‘Governo terá de voltar para a prancheta e anunciar outro programa em 2025′, diz Carlos Kawall


Para ex-secretário do Tesouro, está claro que quem assumir o governo em 2027 terá de desmontar uma bomba-relógio, provavelmente até com uma nova reforma da Previdência

Por Gabriela Jucá
Atualização:
Entrevista comCarlos KawallEx-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners

O ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, classificou o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda como uma “decepção”. O economista considera que o anúncio do pacote, em conjunto com a divulgação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, teve um viés populista e eleitoral, e revelou ainda mais fragilidade do governo com o compromisso com as contas públicas. Ele também enfatiza que esse não deve ser o último ajuste fiscal antes das eleições de 2026. “Não dá para parar por aqui”, disse.

A forte frustração do mercado com o pacote do governo coloca uma elevação de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano como a opção mais suave no momento, segundo Kawall. “A hipótese de uma alta de 1 ponto não seria tão descabida neste momento”, afirma.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao Broadcast:

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Como o sr. recebeu o pacote fiscal?

Foi uma grande decepção. Nós temos um ambiente político muito polarizado, e que não vem de agora. E o comprometimento com as regras fiscais tem declinado. Tivemos Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que foram excepcionalizando gastos, e culminou na PEC da Transição em 2022, já depois da eleição do Lula, em que acabaram com o teto de gastos, instituíram o novo arcabouço, que andou várias casas para trás. Então entramos num terreno em que a regra não vale muito, não há uma regra que realmente discipline a trajetória das contas fiscais. Hoje, vemos que no Brasil, o que vale mesmo é a regra do gasto obrigatório, o resto que é o arcabouço, na verdade, não vale muito. Elevar o gasto a 2,5% real ao ano não gera estabilidade da dívida pública. A calibragem do arcabouço parece ter sido feita para durar até 2027. Tudo que está sendo feito é reduzir a velocidade de crescimento do gasto obrigatório. E por quê? Se não fizerem isso, no ano que vem, a margem para o gasto discricionário seria baixa, e em 2026, ano eleitoral, mais baixa ainda. Então, o governo chegaria em 2026, no ano eleitoral, com a água ali no pescoço, se não for no nariz, do ponto de vista da compressão que o gasto obrigatório vai ditar sobre o gasto discricionário, que é aquele que você quer ter alguma margem de manobra, alguma flexibilidade, sempre, mas sobretudo no ano eleitoral.

E as eleições em 2026 seriam um risco adicional para a consolidação dessa agenda fiscal?

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Sim, e esse pacote que anunciaram agora já é a expressão disso. Ou seja, você percebeu que em uma corrida mais longa, que dura quatro anos, chegou no segundo ano e você já está sem fôlego. Você sabe que o terceiro e o quarto ano são os mais importantes, então você precisa reajustar os parâmetros da equação para ter fôlego para o final de 2025, antes da eleição. O que ficou claro é que o compromisso do governo com um ajuste fiscal, o disciplinamento das despesas, que parecia já bastante frágil, mas que o mercado deu o benefício da dúvida, esse compromisso, na prática, é inexistente. O desenho do pacote visa muito mais a colocar um pouco de areia na engrenagem do crescimento do gasto obrigatório, reduzir a sua velocidade de expansão, que no longo prazo continuará insustentável, mas reduzir na medida daquilo que é necessário para gerar um fôlego fiscal adicional em 2025 e 2026, que são anos eleitorais. É simplesmente uma realocação de um pouco menos de gasto obrigatório para mais gasto discricionário.

E a decisão de fazer o anúncio do pacote com a isenção de IR?

Pelo desconforto da ala política, pela dinâmica da própria decisão, que revelou que a equipe econômica do ministro Haddad está em segundo plano, entendeu-se que esse tipo de anúncio deveria ser acompanhado por outra boa notícia, que foi a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, um ponto de campanha do presidente. Aí claramente indicou que o viés da obra como um todo é populista, é um viés político-eleitoral. E essa medida, ela ainda interfere na própria dinâmica da política monetária, porque há dúvidas de como será feita essa compensação. Mesmo que compense essa do IR por qualquer outra medida que eles adotem, é uma medida expansionista do ponto de vista do consumo, porque a baixa renda consome muito mais enquanto porcentual do que recebe do que qualquer outra alternativa que encontre para compensar. É uma medida populista, é expansionista do ponto de vista do consumo, e carrega nela o viés eleitoral, que ficou claro no pronunciamento do ministro Haddad. A expectativa com esse pacote que já era baixa foi superada do ponto de vista negativo.

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Este ano a agência Moody’s colocou o Brasil a um passo do grau de investimento. Com esse pacote, qual a possibilidade de avanço ainda neste governo?

A Moody’s surpreendeu de uma maneira muito forte, e a explicação para isso é que o rating é muito relativo. Sim, olharam mais para o crescimento e entenderam que o Brasil não estava tão mal. Então, não posso responder que a probabilidade de eles darem o grau de investimento é super baixa, porque havia uma probabilidade de 5% para o último rating e, não obstante, isso ocorreu. Se a Moody’s der o grau de investimento, hoje eu já acho que a probabilidade é de uns 30%, não 5%. As outras agências, a S&P, a Fitch, já deixaram muito claro que estão distantes desse movimento. Então, para essas duas, eu acho que a chance diminuiu. A Moody’s eu não sei dizer, porque como eles se contentaram com tão pouco, pode ser que esse “muito pouco” seja o que eles entendem que falta para dar o grau de investimento.

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E teremos mais ajustes depois desse?

A minha conclusão com relação a tudo isso é o seguinte: não vai dar para parar por aqui. Porque quando você precisa fazer esse tipo de ajuste, dois anos antes da eleição, por conta de uma política de irresponsabilidade fiscal, em um contexto de economia crescendo muito, desemprego muito baixo, onde a probabilidade da economia desacelerar é muito maior do que ela continuar crescendo aos níveis em que ela está, e você tem agora o ciclo eleitoral pela frente, as chances da situação se deteriorar adicionalmente são grandes. Então, qual é a probabilidade do que eles anunciaram agora ser o movimento final de ajuste das contas públicas até a eleição daqui a dois anos? Baixíssimo. É muito baixa. Eles vão ter que voltar a atacar esse tema mais para frente. Eles vão ter que, brevemente, em algum momento do ano que vem, voltar para a prancheta e anunciar um outro programa. Esse não é o suficiente.

