BRASÍLIA – O arcabouço fiscal não vai se sustentar com o aumento de gastos projetado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirma o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo.
O analista diz que despesas como as de saúde e educação, que possuem porcentuais mínimos exigidos pela Constituição, precisam ser revistas. “É um equívoco completo corrigir saúde e educação pela receita. É impossível gerar equilíbrio fiscal com esse arcabouço”, afirma Camargo em entrevista ao Estadão.
Além disso, ele avalia que a dinâmica atual das contas públicas, sobretudo após a revisão para baixo das metas fiscais de 2025 e 2026, deve limitar a queda dos juros no Brasil. “Dado o que está acontecendo, o tamanho da desvalorização cambial e o diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos, está ficando cada vez mais provável que a queda da Selic pare antes.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual sua visão sobre o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025?
Mudar a meta fiscal agora, menos de um ano depois de anunciado o arcabouço, mostra que o governo não tem tanto compromisso com as metas que ele próprio determinou. A reação dos mercados foi muito ruim e isso pode afetar a trajetória da Selic (taxa básica de juros). Você não precisa atingir a meta; você precisa deixar claro que está perseguindo a meta. Se na hora que você tem a primeira dificuldade você muda a meta, os agentes olham e falam: o compromisso que esse governo tem não é muito forte.
Qual seria o efeito para os juros?
Nosso cenário atual é o fim do ciclo de queda da Selic em 9,5% (ao ano), mas eu acho que está começando a ficar menos provável. Dado o que está acontecendo, o tamanho da desvalorização cambial que já aconteceu e o diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos, está ficando cada vez mais provável que a queda da Selic pare antes (em uma taxa maior).
A agenda focada em aumento de arrecadação se exauriu?
É uma agenda errada; mas, independentemente disso, acho que ela está no limite. Pode ter uma coisa ou outra a mais, mas a sociedade começa a reagir a essa ansiedade de aumentar impostos. Não importa se o Fernando Haddad (ministro da Fazenda) diz que é sobre os mais ricos; a sociedade não percebe dessa forma. Aumento de imposto é aumento de imposto. Uma das razões para a queda de popularidade do governo é exatamente esse programa de aumentar impostos para financiar aumento de gastos.
A eleição municipal e a eleição de 2026 tendem a piorar esse quadro?
O diagnóstico do governo sobre a queda de popularidade é que ele está fazendo os programas, mas a comunicação está mal feita. Eu acho esse diagnóstico equivocado. Esse governo tem uma característica curiosa que é o fato de que ele está ficando precocemente velho. Todos os programas são de governos anteriores do PT, o único novo é o arcabouço fiscal, que é exatamente esse programa de aumentar impostos para aumentar gastos. Se eles persistirem nessa trajetória, vai continuar afetando negativamente. O risco é piorar cada vez mais o cenário e a solução ser mais aumento de gastos, piorando a situação ali na frente.
O governo espera que o PIB ajude a estabilização da dívida. Isso pode acontecer?
As estatísticas e as suposições feitas no projeto da LDO são muito otimistas. Há pressupostos extremamente otimistas sobre Selic, taxa de câmbio, crescimento do PIB nominal (sem contar a inflação) e taxa de inflação. São hipóteses que, muito provavelmente, não vão se concretizar – e a dívida/PIB só vai se estabilizar lá em 2033. É muito pouco provável que você consiga estabilizar a relação dívida/PIB com esse arcabouço fiscal.
Os furos no antigo teto de gastos ensinaram o caminho para furar o novo arcabouço?
O teto durou quatro anos (antes de sofrer alterações), foi muito mais permanente. Tinha problemas, era difícil, mas conseguiu fazer uma coisa que nenhum governo pós-democratização conseguiu. O presidente Bolsonaro foi o primeiro a conseguir conter o crescimento do gasto público abaixo do crescimento do PIB. Por isso que todo mundo era contra o teto: ele era efetivo. O teto forçou o governo a fazer reformas, não dar aumento real para o salário mínimo e mudar a regra de reajuste de saúde e educação. O arcabouço destruiu uma parte desses ganhos que tivemos com o teto.
A equipe econômica está propondo uma discussão sobre os pisos de saúde e educação. É factível?
Todo mundo no governo é contra. Eu não sei por que eles mudaram isso quando aprovaram a PEC da Transição. É um equívoco completo corrigir saúde e educação pela receita. Isso significa que esses gastos vão estar sempre crescendo em termos reais (acima da inflação) mais do que a receita. É impossível gerar equilíbrio fiscal com esse arcabouço.
A Câmara aprovou uma antecipação de gasto extra este ano. Tudo indica que o governo vai usar também em 2025, mas tem uma trava na LDO condicionando à receita. Isso ajuda?
O problema foi antecipar os R$ 15,7 bilhões. A antecipação já mostra que não existe nenhum compromisso em evitar aumento de gasto. O grande problema desse governo é este: é um governo que tem por objetivo aumentar gastos e aumentar impostos para financiar o aumento de gastos. Se esse é o objetivo, qualquer buraco que o governo conseguir encontrar na legislação vai ser usado, como essa antecipação. Mesmo que seja condicionando à receita, eles vão tentar. Se chegar lá e precisar, eles mudam.
Como o sr. avalia a revisão de gastos apresentada no projeto da LDO?
É muito tímida. Eu acho que não existe muito apoio no governo para fazer revisão de gasto. É difícil fazer. Tem que diminuir gasto com determinada coisa e aumentar com outra. Quando você faz isso, afeta as pessoas que ganhavam aquele dinheiro e vão parar de ganhar. Em geral, são lobbies fortes e pesados. Não é uma tarefa fácil e está engatinhando. Eu posso estar enganado, mas não me parece que vai ter um grande sucesso.
O que precisa ser feito?
Precisa ter um programa de redução de gastos. O arcabouço criou um mecanismo de aumento de carga tributária para pagar o aumento de gastos que já estavam aprovados na PEC da Transição. Não existe nenhuma tentativa de reduzir gastos públicos. Sem reduzir, não vai conseguir gerar estabilidade na relação dívida/PIB. Tem que começar a trabalhar no lado do gasto.
A equipe econômica precisa evidenciar de forma mais efetiva a necessidade de reduzir gasto?
Eu acho que eles acreditam nisso (no programa de aumentar gastos). O Lula já falou que não quer reduzir gastos. Quando foi apresentado o arcabouço fiscal, ele disse que não vai reduzir gastos porque não quer reduzir investimentos, ponto final. Ele não quer mexer no Minha Casa, Minha Vida, não quer mexer no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).