Indústria da moda quer ser sustentável, mas faltam políticas de crédito, diz cofundadora da SPFW


Para Graça Cabral, um dos nomes à frente da São Paulo Fashion Week, linhas especiais de crédito para a indústria criativa ajudariam ateliês, sobretudo os pequenos, a custear a produção sustentável

Por Shagaly Ferreira
Foto: Lu Prezia/SPFW
Entrevista comGraça CabralCofundadora do São Paulo Fashion Week (SPFW)

Cadeia que envolve dos insumos da agricultura às vitrines do varejo, a indústria da moda no Brasil tem uma série de desafios até alcançar uma operação mais sustentável. Uma das principais dificuldades, especialmente para os pequenos ateliês, está em assumir o alto custo de uma produção baseada em materiais verdes, sem impactar o valor das peças para o consumidor final ou penalizar a remuneração de costureiros.

A constatação é da empresária Graça Cabral, cofundadora da São Paulo Fashion Week (SPFW) e do Instituto Nacional de Moda, Design e Economia Criativa (Inmode). Para ela, iniciativas já apresentadas por marcas de moda no País, principalmente as grandes, mostram que o setor já entendeu os benefícios da sustentabilidade como estratégia de negócios. Contudo, para grande parte dos profissionais à frente de pequenas empresas, a falta de uma oferta ampla de linhas de crédito para fomentar esse tipo de produção limita o avanço.

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“Na busca por crédito, principalmente na ponta, os criativos têm muita dificuldade de terem financiamento”, afirma Cabral. “O governo deveria investir em criar linhas para que essa transformação aconteça nas empresas mais rapidamente. Eu dou muitas consultorias para marcas de moda no Brasil inteiro. Elas têm vontade de ser sustentáveis, mas cadê os insumos? Onde encontrar matéria-prima para ser realmente sustentável? Não adianta só um tecido sustentável. Uma coleção não se faz com um único tecido.”

A falta de demanda não é um problema para esse tipo de investimento. Segundo Cabral, o público consumidor já está buscando nas marcas um produto com alinhamento às questões de sustentabilidade e com maior ciclo de vida. O desafio do setor é fazer com que essas peças possam ter preços mais acessíveis com o tempo, seguindo um caminho semelhante ao dos produtos orgânicos.

“Na moda, ainda temos uma escala muito pequena de fornecedores de insumos sustentáveis, e isso encarece o produto final. Os produtos orgânicos, quando começaram, também eram muito mais caros. Hoje, são mais caros, mas são mais acessíveis do que antes. Essa é a nossa batalha para que a indústria possa fornecer matérias-primas com preço mais acessível para a confecção das peças no ponto final.”

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Para impulsionar o maior diálogo entre moda e sustentabilidade, a SPFW vem buscando estratégias de produção mais limpa, desde 2006, quando se tornou carbon free (livre de carbono) e trouxe a sustentabilidade como tema no ano seguinte, explica Cabral. As iniciativas principais nesse sentido envolvem uso de geradores a biodiesel, reutilização de cenários e investimento em meios digitais contra desperdício.

O evento, o maior da América Latina no segmento, ocorre nesta semana e está em sua 58ª edição. A megaprodução será palco para desfiles de 40 marcas no Parque do Ibirapuera e em outros locais de São Paulo até a próxima segunda-feira, 21.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

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Quando observamos os temas da sustentabilidade no mercado atual, temos visto que eles têm ganhado força, inclusive projetados pelas emergências climáticas. Como a sra. tem visto isso na indústria da moda no Brasil?

A moda é uma cadeia muito extensa, que vai da agricultura ao varejo. É um setor complexo nesse sentido, por ter uma cauda longa e demandar mudanças estruturais. Quando fizemos a edição de 2007 da SPFW falando de sustentabilidade e do consumo consciente, o tema já era uma preocupação e, primeiro, a gente pensou em como esse evento poderia dar o exemplo, transformando o nosso próprio processo. Antes, a montagem de um evento do tamanho da SPFW, que ocupava 18 mil metros quadrados da Bienal, envolvia um mês de montagem, muito desperdício, e aquilo já nos preocupava. Foi aí que começamos a montar tudo com parede de papelão, que, depois além de ser reaproveitado nas edições seguintes, era doado. Na iluminação do evento, envolvemos os fornecedores para que buscassem alternativas que fossem mais condizentes com o que precisávamos. Entendemos que mudança de comportamento é lenta e envolve não só as empresas, mas cada indivíduo. Então, demora.

Estamos falando de uma jornada de quase 20 anos?

