Reforma tributária peca por não dificultar atividades de alto impacto no clima, dizem especialistas


Embora reconheçam avanços para a pauta ESG, especialistas reclamam da ausência de referências à agenda climática e falta de endurecimento em mecanismos de governança

Por Beatriz Capirazi
Atualização:

Especialistas em ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança corporativa) questionam até que ponto a reforma tributária em discussão no Congresso é benéfica para o avanço da agenda no País. A proposta foi aprovada no Senado nesta quarta-feira, 8 ― e agora retornará à Câmara dos Deputados para nova análise.

Para fontes ouvidas pelo Estadão, há no texto pontos-chave para o avanço da pauta social no País, como as desonerações da cesta básica e das doações a ONGs. No entanto, eles avaliam que faltam referências à agenda climática e um endurecimento nos mecanismos de governança a fim de evitar desvios na arrecadação.

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Além disso, especialistas e integrantes de organizações que acompanham o tema apontam que a proposta tem poucos mecanismos que taxem atividades de alto impacto no clima, como os combustíveis fósseis, e beneficie as empresas de baixo impacto, embora apontem como positiva a criação de um Imposto Seletivo que prevê a taxação da produção, comercialização ou importação de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Pela proposta, será cobrada uma alíquota de até 1% do valor do mercado do produto, como petróleo e minério, extraído. No entanto, a inclusão de exceções à regra abre brechas para que empresas que desmatam e poluem recebam isenções fiscais entre 60% e 100% nas cobranças de outras alíquotas.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) com foco em desenvolvimento econômico Luciano Nakabashi, é positivo que se tribute mais. Para ele, existe até uma justificativa econômica para essa criação, considerando a “externalidade negativa que o setor gera por ser poluente”.

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Ele critica, no entanto, a porcentagem escolhida para tributação. “São bens que tem esse efeito negativo na utilização, geram gases do efeituo estiufa. (Essa porcentagem) não vai desestimular quase nada”, afirmou.

Para Nakabashi, é provável que o tema volte a ser debatido agora que o texto retorna para a Câmara. Ele diz acreditar, porém, que dificilmente haverá uma grande mudança. “Sempre tem os setores que vão se mobilizando para atender os seus interesses e acaba tendo um lobby muito forte”.

Para ele o mais provável é que essa pauta fique para depois, considerando que muitos setores já estão sendo beneficiados e tendo descontos, o que ele vê como um problema para o equilíbrio das contas públicas no futuro.

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O advogado tributário e sócio do escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados, Alessandro Mendes Cardoso, é de uma opinião contrária em relação a criação do tributo. “Não vejo com bons olhos a incidência do IS sobre insumos fundamentais à economia como petróleo e seus derivados, já que o seu custo é repassado no preço de mercadorias e serviços, impactando o consumo dos mais pobres”.

O CEO da startup PlantVerd, Antonio Borges, reforça que existia a expectativa do setor de que as empresas sustentáveis fossem beneficiadas com desonerações fiscais. “A reforma não foi profunda o suficiente para que nos possibilitasse a ampliação do ESG. Deveria se tratar de uma reforma de estrutura.”

Ele afirma que a reforma já trouxe “muitos avanços” com o Imposto Seletivo, mas reforça que as desonerações iriam incentivar que mais empresas adotassem mudanças. Para ele, o texto ainda não contemplou mecanismos de governança que evitem desvios na arrecadação.

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Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprova relatório da reforma tributária, apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). Proposta foi aprovada por 20 votos a 6 e amplia regimes diferenciados na cobrança do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).  Foto: WILTON JUNIOR/ ESTADÃO

“Esse gargalo de investimento que vemos em relação a pautas socioambientais é porque o Brasil está carente de governança. A governança é um dos pilares complicados a serem tratados”, afirma Borges.

Outro ponto que recebeu críticas é o fato de que não está claro ainda como os benefícios associados ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), irão funcionar na prática. O meio ambiente é citado como diretriz de mudanças, mas sem nenhuma especificação.

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Quais pontos a reforma contemplou?

