BRASÍLIA – Depois de muito suspense e negociações de última hora, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso o projeto de lei do novo arcabouço fiscal, elaborado pela equipe econômica para controlar as contas públicas.
Com sete páginas e dez artigos, o projeto substitui o atual teto de gastos – regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação – por um novo regime fiscal de controle das despesas.
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Regra de controle de gastos
- As despesas só poderão crescer 70% da variação da receita – arrecadação acumulada de 12 meses encerrados em junho.
- Além disso, as despesas terão um piso e um teto de crescimento real. Poderão aumentar entre 0,6% (piso) e 2,5% (teto) acima da inflação (IPCA) por ano.
- O projeto estabelece limites individualizados para o crescimento das despesas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e Ministério Público, Tribunal de Contas da União e Defensoria Pública.
Esse último ponto estava sendo aguardado pelos especialistas e é considerado importante para evitar que os demais Poderes aumentem gastos – como, por exemplo, de folha de pessoal – e a conta acabe sendo bancada pelo Executivo no espaço para o crescimento das despesas.
Como antecipou o Estadão, a equipe econômica conseguiu manter no projeto os valores dos parâmetros da regra de gasto no projeto de lei complementar.
É uma forma de tornar mais difícil a mudança ainda no governo Lula, já que alterações em legislação complementar exigem quórum mais qualificado. A ideia inicial era deixar os valores dos parâmetros a alteração em Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – legislação anual que serve de base para a elaboração do Orçamento.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu que a fixação dos valores dos parâmetros no arcabouço reforçaria o compromisso com o ajuste proposto desde o início pela pasta.
Metas fiscais fora do texto
Por outro lado, o projeto não inclui as trajetórias de metas fiscais de resultado primário (diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta, sem contar os juros da dívida) das contas públicas, anunciada pelo ministro Haddad:
- 0% em 2024 (zerar o rombo das contas públicas);
- Superávit (saldo positivo) de 0,5% do PIB em 2025
- Superávit de 1% em 2026, último ano do governo Lula.
Essa informação, antecipada pelo Estadão na semana passada, trouxe preocupação no mercado financeiro.
A meta fiscal estará fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que terá de trazer um marco fiscal de médio prazo, com projeções para os principais indicadores fiscais que compõem os cenários de referência. A LDO também terá de mostrar o efeito esperado no período das metas traçadas na trajetória da dívida pública.
As metas de resultado primário terão um limite de tolerância de 0,25 ponto porcentual para mais ou para menos. Por exemplo: em 2025, pode ficar entre 0,25% e 0,75% do PIB, uma vez que a meta é 0,5% do PIB.
Se o governo não conseguir cumprir o piso da meta, as despesas só poderão crescer 50% da variação da receita, em vez de 70%.
Exceções à regra de gastos
A equipe econômica não conseguiu deixar dentro do novo limite de despesas os aportes feitos pelo Tesouro para empresas estatais federais – que hoje estão fora do teto de gastos. O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, chegou afirmar que capitalização de empresas de estatais sairia da lista de exceções ao limite de gastos.
Haddad conseguiu, no entanto, que os bancos públicos federais (BNDES, Caixa, Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Banco do Nordeste) não possam receber capitalização fora do limite de gastos. Ou seja: os aportes a essas instituições ficam sujeitos à regra. Esse ponto desagradou os integrantes dos partidos de esquerda.
Como mostrou o Estadão, a “blindagem” a instituições financeiras foi uma demanda do Tesouro Nacional para não haver o risco de a exceção a estatais ser vista pelo mercado como uma brecha para mega aportes em bancos públicos, como ocorreu no passado.
Já as despesas de capitalização das empresas estatais não financeiras e não dependentes ficarão de fora do cálculo do limite de gastos.
Últimos dados disponíveis mostram que a União tem 130 empresas estatais federais ativas – 46 sob controle direto, 18 dependentes e outras 28 não dependentes do Orçamento da União
O texto também mantém outras exceções hoje previstas no teto de gastos ou determinadas na Constituição. Ficarão de fora da regra despesas com crédito extraordinário (usados em casos emergenciais, como calamidade pública) o piso da enfermagem, recursos do Fundeb, transferências constitucionais, projetos ambientais custeados com doações, despesas de universidades custeadas por receitas próprias, doações ou convênios, transferências a fundos de saúde dos entes subnacionais, pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União), despesas custeadas com recursos de transferências dos demais entes federativos para a União destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia, despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral e despesas relativas à cobrança pela gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
Investimentos
A regra prevê um piso para os investimentos, que terão de ser corrigidos pela inflação. Caso o governo supere o limite da meta de resultado primário, o valor excedente de arrecadação pode ir para investimentos como um “bônus”, limitado a R$ 25 bilhões
Esse aumento, porém, será limitado para os anos de 2025 a 2028, sendo R$ 25 bilhões corrigidos pela inflação entre janeiro de 2023 e o ano a que se referir a lei orçamentária.
Sem punição
Pelo novo arcabouço fiscal, descumprir a meta de resultado primário não configura infração à lei, como crime de responsabilidade – que levou ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016, devido às pedaladas fiscais.
O projeto também determina que, em caso de descumprimento da meta, o presidente da República deverá enviar uma mensagem ao Congresso, até 31 de maio, com as razões para não ter atingido o alvo e as medidas de correção.
Inflação
O novo limite para o crescimento das despesas de um ano para o outro será corrigido pela IPCA mais o intervalo de 0,6% (piso) e 2,5% (teto) por ano. O governo manteve, no entanto, a forma de cálculo da correção monetária que já existe hoje.
Ela será composta pela inflação acumulada de janeiro a junho, acrescida das projeções do governo contidas na proposta de Orçamento para julho a dezembro. A novidade é que o governo incluiu essa trava, que se trata da projeção do valor estimado no projeto do Orçamento enviado pelo governo ao Congresso, em 31 de agosto. Isso impede que a grade de parâmetros do Orçamento seja atualizada depois.
Essa forma de cálculo da correção monetária pode ajudar a aumentar o espaço para gastos em 2024, já que o IPCA está em desaceleração no primeiro semestre e pode subir no segundo semestre. Mas o governo colocou como trava a projeção é do projeto de Orçamento encaminhado ao Congresso.