Governo quer retirar estatais do Orçamento e críticos falam em possibilidade de manobra fiscal


Empresas que hoje dependem do Tesouro Nacional poderão sair da contabilidade tradicional, abrindo espaço para novos gastos; governo defende projeto e diz que mudança melhora situação fiscal

Por Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – O governo quer retirar estatais do Orçamento convencional da União. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou dois projetos para o Congresso que afrouxam as regras para que empresas públicas saiam da contabilidade tradicional e passem a gastar como instituições independentes, mesmo que ainda dependam de dinheiro do Tesouro Nacional. Se as propostas avançarem, o controle dos gastos dessas estatais vai ficar mais difícil, de acordo com especialistas. Ao mesmo tempo, sua retirada do Orçamento abre espaço para novos gastos, o que poderia configurar mais um drible no arcabouço fiscal.

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que cuida das estatais federais, afirmou, porém, que o governo propôs a mudança para que as empresas recuperem sua sustentabilidade e não precisem mais de recursos da União no médio prazo. O Ministério do Planejamento e Orçamento, que assina a proposta, disse que a mudança melhora a situação fiscal das contas públicas, pois hoje os recursos próprios dessas estatais também acabam entrando no Orçamento e concorrem com outros gastos da administração.

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O presidente Lula, durante reunião no Palácio do Planalto, em 3 de outubro Foto: Wilton Junior/Estadão

Atualmente, 17 empresas estatais são consideradas dependentes, ou seja, precisam de recursos do Tesouro Nacional para manter suas atividades. Entre elas estão a Telebras, responsável por levar internet para órgãos públicos, a Infra S/A, que cuida de projetos de infraestrutura, a Conab, encarregada de abastecimento e distribuição de alimentos, a Embrapa, de pesquisa agropecuária, e a Codevasf, que faz obras nos vales do Rio São Francisco e do Parnaíba.

Os projetos enviados pelo governo mudam as regras para que essas empresas saiam dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, onde estão os gastos que se submetem aos limites fiscais, e façam parte do Orçamento de Investimento, onde estão as estatais independentes, como a Petrobras.

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São dois projetos, um para mexer nas regras do Orçamento em 2024 e outro para mudar as regras do Orçamento de 2025. As propostas foram assinadas pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e enviadas pelo presidente Lula ao Congresso em 4 de outubro. Ainda não há previsão de votação.

As estatais dependentes têm um orçamento aproximado de R$ 39 bilhões neste ano, dos quais R$ 1,7 bilhão (menos de 5%) bilhão vem de arrecadação própria das empresas. O restante é bancado por recursos diretos do Tesouro Nacional. Tudo entra no Orçamento convencional da União. As despesas precisam respeitar o teto de gastos do arcabouço fiscal e estão sujeitas ao congelamento de despesas necessário para cumprir as regras fiscais, com exceção dos hospitais universitários federais, que receberam uma exceção do arcabouço. Com a mudança, apenas o dinheiro do Tesouro respeitaria os limites.

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Atualmente, as estatais podem virar independentes desde que apresentem um plano de sustentabilidade econômica e financeira, não tenham recebido recursos do Tesouro para pagamento de despesas com pessoal e de custeio em geral e que a arrecadação própria seja suficiente para cobrir 80% desses gastos. Além disso, o Orçamento ainda passa pela contabilidade tradicional durante a transição, até a aprovação do plano. Os projetos do governo excluem essas exigências.

O Executivo propõe que isso poderia mudar com a assinatura de um contrato de gestão para a empresa, abrindo a possibilidade de a despesa sair do Orçamento convencional ainda na fase de transição da estatal (de dependente para não dependente), o que não acontece hoje. O contrato de gestão, segundo os projetos, deverá delimitar os objetivos e as metas de desempenho para que as estatais adquiram sustentabilidade econômica e financeira. O salário dos empregados, nesse período, ainda terá de respeitar o teto constitucional do funcionalismo público, que equivale à remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — atualmente R$ 44.008,52 mensais.

Problema da proposta é burlar teto de gastos e controle público, diz especialista

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O contrato de gestão é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Constituição para ampliar a autonomia, a eficiência e a sustentabilidade de empresas públicas, mas não deveria ser interpretado para tirar estatais do Orçamento tradicional, de acordo com a especialista em Finanças Públicas e presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), Lucieni Pereira.

“O problema é passar a ideia de que você pode burlar o teto de gastos, o limite de despesas com pessoal, o limite de dívida pública e todos os controles públicos só fazendo um contrato de gestão e dizendo que não é mais dependente. O conceito de empresa dependente não permite essa ideia. É uma irresponsabilidade”, afirma Lucieni.

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A especialista aponta que, com a proposta, há risco de qualquer órgão do governo federal ir para o mesmo caminho, querer declarar independência e sair do Orçamento, mesmo dependendo de recursos do Tesouro. Além disso, Estados e municípios poderiam “copiar” a ideia para tirar empresas estaduais de seus orçamentos, desviar dos limites de despesas e comprometer ainda mais as contas locais, aumentando a pressão por socorros e garantias da União. “Se o governo quer sepultar o teto de gastos de uma vez por todas, é só trilhar esse caminho”, diz a especialista.