Dentre os pontos da agenda sustentável fortalecidos pela reforma estão a criação de um regime específico de tributação para operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica, favorecendo os painéis solares. Além disso, o relator da proposta, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), aceitou a proposta do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), para incluir um regime específico para a economia circular.

Anteriormente, o projeto já previa a inclusão de incentivos fiscais para práticas ambientais, como a previsão de regime fiscal favorecido para biocombustíveis, e à produção de hidrogênio verde. Outro ponto positivo inserido foi a possibilidade de utilização de crédito presumido para a aquisição de materiais reciclados.

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A sócia líder de Impostos Diretos e taxas ESG da EY para América Latina, Erica Perin, afirma que a reforma apresenta alguns aspectos alinhados com a agenda visando mitigar externalidades negativas e a descarbonização da economia. Para ela, os maiores destaques ficam por conta da concessão de incentivos regionais, considerando critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.

Perin ainda diz enxergar como positivo a instituição do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que tem como objetivo reduzir as desigualdades regionais e sociais, mediante a entrega de recursos (prioritariamente de projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono) da União aos Estados e ao Distrito Federal.

‘Imposto do pecado’ x poluentes

Embora o Imposto Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, deva incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, havia uma expectativa de alguns setores pautados pela sustentabilidade de que houvesse um peso maior sob algumas categorias de materiais poluentes, como o plástico.

O imposto incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço e terá suas alíquotas definidas por lei ordinária. Na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação.

Para o professor Luciano Nakabashi, o “imposto do pecado” poderia ter sido mais firme com itens poluentes. “Ainda não está claro quais os itens que poderão ter um Imposto Seletivo e qual a taxa adicional, mas seria algo positivo que os itens poluentes tivessem impostos maiores, pois eles provocam impactos negativos na sociedade onde os custos não são arcados pelas empresas que os produzem, o que leva a um excesso de produção de itens poluentes”, diz Nakabashi.

Ele defende que um imposto maior é uma forma de “internalizar” esses custos que atualmente recaem sobre a sociedade e não as empresas efetivamente. Nakabashi afirma que, com uma tributação mais pesada, o nível de produção estaria “mais próximo do que seria socialmente ótimo”.

Nakabashi credita a falta de desoneração para empresas sustentáveis à falta de pressão de senadores que tenham essa pauta como causa central. Para ele, a reforma ideal para o setor de sustentabilidade seria uma que taxasse os poluentes e não abrisse tantas exceções por setores.

O professor da USP avalia que diminuir os impostos para um setor específico ou empresas sustentáveis não seria uma saída, considerando que acabaria abrindo novas brechas e não cumpriria o propósito central da reforma de descomplicar a tributação.

Para Alessandro Mendes Cardoso, o Imposto Seletivo tem uma importante função extrafiscal, mas alerta que se deve tomar cuidado com a sua utilização e a “busca de se copiar modelos extrafiscais de outros países, com realidades socioeconômicas muito diferentes da brasileira”.

Cardoso é contra a tributação de derivados de petróleo, como o plástico e certos tipos de borracha. “A aplicação do Imposto Seletivo sobre telecomunicações, energia elétrica, derivados de petróleo, não me parece adequada, no contexto atual, pelo efeito econômico que produziria, afetando, mais uma vez, fortemente, os mais pobres”, afirma.

O advogado defende que a reforma já apresenta um avanço ao vincular a tributação à agenda da sustentabilidade ao conceder benefícios fiscais a critérios de preservação do meio ambiente, colocar a defesa do meio ambiente como um princípio fundamental do Sistema Tributário Nacional e garantir um tratamento mais benéfico para os biocombustíveis, assim como crédito tributário para reciclagem, reutilização e logística reversa.

“A proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento das atividades sustentáveis foram erigidas como um valor (princípio) constitucional tributário, dotado de um tratamento fiscal privilegiado. Isso dá um peso à agenda ambiental, no âmbito tributário, inédito, e que trará forte repercussões econômicas e sociais”, diz.

Plástico

Outro ponto de polêmica na reforma tributária foi uma possível taxação do plástico. Os setores mais beneficiados com a simplificação do tributo seriam o extrativismo e as indústrias de transformação, incluindo as do plástico. Atualmente, estes segmentos são altamente onerados pelos tributos cumulativos.

