‘Ter perspectiva de alta do PIB de 2,5% a 3% à frente já é mudança grande’, diz Mello, da Fazenda


Para secretário de Política Econômica, governo está entregando exatamente o que dizia que iria entregar; segundo ele, novo relatório bimestral de receitas e despesas deverá ser ‘positivo’

Por Mariana Carneiro e Bianca Lima
Atualização:
Foto: Washington Costa/MF
Entrevista comGuilherme MelloSecretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

BRASÍLIA - O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, demonstra otimismo com o desempenho da economia brasileira este ano, mesmo com os efeitos da tragédia no Rio Grande do Sul. Segundo ele, ainda não é possível ter uma noção clara do impacto negativo na atividade econômica, nem do impacto positivo posterior, com as medidas de apoio e reconstrução do Estado. Mas a projeção do governo para este ano, revista recentemente, é de aumento de 2,5% no PIB - no boletim Focus, a estimativa do mercado é de 2,05%.

Para 2025, a projeção é de alta de 2,8%, o que os analistas consideram excessivamente otimista. Mas, segundo Mello, o mercado tem tido de se adaptar à realidade constantemente. “Só de a gente ter uma perspectiva de crescimento em torno de 2,5% e 3% nos próximos anos, é uma mudança qualitativa muito grande em relação ao que a gente viu na última década. Mesmo no fiscal”, diz.

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Em relação às críticas quanto à questão fiscal - que vêm sendo feitas por analistas do mercado e acadêmicos e que ganharam força após o governo ter flexibilizado as metas de ajuste fiscal estabelecidas para 2025 e 2026 -, Mello acredita que há um exagero.

“Estamos entregando exatamente o que falamos que íamos entregar e que ninguém acreditava que íamos conseguir”, afirma o economista, antecipando que o segundo relatório bimestral de receitas e despesas, que será divulgado nesta semana, deverá ser “positivo”. Mello ajudou a elaborar o plano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e integra a linha de frente do time de Fernando Haddad.

Ele alega que a dívida pública, como proporção do PIB, fechou abaixo das projeções em 2023, apesar de ter crescido em relação a 2022. Também cita um déficit de cerca de 1% no ano passado, excluído o pagamento de precatórios e as compensações aos Estados, e diz que o número foi o prometido por Haddad. O indicador, segundo Mello, também seria melhor do que o “real” Orçamento entregue pela gestão anterior, que tinha despesas subestimadas.

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Questionado sobre a trajetória crescente dos gastos obrigatórios e dos riscos que isso significa ao novo arcabouço fiscal, Mello defendeu a revisão de despesas com o objetivo de “corrigir fraudes e distorções”. O que vem sendo classificado como insuficiente pelos economistas, que alertam para problemas mais profundos, que exigiriam respostas mais efetivas de corte de gastos.

Ele avalia, porém, que o governo ainda tem “muito espaço para percorrer”, em termos de melhoria de eficiência dos programas sociais, antes de partir para outras medidas, e diz que não há decisão tomada sobre rever a dinâmica dos pisos da educação e da saúde. Atualmente, eles são atrelados ao crescimento da receita e, com isso, os gastos tendem a aumentar em velocidade superior ao limite do arcabouço.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

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Em entrevistas ao ‘Estadão/Broadcast’, o investidor Luis Stuhlberger e o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga demonstraram frustração e preocupação com o que consideram uma deterioração fiscal mais recente. A equipe econômica vem sustentando uma visão oposta. A que se deve essa divergência?

Depois que a Moody’s indicou a possibilidade de aumento da nota do Brasil, eu comecei a ver várias dessas reações, de que o fiscal está muito ruim, de que o fiscal piorou muito. Mas piorou em relação a quê? Ah, às expectativas? Então vamos pegar as expectativas do começo de 2023. A expectativa da dívida em proporção do PIB era de 79%. No fim do ano, fechou em 74,4%, quase cinco pontos abaixo. Então, se é em relação à expectativa que se tinha, está muito melhor no principal indicador fiscal. Não tem surpresa negativa, e sim positiva. (No fim de 2022, porém, a dívida estava em 71,7% do PIB). No dia 12 de janeiro de 2023, o ministro deu uma coletiva anunciando uma série de medidas que ele tomaria para reduzir o déficit primário e falou: ‘Eu sei que a PLOA (projeto de lei orçamentária de 2023) projeta um déficit de 2,2% do PIB, mas eu não vou entregar esse número, eu vou mirar em 1% do PIB’. (Na ocasião, o ministro projetou déficit entre 0,5% e 1% do PIB). No fim do ano deu 2,2%, mas pagamos precatórios, o calote nos governadores.

E se descontar esses dois pagamentos?

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Dá 1,1% do PIB, exatamente o que o ministro falou que a gente ia entregar. E quando a gente falava que ia entregar 1% do PIB, a maior parte dos analistas duvidava. Então, superamos as expectativas.

Sede do Ministério da Fazenda, em Brasília Foto: Andre Dusek/Estadão

E o descolamento das expectativas neste ano?

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No começo, todo mundo falava ‘vai chegar o primeiro (relatório) bimestral (de receitas e despesas, fechado em março) e o governo vai ter de contingenciar R$ 56 bilhões e, ainda assim, não vai ser suficiente para projetar o déficit zero’. Chegou o primeiro bimestral, contingenciamento zero (não houve contingenciamento, mas o governo bloqueou R$ 2,9 bilhões para evitar estouro no limite de despesas) e projeção de chegar à meta no final do ano. Vamos ver o segundo bimestral, eu estou confiante.

Mas no primeiro bimestral ainda havia uma série de questões em aberto, como a renúncia com as desonerações.

Na desoneração, nós conseguimos reverter o cenário, que era ‘perdeu, acabou, vai ser isso, sem compensação’. O ministro pediu o veto, foi vetado, foi derrubado o veto, fez uma medida provisória, tentamos negociar uma alternativa, não conseguimos, foi revertida a MP e aí fizemos o que nos restava, que era ir ao Supremo e alegar a inconstitucionalidade, porque está tirando receita da Previdência sem indicar fonte (de compensação). O Supremo deu uma liminar e agora a gente está construindo um acordo em que, tudo bem, vamos fazer um faseamento para acabar com as desonerações, mas com compensação. Isso faz toda a diferença do ponto de vista do impacto fiscal. O efeito líquido, do ponto de vista orçamentário, não existe. Eu acho que os indicadores fiscais, quando você pega as expectativas do mercado, eles têm surpreendido positivamente de maneira recorrente.

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Como as desonerações serão compensadas pela Fazenda?

O ministro vai anunciar. Mas, se você está abrindo mão de receita, vai precisar ter outra fonte de receita.

O sr. mencionou que está confiante em relação ao segundo relatório bimestral, que será anunciado nesta semana. Poderia detalhar melhor?