As expectativas de inflação já estavam em uma deterioração persistente. Elas devem desancorar ainda mais? Qual o efeito disso na Selic? Estamos mais para uma alta de 0,75 ponto na reunião de dezembro?

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Com certeza, até porque, como está sendo comentado no mercado, o 0,75 ponto virou até uma opção mais dove (suave) nesse momento. De início, você pode ver e pensar que é um aumento bem Hawk (duro), de ser uma postura muito dura do BC. Como a curva de juros já está precificando algo entre o 0,75 e o 1, no fundo, a hipótese de uma alta de 1 ponto não seria descabida neste momento. O 0,75 viria como uma opção até branda, dado o processo de desencorajamento que tem vindo desde o último Copom e no último Focus e que vai continuar até a próxima reunião do colegiado. Tendo em vista que, do ponto de vista da inflação corrente, a situação não é favorável, estamos vendo toda essa pressão no câmbio, e muito da precificação da Selic ainda está feita, se você for olhar o Focus com câmbio de R$ 5,50, e estamos falando de R$ 6 hoje, certamente vamos continuar vendo, até a reunião do Copom, uma desancoragem adicional. Então, o que achamos é que esse Copom com alta de 0,75 está praticamente garantido.

Com o dólar na casa dos R$ 6, como fica o cenário para a inflação de 2025? Vai ser pior em relação a esse ano, deve também superar o teto da meta?

Acho que a probabilidade é muito grande, porque até aqui vínhamos focando no núcleo de serviços, uma relação muito direta com a dinâmica da economia e do mercado de trabalho. Então, essa dinâmica do mercado de trabalho, dos salários, ainda vai demorar muito para gerar um benefício do ponto de vista da inflação de serviços. Enquanto a gente vai colher muito lentamente esse processo de desinflação, a gente já entrou com outro vetor, que é o dólar. O que não está tranquilo é a dinâmica dos IGPs. E isso, do ponto de vista dos bens industriais, do consumo de bens, tem uma transmissão que não é imediata, mas também não é tão rápida, não é tão lenta quanto a desinflação dos salários, dos serviços. Então, no ano que vem, a gente vai convergir para uma inflação de bens mais alta, por conta da pressão do dólar e dos IPAs, num momento em que a inflação de serviços vai continuar ainda muito elevada, porque os sinais de moderação são ainda muito tênues. E, nesse contexto, a gente falar em uma inflação de 5% no ano que vem, ou, a depender do patamar do dólar, até acima disso, parece bastante razoável. E dependendo, inclusive, de qual é a postura do Banco Central, claro.

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Com essa frustração do pacote, como fica o crescimento da dívida/PIB no médio e no longo prazo?

Estamos trabalhando com um nível de 85% do PIB no final de 2026, no final do atual governo. Pode ser pior, até porque estamos vendo uma dinâmica muito negativa do juro real, que já bateu 7% nos vencimentos mais curtos, o câmbio também tem algum impacto negativo, no caso da dívida bruta, e vai depender muito do crescimento do PIB e da receita. O que está muito claro é que em 2027, seja oposição ou governo, a grande agenda vai ser a agenda da desindexação do gasto, a questão da vinculação dos benefícios sociais ao salário mínimo, saúde e educação indexados à receita, as regras de acesso aos benefícios sociais, o abono salarial, o seguro-desemprego. Essa bomba relógio vai ter de ser desmontada e, inclusive, muito provavelmente, com uma nova reforma da Previdência. Então, vamos entrar em 2027 tendo como a grande agenda pós-eleitoral a redefinição de toda essa indexação, de toda essa rigidez orçamentária que vem desde a Constituição de 88.

O ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, classificou o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda como uma “decepção”. O economista considera que o anúncio do pacote, em conjunto com a divulgação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, teve um viés populista e eleitoral, e revelou ainda mais fragilidade do governo com o compromisso com as contas públicas. Ele também enfatiza que esse não deve ser o último ajuste fiscal antes das eleições de 2026. “Não dá para parar por aqui”, disse.

A forte frustração do mercado com o pacote do governo coloca uma elevação de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano como a opção mais suave no momento, segundo Kawall. “A hipótese de uma alta de 1 ponto não seria tão descabida neste momento”, afirma.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao Broadcast:

Como o sr. recebeu o pacote fiscal?

Foi uma grande decepção. Nós temos um ambiente político muito polarizado, e que não vem de agora. E o comprometimento com as regras fiscais tem declinado. Tivemos Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que foram excepcionalizando gastos, e culminou na PEC da Transição em 2022, já depois da eleição do Lula, em que acabaram com o teto de gastos, instituíram o novo arcabouço, que andou várias casas para trás. Então entramos num terreno em que a regra não vale muito, não há uma regra que realmente discipline a trajetória das contas fiscais. Hoje, vemos que no Brasil, o que vale mesmo é a regra do gasto obrigatório, o resto que é o arcabouço, na verdade, não vale muito. Elevar o gasto a 2,5% real ao ano não gera estabilidade da dívida pública. A calibragem do arcabouço parece ter sido feita para durar até 2027. Tudo que está sendo feito é reduzir a velocidade de crescimento do gasto obrigatório. E por quê? Se não fizerem isso, no ano que vem, a margem para o gasto discricionário seria baixa, e em 2026, ano eleitoral, mais baixa ainda. Então, o governo chegaria em 2026, no ano eleitoral, com a água ali no pescoço, se não for no nariz, do ponto de vista da compressão que o gasto obrigatório vai ditar sobre o gasto discricionário, que é aquele que você quer ter alguma margem de manobra, alguma flexibilidade, sempre, mas sobretudo no ano eleitoral.

E as eleições em 2026 seriam um risco adicional para a consolidação dessa agenda fiscal?

