BRASÍLIA - O Ministério de Minas e Energia (MME) decidiu entrar diretamente nas discussões sobre a viabilidade financeira do linhão de energia entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR), na tentativa de autorizar o início das obras do empreendimento, leiloado sete anos atrás. Uma das ideias do governo Jair Bolsonaro é repassar para a concessionária um complemento de receita, que seria pago por meio de subsídio embutido na conta de luz de todos os consumidores de energia.
O assunto, que deveria ser tratado exclusivamente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entrou no gabinete do MME, que propôs um decreto para formalizar a decisão.
Nos últimos anos, a concessionária Transnorte Energia (TNE), formada pela estatal Eletronorte e a empresa Alupar, não conseguiu tocar o projeto, pois não obteve licenciamento ambiental – o traçado da linha passa por terras indígenas.
Agora, com a iminência de obter essa autorização do Ibama e da Funai, a empresa apresentou um pedido de reequilíbrio financeiro à Aneel. Em seu cálculo, a TNE declarou que teria direito a receber R$ 395,7 milhões pelos próximos 27 anos, para operar a linha que vai construir. A Aneel, no entanto, rejeitou a proposta e propôs o pagamento anual de R$ 256,9 milhões, pelo prazo de 19 anos e meio.
Reação
Após a negativa da agência, a concessionária enviou carta ao MME e à Aneel, dizendo que a oferta não reequilibrava o contrato e o assunto teria de ser rediscutido. Foi quando o ministério entrou no assunto – que deveria ser restrito à análise da agência reguladora.
Em entrevista ao Estado, o diretor técnico da Transnorte Energia, Raul Fernando Ferreira, confirmou as informações. “O governo deve interferir neste processo como mediador, para buscar a melhor solução”, disse Ferreira. “Essa obra ultrapassa isso (definição apenas pela Aneel) e ultrapassa, inclusive, o interesse da própria TNE.”
Segundo Ferreira, o MME deve “conversar com a agência reguladora, que, de alguma maneira está vinculada ao MME, não digo subordinada, no sentido de buscar alguma solução de consenso”. “O que discutimos é a regra de reequilíbrio, que, na nossa visão, não está com o detalhamento necessário e refletindo os impactos causados.”
Leiloada em 2011, a rede Manaus-Boa Vista deveria entrar em operação em janeiro de 2015. Do total de 721 km do traçado, 125 km passam dentro da terra indígena Waimiri Atroari, onde estão 31 aldeias e vivem 1,6 mil índios. Na semana passada, o Estado revelou que a empresa apresentou proposta de indenizações aos índios que chega a R$ 49,6 milhões.
Procurada, a Aneel não quis comentar. A reportagem apurou que a intervenção do governo causou irritação dentro da agência. A área técnica defende a realização de um novo leilão, já que a concorrência pode reduzir o custo da linha ao sistema.
Na quarta-feira, a cúpula do setor elétrico se reuniu no MME em reunião fechada, para tratar do assunto. Uma das ideias é que a chamada Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC), taxa cobrada para compra do óleo de térmicas, sirva, também, para financiar o linhão – a decisão sairia por decreto. Segundo técnicos, a lei que criou a CCC não prevê essa destinação, abrindo possibilidade de ações judiciais.
Questionado sobre o assunto, o MME negou interferência nas negociações e declarou que seu posicionamento “é pautados pela manutenção da segurança jurídica, previsibilidade e respeito à governança estabelecida”. “Assim, a afirmação de que o MME irá interferir em processo que é responsabilidade da agência é infundada”, disse.
Na sexta-feira, as obras do linhão foram incluídas na lista do Programa de Parcerias e Investimento (PPI). O ministério afirmou que “a questão contratual está sendo tratada em paralelo, de modo a construir a melhor solução para o País, respeitando as atribuições, responsabilidades e competências das diversas instituições”.
Em galpões, 9 mil toneladas de cabos estocados
As intervenções do Ministério de Minas e Energia (MME) em decisões técnicas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) causaram polêmica em maio de 2016. À época, o órgão de fiscalização vinha sendo pressionado por um grupo de hidrelétricas que estavam com obras atrasadas. A partir de pareceres técnicos, a agência negou perdão às concessionárias, as quais passaram a acumular dívidas bilionárias.
Foi quando o então ministro do MME, Eduardo Braga, decidiu tirar o poder decisório da agência – uma semana antes do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Com a publicação de uma portaria, a decisão final sobre cada caso passou a ser atribuição do MME.
A mudança causou fortes reações dentro da Aneel. No mês seguinte, quando a pasta passou para o comando do ministro Fernando Coelho Filho, uma medida provisória tratou de revogar o ato anterior, devolvendo o poder decisório para a agência reguladora. As complicações com o linhão Manaus – Boa Vista já levaram a empresa a pedir, no fim de 2016, para que Aneel aprovasse a extinção do contrato. A agência concordou com o pedido e fez um parecer favorável, mas lembrou que, especificamente para essa situação, caberia à União decidir o caso.
Em 2018, após consultar a Advocacia-Geral da União (AGU), o MME negou a extinção do contrato e, de quebra, exigiu que a agência calculasse o reequilíbrio financeiro. No parecer do MME, está destacado que “compete à Aneel analisar a situação em toda a sua plenitude e nuances, de modo a promover, se assim entender, o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, inclusive quanto a eventual excludente de responsabilidade da contratada”.
Sem poder tocar as obras, a Transnorte aguarda definição. Em 2018, a empresa teve de erguer dois galpões em Boa Vista (RR) e em Belém (PA) para proteger os carretéis de madeira com os cabos de aço que já adquiriu, cinco anos atrás. Dos 750 km da linha, a TNE já tem cerca de 500 km guardados. São cerca de 3 mil toneladas de cabos armazenados em Boa Vista e 6 mil toneladas em Belém.