Não dá para avançar na agenda verde sem incluir diversidade na discussão, diz executiva da Heineken


Raquel Zagui, diretora global de diversidade da companhia, afirma que ‘polarização política’ fez pauta recuar nas empresas e defende integração das agendas para sustentabilidade avançar

Por Shagaly Ferreira
Foto: Heineken/Divulgação
Entrevista comRaquel Zagui Diretora global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Heineken

Os avanços na agenda de sustentabilidade no Brasil estão condicionados a uma discussão integrada com as pautas de diversidade. A posição é defendida pela executiva Raquel Zagui, diretora global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Heineken. Para a gestora, impactos ambientais, como enchentes e mudanças climáticas, têm atingido de forma mais direta os grupos sub-representados no País, como mulheres e pessoas negras, exigindo conexão entre as áreas.

“Sabemos que o grande impacto das questões climáticas acaba penalizando mais indígenas, mulheres pretas, entre outras minorias”, diz. “Não dá para crescer nesses temas, se não começarmos a incluir também os grupos minorizados. A pauta de diversidade não precisa ser uma linha na agenda. Ela é interseccional, e eu não vejo como separar as conversas. Estamos falando de sustentabilidade como um todo, mas, para isso poder funcionar, a gente vai ter que começar a incluir outros grupos.”

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Por causa da necessidade de conexão dos temas, a gestora acredita que não haverá riscos para a pauta de diversidade no Brasil com o avanço dos temas de economia verde às vésperas da COP-30, mas diz que a associação da pauta de inclusão com a “polarização política” é o que tem influenciado as empresas a reduzir investimento em programas de diversidade.

“Acho que as pessoas estão com mais medo de falar. Infelizmente, está virando uma coisa cada vez mais polarizada. Exemplo: se estou falando de igualdade de gênero, é porque sou defensora da pauta política X ou Y, quando, na verdade, em um País com o nível de desigualdade como o nosso, isso deveria ser uma coisa para permear uma visão de uma sociedade mais igualitária”, diz.

Raquel Zagui é diretora global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Heineken Foto: Edna Marcelino/Heineken
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Há sete anos como vice-presidente de Pessoas na Heineken, Zagui iniciou neste mês o trabalho como diretora da área global de diversidade da companhia. Do Brasil, a executiva irá comandar as políticas e estratégias do tema para os quase 200 países onde a cervejaria possui operações, incluindo a sede em Amsterdã (Holanda).

Segundo a executiva, sua meta inicial no cargo será a de ampliar a diversidade de gênero na companhia globalmente, a exemplo do que foi feito na subsidiária brasileira sob sua gestão. No País, por exemplo, a meta da Heineken é ter 50% de mulheres nas posições de liderança até 2026. Hoje, esse percentual já chegou a 42%.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

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Especialistas comentam que houve um esfriamento da pauta de diversidade globalmente, incluindo queda de investimentos em práticas da agenda. Como a sra. enxerga esse momento, exatamente quando assume como diretora global de diversidade na Heineken?

Sem dúvida, a pauta ganhou uma explosão em 2020 com as questões relacionadas à morte de George Floyd. Até as pessoas que estavam engajadas na pauta abriram um pouco mais os olhos. Agora, com as conversas que vêm acontecendo por conta da eleição para Presidência dos Estados Unidos, eu leio que há um peso político nisso, com as empresas tentando entender como se posicionar e aguardando como essa grande potência vai acabar se posicionando. Então, eu entendo que as empresas que entraram na pauta porque sentiram uma pressão externa para isso ou as que têm outros interesses nesse momento vão pensar que é melhor sair um pouco desse holofote. Para a Heineken, isso nunca foi um tema político, nem para um lado, nem para o outro. De fato, há algumas empresas saindo da pauta, mas, se uma, duas, três saíram, não significa que todas estão saindo. Quando converso com os meus pares, a grande maioria continua com a pauta e investindo nela.

A questão está na associação da pauta com a agenda político-partidária?