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Sim. E era quase um palavrão, na época, falar de moda, sustentabilidade e consumo consciente. E tem uma questão que, no Brasil, em relação a outros lugares no mundo, nós somos todos pequenos produtores. As marcas são nichadas. Essa é uma tendência que também traz um olhar sustentável. Nos anos 1980, produzir para um País como o Brasil se tratava de uma produção gigante. Hoje, estamos falando de pequenas marcas. E tem um pensamento que eu acho que já permeia todas elas de ter uma produção mais enxuta, que leva em conta a qualidade do produto para que ele tenha uma vida útil maior. A questão da moda passa por uma transformação de vários processos, desde como a gente pode ter uma agricultura mais regenerativa até como as fábricas podem ser mais eficientes e ambientalmente amigáveis.

E como está hoje?

Existe um movimento, mas, na busca por crédito, principalmente na ponta, os criativos têm muita dificuldade de terem financiamento. As empresas produtoras já perceberam que vale o investimento, porque, em poucos anos, elas terão eficiência tanto do ponto de vista energético quanto do ponto de vista econômico. É uma virada de chave de entender que a sustentabilidade é mais do que um discurso, é um componente econômico. O governo deveria investir em criar linhas para que essa transformação aconteça nas empresas mais rapidamente. Eu dou muitas consultorias para marcas de moda no Brasil inteiro. Elas têm vontade de ser sustentáveis, mas cadê os insumos? Onde encontrar matéria-prima para ser realmente sustentável? Não adianta só um tecido sustentável. Uma coleção não se faz com um único tecido. Além disso, se estamos falando de ESG, há também o pilar social. A moda é a maior empregadora de mão de obra feminina e tem uma responsabilidade com esse protagonismo, com comunidades inteiras que vivem disso. Às vezes, a vontade não é correspondida com o que é preciso para fazer o trabalho da forma que se quer. Uma marca hoje não pode se abster de pensar em todas essas possibilidades e onde encontrar soluções. Porém, não é uma tarefa fácil.

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Então faltam mais políticas públicas para fomentar essa produção sustentável no Brasil?

Política pública para fomentar criação é uma falta grande. A moda é o carro-chefe da economia criativa. A gente olha para a roupa na passarela, mas não vê que ali tem cenografia, tem iluminação, tem fotografia, tem uma indústria de beleza enorme por trás. E há, ainda assim, uma dificuldade muito grande de linhas de crédito para as áreas criativas. A moda carrega um certo preconceito, entre aspas, no sentido de ser uma atividade que tem dois braços: o criativo e o comercial. Mas, a arte, ela é comercial. Você vende um quadro, vende uma fotografia. Esse “ranço” na moda vem mudando em função do quão criativa ela pode ser e do impacto que ela tem. Mas esse olhar ainda é pouco considerado pelas políticas públicas.

Desfile da São Paulo Fashion Week em 2023 Foto: Sergio Castro/Estadão
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Representantes de outros setores da economia falam das dificuldades em conscientizar o consumidor sobre produtos sustentáveis e gerar demanda. No caso da indústria da moda, há demanda?

Tem demanda. O consumidor entende, a grosso modo, o que é um produto de qualidade. Porém, há a questão da acessibilidade: como tornar acessível um produto desse tipo. O consumidor vai precisar, talvez, desembolsar um valor maior, mas, se sabe que terá uma vida útil maior, o custo-benefício será válido. Outro ponto é que a moda também vive de novidades e o consumidor também quer usar coisas novas. (O desafio é) como equilibrar essas duas coisas. Na moda, ainda temos uma escala muito pequena de fornecedores de insumos sustentáveis, e isso encarece o produto final. Os produtos orgânicos, quando começaram, também eram muito mais caros. Hoje, são mais caros, mas são mais acessíveis do que antes. Essa é a nossa batalha para que a indústria possa fornecer matérias-primas com preço mais acessível para a confecção das peças no ponto final.

E essa questão de um custo mais alto é o que também interfere que a sustentabilidade entre na estratégia de negócios?

Uma empresa grande consegue entender isso. Quando você é pequeno e está batalhando no seu ateliê, pagando suas costureiras, tem um custo que precisa ser composto ali. Nesse sentido, como compor um preço de forma justa, mas também manter o seu negócio? Esse é sempre o dilema de quem está empreendendo. E a moda tem um pouco também de bola de cristal, é uma atividade de risco. Você não tem certeza se aquela criação vai cair no gosto das pessoas. O Brasil tem uma dificuldade ainda no entendimento de como financiar o risco no empreendedorismo. Fala-se muito dos Estados Unidos e de outros lugares, mas neles os bancos e os governos entendem que tem que investir no risco. Isso precisa mudar no universo das políticas públicas e no setor privado no Brasil. É o risco que traz inovação, que traz a mudança, do contrário é mais do mesmo.