A economista Selene Peres Peres Nunes, uma das autoras da LRF, também diz que o governo não pode usar o contrato de gestão previsto na lei para tirar as empresas do Orçamento. “O governo não quer atacar os problemas reais de gestão das estatais e fica querendo resolver as coisas com contabilidade criativa. O governo não pode colocar ou tirar da conta ao seu bel-prazer.”

De acordo com Selene, o Poder Executivo precisa colocar todo o orçamento de estatais dependentes nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, submetidos às regras fiscais, não apenas o dinheiro que é colocado pelo Tesouro, e não pode usar o projeto para mudar essas limitações. “Se o governo precisa fazer aporte para custeio das empresas, ela fica dependente e isso não tem a ver com contrato de gestão. Não dá para tirar do Orçamento.”

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Consultoria do Senado aponta risco de despesas escaparem de limites

A tentativa do governo acendeu um sinal de alerta no Congresso Nacional. Há duas preocupações centrais. A primeira envolve transparência, pois os projetos abrem margem para as despesas das estatais não serem contabilizadas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que registra todas as movimentações financeiras da União. O segundo impacto é fiscal, pois o que sair do Orçamento abriria espaço para outros gastos.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) elaborou um requerimento para o Ministério do Planejamento pedindo esclarecimentos e cálculo de impacto dos projetos sobre o arcabouço fiscal. “As mudanças levantam sérias preocupações sobre a transparência e o controle dos gastos públicos. Ao retirar as estatais dependentes do orçamento fiscal, o Governo não só abre espaço para mais despesas, como dificulta o acompanhamento do uso desses recursos”, disse a parlamentar ao Estadão.

A Consultoria de Orçamento do Senado apontou que o projeto não apresentou justificativa para a mudança no instrumento e concluiu que o texto permite que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o congelamento de gastos e a obrigação de registrar as despesas no Siafi.

A área técnica do Senado também concluiu que a proposta é omissa sobre se as despesas das estatais custeadas com receitas próprias vão ser submetidas ou não às restrições do Orçamento.

“Em tese, o contrato de gestão permitirá que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o contingenciamento e, segundo a redação proposta para o art. 6º, a obrigação de registrar as despesas no Siafi”, diz a nota técnica.

Outro apontamento é que o projeto busca alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não permitidas pela legislação. “A LDO não pode excluir despesas primárias da apuração da meta de resultado primário do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social.”

Governo diz que projeto terá impacto positivo no Orçamento

O governo defende a proposta como alternativa para que estatais não dependam mais de recursos da União. “O governo federal propôs mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias para que empresas estatais que hoje se encontram na condição de dependência tenham uma alternativa para recuperar sua sustentabilidade financeira, gerar receitas próprias e não precisar mais, no médio prazo, de recursos da União para o custeio de suas atividades”, afirmou o Ministério da Gestão ao Estadão.

A pasta disse que as regras atuais impedem que as estatais conquistem as condições para deixarem de depender de recursos do Tesouro Nacional no custeio de suas atividades.

O Ministério do Planejamento e Orçamento, por sua vez, declarou que a proposta melhora as contas públicas porque hoje as despesas das estatais, até aquelas que são bancadas com recursos próprios das empresas, concorrem com gastos de outros órgãos da administração pública no mesmo espaço do Orçamento. “Trata-se de proposta destinada a reduzir os repasses de recursos da União para empresas estatais dependentes, e, desse modo, melhorar a situação fiscal”, afirmou a pasta.

O Planejamento argumentou que, no novo modelo, os gastos continuarão transparentes com o acompanhamento no Siop (Sistema de Planejamento e Orçamento) e a publicação de relatórios bimestrais de execução. Sobre os apontamentos da Consultoria do Senado, a pasta afirmou que o contrato de gestão não configura desconto de despesa da meta de resultado primário. Além disso, não só a despesa, mas também a receita passará a ser registrada no Orçamento de Investimento, onde estão as estatais.

A pasta comandada pela ministra Simone Tebet afirmou ainda que a legislação autoriza a compensação entre a meta fiscal e a meta do Programa de Dispêndios Globais (PDG), ao qual as empresas estatais são submetidas. Como se trata de proposta em discussão no Congresso Nacional e que dependeria de regulamentação e análise dos contratos, o ministério afirmou que não há como antecipar o valor de despesas que ficarão fora dos limites fiscais e nem quais empresas serão alvo da mudança.

Após a publicação da reportagem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a intenção do governo é fazer com que estatais dependem menos do orçamento do governo. “Não há hipótese de isso acontecer (tirar estatais do arcabouço fiscal)”, disse o chefe da pasta. “O objetivo da medida é exatamente o contrário, é fazer com que a estatal não dependa mais de recursos orçamentários.”

