Governo avalia mudanças no Fundeb; alternativa em estudo abriria espaço fiscal de R$ 33 bi até 2026


Regras atuais escalam gastos e preocupam equipe econômica; pesquisador do Ipea aponta que medida em discussão abriria folga no Orçamento sem cortar recursos obrigatórios da educação; Ministério do Planejamento e da Educação não se manifestaram

Por Daniel Weterman e Anna Carolina Papp
Atualização:

BRASÍLIA – O governo avalia mudanças no desenho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em meio a questionamentos sobre o aumento dos desembolsos sem a contrapartida de melhoria relevante na qualidade do ensino – como tem pontuado publicamente a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.

Uma das alternativas do cardápio de opções em estudo, segundo apurou a reportagem, é aumentar a fatia do Fundeb levada em conta no cumprimento do piso de gastos obrigatórios em educação.

Essa medida teria o potencial de abrir um espaço fiscal de R$ 33 bilhões até 2026 sem cortar recursos obrigatórios da educação, segundo o economista e pesquisador do Ipea Camillo Basso. Procurados para comentar os impactos da proposta e as discussões em torno do Fundeb, o Ministério do Planejamento e o Ministério da Educação não se manifestaram.

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O Fundeb reúne a arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais para financiar a educação básica no País, especialmente o pagamento de professores. Além do dinheiro arrecadado pelos Estados e municípios, a União complementa uma parcela adicional e distribui de acordo com critérios de renda, matrícula de alunos e produtividade das escolas.

No total, serão R$ 299 bilhões em dinheiro público para financiar o setor só em 2024. A complementação da União deve somar R$ 47,8 bilhões neste ano. O montante cresce ano a ano porque o novo Fundeb, aprovado em 2020, determinou o aumento gradual de 10% para 23% da participação do governo federal no fundo, até 2026.

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Hoje, a legislação determina que somente 30% da complementação da União ao Fundeb entra no cálculo do piso mínimo de gastos em educação. Dessa forma, o governo precisa colocar mais recursos além do Fundeb para atingir o mínimo constitucional. A proposta de elevar esse porcentual diminuiria a necessidade de alocação de outros recursos para cumprir o piso, liberando espaço no Orçamento.

“Em termos de manutenção e desenvolvimento do ensino, a complementação da União no Fundeb é pequena, só 30%, mas impacta de forma cheia no resultado primário. Por isso, há esse desequilíbrio. O governo gasta muito mais com manutenção e desenvolvimento do ensino do que é computado no mínimo”, explica o pesquisador do Ipea.

A combinação da regra atual faz com que os gastos em educação ocupem um espaço maior no Orçamento e cortem recursos de outras áreas – assim como acontece com o piso da saúde. Isso deixa menos dinheiro para saneamento básico, rodovias, Defesa Civil, combate a incêndios florestais e manutenção dos órgãos da administração pública.

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A ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre mudanças no Fundeb. Foto: Fernando Frazao/Agência Brasil

Pelas regras atuais, o governo terá de gastar mais R$ 21,7 bilhões além do Fundeb em despesas discricionárias (não obrigatórias) com educação para cumprir o piso em 2024. O valor crescerá para R$ 40,8 bilhões daqui a dois anos, aumentando o impacto no resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) e estrangulando ainda mais o espaço para investimentos em outras áreas.

Os recursos do Fundeb estão fora do limite de gastos imposto pelo arcabouço fiscal, mas impactam a meta de resultado primário e o desembolso efetivo de dinheiro do Tesouro Nacional – podendo aumentar o endividamento público se não for controlado.

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Diante desse cenário, a ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre o tema. Em entrevista ao Estadão em setembro, ela apontou descompasso entre o aumento de recursos, o número de alunos e a qualidade do ensino.

“Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Esse ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média, não teve um avanço”, afirmou.

O Ideb, principal indicador de qualidade da educação no Brasil, inclui notas das redes pública e particular. No índice de 2023, divulgado em agosto deste ano, houve um aumento de apenas 0,1 ponto na nota em relação ao período pré-pandemia – o que pode ser considerado uma estagnação.

