Mesmo com a continuidade do processo de alta da arrecadação, o governo vai ser obrigado a cortar e cancelar novamente gastos às vésperas das eleições para o cumprimento do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.
Os cálculos iniciais apontam uma necessidade de corte efetivo de cerca de R$ 5 bilhões, segundo apurou o Estadão. Mas o valor do contingenciamento poderá cair para um patamar mais próximo de R$ 3 bilhões com ajustes por dentro do próprio Orçamento.
O tamanho do corte só deverá ser definido na próxima sexta-feira no envio ao Congresso do novo relatório bimestral de avaliação de despesas e receitas do Orçamento. Nesse relatório, o governo é obrigado a corrigir desvios que possam implicar no descumprimento do teto ou da meta de resultado primário. O anúncio só deverá ocorrer na segunda-feira da semana que vem.
Como há excesso de arrecadação, o problema neste ano é do lado do teto de gastos, que segue muito apertado, apesar da flexibilização com as mudanças feitas pelo Congresso para adiar parte do pagamento dos precatórios (dívidas que a União é obrigada a bancar depois de sentenças judiciais). Também não houve reajuste de 5% dos salários dos servidores públicos, nem mesmo para as carreiras policiais, apesar da promessa do presidente Jair Bolsonaro à categoria.
Novas despesas apareceram, porém, desde o último relatório bimestral de maio, entre elas, a derrubada pelo Congresso do veto presidencial às Lei Paulo Gustavo, que determina o repasse de R$ 3,86 bilhões do Fundo Nacional de Cultura (FNC) para fomento de atividades e produtos culturais em razão dos efeitos econômicos e sociais da pandemia de covid-19. A lei é uma homenagem ao ator e comediante que morreu vítima da covid-19.
Uma previsão de gastos maior dos benefícios da Previdência também poderá entrar na conta. Além disso, o Congresso proibiu o governo de bloquear recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). No total, R$ 2,5 bilhões que estavam contingenciados do fundo vão precisar ser desbloqueados.
Essas novas despesas podem obrigar o governo a ter que fazer bloqueio de emendas parlamentares. Se foram preservadas, o corte adicional vai exigir mais aperto dos ministérios. O Ministério da Defesa, que teve um bloqueio de R$ 706 milhões no último relatório, cobra recursos para custeio das operações das três forças: Exército, Marinha e Aeronáutica.
O problema é maior na Marinha, onde foram cancelados inspeções e ciclos de instrução de emprego em duas fragatas, uma corveta e um navio de resgate submarino. Também foram adiados os testes do míssil antinavio de longo alcance Mansup. Três operações definidas como “de valor estratégico”, segundo um oficial saíram da agenda, não serão realizadas. Estão mantidos os ensaios finais do novo submarino S-40, Riachuelo e a presença em manobras navais regionais de grande porte, como a Unitas, de abrangência transcontinental.
A Polícia Federal também vem se queixando da falta de verbas e dizendo que será precisa interromper as operações.
No dia 6 de junho, o Ministério da Economia anunciou a necessidade de um bloqueio maior do orçamento, de R$ 8,7 bilhões. O bloqueio inicial tinha sido de R$ 8,24 bilhões, na época do anúncio do segundo relatório do Orçamento, no final de maio, mas o governo ampliou o corte para recompor em R$ 463 milhões o orçamento do Ministério da Economia destinado ao atendimento de despesas emergenciais (manutenção de sistemas, pagamento de tarifas bancárias para a prestação de serviços)
O bloqueio efetivo, na prática, foi de R$ 6,96 bilhões, porque foi usada a reserva que existia de R$ 1,74 bilhão para reestruturação de carreiras das policiais federal, rodoviária federal a agentes penitenciários. Como essa medida não aconteceu, não haverá necessidade de recomposição desse reserva.
No primeiro relatório, o governo tinha feito um bloqueio de R$ 1,72 bilhão, em emendas de relator, as RP9, do chamado orçamento secreto, revelado pelo Estadão. Ao longo de julho, o governo acelerou o empenho dessas emendas para a votação da Proposta de Emenda Constitucional que aumenta os auxílios sociais em ano de eleições, a chamada PEC Kamikaze. Uma parte, porém, ficou reservada para depois das eleições de outubro para as negociações voltadas para eleição das presidências da Câmara e do Senado já num cenário de definição do próximo governo.