Haddad admitiu a possibilidade de mudar a redação da proposta para deixar mais claro que não haverá impactos no arcabouço. Conforme apontam a consultoria do Senado, especialistas ouvidos pela reportagem e os próprios ministérios do governo envolvidos na elaboração da medida, apenas o aporte do Tesouro continuaria no Orçamento convencional, submetido aos limites fiscais, e não mais o recurso que vem de receita própria, como é hoje.

BRASÍLIA – O governo quer retirar estatais do Orçamento convencional da União. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou dois projetos para o Congresso que afrouxam as regras para que empresas públicas saiam da contabilidade tradicional e passem a gastar como instituições independentes, mesmo que ainda dependam de dinheiro do Tesouro Nacional. Se as propostas avançarem, o controle dos gastos dessas estatais vai ficar mais difícil, de acordo com especialistas. Ao mesmo tempo, sua retirada do Orçamento abre espaço para novos gastos, o que poderia configurar mais um drible no arcabouço fiscal.

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que cuida das estatais federais, afirmou, porém, que o governo propôs a mudança para que as empresas recuperem sua sustentabilidade e não precisem mais de recursos da União no médio prazo. O Ministério do Planejamento e Orçamento, que assina a proposta, disse que a mudança melhora a situação fiscal das contas públicas, pois hoje os recursos próprios dessas estatais também acabam entrando no Orçamento e concorrem com outros gastos da administração.

O presidente Lula, durante reunião no Palácio do Planalto, em 3 de outubro Foto: Wilton Junior/Estadão

Atualmente, 17 empresas estatais são consideradas dependentes, ou seja, precisam de recursos do Tesouro Nacional para manter suas atividades. Entre elas estão a Telebras, responsável por levar internet para órgãos públicos, a Infra S/A, que cuida de projetos de infraestrutura, a Conab, encarregada de abastecimento e distribuição de alimentos, a Embrapa, de pesquisa agropecuária, e a Codevasf, que faz obras nos vales do Rio São Francisco e do Parnaíba.

Os projetos enviados pelo governo mudam as regras para que essas empresas saiam dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, onde estão os gastos que se submetem aos limites fiscais, e façam parte do Orçamento de Investimento, onde estão as estatais independentes, como a Petrobras.

São dois projetos, um para mexer nas regras do Orçamento em 2024 e outro para mudar as regras do Orçamento de 2025. As propostas foram assinadas pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e enviadas pelo presidente Lula ao Congresso em 4 de outubro. Ainda não há previsão de votação.

As estatais dependentes têm um orçamento aproximado de R$ 39 bilhões neste ano, dos quais R$ 1,7 bilhão (menos de 5%) bilhão vem de arrecadação própria das empresas. O restante é bancado por recursos diretos do Tesouro Nacional. Tudo entra no Orçamento convencional da União. As despesas precisam respeitar o teto de gastos do arcabouço fiscal e estão sujeitas ao congelamento de despesas necessário para cumprir as regras fiscais, com exceção dos hospitais universitários federais, que receberam uma exceção do arcabouço. Com a mudança, apenas o dinheiro do Tesouro respeitaria os limites.

Atualmente, as estatais podem virar independentes desde que apresentem um plano de sustentabilidade econômica e financeira, não tenham recebido recursos do Tesouro para pagamento de despesas com pessoal e de custeio em geral e que a arrecadação própria seja suficiente para cobrir 80% desses gastos. Além disso, o Orçamento ainda passa pela contabilidade tradicional durante a transição, até a aprovação do plano. Os projetos do governo excluem essas exigências.

O Executivo propõe que isso poderia mudar com a assinatura de um contrato de gestão para a empresa, abrindo a possibilidade de a despesa sair do Orçamento convencional ainda na fase de transição da estatal (de dependente para não dependente), o que não acontece hoje. O contrato de gestão, segundo os projetos, deverá delimitar os objetivos e as metas de desempenho para que as estatais adquiram sustentabilidade econômica e financeira. O salário dos empregados, nesse período, ainda terá de respeitar o teto constitucional do funcionalismo público, que equivale à remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — atualmente R$ 44.008,52 mensais.

Problema da proposta é burlar teto de gastos e controle público, diz especialista

O contrato de gestão é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Constituição para ampliar a autonomia, a eficiência e a sustentabilidade de empresas públicas, mas não deveria ser interpretado para tirar estatais do Orçamento tradicional, de acordo com a especialista em Finanças Públicas e presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), Lucieni Pereira.

“O problema é passar a ideia de que você pode burlar o teto de gastos, o limite de despesas com pessoal, o limite de dívida pública e todos os controles públicos só fazendo um contrato de gestão e dizendo que não é mais dependente. O conceito de empresa dependente não permite essa ideia. É uma irresponsabilidade”, afirma Lucieni.

A especialista aponta que, com a proposta, há risco de qualquer órgão do governo federal ir para o mesmo caminho, querer declarar independência e sair do Orçamento, mesmo dependendo de recursos do Tesouro. Além disso, Estados e municípios poderiam “copiar” a ideia para tirar empresas estaduais de seus orçamentos, desviar dos limites de despesas e comprometer ainda mais as contas locais, aumentando a pressão por socorros e garantias da União. “Se o governo quer sepultar o teto de gastos de uma vez por todas, é só trilhar esse caminho”, diz a especialista.