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O que acho é que as pessoas estão com mais medo de falar. Infelizmente, está virando uma coisa cada vez mais polarizada. Exemplo: se estou falando de igualdade de gênero, é porque sou defensora da pauta política X ou Y, quando, na verdade, em um País com o nível de desigualdade como o nosso, isso deveria ser uma coisa para permear uma visão de uma sociedade mais igualitária. Além disso, a gente olha números de empresas que são mais diversas e, de fato, elas têm mais resultados. Cargos como o que tenho hoje vão diminuir de importância ou talvez deixem de existir algum dia porque vão fazer parte de uma pauta mais do dia a dia, mas hoje, infelizmente, a gente não chegou lá ainda. Na semana retrasada, tivemos um grande de um lembrete de como a gente ainda tem muita coisa para remar (fazendo referência à declaração do executivo Tallis Gomes sobre mulheres CEOs). Temos que continuar alertas, do contrário a pauta deixa de ser relevante, e a gente fica sem entender os movimentos e para onde as coisas estão indo.

Com a aproximação da COP-30, os temas relacionados à economia verde têm ganhado força no Brasil, incluindo oportunidades de investimento. Isso pode oferecer algum risco para a agenda de diversidade?

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Jamais penso como um risco, pois acho que ambas as agendas trabalham para que a gente possa buscar um futuro mais justo, mais sustentável. Entendo que, quando a gente amplia essa pauta, ela vai acabar tocando nos grupos (de minoria). Quero crer que isso vai gerar ainda mais sensibilidade na sociedade para entender que não dá para crescer nesses temas, se não começarmos a incluir também os grupos minorizados. A pauta de diversidade não precisa ser uma linha na agenda. Ela é interseccional, e eu não vejo como separar as conversas. Estamos falando de sustentabilidade como um todo, mas, para isso poder funcionar, a gente vai ter que começar a incluir outros grupos, ter outras conversas e olhar a parte de política de governança de uma forma um pouco mais séria do que o trouxe a gente para o que vimos acontecer no Rio Grande do Sul, por exemplo.

Sob sua gestão, a Heineken criou a diretoria de Felicidade, focada no bem-estar das pessoas. Como essa agenda dialoga com as estratégias de sustentabilidade?

A diretoria de Felicidade veio na preocupação com o pilar Social do ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), pois acreditamos que oferecer essa cultura de bem-estar e pertencimento tem muito a ver com o ambiente que queremos criar. Para termos sucesso coletivo e sustentável, a gente queria avançar de uma agenda só de clima e começar a falar um pouco mais do cuidado do indivíduo. Dentro da pauta verde, eu realmente acredito que, se a gente tiver um olhar mais forte para ela, a gente vai acabar olhando os grupos minorizados também. A gente sabe que o grande impacto das questões climáticas acaba penalizando mais indígenas, mulheres pretas, entre outras. Puxar uma pauta está ajudando a alimentar outra e vice-versa. Elas se conectam.

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Fabrica da cervejaria Heineken na cidade de Jacareí  Foto: Taba Benedicto/Estadão

O seu cargo terá como meta inicial ampliar o número de mulheres na companhia. Onde estão os maiores gargalos da indústria cervejeira para esse avanço?

O mercado cervejeiro como um todo é predominantemente masculino. Mas, com base na minha experiência em outras empresas, no fim, as áreas mais desafiadoras nesse sentido são parecidas: as áreas de vendas e as de produção. O ponto é menos a questão do ambiente, porque temos hoje em dia mais e mais mulheres formadas e com capacitação, mas, muitas vezes, é a questão de mobilidade, pois, para a mulher crescer, pode ter que se mudar de um Estado ou mudar de unidade fabril, e por todas as questões que nós, mulheres, carregamos de responsabilidades adicionais, mobilidade é um pouco mais complicada.

E quanto à questão de aproximar as mulheres como público consumidor nesse mercado?

A gente vem de um passado que está mudando. Eu lembro, quando comecei minha carreira, de coisas que a gente via, ouvia, falava, e que hoje em dia, graças a Deus, são inadmissíveis. Mas a gente tem que lembrar que saiu dali. A Heineken no Brasil é a maior operação em volume no mundo, somos em quase 14 mil colaboradores. Transformar a cultura dessas 14 mil pessoas e estender para as famílias já é um desafio enorme. E quando a gente fala de pessoas que vão trabalhar em campo, falamos de um pedaço da cadeia que não necessariamente a gente consegue tocar. É um trabalho de longo prazo. Por isso que eu acho que quem entra nessa pauta tem que entrar de coração, porque ela é uma pauta de transformação. Eu não vou ver o fim do meu trabalho, mas vou ver o progresso. Acho que a gente ainda tem muito o que fazer também no nosso entorno, começando na nossa casa e tentando expandir o máximo possível.

