Admirador que sou da iconografia do meio circulante no Brasil tenho a declarar que o lobo-guará não me parece uma escolha boa. Questão de gosto, talvez. Entendo que não basta ser um membro destacado da fauna brasileira, e espécie ameaçada, é preciso dispor de outros atributos: esse lobo está muito esquálido e tem cara de hiena má de desenho animado. Podemos fazer melhor que isso.
Entretanto, segundo o BCB, o lobo guará foi o terceiro colocado em um “concurso público” em 2001, vencido pela tartaruga da cédula de 2. Eu lembro da época em que o terceiro lugar no concurso de Miss Brasil levava à disputa da coroa de Miss Beleza Internacional, um evento sem muita mágica.
Talvez tenha sido o conselho de algum procurador cauteloso, atento ao direto administrativo: em vez de fazer outro concurso 20 anos depois, o BCB resolveu chamar um “concursado”.
Outro assunto, bem mais importante, e que não passou desapercebido, é o se devem existir cédulas de grandes denominações como a de 200, e mesmo a de 100. É verdade que, ao câmbio de R$ 5,5, essas cédulas valem pouco em dólares, 36,36 e 18,18 respectivamente.
Porém, não se pode esquecer que temos uma renda per capita entre 4 e 5 vezes menor que a dos EUA, portanto, a distância econômica entre uma nota de 100 e a renda média, na moeda local, é da mesma ordem de grandeza nos EUA e no Brasil.
Bem, muita gente nos EUA acha que a cédula de 100 dólares não devia existir, e as razões têm a ver com uma conta de 2015, já famosa (feita por Kenneth Rogoff e que se transformou em um livro muito vendido (1)), que mostra que há em circulação uma quantidade gigante de papel moeda correspondente a algo como US$ 4.200 por pessoa (incluindo crianças) e 78% desse valor seria mantido em cédulas de 100.
Onde estão todas essas cédulas de 100 que as pessoas comuns não veem?
A conclusão foi que essas cédulas estão concentradas no mundo da informalidade, ou do crime e/ou fora dos EUA, daí o desejo de sumir com as notas de grandes denominações.
O panorama era parecido na Europa, onde existem cédulas de 500, 200 e 100 euros, sendo que uma pesquisa do BCE com usuários mostrava que 56% da amostra nunca tinha visto a cédula de 500, apelidada, significativamente, de “bin-laden”, e que deixou de ser fabricada em 2019 (mas não foi recolhida ou desmonetizada).
Juntas, as cédulas de 500, 200 e 100 ainda representam pouco menos da metade do valor do dinheiro em circulação na Europa, situação que poderá perdurar vários anos a julgar pelo que se passou com a cédula de 1.000 dólares canadenses, de fabricação interrompida em 2000, mas até hoje encontrada no eBay, mas sobretudo em apreensões de dinheiro de criminosos.
E no Brasil?
Para começar, o raciocínio de Rogoff é válido para nós.
Tomando julho de 2019 como base, o papel moeda em circulação valia R$ 231 bilhões e a população era de 210,1 milhões. Portanto, tínhamos algo como R$ 1.098,7 per capita (incluindo crianças) em cédulas, sendo que cerca de metade seria em notas de 100 (cerca 90% em cédulas de 50 e 100), ou seja, muito parecido com os EUA, muitas cédulas grandes que as pessoas comuns não utilizam. Você diria, leitor, que todo brasileiro carrega consigo, ou guarda em casa, ao menos cinco notas de 100?
Pois é, nós também deveríamos estar pensando em parar de fabricar a nota de 100.
A nota de 200, como explicou o BCB à ministra Carmem Lúcia, não é a solução ideal, mas, diz a Autoridade, parece ser a única disponível no curto prazo para resolver temporariamente uma emergência: um aumento brutal na demanda por papel moeda, em boa medida produzida pelo desejo de muitos de converter em “cash” o crédito do auxílio emergencial.
Alguém poderá argumentar que a nota de 200, para um consumidor de baixa renda, pode ser tão problemática quanto essa mesma quantia dentro de um aplicativo que não conversa com o pipoqueiro. Pois é. A Casa da Moeda ainda não foi privatizada, nem o PIX está em operação. Mas pode sempre ficar pior: o assunto pode ser judicializado. EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS (1) Cf. Kenneth S. Rogoff The curse of cash Princeton, Princeton University Press, p. 3.