Outro ponto de polêmica na reforma tributária foi uma possível taxação do plástico. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Foram pagos tributos equivalentes a 44,8% do PIB do setor em 2016 pela indústria de transformação, na qual o plástico está inserido, por exemplo. Enquanto no de serviços essa taxação girou em torno de 23,1%, segundo um estudo realizado pela economista Ana Libânio.

O levantamento aponta que, com a reformulação do sistema tributário, haveria um crescimento de 12% no PIB nos próximos 15 anos, e destaca que haverá com a mudança uma queda de 9% na carga tributária para a indústria de transformação ano após ano.

Diante desse cenário, uma parcela dos ambientalistas via como positiva essa taxação, considerando o impacto das embalagens plásticas no meio ambiente e a demora para a sua decomposição.

No entanto, muitos alimentos da cesta básica, por exemplo, contam com embalagens de plástico, o que acabaria por encarecer os produtos para os consumidores finais, prejudicando a população com menor poder aquisitivo.

O professor da USP Luciano Nakabashi é favorável a essa tributação maior do material, considerando que a ação iria inibir o uso do plástico e estimular a troca por embalagens mais sustentáveis.

“Poderia até levar a um aumento no preço de alguns itens da cesta básica, mas esse aumento seria muito pequeno em relação ao preço do produto. Caso ocorra uma elevação relevante no preço de alguns itens da cesta básica, o que acho que seja muito improvável, o governo poderia compensar o gasto adicional via aumento do Bolsa Família ou via cashback para as famílias de baixa renda”, defende o economista.

Já para o advogado Alessandro Mendes Cardoso, uma tributação maior do plástico não seria interessante “pelo efeito social danoso de aumentar o custo de aquisição para os mais humildes”. Ele afirma que enxerga que atualmente seria mais pertinente o uso de políticas públicas para desenvolver o correto manejo e descarte do plástico, como a coleta seletiva, logística reversa e também o desenvolvimento de formas alternativas de embalagens.

A diretora do Instituto de Embalagens, Assunta Camilo, também é contrária à tributação do plástico. “Uma mudança de embalagem de uma hora para outra é inviável. Um arroz em papel, por exemplo, vai ser mais caro. A gramatura é maior, para empacotar, manter o grão e transportar.”

Ela enxerga que o que falta para, de fato, mudar o uso do plástico não é necessariamente tributar ele de uma forma mais agressiva, mas sim tributar o material reciclado de forma justa, o barateando.

“Atualmente o pet virgem tem a mesma tributação do que o reciclado e deveriam ter o benefício de uma tributação menor, considerando o processo maior que leva para ele voltar ao mercado”, afirma Assunta, explicando que em outros países a tributação é feita diferente de produto por produto pois a população tem uma visão diferente sobre a reciclagem, contribuindo para a diminuição do uso do plástico e da poluição.

Especialistas em ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança corporativa) questionam até que ponto a reforma tributária em discussão no Congresso é benéfica para o avanço da agenda no País. A proposta foi aprovada no Senado nesta quarta-feira, 8 ― e agora retornará à Câmara dos Deputados para nova análise.

Para fontes ouvidas pelo Estadão, há no texto pontos-chave para o avanço da pauta social no País, como as desonerações da cesta básica e das doações a ONGs. No entanto, eles avaliam que faltam referências à agenda climática e um endurecimento nos mecanismos de governança a fim de evitar desvios na arrecadação.

Além disso, especialistas e integrantes de organizações que acompanham o tema apontam que a proposta tem poucos mecanismos que taxem atividades de alto impacto no clima, como os combustíveis fósseis, e beneficie as empresas de baixo impacto, embora apontem como positiva a criação de um Imposto Seletivo que prevê a taxação da produção, comercialização ou importação de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Pela proposta, será cobrada uma alíquota de até 1% do valor do mercado do produto, como petróleo e minério, extraído. No entanto, a inclusão de exceções à regra abre brechas para que empresas que desmatam e poluem recebam isenções fiscais entre 60% e 100% nas cobranças de outras alíquotas.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) com foco em desenvolvimento econômico Luciano Nakabashi, é positivo que se tribute mais. Para ele, existe até uma justificativa econômica para essa criação, considerando a “externalidade negativa que o setor gera por ser poluente”.