Cadeia que envolve dos insumos da agricultura às vitrines do varejo, a indústria da moda no Brasil tem uma série de desafios até alcançar uma operação mais sustentável. Uma das principais dificuldades, especialmente para os pequenos ateliês, está em assumir o alto custo de uma produção baseada em materiais verdes, sem impactar o valor das peças para o consumidor final ou penalizar a remuneração de costureiros.

A constatação é da empresária Graça Cabral, cofundadora da São Paulo Fashion Week (SPFW) e do Instituto Nacional de Moda, Design e Economia Criativa (Inmode). Para ela, iniciativas já apresentadas por marcas de moda no País, principalmente as grandes, mostram que o setor já entendeu os benefícios da sustentabilidade como estratégia de negócios. Contudo, para grande parte dos profissionais à frente de pequenas empresas, a falta de uma oferta ampla de linhas de crédito para fomentar esse tipo de produção limita o avanço.

“Na busca por crédito, principalmente na ponta, os criativos têm muita dificuldade de terem financiamento”, afirma Cabral. “O governo deveria investir em criar linhas para que essa transformação aconteça nas empresas mais rapidamente. Eu dou muitas consultorias para marcas de moda no Brasil inteiro. Elas têm vontade de ser sustentáveis, mas cadê os insumos? Onde encontrar matéria-prima para ser realmente sustentável? Não adianta só um tecido sustentável. Uma coleção não se faz com um único tecido.”

A falta de demanda não é um problema para esse tipo de investimento. Segundo Cabral, o público consumidor já está buscando nas marcas um produto com alinhamento às questões de sustentabilidade e com maior ciclo de vida. O desafio do setor é fazer com que essas peças possam ter preços mais acessíveis com o tempo, seguindo um caminho semelhante ao dos produtos orgânicos.

“Na moda, ainda temos uma escala muito pequena de fornecedores de insumos sustentáveis, e isso encarece o produto final. Os produtos orgânicos, quando começaram, também eram muito mais caros. Hoje, são mais caros, mas são mais acessíveis do que antes. Essa é a nossa batalha para que a indústria possa fornecer matérias-primas com preço mais acessível para a confecção das peças no ponto final.”

Para impulsionar o maior diálogo entre moda e sustentabilidade, a SPFW vem buscando estratégias de produção mais limpa, desde 2006, quando se tornou carbon free (livre de carbono) e trouxe a sustentabilidade como tema no ano seguinte, explica Cabral. As iniciativas principais nesse sentido envolvem uso de geradores a biodiesel, reutilização de cenários e investimento em meios digitais contra desperdício.

O evento, o maior da América Latina no segmento, ocorre nesta semana e está em sua 58ª edição. A megaprodução será palco para desfiles de 40 marcas no Parque do Ibirapuera e em outros locais de São Paulo até a próxima segunda-feira, 21.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Quando observamos os temas da sustentabilidade no mercado atual, temos visto que eles têm ganhado força, inclusive projetados pelas emergências climáticas. Como a sra. tem visto isso na indústria da moda no Brasil?

A moda é uma cadeia muito extensa, que vai da agricultura ao varejo. É um setor complexo nesse sentido, por ter uma cauda longa e demandar mudanças estruturais. Quando fizemos a edição de 2007 da SPFW falando de sustentabilidade e do consumo consciente, o tema já era uma preocupação e, primeiro, a gente pensou em como esse evento poderia dar o exemplo, transformando o nosso próprio processo. Antes, a montagem de um evento do tamanho da SPFW, que ocupava 18 mil metros quadrados da Bienal, envolvia um mês de montagem, muito desperdício, e aquilo já nos preocupava. Foi aí que começamos a montar tudo com parede de papelão, que, depois além de ser reaproveitado nas edições seguintes, era doado. Na iluminação do evento, envolvemos os fornecedores para que buscassem alternativas que fossem mais condizentes com o que precisávamos. Entendemos que mudança de comportamento é lenta e envolve não só as empresas, mas cada indivíduo. Então, demora.

Estamos falando de uma jornada de quase 20 anos?

