O início da nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tido uma ajuda inesperada da economia global. Na virada do ano, o que boa parte dos analistas esperava era uma atividade mundial bem mais fraca do que os últimos indicadores têm revelado.
A conjuntura mais positiva deve fazer com que o Brasil colha um novo ano de bom resultado da balança comercial. Uma parte dos bancos e consultorias prevê um superávit acima de US$ 70 bilhões em 2023, o que marcará um recorde se confirmado.
O estágio atual da economia está longe de ter como pano de fundo a forte expansão observada na primeira década dos anos 2000, fundamental para sustentar o crescimento econômico nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). Mas o fato de o mundo ter se mostrado resiliente neste início de ano pode ajudar a repetir, ainda que em uma escala menor, o ambiente internacional favorável enfrentado pelo petista no passado.
“Há sinais de desaceleração na atividade global, mas não é um colapso”, afirma Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco.
Os analistas ainda tentam entender o que explica essa força acima do esperado na atividade global. O mundo lida com um cenário pouco comum. Enquanto a confiança de consumidores e empresários está em queda - o que indica uma menor propensão para investir e comprar –, os dados de atividade, sobretudo no setor de serviços, ainda não apresentaram uma desaceleração tão acentuada.
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Poupança e China
Uma das hipóteses que pode ajudar a decifrar esse desempenho tem a ver com os estímulos monetários e fiscais concedidos no auge da pandemia e a poupança feita pelas famílias nesse período. “O consumidor pode ter um excesso de poupança que veio do fiscal na pandemia, e o mercado de trabalho ainda segue forte”, afirma Kaian Oliveira, economista internacional da Parcitas Investimentos. “Nos Estados Unidos, o ponto final é a recessão, mas pode ser que ela demore por causa dessa força do consumidor.”
Nos EUA, mesmo com a alta das taxas de juros, o cenário de recessão tem sido postergado sucessivamente. Já foi projetado para ocorrer no segundo trimestre de 2023. Agora, a previsão é mais para o fim deste ano ou início de 2024. “Chegamos a ter um PIB para os Estados Unidos que era de um crescimento perto de 0,3%, 0,5%. Hoje, estamos com um PIB mais para 1%, podendo até ser mais do que isso”, afirma Fernando Honorato, economista-chefe do banco Bradesco.
Em 2023, o mundo também se beneficiou da rápida reabertura da China, que abandonou a sua política de covid zero. “Esse movimento de reabertura foi agressivo, puxando as projeções de crescimento do país, que hoje estão próximas de 6%”, diz Eduardo Jarra, economista-chefe da Santander Asset Management.
Para os próximos meses, no entanto, existe uma dúvida entre os economistas sobre a capacidade chinesa de manter um bom ritmo de crescimento. “Com os dados que temos, imaginamos uma desaceleração no segundo trimestre, mas um crescimento acima da capacidade potencial.”
O peso da China
Na história recente do comércio exterior brasileiro, a China desempenha um papel fundamental. É uma grande importadora de produtos básicos, como soja e minério de ferro, e se transformou no principal parceiro comercial do Brasil.
A economia brasileira começou a registrar robustos resultados comerciais no início dos anos 2000, quando o gigante asiático ingressou no comércio internacional e passou a crescer de forma mais acelerada - em alguns anos, o avanço do PIB superou 10%. De 2001 a 2022, as exportações de produtos básicos do Brasil cresceram de US$ 23,8 bilhões para US$ 158,9 bilhões, de acordo com dados tabulados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
Hoje, os sinais de desaceleração da economia global levam a uma queda nos preços, que subiram de forma acelerada depois de superada a fase mais aguda da crise sanitária. O Brasil, no entanto, tem conseguido compensar essa redução com o aumento na quantidade de produtos vendidos. O País colheu uma supersafra de grãos e é dono de um agronegócio que se destaca pela sua elevada produtividade.
“O Brasil está performando bem por conta própria, pelos próprios méritos”, afirma Fabio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset. ”Houve um choque de oferta no setor exportador. É o que chamo de milagre de multiplicação. Consegue dar uma turbinada no PIB, simultaneamente alivia a inflação e beneficia as contas externas.”
Nos últimos anos, a subida da cotação das commodities ajudou a colocar o comércio internacional do País em outro nível. Um estudo feito pelo Bradesco mostra que o peso da corrente de comércio (soma da importação e exportação) no Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassou a marca de 30% desde 2021, o maior patamar desde o início da série histórica, em 1960 - em média, essa relação sempre rondava os 20%.
“É verdade que esse movimento foi fruto do efeito da explosão de preços na pandemia, mas o fato é que houve um efeito multiplicador no crescimento da economia”, avalia Honorato, do Bradesco. “Parte importante da surpresa de crescimento tem a ver com o fato de a força do preço das commodities ter sido subestimada.”
Setor externo melhor
Os resultados da balança comercial devem contribuir para melhorar o resultado do setor externo brasileiro como um todo. Nas contas do Itaú, o déficit em conta corrente do País deve recuar dos atuais 2,7% do PIB no acumulado em 12 meses para 1,7% do PIB ao fim de 2023. “É um número melhor do que a média recente. Nos últimos três anos, ficou ao redor de 2,5% do PIB”, afirma Julia, economista do banco.
O setor externo brasileiro também se beneficia de uma situação confortável no volume de investimentos diretos no País (IDP). Em 12 meses até abril, o IDP somou US$ 82 bilhões (ou 4,17% do PIB), um pouco abaixo do apurado em março (US$ 89,7 bilhões ou 4,57% do PIB), mas muito superior ao verificado em abril de 2022 (US$ 54,3 bilhões ou 3,12% do PIB).
“Bem ou mal o Brasil se livrou dos desequilíbrios externos há algum tempo”, diz Barbosa, do Bradesco. “Hoje, o nosso déficit, comparativamente aos países da América Latina, não chega a chamar tanta atenção.”
O Brasil é um nova Suíça?
Nas últimas semanas, os resultados da balança comercial levaram o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), Robin Brooks, a afirmar que o Brasil caminha para se tornar “a Suíça da América Latina”.
“Está surgindo um enorme superávit comercial, diferente de qualquer outro país da região. Isso vai dar ao Brasil estabilidade externa e uma moeda forte”, publicou o economista no Twitter.
Os números positivos mais recentes do setor externo não apagam o início confuso da gestão Lula na economia. Os ataques do governo ao Banco Central e a incerteza fiscal assustaram os investidores. A nova gestão petista ainda tentou rever o marco do saneamento e questionou a privatização da Eletrobras, o que não foi bem visto. No diálogo com o agronegócio, também houve entraves, com os atos do Movimento dos Sem Terra, que culminaram numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O ministro da Agricultura foi desconvidado da Agrishow, a maior feira do setor.
Do lado positivo, os fatores que ajudam a mitigar essas preocupações e ainda colocam o Brasil no radar do comércio internacional vêm da aprovação na Câmara dos Deputados do arcabouço fiscal - que reduziu o temor com o forte aumento do endividamento do País nos próximos anos -, a investida na reforma tributária, e o discurso ambiental.
“É um governo percebido pela comunidade internacional como tendo um compromisso com o meio ambiente e que tem falado mais da agenda de transição energética. Para o fluxo futuro, isso deve ser importante”, diz o economista-chefe do Bradesco.