Os avanços na agenda de sustentabilidade no Brasil estão condicionados a uma discussão integrada com as pautas de diversidade. A posição é defendida pela executiva Raquel Zagui, diretora global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Heineken. Para a gestora, impactos ambientais, como enchentes e mudanças climáticas, têm atingido de forma mais direta os grupos sub-representados no País, como mulheres e pessoas negras, exigindo conexão entre as áreas.

“Sabemos que o grande impacto das questões climáticas acaba penalizando mais indígenas, mulheres pretas, entre outras minorias”, diz. “Não dá para crescer nesses temas, se não começarmos a incluir também os grupos minorizados. A pauta de diversidade não precisa ser uma linha na agenda. Ela é interseccional, e eu não vejo como separar as conversas. Estamos falando de sustentabilidade como um todo, mas, para isso poder funcionar, a gente vai ter que começar a incluir outros grupos.”

Por causa da necessidade de conexão dos temas, a gestora acredita que não haverá riscos para a pauta de diversidade no Brasil com o avanço dos temas de economia verde às vésperas da COP-30, mas diz que a associação da pauta de inclusão com a “polarização política” é o que tem influenciado as empresas a reduzir investimento em programas de diversidade.

“Acho que as pessoas estão com mais medo de falar. Infelizmente, está virando uma coisa cada vez mais polarizada. Exemplo: se estou falando de igualdade de gênero, é porque sou defensora da pauta política X ou Y, quando, na verdade, em um País com o nível de desigualdade como o nosso, isso deveria ser uma coisa para permear uma visão de uma sociedade mais igualitária”, diz.

Raquel Zagui é diretora global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Heineken Foto: Edna Marcelino/Heineken

Há sete anos como vice-presidente de Pessoas na Heineken, Zagui iniciou neste mês o trabalho como diretora da área global de diversidade da companhia. Do Brasil, a executiva irá comandar as políticas e estratégias do tema para os quase 200 países onde a cervejaria possui operações, incluindo a sede em Amsterdã (Holanda).

Segundo a executiva, sua meta inicial no cargo será a de ampliar a diversidade de gênero na companhia globalmente, a exemplo do que foi feito na subsidiária brasileira sob sua gestão. No País, por exemplo, a meta da Heineken é ter 50% de mulheres nas posições de liderança até 2026. Hoje, esse percentual já chegou a 42%.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

Especialistas comentam que houve um esfriamento da pauta de diversidade globalmente, incluindo queda de investimentos em práticas da agenda. Como a sra. enxerga esse momento, exatamente quando assume como diretora global de diversidade na Heineken?

Sem dúvida, a pauta ganhou uma explosão em 2020 com as questões relacionadas à morte de George Floyd. Até as pessoas que estavam engajadas na pauta abriram um pouco mais os olhos. Agora, com as conversas que vêm acontecendo por conta da eleição para Presidência dos Estados Unidos, eu leio que há um peso político nisso, com as empresas tentando entender como se posicionar e aguardando como essa grande potência vai acabar se posicionando. Então, eu entendo que as empresas que entraram na pauta porque sentiram uma pressão externa para isso ou as que têm outros interesses nesse momento vão pensar que é melhor sair um pouco desse holofote. Para a Heineken, isso nunca foi um tema político, nem para um lado, nem para o outro. De fato, há algumas empresas saindo da pauta, mas, se uma, duas, três saíram, não significa que todas estão saindo. Quando converso com os meus pares, a grande maioria continua com a pauta e investindo nela.

A questão está na associação da pauta com a agenda político-partidária?

O que acho é que as pessoas estão com mais medo de falar. Infelizmente, está virando uma coisa cada vez mais polarizada. Exemplo: se estou falando de igualdade de gênero, é porque sou defensora da pauta política X ou Y, quando, na verdade, em um País com o nível de desigualdade como o nosso, isso deveria ser uma coisa para permear uma visão de uma sociedade mais igualitária. Além disso, a gente olha números de empresas que são mais diversas e, de fato, elas têm mais resultados. Cargos como o que tenho hoje vão diminuir de importância ou talvez deixem de existir algum dia porque vão fazer parte de uma pauta mais do dia a dia, mas hoje, infelizmente, a gente não chegou lá ainda. Na semana retrasada, tivemos um grande de um lembrete de como a gente ainda tem muita coisa para remar (fazendo referência à declaração do executivo Tallis Gomes sobre mulheres CEOs). Temos que continuar alertas, do contrário a pauta deixa de ser relevante, e a gente fica sem entender os movimentos e para onde as coisas estão indo.