Nós temos dados bons de atividade econômica e receita. Essas duas coisas têm vindo muito positivas. Então, a tendência é que isso se reflita em um resultado bimestral também positivo. Mas a gente só vai saber isso exatamente quando for divulgado o número oficial.

Do ponto de vista macro, o que permite ao governo sustentar projeções de um futuro positivo no campo fiscal?

Só voltando um pouco. Havia uma narrativa de que o que ocorreu em 2023 foi uma profunda deterioração fiscal vindo de um cenário positivo em 2022. Tenho de mostrar que, do ponto de vista estrutural, esse superávit não existiu, porque tinha muita receita não recorrente e cíclica. O que o governo Lula de fato herdou do governo Bolsonaro foi a projeção de 2023, que dizia que nós teríamos um déficit de R$ 63 bilhões, porque a receita cairia 1,4% do PIB, mesmo com crescimento econômico. Além disso, a projeção de despesas não incluía uma série de gastos que já haviam se tornado compromissos de campanha dos dois candidatos, como o Bolsa Família. Só isso dá uma subestimação de R$ 60 bilhões. Havia, ainda, uma subestimação do pagamento de benefícios previdenciários assistenciais. Se somar, chega-se a um valor de déficit real de R$ 138 bilhões. A gente entregou menos. A gente entregou menos do que o (ex-ministro da Economia) Paulo Guedes previu.

Mas o governo contou com a ajuda das expectativas em 2023, porque o mercado acreditou na promessa de ajuste fiscal que viria com o novo arcabouço e que agora está em xeque.

O arcabouço foi aprovado em agosto e o resultado fiscal de 2023 foi positivo porque a gente conseguiu recompor uma parte das receitas perdidas. Perdidas, inclusive, às vésperas de o presidente Lula assumir. Dias antes de o presidente Lula assumir foram assinadas várias medidas de desoneração, que a gente reverteu, como a de combustíveis. Essas medidas reduziram a inflação em 2022, mas pressionaram a inflação em 2023. E, mesmo assim, entregamos uma inflação de 4,6%, sendo que o mercado previa 6%.

Mas, novamente, as expectativas ajudaram, porque a inflação moderou após a promessa de ajuste fiscal do ministro Haddad. E agora os investidores se dizem traídos porque o ajuste não está sendo entregue na velocidade prometida.

Nós estamos entregando. Entregamos o déficit de 1% no ano passado, que foi exatamente o que dissemos que íamos fazer, e estamos prontos para entregar um déficit zero, perto do equilíbrio orçamentário neste ano. Agora, é evidente que, quando você constrói o cenário do resultado primário, principalmente os cenários mais longos, você estabelece a meta mas o resultado não é fruto só das nossas ações. Ele é fruto de um conjunto de ações de Executivo, Legislativo e Judiciário. Nós mandamos um conjunto de medidas ao Legislativo, ele foi muito correto, parceiro e aprovou praticamente todas as medidas, mas aprovou, o que é natural numa democracia, de uma forma modulada, diferente do que a gente previa. Isso impacta a nossa projeção para frente. Algumas medidas atrasaram, outras foram enviadas e acabaram não sendo apreciadas, como juros sobre capital próprio (a mudança na tributação desse benefício foi aprovada aquém do que desejava a Fazenda). O resultado não depende só do que o governo federal faz.

E o sr. considera que há espaço para aprovar mais medidas de arrecadação via Congresso?

Eu acho que existe uma estratégia, que boa parte dos Poderes do País entendeu. E isso ajuda. É claro que é difícil negociar, há questões que envolvem lobbies poderosos. Falamos de (tributar) offshores e fundos fechados, que envolvem poucas pessoas, mas pessoas com muito capital. Mesmo Carf (a volta do voto de desempate a favor do Fisco), é para casos grandes. Todos esses ajustes mostram o compromisso do ministro com uma agenda de recompor a base fiscal sem prejudicar os mais pobres. Como? Corrigindo distorções tributárias, sendo muito criterioso nos programas que nós fazemos, de incentivos, para que sejam bem desenhados, atinjam quem precisa atingir e sejam efetivos. E perseguir o equilíbrio fiscal.

Mesmo assim, o governo atrasou a agenda de equilíbrio fiscal, com a revisão da meta de 2025 em diante.

A mudança da projeção para os próximos anos reflete um pouco o sucesso dessa agenda, que não é um sucesso absoluto. Não é que a gente aprovou 100% do que a gente queria da forma 100% do que a gente precisava.

A que o sr. atribui o fato de os analistas estarem prevendo hoje um déficit fiscal maior em 2025 do que o de 2024? Ou seja, uma piora no resultado.

Vamos voltar ao tema que eu considero fundamental. Obviamente tenho todo o respeito aos analistas que projetam seja PIB, inflação ou resultado fiscal. Todo mundo está tentando acertar, porque eles têm clientes. Mas o que estou tentando mostrar é que, no último ano e meio, sequencialmente, as surpresas são positivas, não negativas. E, repito, ninguém esperava um primeiro (relatório) bimestral com déficit zero e eu acredito que o segundo também pode vir positivo. Agora, é evidente que, de alguma forma, a mudança nas nossas metas influencia a projeção dos analistas para o futuro. Mas, quando você olha para a trajetória da dívida, que é o indicador fiscal realmente relevante, tem caído sistematicamente. As agências de classificação de risco estão revisando porque eles também estão observando isso.

Esse efeito de revisão não é mais resultado do crescimento do PIB do que propriamente de um esforço fiscal do governo?

Mas o crescimento é uma parte super importante da trajetória fiscal, não tenha dúvida. O que mais impacta a trajetória da dívida pública em relação ao PIB é, em primeiro lugar, o juro, porque no caso brasileiro a taxa de juros é muito elevada. E, em segundo, o crescimento do PIB. O resultado primário (economia feita pelo governo antes do pagamento de juros) impacta? Claro, mas é menor. Então claro que o crescimento influencia. Mas, veja, isso também é outra coisa que mudou e que é sinal de sucesso. Mudou completamente a leitura do mercado sobre o patamar de crescimento. No ano passado, o mercado achava que o Brasil ia crescer 0,7%, 0,8% e cresceu 2,9%. Nesse ano, eles começaram com 1,5% e as pesquisas já estão em 2,5%.

O governo está prevendo 2,8% em 2025, o que os analistas consideram excessivamente otimista dados os percalços na economia, como juros mais altos em razão do fiscal mais frouxo e um cenário externo mais adverso.

Eles também achavam o nosso 2,1%, em 2023, e o nosso 2,2%, para 2024, muito otimistas.

O sr. acredita que haverá surpresa positiva nesse aspecto, mesmo com as inundações no Rio Grande do Sul?

Eu acredito. Nós revimos a nossa projeção de crescimento neste ano, colocamos em 2,5%, mas não incluímos os impactos do Rio Grande do Sul, porque nós não temos informação suficiente para saber qual será o impacto negativo do ponto de vista de redução da atividade e perdas. E também não temos um cenário completo de como as medidas de apoio e reconstrução do Estado vão impactar positivamente. Vão ter obras de infraestrutura, moradia.