Ele critica, no entanto, a porcentagem escolhida para tributação. “São bens que tem esse efeito negativo na utilização, geram gases do efeituo estiufa. (Essa porcentagem) não vai desestimular quase nada”, afirmou.

Para Nakabashi, é provável que o tema volte a ser debatido agora que o texto retorna para a Câmara. Ele diz acreditar, porém, que dificilmente haverá uma grande mudança. “Sempre tem os setores que vão se mobilizando para atender os seus interesses e acaba tendo um lobby muito forte”.

Para ele o mais provável é que essa pauta fique para depois, considerando que muitos setores já estão sendo beneficiados e tendo descontos, o que ele vê como um problema para o equilíbrio das contas públicas no futuro.

O advogado tributário e sócio do escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados, Alessandro Mendes Cardoso, é de uma opinião contrária em relação a criação do tributo. “Não vejo com bons olhos a incidência do IS sobre insumos fundamentais à economia como petróleo e seus derivados, já que o seu custo é repassado no preço de mercadorias e serviços, impactando o consumo dos mais pobres”.

O CEO da startup PlantVerd, Antonio Borges, reforça que existia a expectativa do setor de que as empresas sustentáveis fossem beneficiadas com desonerações fiscais. “A reforma não foi profunda o suficiente para que nos possibilitasse a ampliação do ESG. Deveria se tratar de uma reforma de estrutura.”

Ele afirma que a reforma já trouxe “muitos avanços” com o Imposto Seletivo, mas reforça que as desonerações iriam incentivar que mais empresas adotassem mudanças. Para ele, o texto ainda não contemplou mecanismos de governança que evitem desvios na arrecadação.

Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprova relatório da reforma tributária, apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). Proposta foi aprovada por 20 votos a 6 e amplia regimes diferenciados na cobrança do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).  Foto: WILTON JUNIOR/ ESTADÃO

“Esse gargalo de investimento que vemos em relação a pautas socioambientais é porque o Brasil está carente de governança. A governança é um dos pilares complicados a serem tratados”, afirma Borges.

Outro ponto que recebeu críticas é o fato de que não está claro ainda como os benefícios associados ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), irão funcionar na prática. O meio ambiente é citado como diretriz de mudanças, mas sem nenhuma especificação.

Quais pontos a reforma contemplou?

Dentre os pontos da agenda sustentável fortalecidos pela reforma estão a criação de um regime específico de tributação para operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica, favorecendo os painéis solares. Além disso, o relator da proposta, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), aceitou a proposta do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), para incluir um regime específico para a economia circular.

Anteriormente, o projeto já previa a inclusão de incentivos fiscais para práticas ambientais, como a previsão de regime fiscal favorecido para biocombustíveis, e à produção de hidrogênio verde. Outro ponto positivo inserido foi a possibilidade de utilização de crédito presumido para a aquisição de materiais reciclados.

A sócia líder de Impostos Diretos e taxas ESG da EY para América Latina, Erica Perin, afirma que a reforma apresenta alguns aspectos alinhados com a agenda visando mitigar externalidades negativas e a descarbonização da economia. Para ela, os maiores destaques ficam por conta da concessão de incentivos regionais, considerando critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.

Perin ainda diz enxergar como positivo a instituição do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que tem como objetivo reduzir as desigualdades regionais e sociais, mediante a entrega de recursos (prioritariamente de projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono) da União aos Estados e ao Distrito Federal.

‘Imposto do pecado’ x poluentes

Embora o Imposto Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, deva incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, havia uma expectativa de alguns setores pautados pela sustentabilidade de que houvesse um peso maior sob algumas categorias de materiais poluentes, como o plástico.

O imposto incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço e terá suas alíquotas definidas por lei ordinária. Na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação.