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Mudança em regra abriria espaço fiscal sem tirar dinheiro do Fundeb e do piso da educação

De acordo com o pesquisador do Ipea Camillo Basso, aumentar de 30% para 50% a parcela do Fundeb que serve para cálculo do piso da educação abriria um espaço fiscal acumulado de R$ 33 bilhões para o governo até 2026 sem mexer no piso, sem cortar recursos do Fundeb e sem desvincular receitas – hoje, os pisos da saúde e educação são vinculados à arrecadação do governo.

Para cada aumento de porcentual, o impacto e o espaço fiscal aberto são ainda maiores (veja gráfico).

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O cálculo simula o efeito em três anos (2024, 2025 e 2026) se a mudança estivesse em vigor. Com a alteração, seriam necessários menos recursos que não fazem parte do Fundeb para cumprir o piso da educação. Além disso, a mudança não depende de alteração na Constituição, mas apenas de um projeto de lei com aprovação da maioria simples dos parlamentares no Congresso.

Para Camillo Bassi, a mudança daria mais “racionalidade” para a contabilidade dos gastos do governo. Além do espaço fiscal, a alteração também diminui o impacto do Fundeb no resultado primário da União. No cenário em que a fração aumenta de 30% para 50%, o peso do fundo no resultado cairia de R$ 123 bilhões para R$ 116 bilhões em 2024 e de R$ 166 bilhões para R$ 157 bilhões em 2026.

“É a única solução ou retoma o teto de gastos (que suspendeu o piso da educação vinculado à arrecadação por um crescimento atrelado apenas à inflação)”, diz Bassi. “Quando você aumenta a fração da complementação da União no Fundeb como ação de manutenção e desenvolvimento do ensino (piso da educação), o hiato se estreita e a contabilidade ganha racionalidade.”

Alternativas em estudo e desafios políticos

O Ministério do Planejamento avalia outras alternativas para o Fundeb. Segundo apurou a reportagem com interlocutores a par das conversas, há hoje quatro propostas em discussão, ainda em estado incipiente.

Uma medida que chegou a ser cogitada era propor a volta do antigo Fundeb, que vigorou até 2020, retomando o patamar de 10% de participação da União no fundo (hoje, está em 19%). A proposta teria um impacto fiscal mais expressivo, mas já é dada como descartada, diante dos entraves políticos para a aprovação.

Outra, mais forte dentro da pasta, seria mudar o rateio dos recursos com base em um novo “mix” de indicadores – entre eles, a inclusão do desempenho dos Estados nas notas do Ideb. Isso porque, apesar de a média geral ter ficado estável em 2023, há disparidades regionais – ou seja, Estados que tiveram uma melhora muito expressiva nas notas e outros que viram seu desempenho piorar de forma significativa.

Esse resultado heterogêneo é um ponto com o qual o governo quer ser cuidadoso, a fim de se antecipar a críticas, mitigá-las e angariar apoio. A preocupação, portanto é não interromper o que está dando certo, segundo interlocutores, e premiar Estados que melhorarem sua performance e atingirem as metas de qualidade do ensino.

Essa medida seria focada em melhorar a eficiência do gasto, uma vez que teria impacto fiscal pequeno ou nulo, mas é visto por integrantes da equipe econômica como um ponto de partida – por se tratar de educação, pauta cara ao governo do PT, o entendimento é que qualquer mudança irá enfrentar forte resistência.

Diante desse cenário, a pasta quer nos próximos meses se aproximar de entidades de educação e de sindicatos como um “termômetro” para dialogar e verificar a aceitação das propostas. Além da necessidade de melhora na eficácia dos gastos diante das avaliações de ensino, também será abordada a mudança no perfil demográfico do País, uma vez que os brasileiros estão envelhecendo e tendo menos filhos.

“Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb; é que tenho de parar de crescer o dinheiro do Fundeb se estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. O que tenho de garantir é a qualidade do ensino”, afirmou a ministra na entrevista ao Estadão.

A mudança no Fundeb – vista com resistência no Ministério da Educação, segundo apurou a reportagem – ainda terá de passar pelo crivo de Lula. Tebet conversou sobre o assunto com o presidente Lula, que deu autorização para a ministra falar sobre o tema e pautar a discussão, após o petista ter descartado mudanças nos pisos da saúde e educação. Lula, porém, ainda não deu sinal verde para uma mudança efetiva no fundo.