Com a aproximação da COP-30, os temas relacionados à economia verde têm ganhado força no Brasil, incluindo oportunidades de investimento. Isso pode oferecer algum risco para a agenda de diversidade?

Jamais penso como um risco, pois acho que ambas as agendas trabalham para que a gente possa buscar um futuro mais justo, mais sustentável. Entendo que, quando a gente amplia essa pauta, ela vai acabar tocando nos grupos (de minoria). Quero crer que isso vai gerar ainda mais sensibilidade na sociedade para entender que não dá para crescer nesses temas, se não começarmos a incluir também os grupos minorizados. A pauta de diversidade não precisa ser uma linha na agenda. Ela é interseccional, e eu não vejo como separar as conversas. Estamos falando de sustentabilidade como um todo, mas, para isso poder funcionar, a gente vai ter que começar a incluir outros grupos, ter outras conversas e olhar a parte de política de governança de uma forma um pouco mais séria do que o trouxe a gente para o que vimos acontecer no Rio Grande do Sul, por exemplo.

Sob sua gestão, a Heineken criou a diretoria de Felicidade, focada no bem-estar das pessoas. Como essa agenda dialoga com as estratégias de sustentabilidade?

A diretoria de Felicidade veio na preocupação com o pilar Social do ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), pois acreditamos que oferecer essa cultura de bem-estar e pertencimento tem muito a ver com o ambiente que queremos criar. Para termos sucesso coletivo e sustentável, a gente queria avançar de uma agenda só de clima e começar a falar um pouco mais do cuidado do indivíduo. Dentro da pauta verde, eu realmente acredito que, se a gente tiver um olhar mais forte para ela, a gente vai acabar olhando os grupos minorizados também. A gente sabe que o grande impacto das questões climáticas acaba penalizando mais indígenas, mulheres pretas, entre outras. Puxar uma pauta está ajudando a alimentar outra e vice-versa. Elas se conectam.

Fabrica da cervejaria Heineken na cidade de Jacareí  Foto: Taba Benedicto/Estadão

O seu cargo terá como meta inicial ampliar o número de mulheres na companhia. Onde estão os maiores gargalos da indústria cervejeira para esse avanço?

O mercado cervejeiro como um todo é predominantemente masculino. Mas, com base na minha experiência em outras empresas, no fim, as áreas mais desafiadoras nesse sentido são parecidas: as áreas de vendas e as de produção. O ponto é menos a questão do ambiente, porque temos hoje em dia mais e mais mulheres formadas e com capacitação, mas, muitas vezes, é a questão de mobilidade, pois, para a mulher crescer, pode ter que se mudar de um Estado ou mudar de unidade fabril, e por todas as questões que nós, mulheres, carregamos de responsabilidades adicionais, mobilidade é um pouco mais complicada.

E quanto à questão de aproximar as mulheres como público consumidor nesse mercado?

A gente vem de um passado que está mudando. Eu lembro, quando comecei minha carreira, de coisas que a gente via, ouvia, falava, e que hoje em dia, graças a Deus, são inadmissíveis. Mas a gente tem que lembrar que saiu dali. A Heineken no Brasil é a maior operação em volume no mundo, somos em quase 14 mil colaboradores. Transformar a cultura dessas 14 mil pessoas e estender para as famílias já é um desafio enorme. E quando a gente fala de pessoas que vão trabalhar em campo, falamos de um pedaço da cadeia que não necessariamente a gente consegue tocar. É um trabalho de longo prazo. Por isso que eu acho que quem entra nessa pauta tem que entrar de coração, porque ela é uma pauta de transformação. Eu não vou ver o fim do meu trabalho, mas vou ver o progresso. Acho que a gente ainda tem muito o que fazer também no nosso entorno, começando na nossa casa e tentando expandir o máximo possível.

Os avanços na agenda de sustentabilidade no Brasil estão condicionados a uma discussão integrada com as pautas de diversidade. A posição é defendida pela executiva Raquel Zagui, diretora global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Heineken. Para a gestora, impactos ambientais, como enchentes e mudanças climáticas, têm atingido de forma mais direta os grupos sub-representados no País, como mulheres e pessoas negras, exigindo conexão entre as áreas.