Em qual espaço de tempo esses efeitos ocorrerão?

Muito provavelmente, o impacto negativo vai acontecer mais concentrado neste trimestre e o impacto positivo no segundo semestre. Ao longo do ano, temos de fazer a conta, mas precisamos de mais informações. No entanto, há outros fatores que precisam ser levados em consideração.

Quais?

Temos uma dinâmica do mercado de trabalho que tem surpreendido positivamente, e o mercado de crédito tem melhorado bastante, principalmente em relação ao ano passado. Tem uma série de medidas que lançamos agora, por meio do Acredita (pacote focado em pequenos empresários e no estímulo ao crédito imobiliário), que ainda vão começar a gerar impacto. Não sabemos a velocidade, mas temos uma perspectiva de redução de juros no Brasil. Pode ser que seja mais rápido ou mais devagar, depende do cenário internacional. Neste ano, o agro vai contribuir negativamente para o PIB, por causa dos fenômenos climáticos, mas a projeção para o ano que vem é de que o setor volte a contribuir positivamente. Hoje, o mercado acredita que o ritmo de atividade deva permanecer próximo de 2%. Um ano atrás, se fosse 1% já era muito. Nada impede que, à medida que os dados forem vindo e o cenário positivo se confirme, o mercado também reveja.

Reveja para quanto? Muda de patamar?

Já mudou, né? Não era 2% (de avanço do PIB). Agora é. E pode mudar de novo. Depende dos resultados. Só de a gente ter uma perspectiva de crescimento em torno de 2,5% e 3% nos próximos anos, é uma mudança qualitativa muito grande em relação ao que a gente viu na última década. Mesmo no fiscal. Nos últimos dez anos, de 2022 para trás, nós acumulamos praticamente R$ 2 trilhões de déficit. Então, só de ter perspectiva de equilíbrio orçamentário e retomar superávits sem, para isso, precisar esmagar programas sociais, é uma mudança qualitativa enorme.

Além da discrepância nas projeções de PIB, os economistas alertam para uma série de ‘ausências’ de gastos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. Por exemplo, o crédito suplementar de R$ 15 bilhões, que será aberto em 2024, não está previsto. A prorrogação do Perse, que é o socorro ao setor de Turismo, não está prevista. A mesma coisa para a desoneração dos municípios…

Tudo isso estará no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual). E tudo que a gente está aprovando aqui, principalmente no caso da desoneração das folhas (das empresas e municípios), a gente vai buscar compensação. A LDO é um documento prévio. No PLOA, vamos especificar todas as ações que teremos de tomar para alcançar o déficit zero em 2025.

Também há preocupações em relação à trajetória dos gastos obrigatórios, principalmente dos benefícios previdenciários e dos pisos da educação e saúde. Há o alerta de que essas despesas irão inviabilizar o arcabouço. O que estão avaliando fazer para resolver isso?

Tem uma agenda importante de revisão de gastos que já começou. No ano passado, com a revisão do cadastro do Bolsa Família, se economizou mais de R$ 10 bilhões. Esse ano, já foram anunciadas medidas, do ponto de vista de melhoria de sistema e processos da Previdência, que também vão gerar uma economia superior a R$ 10 bilhões. No Proagro (espécie de seguro rural voltado a pequenos produtores), também tem medidas.

Mas elas são vistas como insuficientes diante do tamanho do problema...

Existem várias outras medidas que eu acho que podem ser tomadas para melhorar o desenho dos programas, combater distorções e fraude e que podem gerar uma economia e uma maior eficiência dos programas sociais. Todas as agendas de revisão de gastos, claro, têm algum tipo de discussão sobre o seu impacto distributivo, e a gente precisa analisar isso. Mas, repito: essa agenda já começou a gerar resultado e certamente nós vamos prosseguir trabalhando nela. O (Ministério do) Planejamento lidera esse assunto. Agora, os temas que que vão ser discutidos não necessariamente estão decididos a priori. Eu tendo a achar que nós ainda temos muito espaço para percorrer, em termos de melhoria de eficiência dos nossos programas.

O Tesouro Nacional tem estudos para alterar o índice que reajusta o crescimento dos pisos da educação e saúde, saindo de porcentuais vinculados à arrecadação e partindo, por exemplo, para um teto de 2,5%, que é a mesma trava prevista no arcabouço. Esse seria um caminho?

O Tesouro apresenta cenários. Opções existem inúmeras. Agora, não tem nenhuma decisão a respeito disso. O que se tem é uma agenda efetiva que está sendo implementada e que está gerando resultado e estou plenamente convencido de que irá gerar ainda mais.

BRASÍLIA - O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, demonstra otimismo com o desempenho da economia brasileira este ano, mesmo com os efeitos da tragédia no Rio Grande do Sul. Segundo ele, ainda não é possível ter uma noção clara do impacto negativo na atividade econômica, nem do impacto positivo posterior, com as medidas de apoio e reconstrução do Estado. Mas a projeção do governo para este ano, revista recentemente, é de aumento de 2,5% no PIB - no boletim Focus, a estimativa do mercado é de 2,05%.

Para 2025, a projeção é de alta de 2,8%, o que os analistas consideram excessivamente otimista. Mas, segundo Mello, o mercado tem tido de se adaptar à realidade constantemente. “Só de a gente ter uma perspectiva de crescimento em torno de 2,5% e 3% nos próximos anos, é uma mudança qualitativa muito grande em relação ao que a gente viu na última década. Mesmo no fiscal”, diz.

Em relação às críticas quanto à questão fiscal - que vêm sendo feitas por analistas do mercado e acadêmicos e que ganharam força após o governo ter flexibilizado as metas de ajuste fiscal estabelecidas para 2025 e 2026 -, Mello acredita que há um exagero.

“Estamos entregando exatamente o que falamos que íamos entregar e que ninguém acreditava que íamos conseguir”, afirma o economista, antecipando que o segundo relatório bimestral de receitas e despesas, que será divulgado nesta semana, deverá ser “positivo”. Mello ajudou a elaborar o plano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e integra a linha de frente do time de Fernando Haddad.

Ele alega que a dívida pública, como proporção do PIB, fechou abaixo das projeções em 2023, apesar de ter crescido em relação a 2022. Também cita um déficit de cerca de 1% no ano passado, excluído o pagamento de precatórios e as compensações aos Estados, e diz que o número foi o prometido por Haddad. O indicador, segundo Mello, também seria melhor do que o “real” Orçamento entregue pela gestão anterior, que tinha despesas subestimadas.

Questionado sobre a trajetória crescente dos gastos obrigatórios e dos riscos que isso significa ao novo arcabouço fiscal, Mello defendeu a revisão de despesas com o objetivo de “corrigir fraudes e distorções”. O que vem sendo classificado como insuficiente pelos economistas, que alertam para problemas mais profundos, que exigiriam respostas mais efetivas de corte de gastos.

