Apontado como um dos maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, o setor de transporte tem levado empresas a buscar alternativas menos poluentes e a olhar para a agenda ESG (sigla para meio ambiente, social e governança corporativa) como uma oportunidade de negócio.
Segundo informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o setor responde por cerca de 20% das emissões globais de CO₂. No Brasil, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, é responsável por cerca de 9% das emissões totais.
A empresa de logística CHEP Brasil, por exemplo, firmou uma parceria com a PepsiCo para fazer o reaproveitamento de veículos para movimentação de cargas. Para diminuir o impacto ambiental, ela faz a entrega de paletes para a PepsiCo, que os utiliza ao enviar os seus produtos para os distribuidores — sejam supermercados, atacadistas ou minimercados. Após a entrega, em vez de os caminhões retornarem vazios, eles carregam os paletes de volta para a CHEP por rotas estratégicas — ajudando a economizar os quilômetros rodados através da redução de entregas e o uso de trajetos.
“Assim, evito contratar mais veículos, reduzindo custo para nós e para eles, e evito de ter uma poluição maior, com menos veículos nas ruas”, explica o gerente da Cadeia de Suprimentos da CHEP, Marcel Lopes.
Segundo estimativa da empresa, a parceria, batizada de Transporte Colaborativo, já ajudou a reduzir a emissão de mais de 1 milhão de toneladas de CO₂ na atmosfera. “Sem a parceria, os caminhões da PepsiCo voltariam sem carga e nós teríamos que contratar outro veículo para buscar os nossos ativos, o que geraria o dobro de quilômetros rodados”, explica André Cardoso, diretor geral da empresa no Brasil.
Ainda nesta tendência, a PepsiCo, em parceria com a Sunew, iniciou a instalação de Filmes Fotovoltaicos Orgânicos (OPV) em 10 veículos da frota de distribuição em 2020, em um projeto piloto para melhorar a gestão da recarga da bateria dos veículos e do seu sistema de iluminação. O plano é expandir a solução de energia limpa para toda a frota da companhia.
A Ambev, que possui a maior frota de caminhões elétricos do País, também tem traçado estratégias na área. Em 2021, a empresa confirmou a compra dos 100 primeiros veículos elétricos e no ano passado ultrapassou o número de 250 que integram a frota da empresa. Segundo a companhia, a ação já ajudou a poupar o meio ambiente de 2,8 mil toneladas de emissões de CO₂.
Outro exemplo de empresa que tem apostado na sustentabilidade é a Eu Entrego, que tem como foco conectar varejistas com entregadores autônomos. Em parceria com a Moss, todas as entregas terão compensação de 100% do carbono emitido na rota até o consumidor, diminuindo o impacto das emissões de gases de efeito estufa.
O CEO da companhia, Vinicius Pessin, destaca que, com a ascensão do e-commerce na pandemia, é preciso olhar o impacto da quantidade de entregas. Para ele, o crédito de carbono é uma forma eficiente de democratizar o acesso às soluções sustentáveis para empresas dos mais diversos portes.
Cenário de mudança já é realidade?
Para especialistas, embora existam empresas com iniciativas em sustentabilidade, elas ainda são minoria no mercado de transportes — seja de cargas ou de passageiros.
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O vice-presidente de Logística do Grupo Intelipost, Daniel Frantz, destaca que houve avanços, mas eles são mais perceptíveis principalmente no setor de logística, impulsionado pelo mercado de e-commerce, que ganhou uma relevância ainda maior durante a pandemia da covid-19.
“Os avanços são pequenos pelo tamanho do mercado, mas é uma evolução gigante quando a gente compara com dez anos atrás. Há dez anos não se falava de carros elétricos, caminhões elétricos, modais que não emitem CO₂. Quando a gente olha para hoje, essas iniciativas existem”, diz.
Ele ainda destaca que hoje várias empresas recorrem a transportes que possam ser poluentes, mas são usados de maneira mais eficaz. Frantz aponta que as mudanças são consequência da ascensão da agenda ESG e da pressão dos consumidores, que exigem que as empresas sejam mais sustentáveis.
Para o professor Marcos Zilbovicius, doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (USP), para que este cenário se fortaleça faltam incentivos do poder público, mas também interesse da indústria privada.
“É incipiente o que tem de mudança. Acho que tem a possibilidade de ganhar escala, mas eles são pequenos ainda. Nós temos muitos problemas na área de transportes. A base no Brasil é rodoviária e ainda está muito longe de ter uma frota sustentável significativa, seja de carbono ou até mesmo híbrida. Não vejo nenhuma perspectiva disso a longo prazo”, afirmou.
O especialista da USP destaca que, de fato, existem já soluções sendo desenvolvidas para diversas áreas do transporte, inclusive no setor de logística. Para ele, faltam estímulos econômicos para que os proprietários de frotas e empresas mudem para uma alternativa mais sustentável.
“É preciso ter uma política forte de estímulo e castigo. Pode ser trazendo exigências sustentáveis para se obter financiamento, aumentar muito o imposto para as empresas que emitem carbono. Hoje isso não existe tanto para o transporte de cargas, quanto para o de passageiros.”
Ele destaca que é preciso onerar o uso do que se quer desestimular o consumo, assim como é feito com o cigarro e com a bebida. “Se tem a tecnologia disponível e as empresas não usam, a política pública pode interferir e transformar em mais barato. Aumentar o imposto do diesel e diminuir do elétrico”, afirma, destacando que, para que as empresas deixem de usar funcionalidades poluentes, é preciso encarecê-las.
Zilbovicius afirma, no entanto, que a junção dos atores públicos e privados é crucial para uma mudança significativa “Não é só ir à COP-26 e dizer que o Brasil está comprometido. Eu acredito nisso, mas quem vai fazer ou não são as empresas. As empresas precisam entender a sustentabilidade como uma questão econômica e de imagem”, diz.
“A questão ambiental entra com força quando a economia diz que vale a pena. As empresas existem para ganhar dinheiro, mas elas podem ganhar dinheiro contribuindo ou não com a questão ambiental. Quando você coloca na equação econômica, tem que ficar muito caro não emitir carbono para haver uma mudança significativa.”