A renúncia da executiva canadense Vera Marie Inkster ao cargo de conselheira da Vale, na semana passada, expôs uma atmosfera de tensão e divisão no colegiado, em meio ao processo de escolha de um novo CEO da companhia, segundo apurou o Estadão/Broadcast com pessoas a par do caso. Foi a segunda baixa no conselho de administração neste ano, o que levantou, entre analistas, o temor de pressão do governo na gestão da mineradora e de ameaças a sua governança.
A executiva ocupava uma das sete cadeiras independentes no órgão e era coordenadora do comitê de auditoria e riscos. A Vale não informou o motivo da saída. Procurada, a companhia afirmou não ter “comentários adicionais” aos comunicados já feitos ao mercado sobre o assunto.
A renúncia se deu três dias após a mineradora divulgar o resultado da auditoria independente feita pelo escritório TozziniFreire Advogados, que concluiu não haver conflitos de interesse e reafirmou a manutenção dos padrões de governança envolvendo a sucessão da presidência da companhia, que será ocupada por Eduardo Bartolomeo até o final do ano.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o resultado da auditoria desagradou aos conselheiros que tinham uma visão mais crítica sobre a interferência do governo no processo de sucessão. A avaliação sobre o relatório foi negativa também no mercado, por temor de avalizar as pressões políticas. Procurado, o TozziniFreire Advogados preferiu não comentar.
Com maiores tensões internas na Vale, pessoas que acompanham o caso disseram que houve um aumento da insatisfação de Inkster com membros do conselho de administração mais próximos ao governo. O resultado da auditoria teria sido o episódio que culminou no rompimento da executiva com o colegiado. Procurada, ela não retornou à tentativa de contato.
A saída da executiva ocorreu quatro meses após o empresário José Luciano Penido deixar o cargo de conselheiro independente, com críticas à influência política na empresa. A pressão sobre a gestão da Vale cresceu desde maio do ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega como presidente da mineradora. A influência do governo no grupo se dá por meio da participação societária de 8,7% da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil. A indicação de Mantega foi retirada após forte reação do mercado.
Preocupação com governança
Sem os dois conselheiros, a Vale fica fora das regras de seu estatuto social que exige a presença de sete membros independentes no conselho de administração, agora restando seis.
O Estadão/Broadcast apurou haver um temor sobre a chegada dos dois novos conselheiros substitutos. Ao mesmo tempo, é preciso celeridade no preenchimento para que a empresa volte a cumprir o estatuto social. A consultoria Korn Ferry é responsável pela seleção dos potenciais nomes a serem indicados para as cadeiras.
Em relatório, os analistas do Citi Alexander Hacking e Stefan Weskott afirmam que a renúncia de Inkster levanta preocupações de governança. “Os acionistas da Vale são mais bem atendidos por um conselho independente. Ao mesmo tempo em que respeitamos o governo como uma parte interessada importante ao lado dos funcionários e das comunidades”, escrevem, em relatório de atualização dos números da companhia.
Especialistas em governança consultados pelo Broadcast/Estadão também avaliaram como “preocupante” o fato de terem ocorrido dois desfalques consecutivos em cargos independentes do colegiado, levando a Vale a descumprir seu próprio estatuto. A situação se torna pior, segundo eles, quando se considera que a mineradora está passando por um processo sucessório.
“Para eles pedirem demissão, deve haver alguma coisa a que eles são contrários ou os elementos de garantia para eles foram mudados. Não é uma atitude normal nas companhias a renúncia no meio de um mandato, a menos que tenha acontecido algo efetivamente grave”, afirma o professor associado de finanças e governança da Fundação Dom Cabral (FDC) Jairo Procianoy.
A coordenadora do Centro de Estudos em Ética, Transparência, Integridade e Compliance da Fundação Getulio Vargas (FGVethics), Lígia Maura Costa, avalia que há riscos para a política estratégica da Vale por conta da vacância dos cargos no conselho. “Duas renúncias de conselheiros podem gerar sérias preocupações sobre a continuidade das estratégias e políticas da Vale, o que pode afetar a confiança dos investidores, funcionários e de todos os stakeholders (partes interessadas)”, afirma.
Na visão do coordenador do programa de preparação de conselheiros da FIA Business School, Cláudio Pinheiro Machado, a segunda renúncia deve por holofotes nas causas por trás da instabilidade dos cargos. “Evidentemente que uma situação como essa que a Vale está vivenciando, de duas renúncias em um período curto de tempo, gera uma preocupação ou, no mínimo, uma cautela do mercado em relação à governança da organização sobre quais são os fatores que estão levando a esse tipo de situação, que acaba sendo pouco comum”, diz.
“Pelo tamanho e a exposição da Vale, todos os holofotes passam a estar na organização para entender de fato quais serão os desdobramentos do processo decisório e o que tem levado a uma renúncia atrás da outra”, complementa.
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O analista da Ajax Investimentos Rafael Passos considera que, até o momento, a governança da Vale tem se mostrado resiliente, mas as recentes saídas dos membros independentes é mal recebida e eleva o “fator de risco” para a empresa. “O mercado fica de olho se potenciais trocas no conselho podem afetar decisões estratégicas da Vale.” Já na avaliação do analista Igor Guedes, da Genial Investimentos, os investidores já precificaram os riscos de governança envolvendo a mineradora.
Processo sucessório
Enquanto lida com as tensões de governança, a Vale avança na escolha de um novo presidente. Na quarta-feira, 10, listas com nomes de executivos supostamente cotados para assumir o posto de CEO da mineradora foram publicadas na imprensa. A seleção foi atribuída à consultoria Russell Reynolds Associates, empresa contratada para assessorar o processo sucessório. Procurada pelo Estadão, a empresa afirmou não poder comentar sobre projetos de clientes.
Entre os nomes ventilados estão o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, que declinou da possível indicação, afirmando estar comprometido com a fabricante de aviões. “Agradeço a consideração do meu nome no processo de sucessão da Vale, mas, para evitar especulações, gostaria de reafirmar meu compromisso com a Embraer, que passa por um período de crescimento muito positivo e conta com um plano estratégico robusto para garantir um futuro sustentável para a companhia.”
Também cotado, o diretor-geral da Klabin, Cristiano Teixeira, afirmou em nota que não participará do processo sucessório na Vale, embora tenha agradecido a indicação de seu nome para o pleito. “Em respeito à Klabin e para evitar qualquer tipo de especulação, Cristiano (Teixeira) reforça o seu compromisso com a Klabin e seus colaboradores, acionistas, diretoria e conselho de administração”, afirmou a empresa em nota.
Por meio de nota divulgada ao mercado nesta terça-feira, 9, assinada pelo vice-presidente executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale, Gustavo Pimenta, a mineradora informou que a consultoria Russell Reynolds continua desempenhando os serviços de assessoria para a seleção do novo presidente da companhia, mas que ainda não há definição pelo conselho de administração da Vale sobre a lista de candidatos.
“O processo de sucessão do presidente da Vale é executado em conformidade com o estatuto social e as políticas corporativas da companhia, bem como com o regimento interno do conselho de administração e a legislação aplicável. A companhia informa que não há definição pelo conselho de administração da Vale sobre a lista de candidatos até o presente momento e reitera que manterá o mercado informado a respeito de evoluções relevantes sobre a definição do seu novo presidente.” Procurada para comentar a nota, a Vale afirmou que seu posicionamento sobre o tema continua o mesmo.