age em outro sentido para valorizar produtores. Coordenada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a iniciativa visa formar uma teia que conecta os produtores locais de povos tradicionais, como indígenas, ribeirinhos, seringueiros e quilombolas, com instituições de apoio e compradores em diversos locais do Brasil. Até agora, são 35 empresas, 70 instituições de apoio e 2.000 pessoas, que movimentaram cerca de R$ 7 milhões em seis anos. A estimativa é que o projeto ajude a conservar 36,8 milhões de hectares na maior floresta tropical do mundo.

A rede é formada a partir de estudos para identificar corredores verdes onde há populações tradicionais que barram o avanço do desmatamento. Nesse levantamento inicial, é verificado se já há uma cadeia de valor estruturada para escoar a produção local, se há apoio de ONGs e, na sequência, são feitas consultas com organizações locais para ver se há interesse em integrar o Origens.

Caso haja, a cadeia é organizada por instituições de apoio, que podem ser cooperativas, ONGs, associações, etc., e a partir de então os produtos passam a ser comercializados para mais locais. “Nosso papel na coordenação é conectar o mercado, as empresas de fora, sensibilizar e engajar, para promover o comércio ético, transparente e com garantia. Somos como alfaiates da rede”, explica Luiz Brasi, coordenador da Rede Origens no Imaflora.

No primeiro contato com as comunidades, é explicado o que é o projeto, o que é o selo de produção ética entregue, como elas podem se cadastrar, o que é o comércio ético e como se relacionam com as empresas. Uma plataforma é oferecida para registrar os dados de origem e rastreabilidade, com um sistema que funciona offline e envia as informações automaticamente assim que se conecta à internet novamente.

Castanhas extraídas na comunidade Cachoeira da Pancada, território quilombola Erepecuru, no norte do Pará Foto: Aloyana Lemos / Divulgação / Projeto Origens

A governança da rede também envolve desafios como ajudar as comunidades em casos de invasões e outros problemas. Nesse caso, o papel é assumido pelas instituições de apoio, ao denunciar para órgãos públicos e subsidiar itens importantes como combustível para navegação, já que boa parte dos produtos é escoado pelos rios.

Na outra ponta, junto aos interessados em participar, a tática também é parecida e se baseia na comunicação. " A estratégia de chegar nas empresas, apresentar o que é a Amazônia, qual é o potencial de criação dos produtos, explicar o papel delas”, comenta Brasi. Em troca, as companhias recebem um conjunto de benefícios, como conhecer a Amazônia e ter acesso a novos ingredientes, obter a plataforma de rastreabilidade e um selo. “Precisamos que as empresas mudem suas práticas e lógicas de atuação”, destaca o coordenador.

Esses benefícios são citados por Joanna Martins, dona da marca Manioca, que produz temperos, molhos, granolas, farinhas, petiscos e geleias a partir de ingredientes nativos da Amazônia. Anteriormente, ela buscava comprar de pequenos produtores da região próxima a Belém, onde vive, até precisar de outros ingredientes que só poderiam vir da floresta. “Então, entrei pra rede, como forma de fazer a compra com as garantias e informar para os clientes”, relata.

Após a adesão em 2019, Martins já fez diversos encontros online com os fornecedores de quem compra e chegou a viajar até Oriximiná, no noroeste do Pará, para visitar uma comunidade quilombola. “A visita torna palpável o esforço dos produtores, ajuda a viver a realidade e sentir de fato o esforço que eles fazem. Tem essa interlocução entre as comunidades, que gera uma segurança maior de que vai ter o ingrediente”, comenta, ao explicar sobre como lida com as possíveis faltas de produtos, em anos ruins.

Frutos de Andiroba, colhidos na comunidade Cachoeira da Pancada, território quilombola Erepecuru Foto: Aloyana Lemos / Divulgação / Projeto Origens

Ela destaca também a interlocução com outras companhias e organizações. “Me faz conhecer outras empresas que atuam com a biodiversidade amazônica, pensa junto em soluções para as dificuldades. A gente conhece as comunidades, por isso, fazer parte da rede é algo super rico”, conta. “É uma relação boa no sentido de remunerar de forma justa, o mundo precisa ter acesso aos ingredientes amazônicos porque são incríveis”, reforça a empresária, que vende para o Brasil e para o exterior, principalmente França e Estados Unidos.

A Imaflora tem um modelo de negócio em que as empresas pagam uma taxa anual para o instituto pelos benefícios e serviços. Já as instituições de apoio e povos tradicionais não pagam. Para o futuro da rede Origens, o Instituto busca a expansão. “Teremos crescimento no número de empresas, no volume de produtos e expansão para novos territórios”, projeta Brasi.

Atualmente, o projeto está em cinco áreas: Xingu, Norte do Pará, Solimões, Rio Negro e Tupi Guaporé, cada uma das quais realiza os encontros periódicos de governança. Para 2023, a previsão é de aumento de 15 a 20% no número de participantes. “A estratégia é conseguir alcançar consumidores fora da bolha para mostrar que a economia da floresta em pé existe, mostrar que a estratégia é a que o Brasil deve investir e que é possível aliar produção com conservação”, reforça o coordenador.

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