A equipe deseja apresentar uma proposta ainda no primeiro semestre de 2025. A leitura é de que a janela para aprovar alguma mudança neste mandato se limita ao próximo ano, uma vez que 2026 é ano eleitoral.

BRASÍLIA – O governo avalia mudanças no desenho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em meio a questionamentos sobre o aumento dos desembolsos sem a contrapartida de melhoria relevante na qualidade do ensino – como tem pontuado publicamente a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.

Uma das alternativas do cardápio de opções em estudo, segundo apurou a reportagem, é aumentar a fatia do Fundeb levada em conta no cumprimento do piso de gastos obrigatórios em educação.

Essa medida teria o potencial de abrir um espaço fiscal de R$ 33 bilhões até 2026 sem cortar recursos obrigatórios da educação, segundo o economista e pesquisador do Ipea Camillo Basso. Procurados para comentar os impactos da proposta e as discussões em torno do Fundeb, o Ministério do Planejamento e o Ministério da Educação não se manifestaram.

O Fundeb reúne a arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais para financiar a educação básica no País, especialmente o pagamento de professores. Além do dinheiro arrecadado pelos Estados e municípios, a União complementa uma parcela adicional e distribui de acordo com critérios de renda, matrícula de alunos e produtividade das escolas.

No total, serão R$ 299 bilhões em dinheiro público para financiar o setor só em 2024. A complementação da União deve somar R$ 47,8 bilhões neste ano. O montante cresce ano a ano porque o novo Fundeb, aprovado em 2020, determinou o aumento gradual de 10% para 23% da participação do governo federal no fundo, até 2026.

Hoje, a legislação determina que somente 30% da complementação da União ao Fundeb entra no cálculo do piso mínimo de gastos em educação. Dessa forma, o governo precisa colocar mais recursos além do Fundeb para atingir o mínimo constitucional. A proposta de elevar esse porcentual diminuiria a necessidade de alocação de outros recursos para cumprir o piso, liberando espaço no Orçamento.

“Em termos de manutenção e desenvolvimento do ensino, a complementação da União no Fundeb é pequena, só 30%, mas impacta de forma cheia no resultado primário. Por isso, há esse desequilíbrio. O governo gasta muito mais com manutenção e desenvolvimento do ensino do que é computado no mínimo”, explica o pesquisador do Ipea.

A combinação da regra atual faz com que os gastos em educação ocupem um espaço maior no Orçamento e cortem recursos de outras áreas – assim como acontece com o piso da saúde. Isso deixa menos dinheiro para saneamento básico, rodovias, Defesa Civil, combate a incêndios florestais e manutenção dos órgãos da administração pública.

A ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre mudanças no Fundeb. Foto: Fernando Frazao/Agência Brasil

Pelas regras atuais, o governo terá de gastar mais R$ 21,7 bilhões além do Fundeb em despesas discricionárias (não obrigatórias) com educação para cumprir o piso em 2024. O valor crescerá para R$ 40,8 bilhões daqui a dois anos, aumentando o impacto no resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) e estrangulando ainda mais o espaço para investimentos em outras áreas.

Os recursos do Fundeb estão fora do limite de gastos imposto pelo arcabouço fiscal, mas impactam a meta de resultado primário e o desembolso efetivo de dinheiro do Tesouro Nacional – podendo aumentar o endividamento público se não for controlado.

Diante desse cenário, a ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre o tema. Em entrevista ao Estadão em setembro, ela apontou descompasso entre o aumento de recursos, o número de alunos e a qualidade do ensino.

“Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Esse ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média, não teve um avanço”, afirmou.

O Ideb, principal indicador de qualidade da educação no Brasil, inclui notas das redes pública e particular. No índice de 2023, divulgado em agosto deste ano, houve um aumento de apenas 0,1 ponto na nota em relação ao período pré-pandemia – o que pode ser considerado uma estagnação.