Sim. E era quase um palavrão, na época, falar de moda, sustentabilidade e consumo consciente. E tem uma questão que, no Brasil, em relação a outros lugares no mundo, nós somos todos pequenos produtores. As marcas são nichadas. Essa é uma tendência que também traz um olhar sustentável. Nos anos 1980, produzir para um País como o Brasil se tratava de uma produção gigante. Hoje, estamos falando de pequenas marcas. E tem um pensamento que eu acho que já permeia todas elas de ter uma produção mais enxuta, que leva em conta a qualidade do produto para que ele tenha uma vida útil maior. A questão da moda passa por uma transformação de vários processos, desde como a gente pode ter uma agricultura mais regenerativa até como as fábricas podem ser mais eficientes e ambientalmente amigáveis.

E como está hoje?

Existe um movimento, mas, na busca por crédito, principalmente na ponta, os criativos têm muita dificuldade de terem financiamento. As empresas produtoras já perceberam que vale o investimento, porque, em poucos anos, elas terão eficiência tanto do ponto de vista energético quanto do ponto de vista econômico. É uma virada de chave de entender que a sustentabilidade é mais do que um discurso, é um componente econômico. O governo deveria investir em criar linhas para que essa transformação aconteça nas empresas mais rapidamente. Eu dou muitas consultorias para marcas de moda no Brasil inteiro. Elas têm vontade de ser sustentáveis, mas cadê os insumos? Onde encontrar matéria-prima para ser realmente sustentável? Não adianta só um tecido sustentável. Uma coleção não se faz com um único tecido. Além disso, se estamos falando de ESG, há também o pilar social. A moda é a maior empregadora de mão de obra feminina e tem uma responsabilidade com esse protagonismo, com comunidades inteiras que vivem disso. Às vezes, a vontade não é correspondida com o que é preciso para fazer o trabalho da forma que se quer. Uma marca hoje não pode se abster de pensar em todas essas possibilidades e onde encontrar soluções. Porém, não é uma tarefa fácil.

Então faltam mais políticas públicas para fomentar essa produção sustentável no Brasil?

Política pública para fomentar criação é uma falta grande. A moda é o carro-chefe da economia criativa. A gente olha para a roupa na passarela, mas não vê que ali tem cenografia, tem iluminação, tem fotografia, tem uma indústria de beleza enorme por trás. E há, ainda assim, uma dificuldade muito grande de linhas de crédito para as áreas criativas. A moda carrega um certo preconceito, entre aspas, no sentido de ser uma atividade que tem dois braços: o criativo e o comercial. Mas, a arte, ela é comercial. Você vende um quadro, vende uma fotografia. Esse “ranço” na moda vem mudando em função do quão criativa ela pode ser e do impacto que ela tem. Mas esse olhar ainda é pouco considerado pelas políticas públicas.

Desfile da São Paulo Fashion Week em 2023 Foto: Sergio Castro/Estadão

Representantes de outros setores da economia falam das dificuldades em conscientizar o consumidor sobre produtos sustentáveis e gerar demanda. No caso da indústria da moda, há demanda?

Tem demanda. O consumidor entende, a grosso modo, o que é um produto de qualidade. Porém, há a questão da acessibilidade: como tornar acessível um produto desse tipo. O consumidor vai precisar, talvez, desembolsar um valor maior, mas, se sabe que terá uma vida útil maior, o custo-benefício será válido. Outro ponto é que a moda também vive de novidades e o consumidor também quer usar coisas novas. (O desafio é) como equilibrar essas duas coisas. Na moda, ainda temos uma escala muito pequena de fornecedores de insumos sustentáveis, e isso encarece o produto final. Os produtos orgânicos, quando começaram, também eram muito mais caros. Hoje, são mais caros, mas são mais acessíveis do que antes. Essa é a nossa batalha para que a indústria possa fornecer matérias-primas com preço mais acessível para a confecção das peças no ponto final.

E essa questão de um custo mais alto é o que também interfere que a sustentabilidade entre na estratégia de negócios?

Uma empresa grande consegue entender isso. Quando você é pequeno e está batalhando no seu ateliê, pagando suas costureiras, tem um custo que precisa ser composto ali. Nesse sentido, como compor um preço de forma justa, mas também manter o seu negócio? Esse é sempre o dilema de quem está empreendendo. E a moda tem um pouco também de bola de cristal, é uma atividade de risco. Você não tem certeza se aquela criação vai cair no gosto das pessoas. O Brasil tem uma dificuldade ainda no entendimento de como financiar o risco no empreendedorismo. Fala-se muito dos Estados Unidos e de outros lugares, mas neles os bancos e os governos entendem que tem que investir no risco. Isso precisa mudar no universo das políticas públicas e no setor privado no Brasil. É o risco que traz inovação, que traz a mudança, do contrário é mais do mesmo.