A economista Selene Peres Peres Nunes, uma das autoras da LRF, também diz que o governo não pode usar o contrato de gestão previsto na lei para tirar as empresas do Orçamento. “O governo não quer atacar os problemas reais de gestão das estatais e fica querendo resolver as coisas com contabilidade criativa. O governo não pode colocar ou tirar da conta ao seu bel-prazer.”

De acordo com Selene, o Poder Executivo precisa colocar todo o orçamento de estatais dependentes nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, submetidos às regras fiscais, não apenas o dinheiro que é colocado pelo Tesouro, e não pode usar o projeto para mudar essas limitações. “Se o governo precisa fazer aporte para custeio das empresas, ela fica dependente e isso não tem a ver com contrato de gestão. Não dá para tirar do Orçamento.”

Consultoria do Senado aponta risco de despesas escaparem de limites

A tentativa do governo acendeu um sinal de alerta no Congresso Nacional. Há duas preocupações centrais. A primeira envolve transparência, pois os projetos abrem margem para as despesas das estatais não serem contabilizadas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que registra todas as movimentações financeiras da União. O segundo impacto é fiscal, pois o que sair do Orçamento abriria espaço para outros gastos.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) elaborou um requerimento para o Ministério do Planejamento pedindo esclarecimentos e cálculo de impacto dos projetos sobre o arcabouço fiscal. “As mudanças levantam sérias preocupações sobre a transparência e o controle dos gastos públicos. Ao retirar as estatais dependentes do orçamento fiscal, o Governo não só abre espaço para mais despesas, como dificulta o acompanhamento do uso desses recursos”, disse a parlamentar ao Estadão.

A Consultoria de Orçamento do Senado apontou que o projeto não apresentou justificativa para a mudança no instrumento e concluiu que o texto permite que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o congelamento de gastos e a obrigação de registrar as despesas no Siafi.

A área técnica do Senado também concluiu que a proposta é omissa sobre se as despesas das estatais custeadas com receitas próprias vão ser submetidas ou não às restrições do Orçamento.

“Em tese, o contrato de gestão permitirá que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o contingenciamento e, segundo a redação proposta para o art. 6º, a obrigação de registrar as despesas no Siafi”, diz a nota técnica.

Outro apontamento é que o projeto busca alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não permitidas pela legislação. “A LDO não pode excluir despesas primárias da apuração da meta de resultado primário do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social.”

Governo diz que projeto terá impacto positivo no Orçamento

O governo defende a proposta como alternativa para que estatais não dependam mais de recursos da União. “O governo federal propôs mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias para que empresas estatais que hoje se encontram na condição de dependência tenham uma alternativa para recuperar sua sustentabilidade financeira, gerar receitas próprias e não precisar mais, no médio prazo, de recursos da União para o custeio de suas atividades”, afirmou o Ministério da Gestão ao Estadão.

A pasta disse que as regras atuais impedem que as estatais conquistem as condições para deixarem de depender de recursos do Tesouro Nacional no custeio de suas atividades.

O Ministério do Planejamento e Orçamento, por sua vez, declarou que a proposta melhora as contas públicas porque hoje as despesas das estatais, até aquelas que são bancadas com recursos próprios das empresas, concorrem com gastos de outros órgãos da administração pública no mesmo espaço do Orçamento. “Trata-se de proposta destinada a reduzir os repasses de recursos da União para empresas estatais dependentes, e, desse modo, melhorar a situação fiscal”, afirmou a pasta.

O Planejamento argumentou que, no novo modelo, os gastos continuarão transparentes com o acompanhamento no Siop (Sistema de Planejamento e Orçamento) e a publicação de relatórios bimestrais de execução. Sobre os apontamentos da Consultoria do Senado, a pasta afirmou que o contrato de gestão não configura desconto de despesa da meta de resultado primário. Além disso, não só a despesa, mas também a receita passará a ser registrada no Orçamento de Investimento, onde estão as estatais.

A pasta comandada pela ministra Simone Tebet afirmou ainda que a legislação autoriza a compensação entre a meta fiscal e a meta do Programa de Dispêndios Globais (PDG), ao qual as empresas estatais são submetidas. Como se trata de proposta em discussão no Congresso Nacional e que dependeria de regulamentação e análise dos contratos, o ministério afirmou que não há como antecipar o valor de despesas que ficarão fora dos limites fiscais e nem quais empresas serão alvo da mudança.

Após a publicação da reportagem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a intenção do governo é fazer com que estatais dependem menos do orçamento do governo. “Não há hipótese de isso acontecer (tirar estatais do arcabouço fiscal)”, disse o chefe da pasta. “O objetivo da medida é exatamente o contrário, é fazer com que a estatal não dependa mais de recursos orçamentários.”

Haddad admitiu a possibilidade de mudar a redação da proposta para deixar mais claro que não haverá impactos no arcabouço. Conforme apontam a consultoria do Senado, especialistas ouvidos pela reportagem e os próprios ministérios do governo envolvidos na elaboração da medida, apenas o aporte do Tesouro continuaria no Orçamento convencional, submetido aos limites fiscais, e não mais o recurso que vem de receita própria, como é hoje.