Mudança em regra abriria espaço fiscal sem tirar dinheiro do Fundeb e do piso da educação

De acordo com o pesquisador do Ipea Camillo Basso, aumentar de 30% para 50% a parcela do Fundeb que serve para cálculo do piso da educação abriria um espaço fiscal acumulado de R$ 33 bilhões para o governo até 2026 sem mexer no piso, sem cortar recursos do Fundeb e sem desvincular receitas – hoje, os pisos da saúde e educação são vinculados à arrecadação do governo.

Para cada aumento de porcentual, o impacto e o espaço fiscal aberto são ainda maiores (veja gráfico).

O cálculo simula o efeito em três anos (2024, 2025 e 2026) se a mudança estivesse em vigor. Com a alteração, seriam necessários menos recursos que não fazem parte do Fundeb para cumprir o piso da educação. Além disso, a mudança não depende de alteração na Constituição, mas apenas de um projeto de lei com aprovação da maioria simples dos parlamentares no Congresso.

Para Camillo Bassi, a mudança daria mais “racionalidade” para a contabilidade dos gastos do governo. Além do espaço fiscal, a alteração também diminui o impacto do Fundeb no resultado primário da União. No cenário em que a fração aumenta de 30% para 50%, o peso do fundo no resultado cairia de R$ 123 bilhões para R$ 116 bilhões em 2024 e de R$ 166 bilhões para R$ 157 bilhões em 2026.

“É a única solução ou retoma o teto de gastos (que suspendeu o piso da educação vinculado à arrecadação por um crescimento atrelado apenas à inflação)”, diz Bassi. “Quando você aumenta a fração da complementação da União no Fundeb como ação de manutenção e desenvolvimento do ensino (piso da educação), o hiato se estreita e a contabilidade ganha racionalidade.”

Alternativas em estudo e desafios políticos

O Ministério do Planejamento avalia outras alternativas para o Fundeb. Segundo apurou a reportagem com interlocutores a par das conversas, há hoje quatro propostas em discussão, ainda em estado incipiente.

Uma medida que chegou a ser cogitada era propor a volta do antigo Fundeb, que vigorou até 2020, retomando o patamar de 10% de participação da União no fundo (hoje, está em 19%). A proposta teria um impacto fiscal mais expressivo, mas já é dada como descartada, diante dos entraves políticos para a aprovação.

Outra, mais forte dentro da pasta, seria mudar o rateio dos recursos com base em um novo “mix” de indicadores – entre eles, a inclusão do desempenho dos Estados nas notas do Ideb. Isso porque, apesar de a média geral ter ficado estável em 2023, há disparidades regionais – ou seja, Estados que tiveram uma melhora muito expressiva nas notas e outros que viram seu desempenho piorar de forma significativa.

Esse resultado heterogêneo é um ponto com o qual o governo quer ser cuidadoso, a fim de se antecipar a críticas, mitigá-las e angariar apoio. A preocupação, portanto é não interromper o que está dando certo, segundo interlocutores, e premiar Estados que melhorarem sua performance e atingirem as metas de qualidade do ensino.

Essa medida seria focada em melhorar a eficiência do gasto, uma vez que teria impacto fiscal pequeno ou nulo, mas é visto por integrantes da equipe econômica como um ponto de partida – por se tratar de educação, pauta cara ao governo do PT, o entendimento é que qualquer mudança irá enfrentar forte resistência.

Diante desse cenário, a pasta quer nos próximos meses se aproximar de entidades de educação e de sindicatos como um “termômetro” para dialogar e verificar a aceitação das propostas. Além da necessidade de melhora na eficácia dos gastos diante das avaliações de ensino, também será abordada a mudança no perfil demográfico do País, uma vez que os brasileiros estão envelhecendo e tendo menos filhos.

“Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb; é que tenho de parar de crescer o dinheiro do Fundeb se estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. O que tenho de garantir é a qualidade do ensino”, afirmou a ministra na entrevista ao Estadão.

A mudança no Fundeb – vista com resistência no Ministério da Educação, segundo apurou a reportagem – ainda terá de passar pelo crivo de Lula. Tebet conversou sobre o assunto com o presidente Lula, que deu autorização para a ministra falar sobre o tema e pautar a discussão, após o petista ter descartado mudanças nos pisos da saúde e educação. Lula, porém, ainda não deu sinal verde para uma mudança efetiva no fundo.