Cadeia que envolve dos insumos da agricultura às vitrines do varejo, a indústria da moda no Brasil tem uma série de desafios até alcançar uma operação mais sustentável. Uma das principais dificuldades, especialmente para os pequenos ateliês, está em assumir o alto custo de uma produção baseada em materiais verdes, sem impactar o valor das peças para o consumidor final ou penalizar a remuneração de costureiros.

A constatação é da empresária Graça Cabral, cofundadora da São Paulo Fashion Week (SPFW) e do Instituto Nacional de Moda, Design e Economia Criativa (Inmode). Para ela, iniciativas já apresentadas por marcas de moda no País, principalmente as grandes, mostram que o setor já entendeu os benefícios da sustentabilidade como estratégia de negócios. Contudo, para grande parte dos profissionais à frente de pequenas empresas, a falta de uma oferta ampla de linhas de crédito para fomentar esse tipo de produção limita o avanço.

“Na busca por crédito, principalmente na ponta, os criativos têm muita dificuldade de terem financiamento”, afirma Cabral. “O governo deveria investir em criar linhas para que essa transformação aconteça nas empresas mais rapidamente. Eu dou muitas consultorias para marcas de moda no Brasil inteiro. Elas têm vontade de ser sustentáveis, mas cadê os insumos? Onde encontrar matéria-prima para ser realmente sustentável? Não adianta só um tecido sustentável. Uma coleção não se faz com um único tecido.”

A falta de demanda não é um problema para esse tipo de investimento. Segundo Cabral, o público consumidor já está buscando nas marcas um produto com alinhamento às questões de sustentabilidade e com maior ciclo de vida. O desafio do setor é fazer com que essas peças possam ter preços mais acessíveis com o tempo, seguindo um caminho semelhante ao dos produtos orgânicos.

“Na moda, ainda temos uma escala muito pequena de fornecedores de insumos sustentáveis, e isso encarece o produto final. Os produtos orgânicos, quando começaram, também eram muito mais caros. Hoje, são mais caros, mas são mais acessíveis do que antes. Essa é a nossa batalha para que a indústria possa fornecer matérias-primas com preço mais acessível para a confecção das peças no ponto final.”

Para impulsionar o maior diálogo entre moda e sustentabilidade, a SPFW vem buscando estratégias de produção mais limpa, desde 2006, quando se tornou carbon free (livre de carbono) e trouxe a sustentabilidade como tema no ano seguinte, explica Cabral. As iniciativas principais nesse sentido envolvem uso de geradores a biodiesel, reutilização de cenários e investimento em meios digitais contra desperdício.

O evento, o maior da América Latina no segmento, ocorre nesta semana e está em sua 58ª edição. A megaprodução será palco para desfiles de 40 marcas no Parque do Ibirapuera e em outros locais de São Paulo até a próxima segunda-feira, 21.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Quando observamos os temas da sustentabilidade no mercado atual, temos visto que eles têm ganhado força, inclusive projetados pelas emergências climáticas. Como a sra. tem visto isso na indústria da moda no Brasil?

A moda é uma cadeia muito extensa, que vai da agricultura ao varejo. É um setor complexo nesse sentido, por ter uma cauda longa e demandar mudanças estruturais. Quando fizemos a edição de 2007 da SPFW falando de sustentabilidade e do consumo consciente, o tema já era uma preocupação e, primeiro, a gente pensou em como esse evento poderia dar o exemplo, transformando o nosso próprio processo. Antes, a montagem de um evento do tamanho da SPFW, que ocupava 18 mil metros quadrados da Bienal, envolvia um mês de montagem, muito desperdício, e aquilo já nos preocupava. Foi aí que começamos a montar tudo com parede de papelão, que, depois além de ser reaproveitado nas edições seguintes, era doado. Na iluminação do evento, envolvemos os fornecedores para que buscassem alternativas que fossem mais condizentes com o que precisávamos. Entendemos que mudança de comportamento é lenta e envolve não só as empresas, mas cada indivíduo. Então, demora.

Estamos falando de uma jornada de quase 20 anos?

Sim. E era quase um palavrão, na época, falar de moda, sustentabilidade e consumo consciente. E tem uma questão que, no Brasil, em relação a outros lugares no mundo, nós somos todos pequenos produtores. As marcas são nichadas. Essa é uma tendência que também traz um olhar sustentável. Nos anos 1980, produzir para um País como o Brasil se tratava de uma produção gigante. Hoje, estamos falando de pequenas marcas. E tem um pensamento que eu acho que já permeia todas elas de ter uma produção mais enxuta, que leva em conta a qualidade do produto para que ele tenha uma vida útil maior. A questão da moda passa por uma transformação de vários processos, desde como a gente pode ter uma agricultura mais regenerativa até como as fábricas podem ser mais eficientes e ambientalmente amigáveis.