Sim, e esse pacote que anunciaram agora já é a expressão disso. Ou seja, você percebeu que em uma corrida mais longa, que dura quatro anos, chegou no segundo ano e você já está sem fôlego. Você sabe que o terceiro e o quarto ano são os mais importantes, então você precisa reajustar os parâmetros da equação para ter fôlego para o final de 2025, antes da eleição. O que ficou claro é que o compromisso do governo com um ajuste fiscal, o disciplinamento das despesas, que parecia já bastante frágil, mas que o mercado deu o benefício da dúvida, esse compromisso, na prática, é inexistente. O desenho do pacote visa muito mais a colocar um pouco de areia na engrenagem do crescimento do gasto obrigatório, reduzir a sua velocidade de expansão, que no longo prazo continuará insustentável, mas reduzir na medida daquilo que é necessário para gerar um fôlego fiscal adicional em 2025 e 2026, que são anos eleitorais. É simplesmente uma realocação de um pouco menos de gasto obrigatório para mais gasto discricionário.

E a decisão de fazer o anúncio do pacote com a isenção de IR?

Pelo desconforto da ala política, pela dinâmica da própria decisão, que revelou que a equipe econômica do ministro Haddad está em segundo plano, entendeu-se que esse tipo de anúncio deveria ser acompanhado por outra boa notícia, que foi a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, um ponto de campanha do presidente. Aí claramente indicou que o viés da obra como um todo é populista, é um viés político-eleitoral. E essa medida, ela ainda interfere na própria dinâmica da política monetária, porque há dúvidas de como será feita essa compensação. Mesmo que compense essa do IR por qualquer outra medida que eles adotem, é uma medida expansionista do ponto de vista do consumo, porque a baixa renda consome muito mais enquanto porcentual do que recebe do que qualquer outra alternativa que encontre para compensar. É uma medida populista, é expansionista do ponto de vista do consumo, e carrega nela o viés eleitoral, que ficou claro no pronunciamento do ministro Haddad. A expectativa com esse pacote que já era baixa foi superada do ponto de vista negativo.

Este ano a agência Moody’s colocou o Brasil a um passo do grau de investimento. Com esse pacote, qual a possibilidade de avanço ainda neste governo?

A Moody’s surpreendeu de uma maneira muito forte, e a explicação para isso é que o rating é muito relativo. Sim, olharam mais para o crescimento e entenderam que o Brasil não estava tão mal. Então, não posso responder que a probabilidade de eles darem o grau de investimento é super baixa, porque havia uma probabilidade de 5% para o último rating e, não obstante, isso ocorreu. Se a Moody’s der o grau de investimento, hoje eu já acho que a probabilidade é de uns 30%, não 5%. As outras agências, a S&P, a Fitch, já deixaram muito claro que estão distantes desse movimento. Então, para essas duas, eu acho que a chance diminuiu. A Moody’s eu não sei dizer, porque como eles se contentaram com tão pouco, pode ser que esse “muito pouco” seja o que eles entendem que falta para dar o grau de investimento.

E teremos mais ajustes depois desse?

A minha conclusão com relação a tudo isso é o seguinte: não vai dar para parar por aqui. Porque quando você precisa fazer esse tipo de ajuste, dois anos antes da eleição, por conta de uma política de irresponsabilidade fiscal, em um contexto de economia crescendo muito, desemprego muito baixo, onde a probabilidade da economia desacelerar é muito maior do que ela continuar crescendo aos níveis em que ela está, e você tem agora o ciclo eleitoral pela frente, as chances da situação se deteriorar adicionalmente são grandes. Então, qual é a probabilidade do que eles anunciaram agora ser o movimento final de ajuste das contas públicas até a eleição daqui a dois anos? Baixíssimo. É muito baixa. Eles vão ter que voltar a atacar esse tema mais para frente. Eles vão ter que, brevemente, em algum momento do ano que vem, voltar para a prancheta e anunciar um outro programa. Esse não é o suficiente.

As expectativas de inflação já estavam em uma deterioração persistente. Elas devem desancorar ainda mais? Qual o efeito disso na Selic? Estamos mais para uma alta de 0,75 ponto na reunião de dezembro?

Com certeza, até porque, como está sendo comentado no mercado, o 0,75 ponto virou até uma opção mais dove (suave) nesse momento. De início, você pode ver e pensar que é um aumento bem Hawk (duro), de ser uma postura muito dura do BC. Como a curva de juros já está precificando algo entre o 0,75 e o 1, no fundo, a hipótese de uma alta de 1 ponto não seria descabida neste momento. O 0,75 viria como uma opção até branda, dado o processo de desencorajamento que tem vindo desde o último Copom e no último Focus e que vai continuar até a próxima reunião do colegiado. Tendo em vista que, do ponto de vista da inflação corrente, a situação não é favorável, estamos vendo toda essa pressão no câmbio, e muito da precificação da Selic ainda está feita, se você for olhar o Focus com câmbio de R$ 5,50, e estamos falando de R$ 6 hoje, certamente vamos continuar vendo, até a reunião do Copom, uma desancoragem adicional. Então, o que achamos é que esse Copom com alta de 0,75 está praticamente garantido.

Com o dólar na casa dos R$ 6, como fica o cenário para a inflação de 2025? Vai ser pior em relação a esse ano, deve também superar o teto da meta?

Acho que a probabilidade é muito grande, porque até aqui vínhamos focando no núcleo de serviços, uma relação muito direta com a dinâmica da economia e do mercado de trabalho. Então, essa dinâmica do mercado de trabalho, dos salários, ainda vai demorar muito para gerar um benefício do ponto de vista da inflação de serviços. Enquanto a gente vai colher muito lentamente esse processo de desinflação, a gente já entrou com outro vetor, que é o dólar. O que não está tranquilo é a dinâmica dos IGPs. E isso, do ponto de vista dos bens industriais, do consumo de bens, tem uma transmissão que não é imediata, mas também não é tão rápida, não é tão lenta quanto a desinflação dos salários, dos serviços. Então, no ano que vem, a gente vai convergir para uma inflação de bens mais alta, por conta da pressão do dólar e dos IPAs, num momento em que a inflação de serviços vai continuar ainda muito elevada, porque os sinais de moderação são ainda muito tênues. E, nesse contexto, a gente falar em uma inflação de 5% no ano que vem, ou, a depender do patamar do dólar, até acima disso, parece bastante razoável. E dependendo, inclusive, de qual é a postura do Banco Central, claro.

