Em 21 de abril de 2022, o então presidente colombiano Ivan Duque foi à Bolsa de Valores de Nova York para apresentar uma novidade de seu país: naquele dia, a Colômbia se tornou a primeira nação das Américas a lançar uma taxonomia verde oficial, ou seja, uma lista de setores que contribuem para alcançar as metas ambientais definidas pelo país e os parâmetros a serem perseguidos por eles para estarem em consonância com as contribuições do país no tema ambiental, como forma de atrair investimentos.
O objetivo do documento é simples: ajudar no processo de transição para uma economia mais verde, de baixo carbono e sustentável. Foram incluídos oito setores: energia, construção, gestão de resíduos e captação de CO2, gestão de água, transporte, pecuária, agricultura e florestal. Outros dois, tecnologia da informação e comunicação e indústria, foram considerados como “de apoio” para alcançar os objetivos ambientais, que incluem questões como a gestão do solo e das águas, preservação de ecossistemas e apoio à economia circular. O Estadão conversou com Mariana Escobar Uribe, chefe de Finanças Sustentáveis da Superintendência Financeira da Colômbia, principal órgão responsável pela publicação, para entender como foi a criação da taxonomia e entender com mais detalhes o que se espera alcançar com ela.
Como surgiu a ideia de definir uma taxonomia verde em nível nacional a partir do governo na Colômbia?
Surgiu de uma enquete feita pela Superintendência Financeira. Nós, como autoridades de supervisão, observamos tanto bancos quanto companhias de seguros e participantes do mercado de capitais. Lançamos uma pesquisa para entender como o sistema financeiro está abordando os riscos e oportunidades dos assuntos climáticos, e outras questões, como está a governança de uma entidade, como é o processo de adesão a um compromisso, como identificavam os riscos e reagiam a eles, como procuravam aproveitar as oportunidades. Em uma das perguntas, indagamos quais eram as principais barreiras para identificar as oportunidades de negócio, e eles mencionaram a ausência de sistemas de classificação e definição. A taxonomia não somente cria definições em comum, mas também serve para o desenvolvimento, por permitir identificar não quem é o mais verde, e sim quem está mais alinhado com as metas de um país. Nesse sentido, nós colocamos na mesa para o governo a ideia de criar a taxonomia.
Como foram feitas as definições de parâmetros?
Há uma série de decisões a se tomar entre diversas opções ao realizar uma taxonomia, e a primeira é se vou me alinhar com a que já existe, a da União Europeia, se quer uma versão mais completa, que foi o caminho que a Colômbia tomou para a maioria das suas atividades produtivas, ou, finalmente, desenvolver algo do zero. Então, decidimos adaptar para as coisas que sejam adaptáveis ao contexto colombiano e naqueles setores ou atividades produtivas em que não há referência internacional, desenvolvemos do zero. Procuramos a assistência oferecida por entidades multilaterais, especificamente o Banco Mundial, que além da taxonomia, nos mostrou uma estratégia para ‘enverdecer’ o sistema financeiro. Eles contaram com o apoio da Internacional Finance Corporation (IFC) e de consultores técnicos da Climate Bonds Initiative, que já trabalhou em outras taxonomias e tem uma expertise técnica. O processo total durou dois anos.
Durante esses dois anos, como foi o trabalho?
Foi um processo que esteve marcado em 12 grandes passos que definimos em uma instância de coordenação que se chamou de ‘mesa da taxonomia’, com representantes de diferentes agências, organizações e ministérios do governo. Os 12 passos incluíam a definição de objetivos ambientais a serem incluídos na taxonomia, as prioridades no contexto colombiano, a geografia, a natureza, os planos, programas e os compromissos e metas públicas que o governo tem. Depois, realizou-se uma análise para identificar diferentes características e objetivos em taxonomias usadas em nível local e internacional, nos baseando principalmente na da União Europeia. Fizemos uma pré-identificação de atividades e ativos.
E após esse trabalho inicial?
Foram feitas propostas que envolviam a regulação nacional, as práticas de mercado e o que se sabia das métricas em termos ambientais das atividades e ativos [financeiros], e fizemos consultas com especialistas. Essas consultas se deram em dois níveis: no primeiro, através dos assessores técnicos setoriais, os líderes por setor; e fizemos revisões em ‘mesas de construção’, mesas de trabalho com representantes dos ministérios, do setor privado, do setor financeiro, da academia, de órgãos multilaterais, de ONGs, e a partir daí, fizemos ajustes com as conclusões a que chegamos nas mesas. Uma vez que essas consultas foram feitas, chegou-se ao documento final, sobre os quais puderam ser feitos comentários, por experts e depois pelo público geral, e finalmente estava pronto para a publicação.
Depois da inclusão na taxonomia, o que acontece com os segmentos que aparecem nela?