E como está hoje?

Existe um movimento, mas, na busca por crédito, principalmente na ponta, os criativos têm muita dificuldade de terem financiamento. As empresas produtoras já perceberam que vale o investimento, porque, em poucos anos, elas terão eficiência tanto do ponto de vista energético quanto do ponto de vista econômico. É uma virada de chave de entender que a sustentabilidade é mais do que um discurso, é um componente econômico. O governo deveria investir em criar linhas para que essa transformação aconteça nas empresas mais rapidamente. Eu dou muitas consultorias para marcas de moda no Brasil inteiro. Elas têm vontade de ser sustentáveis, mas cadê os insumos? Onde encontrar matéria-prima para ser realmente sustentável? Não adianta só um tecido sustentável. Uma coleção não se faz com um único tecido. Além disso, se estamos falando de ESG, há também o pilar social. A moda é a maior empregadora de mão de obra feminina e tem uma responsabilidade com esse protagonismo, com comunidades inteiras que vivem disso. Às vezes, a vontade não é correspondida com o que é preciso para fazer o trabalho da forma que se quer. Uma marca hoje não pode se abster de pensar em todas essas possibilidades e onde encontrar soluções. Porém, não é uma tarefa fácil.

Então faltam mais políticas públicas para fomentar essa produção sustentável no Brasil?

Política pública para fomentar criação é uma falta grande. A moda é o carro-chefe da economia criativa. A gente olha para a roupa na passarela, mas não vê que ali tem cenografia, tem iluminação, tem fotografia, tem uma indústria de beleza enorme por trás. E há, ainda assim, uma dificuldade muito grande de linhas de crédito para as áreas criativas. A moda carrega um certo preconceito, entre aspas, no sentido de ser uma atividade que tem dois braços: o criativo e o comercial. Mas, a arte, ela é comercial. Você vende um quadro, vende uma fotografia. Esse “ranço” na moda vem mudando em função do quão criativa ela pode ser e do impacto que ela tem. Mas esse olhar ainda é pouco considerado pelas políticas públicas.

Desfile da São Paulo Fashion Week em 2023 Foto: Sergio Castro/Estadão

Representantes de outros setores da economia falam das dificuldades em conscientizar o consumidor sobre produtos sustentáveis e gerar demanda. No caso da indústria da moda, há demanda?

Tem demanda. O consumidor entende, a grosso modo, o que é um produto de qualidade. Porém, há a questão da acessibilidade: como tornar acessível um produto desse tipo. O consumidor vai precisar, talvez, desembolsar um valor maior, mas, se sabe que terá uma vida útil maior, o custo-benefício será válido. Outro ponto é que a moda também vive de novidades e o consumidor também quer usar coisas novas. (O desafio é) como equilibrar essas duas coisas. Na moda, ainda temos uma escala muito pequena de fornecedores de insumos sustentáveis, e isso encarece o produto final. Os produtos orgânicos, quando começaram, também eram muito mais caros. Hoje, são mais caros, mas são mais acessíveis do que antes. Essa é a nossa batalha para que a indústria possa fornecer matérias-primas com preço mais acessível para a confecção das peças no ponto final.

E essa questão de um custo mais alto é o que também interfere que a sustentabilidade entre na estratégia de negócios?

Uma empresa grande consegue entender isso. Quando você é pequeno e está batalhando no seu ateliê, pagando suas costureiras, tem um custo que precisa ser composto ali. Nesse sentido, como compor um preço de forma justa, mas também manter o seu negócio? Esse é sempre o dilema de quem está empreendendo. E a moda tem um pouco também de bola de cristal, é uma atividade de risco. Você não tem certeza se aquela criação vai cair no gosto das pessoas. O Brasil tem uma dificuldade ainda no entendimento de como financiar o risco no empreendedorismo. Fala-se muito dos Estados Unidos e de outros lugares, mas neles os bancos e os governos entendem que tem que investir no risco. Isso precisa mudar no universo das políticas públicas e no setor privado no Brasil. É o risco que traz inovação, que traz a mudança, do contrário é mais do mesmo.

Cadeia que envolve dos insumos da agricultura às vitrines do varejo, a indústria da moda no Brasil tem uma série de desafios até alcançar uma operação mais sustentável. Uma das principais dificuldades, especialmente para os pequenos ateliês, está em assumir o alto custo de uma produção baseada em materiais verdes, sem impactar o valor das peças para o consumidor final ou penalizar a remuneração de costureiros.