Com essa frustração do pacote, como fica o crescimento da dívida/PIB no médio e no longo prazo?

Estamos trabalhando com um nível de 85% do PIB no final de 2026, no final do atual governo. Pode ser pior, até porque estamos vendo uma dinâmica muito negativa do juro real, que já bateu 7% nos vencimentos mais curtos, o câmbio também tem algum impacto negativo, no caso da dívida bruta, e vai depender muito do crescimento do PIB e da receita. O que está muito claro é que em 2027, seja oposição ou governo, a grande agenda vai ser a agenda da desindexação do gasto, a questão da vinculação dos benefícios sociais ao salário mínimo, saúde e educação indexados à receita, as regras de acesso aos benefícios sociais, o abono salarial, o seguro-desemprego. Essa bomba relógio vai ter de ser desmontada e, inclusive, muito provavelmente, com uma nova reforma da Previdência. Então, vamos entrar em 2027 tendo como a grande agenda pós-eleitoral a redefinição de toda essa indexação, de toda essa rigidez orçamentária que vem desde a Constituição de 88.

O ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, classificou o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda como uma “decepção”. O economista considera que o anúncio do pacote, em conjunto com a divulgação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, teve um viés populista e eleitoral, e revelou ainda mais fragilidade do governo com o compromisso com as contas públicas. Ele também enfatiza que esse não deve ser o último ajuste fiscal antes das eleições de 2026. “Não dá para parar por aqui”, disse.

A forte frustração do mercado com o pacote do governo coloca uma elevação de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano como a opção mais suave no momento, segundo Kawall. “A hipótese de uma alta de 1 ponto não seria tão descabida neste momento”, afirma.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao Broadcast:

Como o sr. recebeu o pacote fiscal?

Foi uma grande decepção. Nós temos um ambiente político muito polarizado, e que não vem de agora. E o comprometimento com as regras fiscais tem declinado. Tivemos Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que foram excepcionalizando gastos, e culminou na PEC da Transição em 2022, já depois da eleição do Lula, em que acabaram com o teto de gastos, instituíram o novo arcabouço, que andou várias casas para trás. Então entramos num terreno em que a regra não vale muito, não há uma regra que realmente discipline a trajetória das contas fiscais. Hoje, vemos que no Brasil, o que vale mesmo é a regra do gasto obrigatório, o resto que é o arcabouço, na verdade, não vale muito. Elevar o gasto a 2,5% real ao ano não gera estabilidade da dívida pública. A calibragem do arcabouço parece ter sido feita para durar até 2027. Tudo que está sendo feito é reduzir a velocidade de crescimento do gasto obrigatório. E por quê? Se não fizerem isso, no ano que vem, a margem para o gasto discricionário seria baixa, e em 2026, ano eleitoral, mais baixa ainda. Então, o governo chegaria em 2026, no ano eleitoral, com a água ali no pescoço, se não for no nariz, do ponto de vista da compressão que o gasto obrigatório vai ditar sobre o gasto discricionário, que é aquele que você quer ter alguma margem de manobra, alguma flexibilidade, sempre, mas sobretudo no ano eleitoral.

E as eleições em 2026 seriam um risco adicional para a consolidação dessa agenda fiscal?

Sim, e esse pacote que anunciaram agora já é a expressão disso. Ou seja, você percebeu que em uma corrida mais longa, que dura quatro anos, chegou no segundo ano e você já está sem fôlego. Você sabe que o terceiro e o quarto ano são os mais importantes, então você precisa reajustar os parâmetros da equação para ter fôlego para o final de 2025, antes da eleição. O que ficou claro é que o compromisso do governo com um ajuste fiscal, o disciplinamento das despesas, que parecia já bastante frágil, mas que o mercado deu o benefício da dúvida, esse compromisso, na prática, é inexistente. O desenho do pacote visa muito mais a colocar um pouco de areia na engrenagem do crescimento do gasto obrigatório, reduzir a sua velocidade de expansão, que no longo prazo continuará insustentável, mas reduzir na medida daquilo que é necessário para gerar um fôlego fiscal adicional em 2025 e 2026, que são anos eleitorais. É simplesmente uma realocação de um pouco menos de gasto obrigatório para mais gasto discricionário.

E a decisão de fazer o anúncio do pacote com a isenção de IR?

Pelo desconforto da ala política, pela dinâmica da própria decisão, que revelou que a equipe econômica do ministro Haddad está em segundo plano, entendeu-se que esse tipo de anúncio deveria ser acompanhado por outra boa notícia, que foi a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, um ponto de campanha do presidente. Aí claramente indicou que o viés da obra como um todo é populista, é um viés político-eleitoral. E essa medida, ela ainda interfere na própria dinâmica da política monetária, porque há dúvidas de como será feita essa compensação. Mesmo que compense essa do IR por qualquer outra medida que eles adotem, é uma medida expansionista do ponto de vista do consumo, porque a baixa renda consome muito mais enquanto porcentual do que recebe do que qualquer outra alternativa que encontre para compensar. É uma medida populista, é expansionista do ponto de vista do consumo, e carrega nela o viés eleitoral, que ficou claro no pronunciamento do ministro Haddad. A expectativa com esse pacote que já era baixa foi superada do ponto de vista negativo.

Este ano a agência Moody’s colocou o Brasil a um passo do grau de investimento. Com esse pacote, qual a possibilidade de avanço ainda neste governo?