Ele avalia, porém, que o governo ainda tem “muito espaço para percorrer”, em termos de melhoria de eficiência dos programas sociais, antes de partir para outras medidas, e diz que não há decisão tomada sobre rever a dinâmica dos pisos da educação e da saúde. Atualmente, eles são atrelados ao crescimento da receita e, com isso, os gastos tendem a aumentar em velocidade superior ao limite do arcabouço.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Em entrevistas ao ‘Estadão/Broadcast’, o investidor Luis Stuhlberger e o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga demonstraram frustração e preocupação com o que consideram uma deterioração fiscal mais recente. A equipe econômica vem sustentando uma visão oposta. A que se deve essa divergência?

Depois que a Moody’s indicou a possibilidade de aumento da nota do Brasil, eu comecei a ver várias dessas reações, de que o fiscal está muito ruim, de que o fiscal piorou muito. Mas piorou em relação a quê? Ah, às expectativas? Então vamos pegar as expectativas do começo de 2023. A expectativa da dívida em proporção do PIB era de 79%. No fim do ano, fechou em 74,4%, quase cinco pontos abaixo. Então, se é em relação à expectativa que se tinha, está muito melhor no principal indicador fiscal. Não tem surpresa negativa, e sim positiva. (No fim de 2022, porém, a dívida estava em 71,7% do PIB). No dia 12 de janeiro de 2023, o ministro deu uma coletiva anunciando uma série de medidas que ele tomaria para reduzir o déficit primário e falou: ‘Eu sei que a PLOA (projeto de lei orçamentária de 2023) projeta um déficit de 2,2% do PIB, mas eu não vou entregar esse número, eu vou mirar em 1% do PIB’. (Na ocasião, o ministro projetou déficit entre 0,5% e 1% do PIB). No fim do ano deu 2,2%, mas pagamos precatórios, o calote nos governadores.

E se descontar esses dois pagamentos?

Dá 1,1% do PIB, exatamente o que o ministro falou que a gente ia entregar. E quando a gente falava que ia entregar 1% do PIB, a maior parte dos analistas duvidava. Então, superamos as expectativas.

Sede do Ministério da Fazenda, em Brasília Foto: Andre Dusek/Estadão

E o descolamento das expectativas neste ano?

No começo, todo mundo falava ‘vai chegar o primeiro (relatório) bimestral (de receitas e despesas, fechado em março) e o governo vai ter de contingenciar R$ 56 bilhões e, ainda assim, não vai ser suficiente para projetar o déficit zero’. Chegou o primeiro bimestral, contingenciamento zero (não houve contingenciamento, mas o governo bloqueou R$ 2,9 bilhões para evitar estouro no limite de despesas) e projeção de chegar à meta no final do ano. Vamos ver o segundo bimestral, eu estou confiante.

Mas no primeiro bimestral ainda havia uma série de questões em aberto, como a renúncia com as desonerações.

Na desoneração, nós conseguimos reverter o cenário, que era ‘perdeu, acabou, vai ser isso, sem compensação’. O ministro pediu o veto, foi vetado, foi derrubado o veto, fez uma medida provisória, tentamos negociar uma alternativa, não conseguimos, foi revertida a MP e aí fizemos o que nos restava, que era ir ao Supremo e alegar a inconstitucionalidade, porque está tirando receita da Previdência sem indicar fonte (de compensação). O Supremo deu uma liminar e agora a gente está construindo um acordo em que, tudo bem, vamos fazer um faseamento para acabar com as desonerações, mas com compensação. Isso faz toda a diferença do ponto de vista do impacto fiscal. O efeito líquido, do ponto de vista orçamentário, não existe. Eu acho que os indicadores fiscais, quando você pega as expectativas do mercado, eles têm surpreendido positivamente de maneira recorrente.

Como as desonerações serão compensadas pela Fazenda?

O ministro vai anunciar. Mas, se você está abrindo mão de receita, vai precisar ter outra fonte de receita.

O sr. mencionou que está confiante em relação ao segundo relatório bimestral, que será anunciado nesta semana. Poderia detalhar melhor?

Nós temos dados bons de atividade econômica e receita. Essas duas coisas têm vindo muito positivas. Então, a tendência é que isso se reflita em um resultado bimestral também positivo. Mas a gente só vai saber isso exatamente quando for divulgado o número oficial.

Do ponto de vista macro, o que permite ao governo sustentar projeções de um futuro positivo no campo fiscal?

Só voltando um pouco. Havia uma narrativa de que o que ocorreu em 2023 foi uma profunda deterioração fiscal vindo de um cenário positivo em 2022. Tenho de mostrar que, do ponto de vista estrutural, esse superávit não existiu, porque tinha muita receita não recorrente e cíclica. O que o governo Lula de fato herdou do governo Bolsonaro foi a projeção de 2023, que dizia que nós teríamos um déficit de R$ 63 bilhões, porque a receita cairia 1,4% do PIB, mesmo com crescimento econômico. Além disso, a projeção de despesas não incluía uma série de gastos que já haviam se tornado compromissos de campanha dos dois candidatos, como o Bolsa Família. Só isso dá uma subestimação de R$ 60 bilhões. Havia, ainda, uma subestimação do pagamento de benefícios previdenciários assistenciais. Se somar, chega-se a um valor de déficit real de R$ 138 bilhões. A gente entregou menos. A gente entregou menos do que o (ex-ministro da Economia) Paulo Guedes previu.

Mas o governo contou com a ajuda das expectativas em 2023, porque o mercado acreditou na promessa de ajuste fiscal que viria com o novo arcabouço e que agora está em xeque.

O arcabouço foi aprovado em agosto e o resultado fiscal de 2023 foi positivo porque a gente conseguiu recompor uma parte das receitas perdidas. Perdidas, inclusive, às vésperas de o presidente Lula assumir. Dias antes de o presidente Lula assumir foram assinadas várias medidas de desoneração, que a gente reverteu, como a de combustíveis. Essas medidas reduziram a inflação em 2022, mas pressionaram a inflação em 2023. E, mesmo assim, entregamos uma inflação de 4,6%, sendo que o mercado previa 6%.

Mas, novamente, as expectativas ajudaram, porque a inflação moderou após a promessa de ajuste fiscal do ministro Haddad. E agora os investidores se dizem traídos porque o ajuste não está sendo entregue na velocidade prometida.

Nós estamos entregando. Entregamos o déficit de 1% no ano passado, que foi exatamente o que dissemos que íamos fazer, e estamos prontos para entregar um déficit zero, perto do equilíbrio orçamentário neste ano. Agora, é evidente que, quando você constrói o cenário do resultado primário, principalmente os cenários mais longos, você estabelece a meta mas o resultado não é fruto só das nossas ações. Ele é fruto de um conjunto de ações de Executivo, Legislativo e Judiciário. Nós mandamos um conjunto de medidas ao Legislativo, ele foi muito correto, parceiro e aprovou praticamente todas as medidas, mas aprovou, o que é natural numa democracia, de uma forma modulada, diferente do que a gente previa. Isso impacta a nossa projeção para frente. Algumas medidas atrasaram, outras foram enviadas e acabaram não sendo apreciadas, como juros sobre capital próprio (a mudança na tributação desse benefício foi aprovada aquém do que desejava a Fazenda). O resultado não depende só do que o governo federal faz.