BRASÍLIA – O governo quer retirar estatais do Orçamento convencional da União. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou dois projetos para o Congresso que afrouxam as regras para que empresas públicas saiam da contabilidade tradicional e passem a gastar como instituições independentes, mesmo que ainda dependam de dinheiro do Tesouro Nacional. Se as propostas avançarem, o controle dos gastos dessas estatais vai ficar mais difícil, de acordo com especialistas. Ao mesmo tempo, sua retirada do Orçamento abre espaço para novos gastos, o que poderia configurar mais um drible no arcabouço fiscal.

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que cuida das estatais federais, afirmou, porém, que o governo propôs a mudança para que as empresas recuperem sua sustentabilidade e não precisem mais de recursos da União no médio prazo. O Ministério do Planejamento e Orçamento, que assina a proposta, disse que a mudança melhora a situação fiscal das contas públicas, pois hoje os recursos próprios dessas estatais também acabam entrando no Orçamento e concorrem com outros gastos da administração.

O presidente Lula, durante reunião no Palácio do Planalto, em 3 de outubro Foto: Wilton Junior/Estadão

Atualmente, 17 empresas estatais são consideradas dependentes, ou seja, precisam de recursos do Tesouro Nacional para manter suas atividades. Entre elas estão a Telebras, responsável por levar internet para órgãos públicos, a Infra S/A, que cuida de projetos de infraestrutura, a Conab, encarregada de abastecimento e distribuição de alimentos, a Embrapa, de pesquisa agropecuária, e a Codevasf, que faz obras nos vales do Rio São Francisco e do Parnaíba.

Os projetos enviados pelo governo mudam as regras para que essas empresas saiam dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, onde estão os gastos que se submetem aos limites fiscais, e façam parte do Orçamento de Investimento, onde estão as estatais independentes, como a Petrobras.

São dois projetos, um para mexer nas regras do Orçamento em 2024 e outro para mudar as regras do Orçamento de 2025. As propostas foram assinadas pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e enviadas pelo presidente Lula ao Congresso em 4 de outubro. Ainda não há previsão de votação.

As estatais dependentes têm um orçamento aproximado de R$ 39 bilhões neste ano, dos quais R$ 1,7 bilhão (menos de 5%) bilhão vem de arrecadação própria das empresas. O restante é bancado por recursos diretos do Tesouro Nacional. Tudo entra no Orçamento convencional da União. As despesas precisam respeitar o teto de gastos do arcabouço fiscal e estão sujeitas ao congelamento de despesas necessário para cumprir as regras fiscais, com exceção dos hospitais universitários federais, que receberam uma exceção do arcabouço. Com a mudança, apenas o dinheiro do Tesouro respeitaria os limites.

Atualmente, as estatais podem virar independentes desde que apresentem um plano de sustentabilidade econômica e financeira, não tenham recebido recursos do Tesouro para pagamento de despesas com pessoal e de custeio em geral e que a arrecadação própria seja suficiente para cobrir 80% desses gastos. Além disso, o Orçamento ainda passa pela contabilidade tradicional durante a transição, até a aprovação do plano. Os projetos do governo excluem essas exigências.

O Executivo propõe que isso poderia mudar com a assinatura de um contrato de gestão para a empresa, abrindo a possibilidade de a despesa sair do Orçamento convencional ainda na fase de transição da estatal (de dependente para não dependente), o que não acontece hoje. O contrato de gestão, segundo os projetos, deverá delimitar os objetivos e as metas de desempenho para que as estatais adquiram sustentabilidade econômica e financeira. O salário dos empregados, nesse período, ainda terá de respeitar o teto constitucional do funcionalismo público, que equivale à remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — atualmente R$ 44.008,52 mensais.

Problema da proposta é burlar teto de gastos e controle público, diz especialista

O contrato de gestão é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Constituição para ampliar a autonomia, a eficiência e a sustentabilidade de empresas públicas, mas não deveria ser interpretado para tirar estatais do Orçamento tradicional, de acordo com a especialista em Finanças Públicas e presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), Lucieni Pereira.

“O problema é passar a ideia de que você pode burlar o teto de gastos, o limite de despesas com pessoal, o limite de dívida pública e todos os controles públicos só fazendo um contrato de gestão e dizendo que não é mais dependente. O conceito de empresa dependente não permite essa ideia. É uma irresponsabilidade”, afirma Lucieni.

A especialista aponta que, com a proposta, há risco de qualquer órgão do governo federal ir para o mesmo caminho, querer declarar independência e sair do Orçamento, mesmo dependendo de recursos do Tesouro. Além disso, Estados e municípios poderiam “copiar” a ideia para tirar empresas estaduais de seus orçamentos, desviar dos limites de despesas e comprometer ainda mais as contas locais, aumentando a pressão por socorros e garantias da União. “Se o governo quer sepultar o teto de gastos de uma vez por todas, é só trilhar esse caminho”, diz a especialista.