A Moody’s surpreendeu de uma maneira muito forte, e a explicação para isso é que o rating é muito relativo. Sim, olharam mais para o crescimento e entenderam que o Brasil não estava tão mal. Então, não posso responder que a probabilidade de eles darem o grau de investimento é super baixa, porque havia uma probabilidade de 5% para o último rating e, não obstante, isso ocorreu. Se a Moody’s der o grau de investimento, hoje eu já acho que a probabilidade é de uns 30%, não 5%. As outras agências, a S&P, a Fitch, já deixaram muito claro que estão distantes desse movimento. Então, para essas duas, eu acho que a chance diminuiu. A Moody’s eu não sei dizer, porque como eles se contentaram com tão pouco, pode ser que esse “muito pouco” seja o que eles entendem que falta para dar o grau de investimento.

E teremos mais ajustes depois desse?

A minha conclusão com relação a tudo isso é o seguinte: não vai dar para parar por aqui. Porque quando você precisa fazer esse tipo de ajuste, dois anos antes da eleição, por conta de uma política de irresponsabilidade fiscal, em um contexto de economia crescendo muito, desemprego muito baixo, onde a probabilidade da economia desacelerar é muito maior do que ela continuar crescendo aos níveis em que ela está, e você tem agora o ciclo eleitoral pela frente, as chances da situação se deteriorar adicionalmente são grandes. Então, qual é a probabilidade do que eles anunciaram agora ser o movimento final de ajuste das contas públicas até a eleição daqui a dois anos? Baixíssimo. É muito baixa. Eles vão ter que voltar a atacar esse tema mais para frente. Eles vão ter que, brevemente, em algum momento do ano que vem, voltar para a prancheta e anunciar um outro programa. Esse não é o suficiente.

As expectativas de inflação já estavam em uma deterioração persistente. Elas devem desancorar ainda mais? Qual o efeito disso na Selic? Estamos mais para uma alta de 0,75 ponto na reunião de dezembro?

Com certeza, até porque, como está sendo comentado no mercado, o 0,75 ponto virou até uma opção mais dove (suave) nesse momento. De início, você pode ver e pensar que é um aumento bem Hawk (duro), de ser uma postura muito dura do BC. Como a curva de juros já está precificando algo entre o 0,75 e o 1, no fundo, a hipótese de uma alta de 1 ponto não seria descabida neste momento. O 0,75 viria como uma opção até branda, dado o processo de desencorajamento que tem vindo desde o último Copom e no último Focus e que vai continuar até a próxima reunião do colegiado. Tendo em vista que, do ponto de vista da inflação corrente, a situação não é favorável, estamos vendo toda essa pressão no câmbio, e muito da precificação da Selic ainda está feita, se você for olhar o Focus com câmbio de R$ 5,50, e estamos falando de R$ 6 hoje, certamente vamos continuar vendo, até a reunião do Copom, uma desancoragem adicional. Então, o que achamos é que esse Copom com alta de 0,75 está praticamente garantido.

Com o dólar na casa dos R$ 6, como fica o cenário para a inflação de 2025? Vai ser pior em relação a esse ano, deve também superar o teto da meta?

Acho que a probabilidade é muito grande, porque até aqui vínhamos focando no núcleo de serviços, uma relação muito direta com a dinâmica da economia e do mercado de trabalho. Então, essa dinâmica do mercado de trabalho, dos salários, ainda vai demorar muito para gerar um benefício do ponto de vista da inflação de serviços. Enquanto a gente vai colher muito lentamente esse processo de desinflação, a gente já entrou com outro vetor, que é o dólar. O que não está tranquilo é a dinâmica dos IGPs. E isso, do ponto de vista dos bens industriais, do consumo de bens, tem uma transmissão que não é imediata, mas também não é tão rápida, não é tão lenta quanto a desinflação dos salários, dos serviços. Então, no ano que vem, a gente vai convergir para uma inflação de bens mais alta, por conta da pressão do dólar e dos IPAs, num momento em que a inflação de serviços vai continuar ainda muito elevada, porque os sinais de moderação são ainda muito tênues. E, nesse contexto, a gente falar em uma inflação de 5% no ano que vem, ou, a depender do patamar do dólar, até acima disso, parece bastante razoável. E dependendo, inclusive, de qual é a postura do Banco Central, claro.

Com essa frustração do pacote, como fica o crescimento da dívida/PIB no médio e no longo prazo?

Estamos trabalhando com um nível de 85% do PIB no final de 2026, no final do atual governo. Pode ser pior, até porque estamos vendo uma dinâmica muito negativa do juro real, que já bateu 7% nos vencimentos mais curtos, o câmbio também tem algum impacto negativo, no caso da dívida bruta, e vai depender muito do crescimento do PIB e da receita. O que está muito claro é que em 2027, seja oposição ou governo, a grande agenda vai ser a agenda da desindexação do gasto, a questão da vinculação dos benefícios sociais ao salário mínimo, saúde e educação indexados à receita, as regras de acesso aos benefícios sociais, o abono salarial, o seguro-desemprego. Essa bomba relógio vai ter de ser desmontada e, inclusive, muito provavelmente, com uma nova reforma da Previdência. Então, vamos entrar em 2027 tendo como a grande agenda pós-eleitoral a redefinição de toda essa indexação, de toda essa rigidez orçamentária que vem desde a Constituição de 88.

O ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, classificou o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda como uma “decepção”. O economista considera que o anúncio do pacote, em conjunto com a divulgação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, teve um viés populista e eleitoral, e revelou ainda mais fragilidade do governo com o compromisso com as contas públicas. Ele também enfatiza que esse não deve ser o último ajuste fiscal antes das eleições de 2026. “Não dá para parar por aqui”, disse.

A forte frustração do mercado com o pacote do governo coloca uma elevação de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano como a opção mais suave no momento, segundo Kawall. “A hipótese de uma alta de 1 ponto não seria tão descabida neste momento”, afirma.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao Broadcast:

Como o sr. recebeu o pacote fiscal?