A equipe deseja apresentar uma proposta ainda no primeiro semestre de 2025. A leitura é de que a janela para aprovar alguma mudança neste mandato se limita ao próximo ano, uma vez que 2026 é ano eleitoral.

BRASÍLIA – O governo avalia mudanças no desenho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em meio a questionamentos sobre o aumento dos desembolsos sem a contrapartida de melhoria relevante na qualidade do ensino – como tem pontuado publicamente a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.

Uma das alternativas do cardápio de opções em estudo, segundo apurou a reportagem, é aumentar a fatia do Fundeb levada em conta no cumprimento do piso de gastos obrigatórios em educação.

Essa medida teria o potencial de abrir um espaço fiscal de R$ 33 bilhões até 2026 sem cortar recursos obrigatórios da educação, segundo o economista e pesquisador do Ipea Camillo Basso. Procurados para comentar os impactos da proposta e as discussões em torno do Fundeb, o Ministério do Planejamento e o Ministério da Educação não se manifestaram.

O Fundeb reúne a arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais para financiar a educação básica no País, especialmente o pagamento de professores. Além do dinheiro arrecadado pelos Estados e municípios, a União complementa uma parcela adicional e distribui de acordo com critérios de renda, matrícula de alunos e produtividade das escolas.

No total, serão R$ 299 bilhões em dinheiro público para financiar o setor só em 2024. A complementação da União deve somar R$ 47,8 bilhões neste ano. O montante cresce ano a ano porque o novo Fundeb, aprovado em 2020, determinou o aumento gradual de 10% para 23% da participação do governo federal no fundo, até 2026.

Hoje, a legislação determina que somente 30% da complementação da União ao Fundeb entra no cálculo do piso mínimo de gastos em educação. Dessa forma, o governo precisa colocar mais recursos além do Fundeb para atingir o mínimo constitucional. A proposta de elevar esse porcentual diminuiria a necessidade de alocação de outros recursos para cumprir o piso, liberando espaço no Orçamento.

“Em termos de manutenção e desenvolvimento do ensino, a complementação da União no Fundeb é pequena, só 30%, mas impacta de forma cheia no resultado primário. Por isso, há esse desequilíbrio. O governo gasta muito mais com manutenção e desenvolvimento do ensino do que é computado no mínimo”, explica o pesquisador do Ipea.

A combinação da regra atual faz com que os gastos em educação ocupem um espaço maior no Orçamento e cortem recursos de outras áreas – assim como acontece com o piso da saúde. Isso deixa menos dinheiro para saneamento básico, rodovias, Defesa Civil, combate a incêndios florestais e manutenção dos órgãos da administração pública.

A ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre mudanças no Fundeb. Foto: Fernando Frazao/Agência Brasil

Pelas regras atuais, o governo terá de gastar mais R$ 21,7 bilhões além do Fundeb em despesas discricionárias (não obrigatórias) com educação para cumprir o piso em 2024. O valor crescerá para R$ 40,8 bilhões daqui a dois anos, aumentando o impacto no resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) e estrangulando ainda mais o espaço para investimentos em outras áreas.

Os recursos do Fundeb estão fora do limite de gastos imposto pelo arcabouço fiscal, mas impactam a meta de resultado primário e o desembolso efetivo de dinheiro do Tesouro Nacional – podendo aumentar o endividamento público se não for controlado.

Diante desse cenário, a ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre o tema. Em entrevista ao Estadão em setembro, ela apontou descompasso entre o aumento de recursos, o número de alunos e a qualidade do ensino.

“Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Esse ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média, não teve um avanço”, afirmou.

O Ideb, principal indicador de qualidade da educação no Brasil, inclui notas das redes pública e particular. No índice de 2023, divulgado em agosto deste ano, houve um aumento de apenas 0,1 ponto na nota em relação ao período pré-pandemia – o que pode ser considerado uma estagnação.

Mudança em regra abriria espaço fiscal sem tirar dinheiro do Fundeb e do piso da educação

De acordo com o pesquisador do Ipea Camillo Basso, aumentar de 30% para 50% a parcela do Fundeb que serve para cálculo do piso da educação abriria um espaço fiscal acumulado de R$ 33 bilhões para o governo até 2026 sem mexer no piso, sem cortar recursos do Fundeb e sem desvincular receitas – hoje, os pisos da saúde e educação são vinculados à arrecadação do governo.