Para o professor Luciano Nakabashi, o “imposto do pecado” poderia ter sido mais firme com itens poluentes. “Ainda não está claro quais os itens que poderão ter um Imposto Seletivo e qual a taxa adicional, mas seria algo positivo que os itens poluentes tivessem impostos maiores, pois eles provocam impactos negativos na sociedade onde os custos não são arcados pelas empresas que os produzem, o que leva a um excesso de produção de itens poluentes”, diz Nakabashi.

Ele defende que um imposto maior é uma forma de “internalizar” esses custos que atualmente recaem sobre a sociedade e não as empresas efetivamente. Nakabashi afirma que, com uma tributação mais pesada, o nível de produção estaria “mais próximo do que seria socialmente ótimo”.

Nakabashi credita a falta de desoneração para empresas sustentáveis à falta de pressão de senadores que tenham essa pauta como causa central. Para ele, a reforma ideal para o setor de sustentabilidade seria uma que taxasse os poluentes e não abrisse tantas exceções por setores.

O professor da USP avalia que diminuir os impostos para um setor específico ou empresas sustentáveis não seria uma saída, considerando que acabaria abrindo novas brechas e não cumpriria o propósito central da reforma de descomplicar a tributação.

Para Alessandro Mendes Cardoso, o Imposto Seletivo tem uma importante função extrafiscal, mas alerta que se deve tomar cuidado com a sua utilização e a “busca de se copiar modelos extrafiscais de outros países, com realidades socioeconômicas muito diferentes da brasileira”.

Cardoso é contra a tributação de derivados de petróleo, como o plástico e certos tipos de borracha. “A aplicação do Imposto Seletivo sobre telecomunicações, energia elétrica, derivados de petróleo, não me parece adequada, no contexto atual, pelo efeito econômico que produziria, afetando, mais uma vez, fortemente, os mais pobres”, afirma.

O advogado defende que a reforma já apresenta um avanço ao vincular a tributação à agenda da sustentabilidade ao conceder benefícios fiscais a critérios de preservação do meio ambiente, colocar a defesa do meio ambiente como um princípio fundamental do Sistema Tributário Nacional e garantir um tratamento mais benéfico para os biocombustíveis, assim como crédito tributário para reciclagem, reutilização e logística reversa.

“A proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento das atividades sustentáveis foram erigidas como um valor (princípio) constitucional tributário, dotado de um tratamento fiscal privilegiado. Isso dá um peso à agenda ambiental, no âmbito tributário, inédito, e que trará forte repercussões econômicas e sociais”, diz.

Plástico

Outro ponto de polêmica na reforma tributária foi uma possível taxação do plástico. Os setores mais beneficiados com a simplificação do tributo seriam o extrativismo e as indústrias de transformação, incluindo as do plástico. Atualmente, estes segmentos são altamente onerados pelos tributos cumulativos.

Outro ponto de polêmica na reforma tributária foi uma possível taxação do plástico. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Foram pagos tributos equivalentes a 44,8% do PIB do setor em 2016 pela indústria de transformação, na qual o plástico está inserido, por exemplo. Enquanto no de serviços essa taxação girou em torno de 23,1%, segundo um estudo realizado pela economista Ana Libânio.

O levantamento aponta que, com a reformulação do sistema tributário, haveria um crescimento de 12% no PIB nos próximos 15 anos, e destaca que haverá com a mudança uma queda de 9% na carga tributária para a indústria de transformação ano após ano.

Diante desse cenário, uma parcela dos ambientalistas via como positiva essa taxação, considerando o impacto das embalagens plásticas no meio ambiente e a demora para a sua decomposição.

No entanto, muitos alimentos da cesta básica, por exemplo, contam com embalagens de plástico, o que acabaria por encarecer os produtos para os consumidores finais, prejudicando a população com menor poder aquisitivo.

O professor da USP Luciano Nakabashi é favorável a essa tributação maior do material, considerando que a ação iria inibir o uso do plástico e estimular a troca por embalagens mais sustentáveis.

“Poderia até levar a um aumento no preço de alguns itens da cesta básica, mas esse aumento seria muito pequeno em relação ao preço do produto. Caso ocorra uma elevação relevante no preço de alguns itens da cesta básica, o que acho que seja muito improvável, o governo poderia compensar o gasto adicional via aumento do Bolsa Família ou via cashback para as famílias de baixa renda”, defende o economista.