Foi uma grande decepção. Nós temos um ambiente político muito polarizado, e que não vem de agora. E o comprometimento com as regras fiscais tem declinado. Tivemos Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que foram excepcionalizando gastos, e culminou na PEC da Transição em 2022, já depois da eleição do Lula, em que acabaram com o teto de gastos, instituíram o novo arcabouço, que andou várias casas para trás. Então entramos num terreno em que a regra não vale muito, não há uma regra que realmente discipline a trajetória das contas fiscais. Hoje, vemos que no Brasil, o que vale mesmo é a regra do gasto obrigatório, o resto que é o arcabouço, na verdade, não vale muito. Elevar o gasto a 2,5% real ao ano não gera estabilidade da dívida pública. A calibragem do arcabouço parece ter sido feita para durar até 2027. Tudo que está sendo feito é reduzir a velocidade de crescimento do gasto obrigatório. E por quê? Se não fizerem isso, no ano que vem, a margem para o gasto discricionário seria baixa, e em 2026, ano eleitoral, mais baixa ainda. Então, o governo chegaria em 2026, no ano eleitoral, com a água ali no pescoço, se não for no nariz, do ponto de vista da compressão que o gasto obrigatório vai ditar sobre o gasto discricionário, que é aquele que você quer ter alguma margem de manobra, alguma flexibilidade, sempre, mas sobretudo no ano eleitoral.

E as eleições em 2026 seriam um risco adicional para a consolidação dessa agenda fiscal?

Sim, e esse pacote que anunciaram agora já é a expressão disso. Ou seja, você percebeu que em uma corrida mais longa, que dura quatro anos, chegou no segundo ano e você já está sem fôlego. Você sabe que o terceiro e o quarto ano são os mais importantes, então você precisa reajustar os parâmetros da equação para ter fôlego para o final de 2025, antes da eleição. O que ficou claro é que o compromisso do governo com um ajuste fiscal, o disciplinamento das despesas, que parecia já bastante frágil, mas que o mercado deu o benefício da dúvida, esse compromisso, na prática, é inexistente. O desenho do pacote visa muito mais a colocar um pouco de areia na engrenagem do crescimento do gasto obrigatório, reduzir a sua velocidade de expansão, que no longo prazo continuará insustentável, mas reduzir na medida daquilo que é necessário para gerar um fôlego fiscal adicional em 2025 e 2026, que são anos eleitorais. É simplesmente uma realocação de um pouco menos de gasto obrigatório para mais gasto discricionário.

E a decisão de fazer o anúncio do pacote com a isenção de IR?

Pelo desconforto da ala política, pela dinâmica da própria decisão, que revelou que a equipe econômica do ministro Haddad está em segundo plano, entendeu-se que esse tipo de anúncio deveria ser acompanhado por outra boa notícia, que foi a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, um ponto de campanha do presidente. Aí claramente indicou que o viés da obra como um todo é populista, é um viés político-eleitoral. E essa medida, ela ainda interfere na própria dinâmica da política monetária, porque há dúvidas de como será feita essa compensação. Mesmo que compense essa do IR por qualquer outra medida que eles adotem, é uma medida expansionista do ponto de vista do consumo, porque a baixa renda consome muito mais enquanto porcentual do que recebe do que qualquer outra alternativa que encontre para compensar. É uma medida populista, é expansionista do ponto de vista do consumo, e carrega nela o viés eleitoral, que ficou claro no pronunciamento do ministro Haddad. A expectativa com esse pacote que já era baixa foi superada do ponto de vista negativo.

Este ano a agência Moody’s colocou o Brasil a um passo do grau de investimento. Com esse pacote, qual a possibilidade de avanço ainda neste governo?

A Moody’s surpreendeu de uma maneira muito forte, e a explicação para isso é que o rating é muito relativo. Sim, olharam mais para o crescimento e entenderam que o Brasil não estava tão mal. Então, não posso responder que a probabilidade de eles darem o grau de investimento é super baixa, porque havia uma probabilidade de 5% para o último rating e, não obstante, isso ocorreu. Se a Moody’s der o grau de investimento, hoje eu já acho que a probabilidade é de uns 30%, não 5%. As outras agências, a S&P, a Fitch, já deixaram muito claro que estão distantes desse movimento. Então, para essas duas, eu acho que a chance diminuiu. A Moody’s eu não sei dizer, porque como eles se contentaram com tão pouco, pode ser que esse “muito pouco” seja o que eles entendem que falta para dar o grau de investimento.

E teremos mais ajustes depois desse?

A minha conclusão com relação a tudo isso é o seguinte: não vai dar para parar por aqui. Porque quando você precisa fazer esse tipo de ajuste, dois anos antes da eleição, por conta de uma política de irresponsabilidade fiscal, em um contexto de economia crescendo muito, desemprego muito baixo, onde a probabilidade da economia desacelerar é muito maior do que ela continuar crescendo aos níveis em que ela está, e você tem agora o ciclo eleitoral pela frente, as chances da situação se deteriorar adicionalmente são grandes. Então, qual é a probabilidade do que eles anunciaram agora ser o movimento final de ajuste das contas públicas até a eleição daqui a dois anos? Baixíssimo. É muito baixa. Eles vão ter que voltar a atacar esse tema mais para frente. Eles vão ter que, brevemente, em algum momento do ano que vem, voltar para a prancheta e anunciar um outro programa. Esse não é o suficiente.

As expectativas de inflação já estavam em uma deterioração persistente. Elas devem desancorar ainda mais? Qual o efeito disso na Selic? Estamos mais para uma alta de 0,75 ponto na reunião de dezembro?

Com certeza, até porque, como está sendo comentado no mercado, o 0,75 ponto virou até uma opção mais dove (suave) nesse momento. De início, você pode ver e pensar que é um aumento bem Hawk (duro), de ser uma postura muito dura do BC. Como a curva de juros já está precificando algo entre o 0,75 e o 1, no fundo, a hipótese de uma alta de 1 ponto não seria descabida neste momento. O 0,75 viria como uma opção até branda, dado o processo de desencorajamento que tem vindo desde o último Copom e no último Focus e que vai continuar até a próxima reunião do colegiado. Tendo em vista que, do ponto de vista da inflação corrente, a situação não é favorável, estamos vendo toda essa pressão no câmbio, e muito da precificação da Selic ainda está feita, se você for olhar o Focus com câmbio de R$ 5,50, e estamos falando de R$ 6 hoje, certamente vamos continuar vendo, até a reunião do Copom, uma desancoragem adicional. Então, o que achamos é que esse Copom com alta de 0,75 está praticamente garantido.