Para cada aumento de porcentual, o impacto e o espaço fiscal aberto são ainda maiores (veja gráfico).

O cálculo simula o efeito em três anos (2024, 2025 e 2026) se a mudança estivesse em vigor. Com a alteração, seriam necessários menos recursos que não fazem parte do Fundeb para cumprir o piso da educação. Além disso, a mudança não depende de alteração na Constituição, mas apenas de um projeto de lei com aprovação da maioria simples dos parlamentares no Congresso.

Para Camillo Bassi, a mudança daria mais “racionalidade” para a contabilidade dos gastos do governo. Além do espaço fiscal, a alteração também diminui o impacto do Fundeb no resultado primário da União. No cenário em que a fração aumenta de 30% para 50%, o peso do fundo no resultado cairia de R$ 123 bilhões para R$ 116 bilhões em 2024 e de R$ 166 bilhões para R$ 157 bilhões em 2026.

“É a única solução ou retoma o teto de gastos (que suspendeu o piso da educação vinculado à arrecadação por um crescimento atrelado apenas à inflação)”, diz Bassi. “Quando você aumenta a fração da complementação da União no Fundeb como ação de manutenção e desenvolvimento do ensino (piso da educação), o hiato se estreita e a contabilidade ganha racionalidade.”

Alternativas em estudo e desafios políticos

O Ministério do Planejamento avalia outras alternativas para o Fundeb. Segundo apurou a reportagem com interlocutores a par das conversas, há hoje quatro propostas em discussão, ainda em estado incipiente.

Uma medida que chegou a ser cogitada era propor a volta do antigo Fundeb, que vigorou até 2020, retomando o patamar de 10% de participação da União no fundo (hoje, está em 19%). A proposta teria um impacto fiscal mais expressivo, mas já é dada como descartada, diante dos entraves políticos para a aprovação.

Outra, mais forte dentro da pasta, seria mudar o rateio dos recursos com base em um novo “mix” de indicadores – entre eles, a inclusão do desempenho dos Estados nas notas do Ideb. Isso porque, apesar de a média geral ter ficado estável em 2023, há disparidades regionais – ou seja, Estados que tiveram uma melhora muito expressiva nas notas e outros que viram seu desempenho piorar de forma significativa.

Esse resultado heterogêneo é um ponto com o qual o governo quer ser cuidadoso, a fim de se antecipar a críticas, mitigá-las e angariar apoio. A preocupação, portanto é não interromper o que está dando certo, segundo interlocutores, e premiar Estados que melhorarem sua performance e atingirem as metas de qualidade do ensino.

Essa medida seria focada em melhorar a eficiência do gasto, uma vez que teria impacto fiscal pequeno ou nulo, mas é visto por integrantes da equipe econômica como um ponto de partida – por se tratar de educação, pauta cara ao governo do PT, o entendimento é que qualquer mudança irá enfrentar forte resistência.

Diante desse cenário, a pasta quer nos próximos meses se aproximar de entidades de educação e de sindicatos como um “termômetro” para dialogar e verificar a aceitação das propostas. Além da necessidade de melhora na eficácia dos gastos diante das avaliações de ensino, também será abordada a mudança no perfil demográfico do País, uma vez que os brasileiros estão envelhecendo e tendo menos filhos.

“Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb; é que tenho de parar de crescer o dinheiro do Fundeb se estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. O que tenho de garantir é a qualidade do ensino”, afirmou a ministra na entrevista ao Estadão.

A mudança no Fundeb – vista com resistência no Ministério da Educação, segundo apurou a reportagem – ainda terá de passar pelo crivo de Lula. Tebet conversou sobre o assunto com o presidente Lula, que deu autorização para a ministra falar sobre o tema e pautar a discussão, após o petista ter descartado mudanças nos pisos da saúde e educação. Lula, porém, ainda não deu sinal verde para uma mudança efetiva no fundo.

A equipe deseja apresentar uma proposta ainda no primeiro semestre de 2025. A leitura é de que a janela para aprovar alguma mudança neste mandato se limita ao próximo ano, uma vez que 2026 é ano eleitoral.