E o sr. considera que há espaço para aprovar mais medidas de arrecadação via Congresso?

Eu acho que existe uma estratégia, que boa parte dos Poderes do País entendeu. E isso ajuda. É claro que é difícil negociar, há questões que envolvem lobbies poderosos. Falamos de (tributar) offshores e fundos fechados, que envolvem poucas pessoas, mas pessoas com muito capital. Mesmo Carf (a volta do voto de desempate a favor do Fisco), é para casos grandes. Todos esses ajustes mostram o compromisso do ministro com uma agenda de recompor a base fiscal sem prejudicar os mais pobres. Como? Corrigindo distorções tributárias, sendo muito criterioso nos programas que nós fazemos, de incentivos, para que sejam bem desenhados, atinjam quem precisa atingir e sejam efetivos. E perseguir o equilíbrio fiscal.

Mesmo assim, o governo atrasou a agenda de equilíbrio fiscal, com a revisão da meta de 2025 em diante.

A mudança da projeção para os próximos anos reflete um pouco o sucesso dessa agenda, que não é um sucesso absoluto. Não é que a gente aprovou 100% do que a gente queria da forma 100% do que a gente precisava.

A que o sr. atribui o fato de os analistas estarem prevendo hoje um déficit fiscal maior em 2025 do que o de 2024? Ou seja, uma piora no resultado.

Vamos voltar ao tema que eu considero fundamental. Obviamente tenho todo o respeito aos analistas que projetam seja PIB, inflação ou resultado fiscal. Todo mundo está tentando acertar, porque eles têm clientes. Mas o que estou tentando mostrar é que, no último ano e meio, sequencialmente, as surpresas são positivas, não negativas. E, repito, ninguém esperava um primeiro (relatório) bimestral com déficit zero e eu acredito que o segundo também pode vir positivo. Agora, é evidente que, de alguma forma, a mudança nas nossas metas influencia a projeção dos analistas para o futuro. Mas, quando você olha para a trajetória da dívida, que é o indicador fiscal realmente relevante, tem caído sistematicamente. As agências de classificação de risco estão revisando porque eles também estão observando isso.

Esse efeito de revisão não é mais resultado do crescimento do PIB do que propriamente de um esforço fiscal do governo?

Mas o crescimento é uma parte super importante da trajetória fiscal, não tenha dúvida. O que mais impacta a trajetória da dívida pública em relação ao PIB é, em primeiro lugar, o juro, porque no caso brasileiro a taxa de juros é muito elevada. E, em segundo, o crescimento do PIB. O resultado primário (economia feita pelo governo antes do pagamento de juros) impacta? Claro, mas é menor. Então claro que o crescimento influencia. Mas, veja, isso também é outra coisa que mudou e que é sinal de sucesso. Mudou completamente a leitura do mercado sobre o patamar de crescimento. No ano passado, o mercado achava que o Brasil ia crescer 0,7%, 0,8% e cresceu 2,9%. Nesse ano, eles começaram com 1,5% e as pesquisas já estão em 2,5%.

O governo está prevendo 2,8% em 2025, o que os analistas consideram excessivamente otimista dados os percalços na economia, como juros mais altos em razão do fiscal mais frouxo e um cenário externo mais adverso.

Eles também achavam o nosso 2,1%, em 2023, e o nosso 2,2%, para 2024, muito otimistas.

O sr. acredita que haverá surpresa positiva nesse aspecto, mesmo com as inundações no Rio Grande do Sul?

Eu acredito. Nós revimos a nossa projeção de crescimento neste ano, colocamos em 2,5%, mas não incluímos os impactos do Rio Grande do Sul, porque nós não temos informação suficiente para saber qual será o impacto negativo do ponto de vista de redução da atividade e perdas. E também não temos um cenário completo de como as medidas de apoio e reconstrução do Estado vão impactar positivamente. Vão ter obras de infraestrutura, moradia.

Em qual espaço de tempo esses efeitos ocorrerão?

Muito provavelmente, o impacto negativo vai acontecer mais concentrado neste trimestre e o impacto positivo no segundo semestre. Ao longo do ano, temos de fazer a conta, mas precisamos de mais informações. No entanto, há outros fatores que precisam ser levados em consideração.

Quais?

Temos uma dinâmica do mercado de trabalho que tem surpreendido positivamente, e o mercado de crédito tem melhorado bastante, principalmente em relação ao ano passado. Tem uma série de medidas que lançamos agora, por meio do Acredita (pacote focado em pequenos empresários e no estímulo ao crédito imobiliário), que ainda vão começar a gerar impacto. Não sabemos a velocidade, mas temos uma perspectiva de redução de juros no Brasil. Pode ser que seja mais rápido ou mais devagar, depende do cenário internacional. Neste ano, o agro vai contribuir negativamente para o PIB, por causa dos fenômenos climáticos, mas a projeção para o ano que vem é de que o setor volte a contribuir positivamente. Hoje, o mercado acredita que o ritmo de atividade deva permanecer próximo de 2%. Um ano atrás, se fosse 1% já era muito. Nada impede que, à medida que os dados forem vindo e o cenário positivo se confirme, o mercado também reveja.

Reveja para quanto? Muda de patamar?

Já mudou, né? Não era 2% (de avanço do PIB). Agora é. E pode mudar de novo. Depende dos resultados. Só de a gente ter uma perspectiva de crescimento em torno de 2,5% e 3% nos próximos anos, é uma mudança qualitativa muito grande em relação ao que a gente viu na última década. Mesmo no fiscal. Nos últimos dez anos, de 2022 para trás, nós acumulamos praticamente R$ 2 trilhões de déficit. Então, só de ter perspectiva de equilíbrio orçamentário e retomar superávits sem, para isso, precisar esmagar programas sociais, é uma mudança qualitativa enorme.

Além da discrepância nas projeções de PIB, os economistas alertam para uma série de ‘ausências’ de gastos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. Por exemplo, o crédito suplementar de R$ 15 bilhões, que será aberto em 2024, não está previsto. A prorrogação do Perse, que é o socorro ao setor de Turismo, não está prevista. A mesma coisa para a desoneração dos municípios…

Tudo isso estará no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual). E tudo que a gente está aprovando aqui, principalmente no caso da desoneração das folhas (das empresas e municípios), a gente vai buscar compensação. A LDO é um documento prévio. No PLOA, vamos especificar todas as ações que teremos de tomar para alcançar o déficit zero em 2025.