A constatação é da empresária Graça Cabral, cofundadora da São Paulo Fashion Week (SPFW) e do Instituto Nacional de Moda, Design e Economia Criativa (Inmode). Para ela, iniciativas já apresentadas por marcas de moda no País, principalmente as grandes, mostram que o setor já entendeu os benefícios da sustentabilidade como estratégia de negócios. Contudo, para grande parte dos profissionais à frente de pequenas empresas, a falta de uma oferta ampla de linhas de crédito para fomentar esse tipo de produção limita o avanço.

“Na busca por crédito, principalmente na ponta, os criativos têm muita dificuldade de terem financiamento”, afirma Cabral. “O governo deveria investir em criar linhas para que essa transformação aconteça nas empresas mais rapidamente. Eu dou muitas consultorias para marcas de moda no Brasil inteiro. Elas têm vontade de ser sustentáveis, mas cadê os insumos? Onde encontrar matéria-prima para ser realmente sustentável? Não adianta só um tecido sustentável. Uma coleção não se faz com um único tecido.”

A falta de demanda não é um problema para esse tipo de investimento. Segundo Cabral, o público consumidor já está buscando nas marcas um produto com alinhamento às questões de sustentabilidade e com maior ciclo de vida. O desafio do setor é fazer com que essas peças possam ter preços mais acessíveis com o tempo, seguindo um caminho semelhante ao dos produtos orgânicos.

“Na moda, ainda temos uma escala muito pequena de fornecedores de insumos sustentáveis, e isso encarece o produto final. Os produtos orgânicos, quando começaram, também eram muito mais caros. Hoje, são mais caros, mas são mais acessíveis do que antes. Essa é a nossa batalha para que a indústria possa fornecer matérias-primas com preço mais acessível para a confecção das peças no ponto final.”

Para impulsionar o maior diálogo entre moda e sustentabilidade, a SPFW vem buscando estratégias de produção mais limpa, desde 2006, quando se tornou carbon free (livre de carbono) e trouxe a sustentabilidade como tema no ano seguinte, explica Cabral. As iniciativas principais nesse sentido envolvem uso de geradores a biodiesel, reutilização de cenários e investimento em meios digitais contra desperdício.

O evento, o maior da América Latina no segmento, ocorre nesta semana e está em sua 58ª edição. A megaprodução será palco para desfiles de 40 marcas no Parque do Ibirapuera e em outros locais de São Paulo até a próxima segunda-feira, 21.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Quando observamos os temas da sustentabilidade no mercado atual, temos visto que eles têm ganhado força, inclusive projetados pelas emergências climáticas. Como a sra. tem visto isso na indústria da moda no Brasil?

A moda é uma cadeia muito extensa, que vai da agricultura ao varejo. É um setor complexo nesse sentido, por ter uma cauda longa e demandar mudanças estruturais. Quando fizemos a edição de 2007 da SPFW falando de sustentabilidade e do consumo consciente, o tema já era uma preocupação e, primeiro, a gente pensou em como esse evento poderia dar o exemplo, transformando o nosso próprio processo. Antes, a montagem de um evento do tamanho da SPFW, que ocupava 18 mil metros quadrados da Bienal, envolvia um mês de montagem, muito desperdício, e aquilo já nos preocupava. Foi aí que começamos a montar tudo com parede de papelão, que, depois além de ser reaproveitado nas edições seguintes, era doado. Na iluminação do evento, envolvemos os fornecedores para que buscassem alternativas que fossem mais condizentes com o que precisávamos. Entendemos que mudança de comportamento é lenta e envolve não só as empresas, mas cada indivíduo. Então, demora.

Estamos falando de uma jornada de quase 20 anos?

Sim. E era quase um palavrão, na época, falar de moda, sustentabilidade e consumo consciente. E tem uma questão que, no Brasil, em relação a outros lugares no mundo, nós somos todos pequenos produtores. As marcas são nichadas. Essa é uma tendência que também traz um olhar sustentável. Nos anos 1980, produzir para um País como o Brasil se tratava de uma produção gigante. Hoje, estamos falando de pequenas marcas. E tem um pensamento que eu acho que já permeia todas elas de ter uma produção mais enxuta, que leva em conta a qualidade do produto para que ele tenha uma vida útil maior. A questão da moda passa por uma transformação de vários processos, desde como a gente pode ter uma agricultura mais regenerativa até como as fábricas podem ser mais eficientes e ambientalmente amigáveis.