BRASÍLIA – O governo avalia mudanças no desenho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em meio a questionamentos sobre o aumento dos desembolsos sem a contrapartida de melhoria relevante na qualidade do ensino – como tem pontuado publicamente a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.

Uma das alternativas do cardápio de opções em estudo, segundo apurou a reportagem, é aumentar a fatia do Fundeb levada em conta no cumprimento do piso de gastos obrigatórios em educação.

Essa medida teria o potencial de abrir um espaço fiscal de R$ 33 bilhões até 2026 sem cortar recursos obrigatórios da educação, segundo o economista e pesquisador do Ipea Camillo Basso. Procurados para comentar os impactos da proposta e as discussões em torno do Fundeb, o Ministério do Planejamento e o Ministério da Educação não se manifestaram.

O Fundeb reúne a arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais para financiar a educação básica no País, especialmente o pagamento de professores. Além do dinheiro arrecadado pelos Estados e municípios, a União complementa uma parcela adicional e distribui de acordo com critérios de renda, matrícula de alunos e produtividade das escolas.

No total, serão R$ 299 bilhões em dinheiro público para financiar o setor só em 2024. A complementação da União deve somar R$ 47,8 bilhões neste ano. O montante cresce ano a ano porque o novo Fundeb, aprovado em 2020, determinou o aumento gradual de 10% para 23% da participação do governo federal no fundo, até 2026.

Hoje, a legislação determina que somente 30% da complementação da União ao Fundeb entra no cálculo do piso mínimo de gastos em educação. Dessa forma, o governo precisa colocar mais recursos além do Fundeb para atingir o mínimo constitucional. A proposta de elevar esse porcentual diminuiria a necessidade de alocação de outros recursos para cumprir o piso, liberando espaço no Orçamento.

“Em termos de manutenção e desenvolvimento do ensino, a complementação da União no Fundeb é pequena, só 30%, mas impacta de forma cheia no resultado primário. Por isso, há esse desequilíbrio. O governo gasta muito mais com manutenção e desenvolvimento do ensino do que é computado no mínimo”, explica o pesquisador do Ipea.

A combinação da regra atual faz com que os gastos em educação ocupem um espaço maior no Orçamento e cortem recursos de outras áreas – assim como acontece com o piso da saúde. Isso deixa menos dinheiro para saneamento básico, rodovias, Defesa Civil, combate a incêndios florestais e manutenção dos órgãos da administração pública.

A ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre mudanças no Fundeb. Foto: Fernando Frazao/Agência Brasil

Pelas regras atuais, o governo terá de gastar mais R$ 21,7 bilhões além do Fundeb em despesas discricionárias (não obrigatórias) com educação para cumprir o piso em 2024. O valor crescerá para R$ 40,8 bilhões daqui a dois anos, aumentando o impacto no resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) e estrangulando ainda mais o espaço para investimentos em outras áreas.

Os recursos do Fundeb estão fora do limite de gastos imposto pelo arcabouço fiscal, mas impactam a meta de resultado primário e o desembolso efetivo de dinheiro do Tesouro Nacional – podendo aumentar o endividamento público se não for controlado.

Diante desse cenário, a ministra Simone Tebet tem defendido publicamente uma discussão sobre o tema. Em entrevista ao Estadão em setembro, ela apontou descompasso entre o aumento de recursos, o número de alunos e a qualidade do ensino.

“Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Esse ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média, não teve um avanço”, afirmou.

O Ideb, principal indicador de qualidade da educação no Brasil, inclui notas das redes pública e particular. No índice de 2023, divulgado em agosto deste ano, houve um aumento de apenas 0,1 ponto na nota em relação ao período pré-pandemia – o que pode ser considerado uma estagnação.

Mudança em regra abriria espaço fiscal sem tirar dinheiro do Fundeb e do piso da educação

De acordo com o pesquisador do Ipea Camillo Basso, aumentar de 30% para 50% a parcela do Fundeb que serve para cálculo do piso da educação abriria um espaço fiscal acumulado de R$ 33 bilhões para o governo até 2026 sem mexer no piso, sem cortar recursos do Fundeb e sem desvincular receitas – hoje, os pisos da saúde e educação são vinculados à arrecadação do governo.

