Algo extraordinário está acontecendo na economia europeia: os países do Sul da região, depois de quase quebraram a zona do euro durante a crise financeira de 2012, estão crescendo mais rapidamente do que a Alemanha e outras grandes nações que são habitualmente os motores de crescimento da região.
Essa dinâmica está fortalecendo a saúde econômica da região e impedindo que a zona do euro se enfraqueça muito. Em uma reviravolta surpreendente, os países retardatários se tornaram líderes. Grécia, Espanha e Portugal cresceram em 2023 mais do que o dobro da média da zona do euro. A Itália não ficou muito atrás.
Há pouco mais de uma década, o Sul da Europa estava no centro de uma crise da dívida que ameaçava desintegrar o bloco de países que usam o euro. Levou anos para se recuperar das profundas recessões nacionais e dos programas de resgate internacional de bilhões de dólares, que vieram com rigorosos programas de austeridade. Desde então, esses mesmos países têm trabalhado para melhorar suas finanças, atrair investidores, reativar o crescimento e as exportações e reduzir o desemprego recorde.
Agora, a Alemanha, a maior economia da Europa, está arrastando a região para baixo. Ela tem lutado para se recuperar de uma queda desencadeada pelos altos preços de energia após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Esse cenário ficou claro na terça-feira, 30, quando novos dados mostraram que a produção econômica da zona do euro cresceu 0,3% no primeiro trimestre deste ano em relação ao trimestre anterior, de acordo com a agência de estatísticas da União Europeia, a Eurostat. A economia da zona do euro encolheu 0,1% tanto no terceiro como no quarto trimestres do ano passado, uma recessão técnica.
A Alemanha, que representa um quarto da economia do bloco, por pouco evitou uma recessão no primeiro trimestre de 2024, crescendo 0,2%. Espanha e Portugal expandiram mais de três vezes esse ritmo, mostrando que a economia da Europa continua crescendo em dois ritmos distintos.
Como Grécia, Espanha e Portugal conseguiram avançar?
Depois de anos de resgates internacionais e programas de austeridade rigorosos, os países do sul da Europa fizeram mudanças cruciais que conseguiram atrair investimentos, revitalizaram o crescimento e as exportações e reduziram o desemprego.
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Os governos reduziram a burocracia e os impostos corporativos para estimular os negócios e implementaram mudanças em seus mercados de trabalho, antes rígidos, incluindo tornar mais fácil para os empregadores contratarem e demitirem trabalhadores e reduzir o uso generalizado de contratos temporários. Eles também agiram para reduzir as dívidas e déficits altíssimos, atraindo fundos internacionais de pensão e investimento para começar a comprar seus títulos soberanos novamente.
“Esses países realmente colocaram as coisas em ordem na esteira da crise europeia e estão estruturalmente mais sólidos e dinâmicos do que antes”, disse Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, em Londres.
Os países do Sul também intensificaram sua economia de serviços — especialmente o turismo, que gerou receitas recordes desde o fim das restrições da covid-19. Eles também se beneficiaram de parte de um pacote de estímulo de 800 bilhões de euros implementado pela União Europeia para ajudar as economias a se recuperarem da pandemia.
Como é essa economia em dois ritmos?
A economia grega cresceu cerca de duas vezes mais do que a média da zona do euro no ano passado, impulsionada pelo aumento dos investimentos de empresas multinacionais como Microsoft e Pfizer, pelo turismo recorde e pelos investimentos em energia renovável.
Em Portugal, onde o crescimento tem sido impulsionado pela construção e hotelaria, a economia avançou 1,4% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo trimestre do ano passado. A taxa para a economia da Espanha durante o mesmo período foi ainda mais forte, de 2,4%.
Na Itália, o governo conservador tem restringido os gastos, e o país está exportando mais tecnologia e produtos automotivos, enquanto atrai novos investimentos estrangeiros no setor industrial. A economia italiana tem acompanhado aproximadamente a taxa de crescimento geral da zona do euro, uma melhora significativa para um país que por muito tempo foi visto como um peso econômico.