Com o dólar na casa dos R$ 6, como fica o cenário para a inflação de 2025? Vai ser pior em relação a esse ano, deve também superar o teto da meta?

Acho que a probabilidade é muito grande, porque até aqui vínhamos focando no núcleo de serviços, uma relação muito direta com a dinâmica da economia e do mercado de trabalho. Então, essa dinâmica do mercado de trabalho, dos salários, ainda vai demorar muito para gerar um benefício do ponto de vista da inflação de serviços. Enquanto a gente vai colher muito lentamente esse processo de desinflação, a gente já entrou com outro vetor, que é o dólar. O que não está tranquilo é a dinâmica dos IGPs. E isso, do ponto de vista dos bens industriais, do consumo de bens, tem uma transmissão que não é imediata, mas também não é tão rápida, não é tão lenta quanto a desinflação dos salários, dos serviços. Então, no ano que vem, a gente vai convergir para uma inflação de bens mais alta, por conta da pressão do dólar e dos IPAs, num momento em que a inflação de serviços vai continuar ainda muito elevada, porque os sinais de moderação são ainda muito tênues. E, nesse contexto, a gente falar em uma inflação de 5% no ano que vem, ou, a depender do patamar do dólar, até acima disso, parece bastante razoável. E dependendo, inclusive, de qual é a postura do Banco Central, claro.

Com essa frustração do pacote, como fica o crescimento da dívida/PIB no médio e no longo prazo?

Estamos trabalhando com um nível de 85% do PIB no final de 2026, no final do atual governo. Pode ser pior, até porque estamos vendo uma dinâmica muito negativa do juro real, que já bateu 7% nos vencimentos mais curtos, o câmbio também tem algum impacto negativo, no caso da dívida bruta, e vai depender muito do crescimento do PIB e da receita. O que está muito claro é que em 2027, seja oposição ou governo, a grande agenda vai ser a agenda da desindexação do gasto, a questão da vinculação dos benefícios sociais ao salário mínimo, saúde e educação indexados à receita, as regras de acesso aos benefícios sociais, o abono salarial, o seguro-desemprego. Essa bomba relógio vai ter de ser desmontada e, inclusive, muito provavelmente, com uma nova reforma da Previdência. Então, vamos entrar em 2027 tendo como a grande agenda pós-eleitoral a redefinição de toda essa indexação, de toda essa rigidez orçamentária que vem desde a Constituição de 88.

O ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, classificou o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda como uma “decepção”. O economista considera que o anúncio do pacote, em conjunto com a divulgação da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, teve um viés populista e eleitoral, e revelou ainda mais fragilidade do governo com o compromisso com as contas públicas. Ele também enfatiza que esse não deve ser o último ajuste fiscal antes das eleições de 2026. “Não dá para parar por aqui”, disse.

A forte frustração do mercado com o pacote do governo coloca uma elevação de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano como a opção mais suave no momento, segundo Kawall. “A hipótese de uma alta de 1 ponto não seria tão descabida neste momento”, afirma.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao Broadcast:

Como o sr. recebeu o pacote fiscal?

Foi uma grande decepção. Nós temos um ambiente político muito polarizado, e que não vem de agora. E o comprometimento com as regras fiscais tem declinado. Tivemos Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que foram excepcionalizando gastos, e culminou na PEC da Transição em 2022, já depois da eleição do Lula, em que acabaram com o teto de gastos, instituíram o novo arcabouço, que andou várias casas para trás. Então entramos num terreno em que a regra não vale muito, não há uma regra que realmente discipline a trajetória das contas fiscais. Hoje, vemos que no Brasil, o que vale mesmo é a regra do gasto obrigatório, o resto que é o arcabouço, na verdade, não vale muito. Elevar o gasto a 2,5% real ao ano não gera estabilidade da dívida pública. A calibragem do arcabouço parece ter sido feita para durar até 2027. Tudo que está sendo feito é reduzir a velocidade de crescimento do gasto obrigatório. E por quê? Se não fizerem isso, no ano que vem, a margem para o gasto discricionário seria baixa, e em 2026, ano eleitoral, mais baixa ainda. Então, o governo chegaria em 2026, no ano eleitoral, com a água ali no pescoço, se não for no nariz, do ponto de vista da compressão que o gasto obrigatório vai ditar sobre o gasto discricionário, que é aquele que você quer ter alguma margem de manobra, alguma flexibilidade, sempre, mas sobretudo no ano eleitoral.

E as eleições em 2026 seriam um risco adicional para a consolidação dessa agenda fiscal?

Sim, e esse pacote que anunciaram agora já é a expressão disso. Ou seja, você percebeu que em uma corrida mais longa, que dura quatro anos, chegou no segundo ano e você já está sem fôlego. Você sabe que o terceiro e o quarto ano são os mais importantes, então você precisa reajustar os parâmetros da equação para ter fôlego para o final de 2025, antes da eleição. O que ficou claro é que o compromisso do governo com um ajuste fiscal, o disciplinamento das despesas, que parecia já bastante frágil, mas que o mercado deu o benefício da dúvida, esse compromisso, na prática, é inexistente. O desenho do pacote visa muito mais a colocar um pouco de areia na engrenagem do crescimento do gasto obrigatório, reduzir a sua velocidade de expansão, que no longo prazo continuará insustentável, mas reduzir na medida daquilo que é necessário para gerar um fôlego fiscal adicional em 2025 e 2026, que são anos eleitorais. É simplesmente uma realocação de um pouco menos de gasto obrigatório para mais gasto discricionário.

E a decisão de fazer o anúncio do pacote com a isenção de IR?