A taxonomia é um documento técnico de referência, não uma regulação, sobre o qual diferentes órgãos técnicos do governo podem fazer implementações, e usar a taxonomia em suas regulações. Nesse sentido, nós, como Superintendência, emitimos circulares pela transparência de produtos financeiros que tenham uma denominação verde, bônus verdes, fundos verdes, esses tipos de instrumentos, e pedimos que se alinhassem com a taxonomia. Essa é a forma dos segmentos que Superintendência está implementando: damos as competências em ‘product disclosure’, a revelação de informações ao mercado dos produtos que tenha um nome ‘verde’, que tenha uma alegação ou uma promessa verde.
Quais são as metas que a Superintendência Financeira almeja alcançar em termos ambientais?
Nós temos um objetivo que é enverdecer o sistema financeiro. Nesse sentido, nós buscamos primeiro facilitar a movimentação de capital - existe um cálculo que está sendo atualizado sobre quanto dinheiro é necessário para cumprir a NDC [compromisso nacional determinado pelo país na COP-26]. Em relação ao tema de riscos, a busca é que as entidades financeiras incorporem dentro de seus sistemas e processos de tomada de decisão a avaliação de riscos ambientais, principalmente os climáticos. Temos um compromisso de implementar medidas de maneira gradual e progressiva, de maneira que tenhamos, no médio prazo, um sistema financeiro onde todas as instituições que supervisionamos incorporem esses assuntos dentro das suas avaliações de risco.
A taxonomia pretende tornar as empresas colombianas mais competitivas no exterior?
No final, a taxonomia não tem empresas, e sim setores e atividades. As companhias, de alguma maneira, podem começar a usar a taxonomia para montar e revisar em seus negócios e mostrar que seus ativos estão alinhados com as metas nacionais. Eu pensaria também nos compromissos e oportunidades, digamos, a partir de uma perspectiva regulatória e legal, mas também as demandas dos consumidores. O capital estrangeiro já está notando se quer os riscos de transição das indústrias a uma economia de baixo carbono. Então, nós consideramos que sim, à medida que as companhias utilizem a taxonomia como baliza, para entender as expectativas, especialmente dos consumidores, faz todo o sentido. A contribuição da Colômbia com a emissão de gases de efeito estufa [no total do planeta] é muito baixa, assim, a nossa ajuda para baixar as emissões pode se dar através da competitividade.
A taxonomia verde pretende ajudar no desenvolvimento sustentável da região amazônica da Colômbia? Se sim, como pretende ajudar a preservar a floresta e ao mesmo tempo garantir vida digna para os habitantes locais?
Isso tem a ver com a transição justa. A taxonomia é uma lista sem questões obrigatórias. Não estamos dizendo às pessoas que invistam nas empresas que tenham desenvolvido suas atividades e ativos, estamos apontando quais os setores que mais contribuem [para alcançar as metas ambientais do país]. Sobre os temas sociais, é importante entender que para estar 100% alinhado à taxonomia, não basta só cumprir as condições técnicas exigidas de desempenho, também pedimos aos usuários da taxonomia que reajam a todos os riscos ambientais. Um projeto pode ser verde no sentido das mudanças climáticas, ou da energia limpa, mas pode ter um impacto na biodiversidade. Nesse sentido, os usuários têm que assegurar que não estão causando um dano significativo em questões ambientais ou sociais.
Sobre a Amazônia, a questão é sobre as emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e uso do solo, que é o que mais contribui para o total de emissões [gerado pelo país]. Nós temos três setores na taxonomia de uso do solo, a pecuária, agricultura e o setor florestal, e para eles há um filtro especial, além dos critérios de elegibilidade que já existem, pedimos que estejam em linha com as autoridades locais em relação ao desmatamento, que assegurem que não estão desmatando e estão de acordo com a legislação.
Já se verificam resultados tangíveis após a publicação?
Sabíamos que a publicação era o primeiro passo, agora cabe a nós realizar a implementação e que os diferentes usuários a aceitem. Também estamos iniciando a revisão das carteiras de crédito com denominação verde, para entender o quanto estão financiando as atividades e ativos alinhados com a taxonomia. Os resultados sairão no fim deste ano ou no princípio do próximo.
Haverá novas versões da taxonomia ou será um instrumento em constante atualização?
Creio que as duas coisas. Nós a seguiremos atualizando conforme ocorram mudanças de normas. Mas penso que, eventualmente, deverão ser incluídos outros objetivos ambientais e complementar com outras atividades e ativos que contribuem não só para a mitigação da mudança climática, mas também para os recursos hídricos, biodiversidade, etc. Não posso garantir se serão incluídos outros segmentos econômicos, mas fizemos uma proposta inicial e seguimos revisando se é viável e relevante para os mercados financeiros verdes. Está sobre a mesa essa avaliação, para tomar uma decisão se seguimos, ou se esperamos que os absorvam, que os sistemas financeiros e os atores os entendam melhor.