E o que aconteceu na Alemanha?
Por décadas, a Alemanha cresceu de forma constante, mas, em vez de investir em educação, digitalização e infraestrutura pública durante os anos de bonança, os alemães se tornaram complacentes e perigosamente dependentes da energia russa e das exportações para a China.
O resultado foram dois anos de crescimento quase nulo, colocando o país em último lugar entre seus pares do G7 e dos países da zona do euro. Quando medida ano a ano, a economia do país encolheu 0,2% no primeiro trimestre de 2024.
A Alemanha representa um quarto da economia geral da Europa, e o governo alemão previu na semana passada que a atividade econômica cresceria apenas 0,3% neste ano.
Os economistas apontam problemas estruturais, incluindo uma força de trabalho envelhecida, preços e impostos de energia altos e uma quantidade excessiva de burocracia.
A Alemanha também construiu sua economia com base em um modelo orientado para a exportação que dependia do comércio internacional e das cadeias de suprimentos globais, que foram interrompidas por conflitos geopolíticos e pelas crescentes tensões entre China e Estados Unidos — seus dois principais parceiros comerciais.
E as outras grandes economias da Europa?
Na França, a segunda maior economia da zona do euro, o governo reduziu suas previsões para o crescimento econômico. A economia francesa avançou 1,1% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado.
As finanças públicas da França estão piorando: o déficit está num patamar recorde de 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB), e a dívida atingiu 110% da economia. Recentemente, o governo anunciou que precisaria economizar cerca de 20 bilhões de euros neste e no próximo ano.
A Holanda saiu recentemente de uma leve recessão que atingiu no ano passado, quando a economia local contraiu 1,1%. O mercado imobiliário holandês foi especialmente afetado pela política monetária mais rígida na Europa.
Juntas, as economias de Alemanha, França e Holanda respondem por cerca de 45% do Produto Interno Bruto da zona do euro. Enquanto elas estiverem desacelerando, o crescimento geral ficará contido.
O Sul da Europa conseguirá manter o ritmo?
Sim — pelo menos por enquanto. As altas taxas de juros começaram a frear o crescimento, mas o Banco Central Europeu (BCE), que define os juros para os 20 países que usam o euro, sinalizou que poderia iniciar o ciclo de corte em sua próxima reunião de política monetária, no início de junho.
A inflação na área do euro permaneceu estável em 2,4% no ano até abril, relatou o Eurostat na terça-feira, após uma campanha agressiva do BCE para conter os preços exorbitantes no último ano.
Isso deve ajudar o turismo, um importante motor do crescimento na Espanha, Grécia e Portugal. Esses países também se beneficiarão cada vez mais dos esforços para diversificar suas economias em novos destinos para investimentos internacionais em manufatura e tecnologia.
As economias de Grécia, Itália, Espanha e Portugal — que representam cerca de um quarto da economia da zona do euro — também foram fortalecidas pelos fundos de recuperação da UE, com bilhões de euros em subsídios e empréstimos de baixo custo investidos na digitalização econômica e energia renovável.
Mas, para garantir que esses ganhos não sejam passageiros, os economistas dizem que os países devem aproveitar o momento e aumentar ainda mais a competitividade e a produtividade. O desemprego, embora tenha caído acentuadamente desde a crise, ainda é alto, enquanto os ganhos salariais para muitos empregos não acompanharam a inflação.
Os países do sul também carregam encargos da dívida consideráveis que levantam questões sobre a sustentabilidade da melhora das suas contas. Em contraste, a Alemanha colocou um limite sobre quanto pode financiar sua economia por meio de empréstimos.
Esses investimentos “ajudarão a tornar suas economias mais preparadas para o futuro”, disse Bert Colijn, economista-chefe da zona do euro no ING Bank. “Será que desafiarão a Alemanha e a França como potências da Europa? Isso é ir longe demais.”
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