Pelo desconforto da ala política, pela dinâmica da própria decisão, que revelou que a equipe econômica do ministro Haddad está em segundo plano, entendeu-se que esse tipo de anúncio deveria ser acompanhado por outra boa notícia, que foi a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, um ponto de campanha do presidente. Aí claramente indicou que o viés da obra como um todo é populista, é um viés político-eleitoral. E essa medida, ela ainda interfere na própria dinâmica da política monetária, porque há dúvidas de como será feita essa compensação. Mesmo que compense essa do IR por qualquer outra medida que eles adotem, é uma medida expansionista do ponto de vista do consumo, porque a baixa renda consome muito mais enquanto porcentual do que recebe do que qualquer outra alternativa que encontre para compensar. É uma medida populista, é expansionista do ponto de vista do consumo, e carrega nela o viés eleitoral, que ficou claro no pronunciamento do ministro Haddad. A expectativa com esse pacote que já era baixa foi superada do ponto de vista negativo.

Este ano a agência Moody’s colocou o Brasil a um passo do grau de investimento. Com esse pacote, qual a possibilidade de avanço ainda neste governo?

A Moody’s surpreendeu de uma maneira muito forte, e a explicação para isso é que o rating é muito relativo. Sim, olharam mais para o crescimento e entenderam que o Brasil não estava tão mal. Então, não posso responder que a probabilidade de eles darem o grau de investimento é super baixa, porque havia uma probabilidade de 5% para o último rating e, não obstante, isso ocorreu. Se a Moody’s der o grau de investimento, hoje eu já acho que a probabilidade é de uns 30%, não 5%. As outras agências, a S&P, a Fitch, já deixaram muito claro que estão distantes desse movimento. Então, para essas duas, eu acho que a chance diminuiu. A Moody’s eu não sei dizer, porque como eles se contentaram com tão pouco, pode ser que esse “muito pouco” seja o que eles entendem que falta para dar o grau de investimento.

E teremos mais ajustes depois desse?

A minha conclusão com relação a tudo isso é o seguinte: não vai dar para parar por aqui. Porque quando você precisa fazer esse tipo de ajuste, dois anos antes da eleição, por conta de uma política de irresponsabilidade fiscal, em um contexto de economia crescendo muito, desemprego muito baixo, onde a probabilidade da economia desacelerar é muito maior do que ela continuar crescendo aos níveis em que ela está, e você tem agora o ciclo eleitoral pela frente, as chances da situação se deteriorar adicionalmente são grandes. Então, qual é a probabilidade do que eles anunciaram agora ser o movimento final de ajuste das contas públicas até a eleição daqui a dois anos? Baixíssimo. É muito baixa. Eles vão ter que voltar a atacar esse tema mais para frente. Eles vão ter que, brevemente, em algum momento do ano que vem, voltar para a prancheta e anunciar um outro programa. Esse não é o suficiente.

As expectativas de inflação já estavam em uma deterioração persistente. Elas devem desancorar ainda mais? Qual o efeito disso na Selic? Estamos mais para uma alta de 0,75 ponto na reunião de dezembro?

Com certeza, até porque, como está sendo comentado no mercado, o 0,75 ponto virou até uma opção mais dove (suave) nesse momento. De início, você pode ver e pensar que é um aumento bem Hawk (duro), de ser uma postura muito dura do BC. Como a curva de juros já está precificando algo entre o 0,75 e o 1, no fundo, a hipótese de uma alta de 1 ponto não seria descabida neste momento. O 0,75 viria como uma opção até branda, dado o processo de desencorajamento que tem vindo desde o último Copom e no último Focus e que vai continuar até a próxima reunião do colegiado. Tendo em vista que, do ponto de vista da inflação corrente, a situação não é favorável, estamos vendo toda essa pressão no câmbio, e muito da precificação da Selic ainda está feita, se você for olhar o Focus com câmbio de R$ 5,50, e estamos falando de R$ 6 hoje, certamente vamos continuar vendo, até a reunião do Copom, uma desancoragem adicional. Então, o que achamos é que esse Copom com alta de 0,75 está praticamente garantido.

Com o dólar na casa dos R$ 6, como fica o cenário para a inflação de 2025? Vai ser pior em relação a esse ano, deve também superar o teto da meta?

Acho que a probabilidade é muito grande, porque até aqui vínhamos focando no núcleo de serviços, uma relação muito direta com a dinâmica da economia e do mercado de trabalho. Então, essa dinâmica do mercado de trabalho, dos salários, ainda vai demorar muito para gerar um benefício do ponto de vista da inflação de serviços. Enquanto a gente vai colher muito lentamente esse processo de desinflação, a gente já entrou com outro vetor, que é o dólar. O que não está tranquilo é a dinâmica dos IGPs. E isso, do ponto de vista dos bens industriais, do consumo de bens, tem uma transmissão que não é imediata, mas também não é tão rápida, não é tão lenta quanto a desinflação dos salários, dos serviços. Então, no ano que vem, a gente vai convergir para uma inflação de bens mais alta, por conta da pressão do dólar e dos IPAs, num momento em que a inflação de serviços vai continuar ainda muito elevada, porque os sinais de moderação são ainda muito tênues. E, nesse contexto, a gente falar em uma inflação de 5% no ano que vem, ou, a depender do patamar do dólar, até acima disso, parece bastante razoável. E dependendo, inclusive, de qual é a postura do Banco Central, claro.

Com essa frustração do pacote, como fica o crescimento da dívida/PIB no médio e no longo prazo?

Estamos trabalhando com um nível de 85% do PIB no final de 2026, no final do atual governo. Pode ser pior, até porque estamos vendo uma dinâmica muito negativa do juro real, que já bateu 7% nos vencimentos mais curtos, o câmbio também tem algum impacto negativo, no caso da dívida bruta, e vai depender muito do crescimento do PIB e da receita. O que está muito claro é que em 2027, seja oposição ou governo, a grande agenda vai ser a agenda da desindexação do gasto, a questão da vinculação dos benefícios sociais ao salário mínimo, saúde e educação indexados à receita, as regras de acesso aos benefícios sociais, o abono salarial, o seguro-desemprego. Essa bomba relógio vai ter de ser desmontada e, inclusive, muito provavelmente, com uma nova reforma da Previdência. Então, vamos entrar em 2027 tendo como a grande agenda pós-eleitoral a redefinição de toda essa indexação, de toda essa rigidez orçamentária que vem desde a Constituição de 88.

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