Também há preocupações em relação à trajetória dos gastos obrigatórios, principalmente dos benefícios previdenciários e dos pisos da educação e saúde. Há o alerta de que essas despesas irão inviabilizar o arcabouço. O que estão avaliando fazer para resolver isso?

Tem uma agenda importante de revisão de gastos que já começou. No ano passado, com a revisão do cadastro do Bolsa Família, se economizou mais de R$ 10 bilhões. Esse ano, já foram anunciadas medidas, do ponto de vista de melhoria de sistema e processos da Previdência, que também vão gerar uma economia superior a R$ 10 bilhões. No Proagro (espécie de seguro rural voltado a pequenos produtores), também tem medidas.

Mas elas são vistas como insuficientes diante do tamanho do problema...

Existem várias outras medidas que eu acho que podem ser tomadas para melhorar o desenho dos programas, combater distorções e fraude e que podem gerar uma economia e uma maior eficiência dos programas sociais. Todas as agendas de revisão de gastos, claro, têm algum tipo de discussão sobre o seu impacto distributivo, e a gente precisa analisar isso. Mas, repito: essa agenda já começou a gerar resultado e certamente nós vamos prosseguir trabalhando nela. O (Ministério do) Planejamento lidera esse assunto. Agora, os temas que que vão ser discutidos não necessariamente estão decididos a priori. Eu tendo a achar que nós ainda temos muito espaço para percorrer, em termos de melhoria de eficiência dos nossos programas.

O Tesouro Nacional tem estudos para alterar o índice que reajusta o crescimento dos pisos da educação e saúde, saindo de porcentuais vinculados à arrecadação e partindo, por exemplo, para um teto de 2,5%, que é a mesma trava prevista no arcabouço. Esse seria um caminho?

O Tesouro apresenta cenários. Opções existem inúmeras. Agora, não tem nenhuma decisão a respeito disso. O que se tem é uma agenda efetiva que está sendo implementada e que está gerando resultado e estou plenamente convencido de que irá gerar ainda mais.

BRASÍLIA - O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, demonstra otimismo com o desempenho da economia brasileira este ano, mesmo com os efeitos da tragédia no Rio Grande do Sul. Segundo ele, ainda não é possível ter uma noção clara do impacto negativo na atividade econômica, nem do impacto positivo posterior, com as medidas de apoio e reconstrução do Estado. Mas a projeção do governo para este ano, revista recentemente, é de aumento de 2,5% no PIB - no boletim Focus, a estimativa do mercado é de 2,05%.

Para 2025, a projeção é de alta de 2,8%, o que os analistas consideram excessivamente otimista. Mas, segundo Mello, o mercado tem tido de se adaptar à realidade constantemente. “Só de a gente ter uma perspectiva de crescimento em torno de 2,5% e 3% nos próximos anos, é uma mudança qualitativa muito grande em relação ao que a gente viu na última década. Mesmo no fiscal”, diz.

Em relação às críticas quanto à questão fiscal - que vêm sendo feitas por analistas do mercado e acadêmicos e que ganharam força após o governo ter flexibilizado as metas de ajuste fiscal estabelecidas para 2025 e 2026 -, Mello acredita que há um exagero.

“Estamos entregando exatamente o que falamos que íamos entregar e que ninguém acreditava que íamos conseguir”, afirma o economista, antecipando que o segundo relatório bimestral de receitas e despesas, que será divulgado nesta semana, deverá ser “positivo”. Mello ajudou a elaborar o plano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e integra a linha de frente do time de Fernando Haddad.

Ele alega que a dívida pública, como proporção do PIB, fechou abaixo das projeções em 2023, apesar de ter crescido em relação a 2022. Também cita um déficit de cerca de 1% no ano passado, excluído o pagamento de precatórios e as compensações aos Estados, e diz que o número foi o prometido por Haddad. O indicador, segundo Mello, também seria melhor do que o “real” Orçamento entregue pela gestão anterior, que tinha despesas subestimadas.

Questionado sobre a trajetória crescente dos gastos obrigatórios e dos riscos que isso significa ao novo arcabouço fiscal, Mello defendeu a revisão de despesas com o objetivo de “corrigir fraudes e distorções”. O que vem sendo classificado como insuficiente pelos economistas, que alertam para problemas mais profundos, que exigiriam respostas mais efetivas de corte de gastos.

Ele avalia, porém, que o governo ainda tem “muito espaço para percorrer”, em termos de melhoria de eficiência dos programas sociais, antes de partir para outras medidas, e diz que não há decisão tomada sobre rever a dinâmica dos pisos da educação e da saúde. Atualmente, eles são atrelados ao crescimento da receita e, com isso, os gastos tendem a aumentar em velocidade superior ao limite do arcabouço.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Em entrevistas ao ‘Estadão/Broadcast’, o investidor Luis Stuhlberger e o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga demonstraram frustração e preocupação com o que consideram uma deterioração fiscal mais recente. A equipe econômica vem sustentando uma visão oposta. A que se deve essa divergência?

Depois que a Moody’s indicou a possibilidade de aumento da nota do Brasil, eu comecei a ver várias dessas reações, de que o fiscal está muito ruim, de que o fiscal piorou muito. Mas piorou em relação a quê? Ah, às expectativas? Então vamos pegar as expectativas do começo de 2023. A expectativa da dívida em proporção do PIB era de 79%. No fim do ano, fechou em 74,4%, quase cinco pontos abaixo. Então, se é em relação à expectativa que se tinha, está muito melhor no principal indicador fiscal. Não tem surpresa negativa, e sim positiva. (No fim de 2022, porém, a dívida estava em 71,7% do PIB). No dia 12 de janeiro de 2023, o ministro deu uma coletiva anunciando uma série de medidas que ele tomaria para reduzir o déficit primário e falou: ‘Eu sei que a PLOA (projeto de lei orçamentária de 2023) projeta um déficit de 2,2% do PIB, mas eu não vou entregar esse número, eu vou mirar em 1% do PIB’. (Na ocasião, o ministro projetou déficit entre 0,5% e 1% do PIB). No fim do ano deu 2,2%, mas pagamos precatórios, o calote nos governadores.

E se descontar esses dois pagamentos?

Dá 1,1% do PIB, exatamente o que o ministro falou que a gente ia entregar. E quando a gente falava que ia entregar 1% do PIB, a maior parte dos analistas duvidava. Então, superamos as expectativas.

Sede do Ministério da Fazenda, em Brasília Foto: Andre Dusek/Estadão

E o descolamento das expectativas neste ano?

No começo, todo mundo falava ‘vai chegar o primeiro (relatório) bimestral (de receitas e despesas, fechado em março) e o governo vai ter de contingenciar R$ 56 bilhões e, ainda assim, não vai ser suficiente para projetar o déficit zero’. Chegou o primeiro bimestral, contingenciamento zero (não houve contingenciamento, mas o governo bloqueou R$ 2,9 bilhões para evitar estouro no limite de despesas) e projeção de chegar à meta no final do ano. Vamos ver o segundo bimestral, eu estou confiante.

