BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira, 16, que a proposta enviada pelo governo ao Congresso em torno do orçamento das estatais não busca tirar essas empresas do arcabouço fiscal. Segundo ele, o projeto explora a possibilidade de se reduzir o aporte federal que é feito nessas companhias. Ainda assim, ele admitiu que, se necessário, pode fazer ajustes na redação para deixar a proposta mais clara.
“Então, nós estamos explorando a possibilidade de reduzir o aporte federal para essas estatais que têm condição de se emancipar, por assim dizer, do orçamento federal. Então, o objetivo da medida é exatamente o contrário. É fazer com que a estatal não dependa mais de recursos orçamentários”, disse Haddad, que falou com a imprensa sobre o projeto porque, segundo ele, o assunto estaria trazendo “muito ruído”.
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Como mostrou o Estadão, o governo quer retirar estatais do Orçamento convencional da União. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou dois projetos para o Congresso que afrouxam as regras para que empresas públicas saiam da contabilidade tradicional e passem a gastar como instituições independentes, mesmo que ainda dependam de dinheiro do Tesouro Nacional. Se as propostas avançarem, o controle dos gastos dessas estatais vai ficar mais difícil, de acordo com especialistas. Ao mesmo tempo, sua retirada do Orçamento abre espaço para novos gastos, o que poderia configurar mais um drible no arcabouço fiscal.
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que cuida das estatais federais, afirmou que o governo propôs a mudança para que as empresas recuperem sua sustentabilidade e não precisem mais de recursos da União no médio prazo. O Ministério do Planejamento e Orçamento, que assina a proposta, disse que a mudança melhora a situação fiscal das contas públicas, pois hoje os recursos próprios dessas estatais também acabam entrando no Orçamento e concorrem com outros gastos da administração.
Atualmente, 17 empresas estatais são consideradas dependentes, ou seja, precisam de recursos do Tesouro para manter suas atividades. As estatais dependentes têm um orçamento aproximado de R$ 39 bilhões neste ano, dos quais R$ 1,7 bilhão (menos de 5%) bilhão vem de arrecadação própria das empresas. O restante é bancado por recursos diretos do Tesouro Nacional. Tudo entra no Orçamento convencional da União. As despesas precisam respeitar o teto de gastos do arcabouço fiscal e estão sujeitas ao congelamento de despesas necessário para cumprir as regras fiscais, com exceção dos hospitais universitários federais, que receberam uma exceção do arcabouço. Com a mudança, apenas o dinheiro do Tesouro respeitaria os limites.
De acordo com a especialista em Finanças Públicas e presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), Lucieni Pereira, o problema da proposta é “passar a ideia de que você pode burlar o teto de gastos, o limite de despesas com pessoal, o limite de dívida pública e todos os controles públicos só fazendo um contrato de gestão e dizendo que não é mais dependente”. “O conceito de empresa dependente não permite essa ideia. É uma irresponsabilidade”, afirmou ao Estadão.
A economista Selene Peres Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal, também diz que o governo não pode usar o contrato de gestão previsto na lei para tirar as empresas do Orçamento. “O governo não quer atacar os problemas reais de gestão das estatais e fica querendo resolver as coisas com contabilidade criativa. O governo não pode colocar ou tirar da conta ao seu bel-prazer.”
A Consultoria de Orçamento do Senado concluiu que o texto apresentado pelo governo permite que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o congelamento de gastos e a obrigação de registrar as despesas no Siafi. A área técnica da Casa também concluiu que a proposta é omissa sobre se as despesas das estatais custeadas com receitas próprias vão ser submetidas ou não às restrições do Orçamento.
Ajuste na redação
Questionado sobre os riscos apontados pela Consultoria do Senado, Haddad afirmou que se for preciso ajustar a redação para deixar “mais clara” a intenção do governo, não haveria problema.
“Você não pode transformar essa intenção do governo de fazer com que a estatal não dependa mais de recursos orçamentários no seu contrário. Como se ela fosse exigir mais recursos orçamentários ou como se esses recursos orçamentários fossem estar acima do teto previsto no arcabouço fiscal. O que nem seria possível de acordo com a lei complementar. Uma lei ordinária nem poderia alterar essa regra. Então, é muito importante corrigir essas duas informações. Até porque as pessoas às vezes se movem por boatos e perdem recursos apostando em coisas que não vão acontecer”, acrescentou Haddad, que insistiu que a matéria não tem relação com o arcabouço fiscal.
Segundo ele, a ideia do governo é oferecer para empresas estatais dependentes a possibilidade de apresentar um plano de trabalho para que elas deixem essa condição. Questionado, Haddad não citou quais empresas poderiam se tornar independentes do orçamento. “Absolutamente não se mexe em nada da regra fiscal”, enfatizou.