A economista Selene Peres Peres Nunes, uma das autoras da LRF, também diz que o governo não pode usar o contrato de gestão previsto na lei para tirar as empresas do Orçamento. “O governo não quer atacar os problemas reais de gestão das estatais e fica querendo resolver as coisas com contabilidade criativa. O governo não pode colocar ou tirar da conta ao seu bel-prazer.”

De acordo com Selene, o Poder Executivo precisa colocar todo o orçamento de estatais dependentes nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, submetidos às regras fiscais, não apenas o dinheiro que é colocado pelo Tesouro, e não pode usar o projeto para mudar essas limitações. “Se o governo precisa fazer aporte para custeio das empresas, ela fica dependente e isso não tem a ver com contrato de gestão. Não dá para tirar do Orçamento.”

Consultoria do Senado aponta risco de despesas escaparem de limites

A tentativa do governo acendeu um sinal de alerta no Congresso Nacional. Há duas preocupações centrais. A primeira envolve transparência, pois os projetos abrem margem para as despesas das estatais não serem contabilizadas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que registra todas as movimentações financeiras da União. O segundo impacto é fiscal, pois o que sair do Orçamento abriria espaço para outros gastos.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) elaborou um requerimento para o Ministério do Planejamento pedindo esclarecimentos e cálculo de impacto dos projetos sobre o arcabouço fiscal. “As mudanças levantam sérias preocupações sobre a transparência e o controle dos gastos públicos. Ao retirar as estatais dependentes do orçamento fiscal, o Governo não só abre espaço para mais despesas, como dificulta o acompanhamento do uso desses recursos”, disse a parlamentar ao Estadão.

A Consultoria de Orçamento do Senado apontou que o projeto não apresentou justificativa para a mudança no instrumento e concluiu que o texto permite que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o congelamento de gastos e a obrigação de registrar as despesas no Siafi.

A área técnica do Senado também concluiu que a proposta é omissa sobre se as despesas das estatais custeadas com receitas próprias vão ser submetidas ou não às restrições do Orçamento.

“Em tese, o contrato de gestão permitirá que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o contingenciamento e, segundo a redação proposta para o art. 6º, a obrigação de registrar as despesas no Siafi”, diz a nota técnica.

Outro apontamento é que o projeto busca alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não permitidas pela legislação. “A LDO não pode excluir despesas primárias da apuração da meta de resultado primário do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social.”

Governo diz que projeto terá impacto positivo no Orçamento

O governo defende a proposta como alternativa para que estatais não dependam mais de recursos da União. “O governo federal propôs mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias para que empresas estatais que hoje se encontram na condição de dependência tenham uma alternativa para recuperar sua sustentabilidade financeira, gerar receitas próprias e não precisar mais, no médio prazo, de recursos da União para o custeio de suas atividades”, afirmou o Ministério da Gestão ao Estadão.

A pasta disse que as regras atuais impedem que as estatais conquistem as condições para deixarem de depender de recursos do Tesouro Nacional no custeio de suas atividades.

O Ministério do Planejamento e Orçamento, por sua vez, declarou que a proposta melhora as contas públicas porque hoje as despesas das estatais, até aquelas que são bancadas com recursos próprios das empresas, concorrem com gastos de outros órgãos da administração pública no mesmo espaço do Orçamento. “Trata-se de proposta destinada a reduzir os repasses de recursos da União para empresas estatais dependentes, e, desse modo, melhorar a situação fiscal”, afirmou a pasta.

O Planejamento argumentou que, no novo modelo, os gastos continuarão transparentes com o acompanhamento no Siop (Sistema de Planejamento e Orçamento) e a publicação de relatórios bimestrais de execução. Sobre os apontamentos da Consultoria do Senado, a pasta afirmou que o contrato de gestão não configura desconto de despesa da meta de resultado primário. Além disso, não só a despesa, mas também a receita passará a ser registrada no Orçamento de Investimento, onde estão as estatais.

A pasta comandada pela ministra Simone Tebet afirmou ainda que a legislação autoriza a compensação entre a meta fiscal e a meta do Programa de Dispêndios Globais (PDG), ao qual as empresas estatais são submetidas. Como se trata de proposta em discussão no Congresso Nacional e que dependeria de regulamentação e análise dos contratos, o ministério afirmou que não há como antecipar o valor de despesas que ficarão fora dos limites fiscais e nem quais empresas serão alvo da mudança.

Após a publicação da reportagem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a intenção do governo é fazer com que estatais dependem menos do orçamento do governo. “Não há hipótese de isso acontecer (tirar estatais do arcabouço fiscal)”, disse o chefe da pasta. “O objetivo da medida é exatamente o contrário, é fazer com que a estatal não dependa mais de recursos orçamentários.”

Haddad admitiu a possibilidade de mudar a redação da proposta para deixar mais claro que não haverá impactos no arcabouço. Conforme apontam a consultoria do Senado, especialistas ouvidos pela reportagem e os próprios ministérios do governo envolvidos na elaboração da medida, apenas o aporte do Tesouro continuaria no Orçamento convencional, submetido aos limites fiscais, e não mais o recurso que vem de receita própria, como é hoje.