Já para o advogado Alessandro Mendes Cardoso, uma tributação maior do plástico não seria interessante “pelo efeito social danoso de aumentar o custo de aquisição para os mais humildes”. Ele afirma que enxerga que atualmente seria mais pertinente o uso de políticas públicas para desenvolver o correto manejo e descarte do plástico, como a coleta seletiva, logística reversa e também o desenvolvimento de formas alternativas de embalagens.

A diretora do Instituto de Embalagens, Assunta Camilo, também é contrária à tributação do plástico. “Uma mudança de embalagem de uma hora para outra é inviável. Um arroz em papel, por exemplo, vai ser mais caro. A gramatura é maior, para empacotar, manter o grão e transportar.”

Ela enxerga que o que falta para, de fato, mudar o uso do plástico não é necessariamente tributar ele de uma forma mais agressiva, mas sim tributar o material reciclado de forma justa, o barateando.

“Atualmente o pet virgem tem a mesma tributação do que o reciclado e deveriam ter o benefício de uma tributação menor, considerando o processo maior que leva para ele voltar ao mercado”, afirma Assunta, explicando que em outros países a tributação é feita diferente de produto por produto pois a população tem uma visão diferente sobre a reciclagem, contribuindo para a diminuição do uso do plástico e da poluição.

Especialistas em ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança corporativa) questionam até que ponto a reforma tributária em discussão no Congresso é benéfica para o avanço da agenda no País. A proposta foi aprovada no Senado nesta quarta-feira, 8 ― e agora retornará à Câmara dos Deputados para nova análise.

Para fontes ouvidas pelo Estadão, há no texto pontos-chave para o avanço da pauta social no País, como as desonerações da cesta básica e das doações a ONGs. No entanto, eles avaliam que faltam referências à agenda climática e um endurecimento nos mecanismos de governança a fim de evitar desvios na arrecadação.

Além disso, especialistas e integrantes de organizações que acompanham o tema apontam que a proposta tem poucos mecanismos que taxem atividades de alto impacto no clima, como os combustíveis fósseis, e beneficie as empresas de baixo impacto, embora apontem como positiva a criação de um Imposto Seletivo que prevê a taxação da produção, comercialização ou importação de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Pela proposta, será cobrada uma alíquota de até 1% do valor do mercado do produto, como petróleo e minério, extraído. No entanto, a inclusão de exceções à regra abre brechas para que empresas que desmatam e poluem recebam isenções fiscais entre 60% e 100% nas cobranças de outras alíquotas.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) com foco em desenvolvimento econômico Luciano Nakabashi, é positivo que se tribute mais. Para ele, existe até uma justificativa econômica para essa criação, considerando a “externalidade negativa que o setor gera por ser poluente”.

Ele critica, no entanto, a porcentagem escolhida para tributação. “São bens que tem esse efeito negativo na utilização, geram gases do efeituo estiufa. (Essa porcentagem) não vai desestimular quase nada”, afirmou.

Para Nakabashi, é provável que o tema volte a ser debatido agora que o texto retorna para a Câmara. Ele diz acreditar, porém, que dificilmente haverá uma grande mudança. “Sempre tem os setores que vão se mobilizando para atender os seus interesses e acaba tendo um lobby muito forte”.

Para ele o mais provável é que essa pauta fique para depois, considerando que muitos setores já estão sendo beneficiados e tendo descontos, o que ele vê como um problema para o equilíbrio das contas públicas no futuro.

O advogado tributário e sócio do escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados, Alessandro Mendes Cardoso, é de uma opinião contrária em relação a criação do tributo. “Não vejo com bons olhos a incidência do IS sobre insumos fundamentais à economia como petróleo e seus derivados, já que o seu custo é repassado no preço de mercadorias e serviços, impactando o consumo dos mais pobres”.