Mas no primeiro bimestral ainda havia uma série de questões em aberto, como a renúncia com as desonerações.

Na desoneração, nós conseguimos reverter o cenário, que era ‘perdeu, acabou, vai ser isso, sem compensação’. O ministro pediu o veto, foi vetado, foi derrubado o veto, fez uma medida provisória, tentamos negociar uma alternativa, não conseguimos, foi revertida a MP e aí fizemos o que nos restava, que era ir ao Supremo e alegar a inconstitucionalidade, porque está tirando receita da Previdência sem indicar fonte (de compensação). O Supremo deu uma liminar e agora a gente está construindo um acordo em que, tudo bem, vamos fazer um faseamento para acabar com as desonerações, mas com compensação. Isso faz toda a diferença do ponto de vista do impacto fiscal. O efeito líquido, do ponto de vista orçamentário, não existe. Eu acho que os indicadores fiscais, quando você pega as expectativas do mercado, eles têm surpreendido positivamente de maneira recorrente.

Como as desonerações serão compensadas pela Fazenda?

O ministro vai anunciar. Mas, se você está abrindo mão de receita, vai precisar ter outra fonte de receita.

O sr. mencionou que está confiante em relação ao segundo relatório bimestral, que será anunciado nesta semana. Poderia detalhar melhor?

Nós temos dados bons de atividade econômica e receita. Essas duas coisas têm vindo muito positivas. Então, a tendência é que isso se reflita em um resultado bimestral também positivo. Mas a gente só vai saber isso exatamente quando for divulgado o número oficial.

Do ponto de vista macro, o que permite ao governo sustentar projeções de um futuro positivo no campo fiscal?

Só voltando um pouco. Havia uma narrativa de que o que ocorreu em 2023 foi uma profunda deterioração fiscal vindo de um cenário positivo em 2022. Tenho de mostrar que, do ponto de vista estrutural, esse superávit não existiu, porque tinha muita receita não recorrente e cíclica. O que o governo Lula de fato herdou do governo Bolsonaro foi a projeção de 2023, que dizia que nós teríamos um déficit de R$ 63 bilhões, porque a receita cairia 1,4% do PIB, mesmo com crescimento econômico. Além disso, a projeção de despesas não incluía uma série de gastos que já haviam se tornado compromissos de campanha dos dois candidatos, como o Bolsa Família. Só isso dá uma subestimação de R$ 60 bilhões. Havia, ainda, uma subestimação do pagamento de benefícios previdenciários assistenciais. Se somar, chega-se a um valor de déficit real de R$ 138 bilhões. A gente entregou menos. A gente entregou menos do que o (ex-ministro da Economia) Paulo Guedes previu.

Mas o governo contou com a ajuda das expectativas em 2023, porque o mercado acreditou na promessa de ajuste fiscal que viria com o novo arcabouço e que agora está em xeque.

O arcabouço foi aprovado em agosto e o resultado fiscal de 2023 foi positivo porque a gente conseguiu recompor uma parte das receitas perdidas. Perdidas, inclusive, às vésperas de o presidente Lula assumir. Dias antes de o presidente Lula assumir foram assinadas várias medidas de desoneração, que a gente reverteu, como a de combustíveis. Essas medidas reduziram a inflação em 2022, mas pressionaram a inflação em 2023. E, mesmo assim, entregamos uma inflação de 4,6%, sendo que o mercado previa 6%.

Mas, novamente, as expectativas ajudaram, porque a inflação moderou após a promessa de ajuste fiscal do ministro Haddad. E agora os investidores se dizem traídos porque o ajuste não está sendo entregue na velocidade prometida.

Nós estamos entregando. Entregamos o déficit de 1% no ano passado, que foi exatamente o que dissemos que íamos fazer, e estamos prontos para entregar um déficit zero, perto do equilíbrio orçamentário neste ano. Agora, é evidente que, quando você constrói o cenário do resultado primário, principalmente os cenários mais longos, você estabelece a meta mas o resultado não é fruto só das nossas ações. Ele é fruto de um conjunto de ações de Executivo, Legislativo e Judiciário. Nós mandamos um conjunto de medidas ao Legislativo, ele foi muito correto, parceiro e aprovou praticamente todas as medidas, mas aprovou, o que é natural numa democracia, de uma forma modulada, diferente do que a gente previa. Isso impacta a nossa projeção para frente. Algumas medidas atrasaram, outras foram enviadas e acabaram não sendo apreciadas, como juros sobre capital próprio (a mudança na tributação desse benefício foi aprovada aquém do que desejava a Fazenda). O resultado não depende só do que o governo federal faz.

E o sr. considera que há espaço para aprovar mais medidas de arrecadação via Congresso?

Eu acho que existe uma estratégia, que boa parte dos Poderes do País entendeu. E isso ajuda. É claro que é difícil negociar, há questões que envolvem lobbies poderosos. Falamos de (tributar) offshores e fundos fechados, que envolvem poucas pessoas, mas pessoas com muito capital. Mesmo Carf (a volta do voto de desempate a favor do Fisco), é para casos grandes. Todos esses ajustes mostram o compromisso do ministro com uma agenda de recompor a base fiscal sem prejudicar os mais pobres. Como? Corrigindo distorções tributárias, sendo muito criterioso nos programas que nós fazemos, de incentivos, para que sejam bem desenhados, atinjam quem precisa atingir e sejam efetivos. E perseguir o equilíbrio fiscal.

Mesmo assim, o governo atrasou a agenda de equilíbrio fiscal, com a revisão da meta de 2025 em diante.

A mudança da projeção para os próximos anos reflete um pouco o sucesso dessa agenda, que não é um sucesso absoluto. Não é que a gente aprovou 100% do que a gente queria da forma 100% do que a gente precisava.

A que o sr. atribui o fato de os analistas estarem prevendo hoje um déficit fiscal maior em 2025 do que o de 2024? Ou seja, uma piora no resultado.

Vamos voltar ao tema que eu considero fundamental. Obviamente tenho todo o respeito aos analistas que projetam seja PIB, inflação ou resultado fiscal. Todo mundo está tentando acertar, porque eles têm clientes. Mas o que estou tentando mostrar é que, no último ano e meio, sequencialmente, as surpresas são positivas, não negativas. E, repito, ninguém esperava um primeiro (relatório) bimestral com déficit zero e eu acredito que o segundo também pode vir positivo. Agora, é evidente que, de alguma forma, a mudança nas nossas metas influencia a projeção dos analistas para o futuro. Mas, quando você olha para a trajetória da dívida, que é o indicador fiscal realmente relevante, tem caído sistematicamente. As agências de classificação de risco estão revisando porque eles também estão observando isso.

Esse efeito de revisão não é mais resultado do crescimento do PIB do que propriamente de um esforço fiscal do governo?