E como está hoje?

Existe um movimento, mas, na busca por crédito, principalmente na ponta, os criativos têm muita dificuldade de terem financiamento. As empresas produtoras já perceberam que vale o investimento, porque, em poucos anos, elas terão eficiência tanto do ponto de vista energético quanto do ponto de vista econômico. É uma virada de chave de entender que a sustentabilidade é mais do que um discurso, é um componente econômico. O governo deveria investir em criar linhas para que essa transformação aconteça nas empresas mais rapidamente. Eu dou muitas consultorias para marcas de moda no Brasil inteiro. Elas têm vontade de ser sustentáveis, mas cadê os insumos? Onde encontrar matéria-prima para ser realmente sustentável? Não adianta só um tecido sustentável. Uma coleção não se faz com um único tecido. Além disso, se estamos falando de ESG, há também o pilar social. A moda é a maior empregadora de mão de obra feminina e tem uma responsabilidade com esse protagonismo, com comunidades inteiras que vivem disso. Às vezes, a vontade não é correspondida com o que é preciso para fazer o trabalho da forma que se quer. Uma marca hoje não pode se abster de pensar em todas essas possibilidades e onde encontrar soluções. Porém, não é uma tarefa fácil.

Então faltam mais políticas públicas para fomentar essa produção sustentável no Brasil?

Política pública para fomentar criação é uma falta grande. A moda é o carro-chefe da economia criativa. A gente olha para a roupa na passarela, mas não vê que ali tem cenografia, tem iluminação, tem fotografia, tem uma indústria de beleza enorme por trás. E há, ainda assim, uma dificuldade muito grande de linhas de crédito para as áreas criativas. A moda carrega um certo preconceito, entre aspas, no sentido de ser uma atividade que tem dois braços: o criativo e o comercial. Mas, a arte, ela é comercial. Você vende um quadro, vende uma fotografia. Esse “ranço” na moda vem mudando em função do quão criativa ela pode ser e do impacto que ela tem. Mas esse olhar ainda é pouco considerado pelas políticas públicas.

Desfile da São Paulo Fashion Week em 2023 Foto: Sergio Castro/Estadão

Representantes de outros setores da economia falam das dificuldades em conscientizar o consumidor sobre produtos sustentáveis e gerar demanda. No caso da indústria da moda, há demanda?

Tem demanda. O consumidor entende, a grosso modo, o que é um produto de qualidade. Porém, há a questão da acessibilidade: como tornar acessível um produto desse tipo. O consumidor vai precisar, talvez, desembolsar um valor maior, mas, se sabe que terá uma vida útil maior, o custo-benefício será válido. Outro ponto é que a moda também vive de novidades e o consumidor também quer usar coisas novas. (O desafio é) como equilibrar essas duas coisas. Na moda, ainda temos uma escala muito pequena de fornecedores de insumos sustentáveis, e isso encarece o produto final. Os produtos orgânicos, quando começaram, também eram muito mais caros. Hoje, são mais caros, mas são mais acessíveis do que antes. Essa é a nossa batalha para que a indústria possa fornecer matérias-primas com preço mais acessível para a confecção das peças no ponto final.

E essa questão de um custo mais alto é o que também interfere que a sustentabilidade entre na estratégia de negócios?

Uma empresa grande consegue entender isso. Quando você é pequeno e está batalhando no seu ateliê, pagando suas costureiras, tem um custo que precisa ser composto ali. Nesse sentido, como compor um preço de forma justa, mas também manter o seu negócio? Esse é sempre o dilema de quem está empreendendo. E a moda tem um pouco também de bola de cristal, é uma atividade de risco. Você não tem certeza se aquela criação vai cair no gosto das pessoas. O Brasil tem uma dificuldade ainda no entendimento de como financiar o risco no empreendedorismo. Fala-se muito dos Estados Unidos e de outros lugares, mas neles os bancos e os governos entendem que tem que investir no risco. Isso precisa mudar no universo das políticas públicas e no setor privado no Brasil. É o risco que traz inovação, que traz a mudança, do contrário é mais do mesmo.

Entrevista por Shagaly Ferreira

É repórter de Economia no Estadão, com foco em Governança. Formada em Jornalismo pela UFRB, é também graduada em Letras e mestra em Literatura e Cultura pela UFBA. Tem passagens por PEGN, Época Negócios, E-Investidor e A Tarde. Prêmios: 9º Prêmio Sebrae de Jornalismo, 22º Prêmio Estadão, Top 50+ Admirados Jornalistas Negros e Prêmio Itaú Cultural.

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