O CEO da startup PlantVerd, Antonio Borges, reforça que existia a expectativa do setor de que as empresas sustentáveis fossem beneficiadas com desonerações fiscais. “A reforma não foi profunda o suficiente para que nos possibilitasse a ampliação do ESG. Deveria se tratar de uma reforma de estrutura.”

Ele afirma que a reforma já trouxe “muitos avanços” com o Imposto Seletivo, mas reforça que as desonerações iriam incentivar que mais empresas adotassem mudanças. Para ele, o texto ainda não contemplou mecanismos de governança que evitem desvios na arrecadação.

Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprova relatório da reforma tributária, apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). Proposta foi aprovada por 20 votos a 6 e amplia regimes diferenciados na cobrança do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).  Foto: WILTON JUNIOR/ ESTADÃO

“Esse gargalo de investimento que vemos em relação a pautas socioambientais é porque o Brasil está carente de governança. A governança é um dos pilares complicados a serem tratados”, afirma Borges.

Outro ponto que recebeu críticas é o fato de que não está claro ainda como os benefícios associados ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), irão funcionar na prática. O meio ambiente é citado como diretriz de mudanças, mas sem nenhuma especificação.

Quais pontos a reforma contemplou?

Dentre os pontos da agenda sustentável fortalecidos pela reforma estão a criação de um regime específico de tributação para operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica, favorecendo os painéis solares. Além disso, o relator da proposta, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), aceitou a proposta do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), para incluir um regime específico para a economia circular.

Anteriormente, o projeto já previa a inclusão de incentivos fiscais para práticas ambientais, como a previsão de regime fiscal favorecido para biocombustíveis, e à produção de hidrogênio verde. Outro ponto positivo inserido foi a possibilidade de utilização de crédito presumido para a aquisição de materiais reciclados.

A sócia líder de Impostos Diretos e taxas ESG da EY para América Latina, Erica Perin, afirma que a reforma apresenta alguns aspectos alinhados com a agenda visando mitigar externalidades negativas e a descarbonização da economia. Para ela, os maiores destaques ficam por conta da concessão de incentivos regionais, considerando critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.

Perin ainda diz enxergar como positivo a instituição do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que tem como objetivo reduzir as desigualdades regionais e sociais, mediante a entrega de recursos (prioritariamente de projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono) da União aos Estados e ao Distrito Federal.

‘Imposto do pecado’ x poluentes

Embora o Imposto Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, deva incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, havia uma expectativa de alguns setores pautados pela sustentabilidade de que houvesse um peso maior sob algumas categorias de materiais poluentes, como o plástico.

O imposto incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço e terá suas alíquotas definidas por lei ordinária. Na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação.

Para o professor Luciano Nakabashi, o “imposto do pecado” poderia ter sido mais firme com itens poluentes. “Ainda não está claro quais os itens que poderão ter um Imposto Seletivo e qual a taxa adicional, mas seria algo positivo que os itens poluentes tivessem impostos maiores, pois eles provocam impactos negativos na sociedade onde os custos não são arcados pelas empresas que os produzem, o que leva a um excesso de produção de itens poluentes”, diz Nakabashi.

Ele defende que um imposto maior é uma forma de “internalizar” esses custos que atualmente recaem sobre a sociedade e não as empresas efetivamente. Nakabashi afirma que, com uma tributação mais pesada, o nível de produção estaria “mais próximo do que seria socialmente ótimo”.

Nakabashi credita a falta de desoneração para empresas sustentáveis à falta de pressão de senadores que tenham essa pauta como causa central. Para ele, a reforma ideal para o setor de sustentabilidade seria uma que taxasse os poluentes e não abrisse tantas exceções por setores.

O professor da USP avalia que diminuir os impostos para um setor específico ou empresas sustentáveis não seria uma saída, considerando que acabaria abrindo novas brechas e não cumpriria o propósito central da reforma de descomplicar a tributação.

Para Alessandro Mendes Cardoso, o Imposto Seletivo tem uma importante função extrafiscal, mas alerta que se deve tomar cuidado com a sua utilização e a “busca de se copiar modelos extrafiscais de outros países, com realidades socioeconômicas muito diferentes da brasileira”.