Para cada aumento de porcentual, o impacto e o espaço fiscal aberto são ainda maiores (veja gráfico).

O cálculo simula o efeito em três anos (2024, 2025 e 2026) se a mudança estivesse em vigor. Com a alteração, seriam necessários menos recursos que não fazem parte do Fundeb para cumprir o piso da educação. Além disso, a mudança não depende de alteração na Constituição, mas apenas de um projeto de lei com aprovação da maioria simples dos parlamentares no Congresso.

Para Camillo Bassi, a mudança daria mais “racionalidade” para a contabilidade dos gastos do governo. Além do espaço fiscal, a alteração também diminui o impacto do Fundeb no resultado primário da União. No cenário em que a fração aumenta de 30% para 50%, o peso do fundo no resultado cairia de R$ 123 bilhões para R$ 116 bilhões em 2024 e de R$ 166 bilhões para R$ 157 bilhões em 2026.

“É a única solução ou retoma o teto de gastos (que suspendeu o piso da educação vinculado à arrecadação por um crescimento atrelado apenas à inflação)”, diz Bassi. “Quando você aumenta a fração da complementação da União no Fundeb como ação de manutenção e desenvolvimento do ensino (piso da educação), o hiato se estreita e a contabilidade ganha racionalidade.”

Alternativas em estudo e desafios políticos

O Ministério do Planejamento avalia outras alternativas para o Fundeb. Segundo apurou a reportagem com interlocutores a par das conversas, há hoje quatro propostas em discussão, ainda em estado incipiente.

Uma medida que chegou a ser cogitada era propor a volta do antigo Fundeb, que vigorou até 2020, retomando o patamar de 10% de participação da União no fundo (hoje, está em 19%). A proposta teria um impacto fiscal mais expressivo, mas já é dada como descartada, diante dos entraves políticos para a aprovação.

Outra, mais forte dentro da pasta, seria mudar o rateio dos recursos com base em um novo “mix” de indicadores – entre eles, a inclusão do desempenho dos Estados nas notas do Ideb. Isso porque, apesar de a média geral ter ficado estável em 2023, há disparidades regionais – ou seja, Estados que tiveram uma melhora muito expressiva nas notas e outros que viram seu desempenho piorar de forma significativa.

Esse resultado heterogêneo é um ponto com o qual o governo quer ser cuidadoso, a fim de se antecipar a críticas, mitigá-las e angariar apoio. A preocupação, portanto é não interromper o que está dando certo, segundo interlocutores, e premiar Estados que melhorarem sua performance e atingirem as metas de qualidade do ensino.

Essa medida seria focada em melhorar a eficiência do gasto, uma vez que teria impacto fiscal pequeno ou nulo, mas é visto por integrantes da equipe econômica como um ponto de partida – por se tratar de educação, pauta cara ao governo do PT, o entendimento é que qualquer mudança irá enfrentar forte resistência.

Diante desse cenário, a pasta quer nos próximos meses se aproximar de entidades de educação e de sindicatos como um “termômetro” para dialogar e verificar a aceitação das propostas. Além da necessidade de melhora na eficácia dos gastos diante das avaliações de ensino, também será abordada a mudança no perfil demográfico do País, uma vez que os brasileiros estão envelhecendo e tendo menos filhos.

“Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb; é que tenho de parar de crescer o dinheiro do Fundeb se estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. O que tenho de garantir é a qualidade do ensino”, afirmou a ministra na entrevista ao Estadão.

A mudança no Fundeb – vista com resistência no Ministério da Educação, segundo apurou a reportagem – ainda terá de passar pelo crivo de Lula. Tebet conversou sobre o assunto com o presidente Lula, que deu autorização para a ministra falar sobre o tema e pautar a discussão, após o petista ter descartado mudanças nos pisos da saúde e educação. Lula, porém, ainda não deu sinal verde para uma mudança efetiva no fundo.

A equipe deseja apresentar uma proposta ainda no primeiro semestre de 2025. A leitura é de que a janela para aprovar alguma mudança neste mandato se limita ao próximo ano, uma vez que 2026 é ano eleitoral.

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