BRASÍLIA – O governo quer retirar estatais do Orçamento convencional da União. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou dois projetos para o Congresso que afrouxam as regras para que empresas públicas saiam da contabilidade tradicional e passem a gastar como instituições independentes, mesmo que ainda dependam de dinheiro do Tesouro Nacional. Se as propostas avançarem, o controle dos gastos dessas estatais vai ficar mais difícil, de acordo com especialistas. Ao mesmo tempo, sua retirada do Orçamento abre espaço para novos gastos, o que poderia configurar mais um drible no arcabouço fiscal.

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que cuida das estatais federais, afirmou, porém, que o governo propôs a mudança para que as empresas recuperem sua sustentabilidade e não precisem mais de recursos da União no médio prazo. O Ministério do Planejamento e Orçamento, que assina a proposta, disse que a mudança melhora a situação fiscal das contas públicas, pois hoje os recursos próprios dessas estatais também acabam entrando no Orçamento e concorrem com outros gastos da administração.

O presidente Lula, durante reunião no Palácio do Planalto, em 3 de outubro Foto: Wilton Junior/Estadão

Atualmente, 17 empresas estatais são consideradas dependentes, ou seja, precisam de recursos do Tesouro Nacional para manter suas atividades. Entre elas estão a Telebras, responsável por levar internet para órgãos públicos, a Infra S/A, que cuida de projetos de infraestrutura, a Conab, encarregada de abastecimento e distribuição de alimentos, a Embrapa, de pesquisa agropecuária, e a Codevasf, que faz obras nos vales do Rio São Francisco e do Parnaíba.

Os projetos enviados pelo governo mudam as regras para que essas empresas saiam dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, onde estão os gastos que se submetem aos limites fiscais, e façam parte do Orçamento de Investimento, onde estão as estatais independentes, como a Petrobras.

São dois projetos, um para mexer nas regras do Orçamento em 2024 e outro para mudar as regras do Orçamento de 2025. As propostas foram assinadas pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e enviadas pelo presidente Lula ao Congresso em 4 de outubro. Ainda não há previsão de votação.

As estatais dependentes têm um orçamento aproximado de R$ 39 bilhões neste ano, dos quais R$ 1,7 bilhão (menos de 5%) bilhão vem de arrecadação própria das empresas. O restante é bancado por recursos diretos do Tesouro Nacional. Tudo entra no Orçamento convencional da União. As despesas precisam respeitar o teto de gastos do arcabouço fiscal e estão sujeitas ao congelamento de despesas necessário para cumprir as regras fiscais, com exceção dos hospitais universitários federais, que receberam uma exceção do arcabouço. Com a mudança, apenas o dinheiro do Tesouro respeitaria os limites.

Atualmente, as estatais podem virar independentes desde que apresentem um plano de sustentabilidade econômica e financeira, não tenham recebido recursos do Tesouro para pagamento de despesas com pessoal e de custeio em geral e que a arrecadação própria seja suficiente para cobrir 80% desses gastos. Além disso, o Orçamento ainda passa pela contabilidade tradicional durante a transição, até a aprovação do plano. Os projetos do governo excluem essas exigências.

O Executivo propõe que isso poderia mudar com a assinatura de um contrato de gestão para a empresa, abrindo a possibilidade de a despesa sair do Orçamento convencional ainda na fase de transição da estatal (de dependente para não dependente), o que não acontece hoje. O contrato de gestão, segundo os projetos, deverá delimitar os objetivos e as metas de desempenho para que as estatais adquiram sustentabilidade econômica e financeira. O salário dos empregados, nesse período, ainda terá de respeitar o teto constitucional do funcionalismo público, que equivale à remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — atualmente R$ 44.008,52 mensais.

Problema da proposta é burlar teto de gastos e controle público, diz especialista

O contrato de gestão é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Constituição para ampliar a autonomia, a eficiência e a sustentabilidade de empresas públicas, mas não deveria ser interpretado para tirar estatais do Orçamento tradicional, de acordo com a especialista em Finanças Públicas e presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), Lucieni Pereira.

“O problema é passar a ideia de que você pode burlar o teto de gastos, o limite de despesas com pessoal, o limite de dívida pública e todos os controles públicos só fazendo um contrato de gestão e dizendo que não é mais dependente. O conceito de empresa dependente não permite essa ideia. É uma irresponsabilidade”, afirma Lucieni.

A especialista aponta que, com a proposta, há risco de qualquer órgão do governo federal ir para o mesmo caminho, querer declarar independência e sair do Orçamento, mesmo dependendo de recursos do Tesouro. Além disso, Estados e municípios poderiam “copiar” a ideia para tirar empresas estaduais de seus orçamentos, desviar dos limites de despesas e comprometer ainda mais as contas locais, aumentando a pressão por socorros e garantias da União. “Se o governo quer sepultar o teto de gastos de uma vez por todas, é só trilhar esse caminho”, diz a especialista.