Cardoso é contra a tributação de derivados de petróleo, como o plástico e certos tipos de borracha. “A aplicação do Imposto Seletivo sobre telecomunicações, energia elétrica, derivados de petróleo, não me parece adequada, no contexto atual, pelo efeito econômico que produziria, afetando, mais uma vez, fortemente, os mais pobres”, afirma.

O advogado defende que a reforma já apresenta um avanço ao vincular a tributação à agenda da sustentabilidade ao conceder benefícios fiscais a critérios de preservação do meio ambiente, colocar a defesa do meio ambiente como um princípio fundamental do Sistema Tributário Nacional e garantir um tratamento mais benéfico para os biocombustíveis, assim como crédito tributário para reciclagem, reutilização e logística reversa.

“A proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento das atividades sustentáveis foram erigidas como um valor (princípio) constitucional tributário, dotado de um tratamento fiscal privilegiado. Isso dá um peso à agenda ambiental, no âmbito tributário, inédito, e que trará forte repercussões econômicas e sociais”, diz.

Plástico

Outro ponto de polêmica na reforma tributária foi uma possível taxação do plástico. Os setores mais beneficiados com a simplificação do tributo seriam o extrativismo e as indústrias de transformação, incluindo as do plástico. Atualmente, estes segmentos são altamente onerados pelos tributos cumulativos.

Outro ponto de polêmica na reforma tributária foi uma possível taxação do plástico. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Foram pagos tributos equivalentes a 44,8% do PIB do setor em 2016 pela indústria de transformação, na qual o plástico está inserido, por exemplo. Enquanto no de serviços essa taxação girou em torno de 23,1%, segundo um estudo realizado pela economista Ana Libânio.

O levantamento aponta que, com a reformulação do sistema tributário, haveria um crescimento de 12% no PIB nos próximos 15 anos, e destaca que haverá com a mudança uma queda de 9% na carga tributária para a indústria de transformação ano após ano.

Diante desse cenário, uma parcela dos ambientalistas via como positiva essa taxação, considerando o impacto das embalagens plásticas no meio ambiente e a demora para a sua decomposição.

No entanto, muitos alimentos da cesta básica, por exemplo, contam com embalagens de plástico, o que acabaria por encarecer os produtos para os consumidores finais, prejudicando a população com menor poder aquisitivo.

O professor da USP Luciano Nakabashi é favorável a essa tributação maior do material, considerando que a ação iria inibir o uso do plástico e estimular a troca por embalagens mais sustentáveis.

“Poderia até levar a um aumento no preço de alguns itens da cesta básica, mas esse aumento seria muito pequeno em relação ao preço do produto. Caso ocorra uma elevação relevante no preço de alguns itens da cesta básica, o que acho que seja muito improvável, o governo poderia compensar o gasto adicional via aumento do Bolsa Família ou via cashback para as famílias de baixa renda”, defende o economista.

Já para o advogado Alessandro Mendes Cardoso, uma tributação maior do plástico não seria interessante “pelo efeito social danoso de aumentar o custo de aquisição para os mais humildes”. Ele afirma que enxerga que atualmente seria mais pertinente o uso de políticas públicas para desenvolver o correto manejo e descarte do plástico, como a coleta seletiva, logística reversa e também o desenvolvimento de formas alternativas de embalagens.

A diretora do Instituto de Embalagens, Assunta Camilo, também é contrária à tributação do plástico. “Uma mudança de embalagem de uma hora para outra é inviável. Um arroz em papel, por exemplo, vai ser mais caro. A gramatura é maior, para empacotar, manter o grão e transportar.”

Ela enxerga que o que falta para, de fato, mudar o uso do plástico não é necessariamente tributar ele de uma forma mais agressiva, mas sim tributar o material reciclado de forma justa, o barateando.

“Atualmente o pet virgem tem a mesma tributação do que o reciclado e deveriam ter o benefício de uma tributação menor, considerando o processo maior que leva para ele voltar ao mercado”, afirma Assunta, explicando que em outros países a tributação é feita diferente de produto por produto pois a população tem uma visão diferente sobre a reciclagem, contribuindo para a diminuição do uso do plástico e da poluição.

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