BRASÍLIA – O ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, que chefiou o órgão em 2019 durante o governo Jair Bolsonaro, entende que o governo Lula errou ao recuar da medida que ampliava o monitoramento da Receita sobre as transações financeiras, incluindo via Pix. Para Cintra, a “emenda saiu pior que o soneto” e a equipe econômica “vestiu a carapuça” ao abrir mão da proposta, após a onda de fake news que tomou conta das redes sociais e chegou às ruas.
“Eu acho que era uma medida correta, inevitável, justificável tecnicamente, e que simplesmente aprofundava ou modernizava mecanismos de fiscalização que já estavam sendo utilizados. Portanto, o uso desses instrumentos não pode, de forma alguma, fazer com que a Receita tributária seja criticada por isso”, afirmou.
Na tarde desta quarta-feira, o governo Lula informou que irá revogar a medida diante da onda de circulação de informações falsas e distorcidas sobre o tema – entre elas, a de que o meio de pagamento seria taxado. O governo também informou que vai publicar uma Medida Provisória (MP) para reforçar a gratuidade e sigilo do Pix.
Erro de comunicação
Cintra entende, por outro lado, que houve erro por parte do governo em comunicar a medida. Ele avalia que era preciso passar para a sociedade que a Receita tem a obrigação de monitorar as transações e que o objetivo era evitar a evasão fiscal (o não pagamento de impostos devidos) de grandes sonegadores para conseguir diminuir a carga para quem já paga os impostos corretamente hoje.
“O governo anunciou muito mal. Se eu estivesse lá, teria passado a seguinte mensagem: nós vamos aprofundar os meios de controle da sonegação através do uso do Pix. Mas limitar não em R$ 5 mil; quem sabe, em R$ 50 mil, num patamar mais alto, que aí você vai pegar os grandes. E iria dizer que isso iria permitir a redução das alíquotas de todo mundo”, afirmou.
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A instrução normativa da Receita, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro obrigava instituições financeiras a informar movimentações, incluindo via Pix, acima de R$ 5 mil mensais para pessoas físicas e de R$ 15 mil para pessoas jurídicas.
O recuo, porém, passou a sensação de que a oposição estava certa em fazer as críticas por meio das redes sociais, segundo Cintra.
“Voltar atrás, para mim, me pareceu ainda mais preocupante, porque mostra que, de alguma forma, o governo vestiu a carapuça sobre temores que claramente foram veiculados de maneira inidônea. Em momento nenhum se poderia achar que o Pix seria tributado”, afirmou.
Volta da CPMF?
Durante o governo Bolsonaro, Cintra era um forte defensor da tributação dos meios de pagamento, com alíquotas entre 0,2% e 0,4%. A forte rejeição do Congresso à volta de um imposto nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), contudo, acabou custando a sua permanência no cargo.
“O ponto positivo é que a revolta do Pix é o primeiro sinal de que a tributação digital do pagamento virá inexoravelmente por bem ou por mal”, afirma Cintra, que segue na defesa da proposta. “O ponto negativo é que, politicamente, pode custar um preço muito alto para o governo qualquer forma de tributação que incida sobre pagamentos”, diz.
No pronunciamento sobre a revogação da medida, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma referência à gestão Bolsonaro nesse sentido, sem citar nomes. “O governo anterior tentou – e fracassou – reintroduzir no sistema jurídico a antiga CPMF. Não é o caso deste governo. O governo não trabalha com essa hipótese. Trabalha com a maior reforma tributária já feita no Brasil e com a reforma da renda este ano. Nós estamos trabalhando com outros conceitos. Nós não estamos trabalhando com esse”, disse.
Desconfiança
Cintra teme que, no curto prazo, o uso do Pix diminua, e que o uso do papel moeda e dos cheques voltem a ganhar força no País.
“O problema já está gerado: a desconfiança ficou muito assimilada pela sociedade. O preço vai ser alto, em termos de redução de uso de Pix e Drex (moeda digital do BC). Uma eventual remonetização da economia significa aumento muito grande do custo de transação, que é um dos fatores da baixa produtividade e ineficiência da economia brasileira”, afirma.