A economista Selene Peres Peres Nunes, uma das autoras da LRF, também diz que o governo não pode usar o contrato de gestão previsto na lei para tirar as empresas do Orçamento. “O governo não quer atacar os problemas reais de gestão das estatais e fica querendo resolver as coisas com contabilidade criativa. O governo não pode colocar ou tirar da conta ao seu bel-prazer.”

De acordo com Selene, o Poder Executivo precisa colocar todo o orçamento de estatais dependentes nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, submetidos às regras fiscais, não apenas o dinheiro que é colocado pelo Tesouro, e não pode usar o projeto para mudar essas limitações. “Se o governo precisa fazer aporte para custeio das empresas, ela fica dependente e isso não tem a ver com contrato de gestão. Não dá para tirar do Orçamento.”

Consultoria do Senado aponta risco de despesas escaparem de limites

A tentativa do governo acendeu um sinal de alerta no Congresso Nacional. Há duas preocupações centrais. A primeira envolve transparência, pois os projetos abrem margem para as despesas das estatais não serem contabilizadas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que registra todas as movimentações financeiras da União. O segundo impacto é fiscal, pois o que sair do Orçamento abriria espaço para outros gastos.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) elaborou um requerimento para o Ministério do Planejamento pedindo esclarecimentos e cálculo de impacto dos projetos sobre o arcabouço fiscal. “As mudanças levantam sérias preocupações sobre a transparência e o controle dos gastos públicos. Ao retirar as estatais dependentes do orçamento fiscal, o Governo não só abre espaço para mais despesas, como dificulta o acompanhamento do uso desses recursos”, disse a parlamentar ao Estadão.

A Consultoria de Orçamento do Senado apontou que o projeto não apresentou justificativa para a mudança no instrumento e concluiu que o texto permite que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o congelamento de gastos e a obrigação de registrar as despesas no Siafi.

A área técnica do Senado também concluiu que a proposta é omissa sobre se as despesas das estatais custeadas com receitas próprias vão ser submetidas ou não às restrições do Orçamento.

“Em tese, o contrato de gestão permitirá que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o contingenciamento e, segundo a redação proposta para o art. 6º, a obrigação de registrar as despesas no Siafi”, diz a nota técnica.

Outro apontamento é que o projeto busca alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não permitidas pela legislação. “A LDO não pode excluir despesas primárias da apuração da meta de resultado primário do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social.”

Governo diz que projeto terá impacto positivo no Orçamento

O governo defende a proposta como alternativa para que estatais não dependam mais de recursos da União. “O governo federal propôs mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias para que empresas estatais que hoje se encontram na condição de dependência tenham uma alternativa para recuperar sua sustentabilidade financeira, gerar receitas próprias e não precisar mais, no médio prazo, de recursos da União para o custeio de suas atividades”, afirmou o Ministério da Gestão ao Estadão.

A pasta disse que as regras atuais impedem que as estatais conquistem as condições para deixarem de depender de recursos do Tesouro Nacional no custeio de suas atividades.

O Ministério do Planejamento e Orçamento, por sua vez, declarou que a proposta melhora as contas públicas porque hoje as despesas das estatais, até aquelas que são bancadas com recursos próprios das empresas, concorrem com gastos de outros órgãos da administração pública no mesmo espaço do Orçamento. “Trata-se de proposta destinada a reduzir os repasses de recursos da União para empresas estatais dependentes, e, desse modo, melhorar a situação fiscal”, afirmou a pasta.

O Planejamento argumentou que, no novo modelo, os gastos continuarão transparentes com o acompanhamento no Siop (Sistema de Planejamento e Orçamento) e a publicação de relatórios bimestrais de execução. Sobre os apontamentos da Consultoria do Senado, a pasta afirmou que o contrato de gestão não configura desconto de despesa da meta de resultado primário. Além disso, não só a despesa, mas também a receita passará a ser registrada no Orçamento de Investimento, onde estão as estatais.

A pasta comandada pela ministra Simone Tebet afirmou ainda que a legislação autoriza a compensação entre a meta fiscal e a meta do Programa de Dispêndios Globais (PDG), ao qual as empresas estatais são submetidas. Como se trata de proposta em discussão no Congresso Nacional e que dependeria de regulamentação e análise dos contratos, o ministério afirmou que não há como antecipar o valor de despesas que ficarão fora dos limites fiscais e nem quais empresas serão alvo da mudança.

Após a publicação da reportagem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a intenção do governo é fazer com que estatais dependem menos do orçamento do governo. “Não há hipótese de isso acontecer (tirar estatais do arcabouço fiscal)”, disse o chefe da pasta. “O objetivo da medida é exatamente o contrário, é fazer com que a estatal não dependa mais de recursos orçamentários.”

Haddad admitiu a possibilidade de mudar a redação da proposta para deixar mais claro que não haverá impactos no arcabouço. Conforme apontam a consultoria do Senado, especialistas ouvidos pela reportagem e os próprios ministérios do governo envolvidos na elaboração da medida, apenas o aporte do Tesouro continuaria no Orçamento convencional, submetido aos limites fiscais, e não mais o recurso que vem de receita própria, como é hoje.

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