“Sabemos que o grande impacto das questões climáticas acaba penalizando mais indígenas, mulheres pretas, entre outras minorias”, diz. “Não dá para crescer nesses temas, se não começarmos a incluir também os grupos minorizados. A pauta de diversidade não precisa ser uma linha na agenda. Ela é interseccional, e eu não vejo como separar as conversas. Estamos falando de sustentabilidade como um todo, mas, para isso poder funcionar, a gente vai ter que começar a incluir outros grupos.”

Por causa da necessidade de conexão dos temas, a gestora acredita que não haverá riscos para a pauta de diversidade no Brasil com o avanço dos temas de economia verde às vésperas da COP-30, mas diz que a associação da pauta de inclusão com a “polarização política” é o que tem influenciado as empresas a reduzir investimento em programas de diversidade.

“Acho que as pessoas estão com mais medo de falar. Infelizmente, está virando uma coisa cada vez mais polarizada. Exemplo: se estou falando de igualdade de gênero, é porque sou defensora da pauta política X ou Y, quando, na verdade, em um País com o nível de desigualdade como o nosso, isso deveria ser uma coisa para permear uma visão de uma sociedade mais igualitária”, diz.

Raquel Zagui é diretora global de Diversidade, Equidade e Inclusão da Heineken Foto: Edna Marcelino/Heineken

Há sete anos como vice-presidente de Pessoas na Heineken, Zagui iniciou neste mês o trabalho como diretora da área global de diversidade da companhia. Do Brasil, a executiva irá comandar as políticas e estratégias do tema para os quase 200 países onde a cervejaria possui operações, incluindo a sede em Amsterdã (Holanda).

Segundo a executiva, sua meta inicial no cargo será a de ampliar a diversidade de gênero na companhia globalmente, a exemplo do que foi feito na subsidiária brasileira sob sua gestão. No País, por exemplo, a meta da Heineken é ter 50% de mulheres nas posições de liderança até 2026. Hoje, esse percentual já chegou a 42%.

Abaixo os principais trechos da entrevista:

Especialistas comentam que houve um esfriamento da pauta de diversidade globalmente, incluindo queda de investimentos em práticas da agenda. Como a sra. enxerga esse momento, exatamente quando assume como diretora global de diversidade na Heineken?

Sem dúvida, a pauta ganhou uma explosão em 2020 com as questões relacionadas à morte de George Floyd. Até as pessoas que estavam engajadas na pauta abriram um pouco mais os olhos. Agora, com as conversas que vêm acontecendo por conta da eleição para Presidência dos Estados Unidos, eu leio que há um peso político nisso, com as empresas tentando entender como se posicionar e aguardando como essa grande potência vai acabar se posicionando. Então, eu entendo que as empresas que entraram na pauta porque sentiram uma pressão externa para isso ou as que têm outros interesses nesse momento vão pensar que é melhor sair um pouco desse holofote. Para a Heineken, isso nunca foi um tema político, nem para um lado, nem para o outro. De fato, há algumas empresas saindo da pauta, mas, se uma, duas, três saíram, não significa que todas estão saindo. Quando converso com os meus pares, a grande maioria continua com a pauta e investindo nela.

A questão está na associação da pauta com a agenda político-partidária?

O que acho é que as pessoas estão com mais medo de falar. Infelizmente, está virando uma coisa cada vez mais polarizada. Exemplo: se estou falando de igualdade de gênero, é porque sou defensora da pauta política X ou Y, quando, na verdade, em um País com o nível de desigualdade como o nosso, isso deveria ser uma coisa para permear uma visão de uma sociedade mais igualitária. Além disso, a gente olha números de empresas que são mais diversas e, de fato, elas têm mais resultados. Cargos como o que tenho hoje vão diminuir de importância ou talvez deixem de existir algum dia porque vão fazer parte de uma pauta mais do dia a dia, mas hoje, infelizmente, a gente não chegou lá ainda. Na semana retrasada, tivemos um grande de um lembrete de como a gente ainda tem muita coisa para remar (fazendo referência à declaração do executivo Tallis Gomes sobre mulheres CEOs). Temos que continuar alertas, do contrário a pauta deixa de ser relevante, e a gente fica sem entender os movimentos e para onde as coisas estão indo.