Mas o crescimento é uma parte super importante da trajetória fiscal, não tenha dúvida. O que mais impacta a trajetória da dívida pública em relação ao PIB é, em primeiro lugar, o juro, porque no caso brasileiro a taxa de juros é muito elevada. E, em segundo, o crescimento do PIB. O resultado primário (economia feita pelo governo antes do pagamento de juros) impacta? Claro, mas é menor. Então claro que o crescimento influencia. Mas, veja, isso também é outra coisa que mudou e que é sinal de sucesso. Mudou completamente a leitura do mercado sobre o patamar de crescimento. No ano passado, o mercado achava que o Brasil ia crescer 0,7%, 0,8% e cresceu 2,9%. Nesse ano, eles começaram com 1,5% e as pesquisas já estão em 2,5%.

O governo está prevendo 2,8% em 2025, o que os analistas consideram excessivamente otimista dados os percalços na economia, como juros mais altos em razão do fiscal mais frouxo e um cenário externo mais adverso.

Eles também achavam o nosso 2,1%, em 2023, e o nosso 2,2%, para 2024, muito otimistas.

O sr. acredita que haverá surpresa positiva nesse aspecto, mesmo com as inundações no Rio Grande do Sul?

Eu acredito. Nós revimos a nossa projeção de crescimento neste ano, colocamos em 2,5%, mas não incluímos os impactos do Rio Grande do Sul, porque nós não temos informação suficiente para saber qual será o impacto negativo do ponto de vista de redução da atividade e perdas. E também não temos um cenário completo de como as medidas de apoio e reconstrução do Estado vão impactar positivamente. Vão ter obras de infraestrutura, moradia.

Em qual espaço de tempo esses efeitos ocorrerão?

Muito provavelmente, o impacto negativo vai acontecer mais concentrado neste trimestre e o impacto positivo no segundo semestre. Ao longo do ano, temos de fazer a conta, mas precisamos de mais informações. No entanto, há outros fatores que precisam ser levados em consideração.

Quais?

Temos uma dinâmica do mercado de trabalho que tem surpreendido positivamente, e o mercado de crédito tem melhorado bastante, principalmente em relação ao ano passado. Tem uma série de medidas que lançamos agora, por meio do Acredita (pacote focado em pequenos empresários e no estímulo ao crédito imobiliário), que ainda vão começar a gerar impacto. Não sabemos a velocidade, mas temos uma perspectiva de redução de juros no Brasil. Pode ser que seja mais rápido ou mais devagar, depende do cenário internacional. Neste ano, o agro vai contribuir negativamente para o PIB, por causa dos fenômenos climáticos, mas a projeção para o ano que vem é de que o setor volte a contribuir positivamente. Hoje, o mercado acredita que o ritmo de atividade deva permanecer próximo de 2%. Um ano atrás, se fosse 1% já era muito. Nada impede que, à medida que os dados forem vindo e o cenário positivo se confirme, o mercado também reveja.

Reveja para quanto? Muda de patamar?

Já mudou, né? Não era 2% (de avanço do PIB). Agora é. E pode mudar de novo. Depende dos resultados. Só de a gente ter uma perspectiva de crescimento em torno de 2,5% e 3% nos próximos anos, é uma mudança qualitativa muito grande em relação ao que a gente viu na última década. Mesmo no fiscal. Nos últimos dez anos, de 2022 para trás, nós acumulamos praticamente R$ 2 trilhões de déficit. Então, só de ter perspectiva de equilíbrio orçamentário e retomar superávits sem, para isso, precisar esmagar programas sociais, é uma mudança qualitativa enorme.

Além da discrepância nas projeções de PIB, os economistas alertam para uma série de ‘ausências’ de gastos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. Por exemplo, o crédito suplementar de R$ 15 bilhões, que será aberto em 2024, não está previsto. A prorrogação do Perse, que é o socorro ao setor de Turismo, não está prevista. A mesma coisa para a desoneração dos municípios…

Tudo isso estará no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual). E tudo que a gente está aprovando aqui, principalmente no caso da desoneração das folhas (das empresas e municípios), a gente vai buscar compensação. A LDO é um documento prévio. No PLOA, vamos especificar todas as ações que teremos de tomar para alcançar o déficit zero em 2025.

Também há preocupações em relação à trajetória dos gastos obrigatórios, principalmente dos benefícios previdenciários e dos pisos da educação e saúde. Há o alerta de que essas despesas irão inviabilizar o arcabouço. O que estão avaliando fazer para resolver isso?

Tem uma agenda importante de revisão de gastos que já começou. No ano passado, com a revisão do cadastro do Bolsa Família, se economizou mais de R$ 10 bilhões. Esse ano, já foram anunciadas medidas, do ponto de vista de melhoria de sistema e processos da Previdência, que também vão gerar uma economia superior a R$ 10 bilhões. No Proagro (espécie de seguro rural voltado a pequenos produtores), também tem medidas.

Mas elas são vistas como insuficientes diante do tamanho do problema...

Existem várias outras medidas que eu acho que podem ser tomadas para melhorar o desenho dos programas, combater distorções e fraude e que podem gerar uma economia e uma maior eficiência dos programas sociais. Todas as agendas de revisão de gastos, claro, têm algum tipo de discussão sobre o seu impacto distributivo, e a gente precisa analisar isso. Mas, repito: essa agenda já começou a gerar resultado e certamente nós vamos prosseguir trabalhando nela. O (Ministério do) Planejamento lidera esse assunto. Agora, os temas que que vão ser discutidos não necessariamente estão decididos a priori. Eu tendo a achar que nós ainda temos muito espaço para percorrer, em termos de melhoria de eficiência dos nossos programas.

O Tesouro Nacional tem estudos para alterar o índice que reajusta o crescimento dos pisos da educação e saúde, saindo de porcentuais vinculados à arrecadação e partindo, por exemplo, para um teto de 2,5%, que é a mesma trava prevista no arcabouço. Esse seria um caminho?

O Tesouro apresenta cenários. Opções existem inúmeras. Agora, não tem nenhuma decisão a respeito disso. O que se tem é uma agenda efetiva que está sendo implementada e que está gerando resultado e estou plenamente convencido de que irá gerar ainda mais.

Entrevista por Mariana Carneiro

Repórter especial de Economia em Brasília. Foi editora da Coluna do Estadão. Graduada em comunicação social pela PUC-Rio, com MBA em mercado financeiro pela B3 e especialização em análise de conjuntura econômica pela UFRJ. Foi correspondente na Argentina (2015) pela Folha de S.Paulo e também trabalhou em O Globo, TV Globo, JB e Jornal do Commercio.

Bianca Lima

Repórter especial do Estadão em Brasília, com experiência em macroeconomia, contas públicas e tributação. Foi repórter da GloboNews e do g1 e bolsista do International Center for Journalists (ICFJ), com sede em Washington. Tem MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Vencedora dos prêmios CNH, Abecip, FNP e Estadão.

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