Com a aproximação da COP-30, os temas relacionados à economia verde têm ganhado força no Brasil, incluindo oportunidades de investimento. Isso pode oferecer algum risco para a agenda de diversidade?

Jamais penso como um risco, pois acho que ambas as agendas trabalham para que a gente possa buscar um futuro mais justo, mais sustentável. Entendo que, quando a gente amplia essa pauta, ela vai acabar tocando nos grupos (de minoria). Quero crer que isso vai gerar ainda mais sensibilidade na sociedade para entender que não dá para crescer nesses temas, se não começarmos a incluir também os grupos minorizados. A pauta de diversidade não precisa ser uma linha na agenda. Ela é interseccional, e eu não vejo como separar as conversas. Estamos falando de sustentabilidade como um todo, mas, para isso poder funcionar, a gente vai ter que começar a incluir outros grupos, ter outras conversas e olhar a parte de política de governança de uma forma um pouco mais séria do que o trouxe a gente para o que vimos acontecer no Rio Grande do Sul, por exemplo.

Sob sua gestão, a Heineken criou a diretoria de Felicidade, focada no bem-estar das pessoas. Como essa agenda dialoga com as estratégias de sustentabilidade?

A diretoria de Felicidade veio na preocupação com o pilar Social do ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), pois acreditamos que oferecer essa cultura de bem-estar e pertencimento tem muito a ver com o ambiente que queremos criar. Para termos sucesso coletivo e sustentável, a gente queria avançar de uma agenda só de clima e começar a falar um pouco mais do cuidado do indivíduo. Dentro da pauta verde, eu realmente acredito que, se a gente tiver um olhar mais forte para ela, a gente vai acabar olhando os grupos minorizados também. A gente sabe que o grande impacto das questões climáticas acaba penalizando mais indígenas, mulheres pretas, entre outras. Puxar uma pauta está ajudando a alimentar outra e vice-versa. Elas se conectam.

Fabrica da cervejaria Heineken na cidade de Jacareí  Foto: Taba Benedicto/Estadão

O seu cargo terá como meta inicial ampliar o número de mulheres na companhia. Onde estão os maiores gargalos da indústria cervejeira para esse avanço?

O mercado cervejeiro como um todo é predominantemente masculino. Mas, com base na minha experiência em outras empresas, no fim, as áreas mais desafiadoras nesse sentido são parecidas: as áreas de vendas e as de produção. O ponto é menos a questão do ambiente, porque temos hoje em dia mais e mais mulheres formadas e com capacitação, mas, muitas vezes, é a questão de mobilidade, pois, para a mulher crescer, pode ter que se mudar de um Estado ou mudar de unidade fabril, e por todas as questões que nós, mulheres, carregamos de responsabilidades adicionais, mobilidade é um pouco mais complicada.

E quanto à questão de aproximar as mulheres como público consumidor nesse mercado?

A gente vem de um passado que está mudando. Eu lembro, quando comecei minha carreira, de coisas que a gente via, ouvia, falava, e que hoje em dia, graças a Deus, são inadmissíveis. Mas a gente tem que lembrar que saiu dali. A Heineken no Brasil é a maior operação em volume no mundo, somos em quase 14 mil colaboradores. Transformar a cultura dessas 14 mil pessoas e estender para as famílias já é um desafio enorme. E quando a gente fala de pessoas que vão trabalhar em campo, falamos de um pedaço da cadeia que não necessariamente a gente consegue tocar. É um trabalho de longo prazo. Por isso que eu acho que quem entra nessa pauta tem que entrar de coração, porque ela é uma pauta de transformação. Eu não vou ver o fim do meu trabalho, mas vou ver o progresso. Acho que a gente ainda tem muito o que fazer também no nosso entorno, começando na nossa casa e tentando expandir o máximo possível.

Entrevista por Shagaly Ferreira

É repórter de Economia no Estadão, com foco em Governança. Formada em Jornalismo pela UFRB, é também graduada em Letras e mestra em Literatura e Cultura pela UFBA. Tem passagens por PEGN, Época Negócios, E-Investidor e A Tarde. Prêmios: 9º Prêmio Sebrae de Jornalismo, 22º Prêmio Estadão, Top 50+ Admirados Jornalistas Negros e Prêmio Itaú Cultural.

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