BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta terça-feira, 17, que a portaria publicada sobre o funcionamento das empresas de apostas de quota fixa no Brasil é só um primeiro passo de ampla regulamentação das bets, diante da preocupação crescente sobre a dependência que as pessoas podem criar em relação a essa atividade.
Além do aspecto relacionado a saúde, Haddad citou questões sobre endividamento e uso de cartão de crédito, pontos que já entraram no radar dos bancos.
“Estamos começando hoje com essa primeira medida, mas eu já determinei que tudo isso seja regulamentado adequadamente. A questão do endividamento com a finalidade do jogo, a questão do uso do cartão de crédito, a questão da publicidade, do patrocínio, também tem chegado até nós a questão do fiado para jogar. Tudo isso vai passar agora, nessas próximas semanas, por um pente-fino bastante rigoroso, porque o objetivo da lei é fazer o que não foi feito nos quatro anos do governo anterior”, afirmou Haddad a jornalistas, segundo quem também será pedido o apoio da sociedade civil para enfrentar o problema.
Na portaria publicada nesta terça, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda dá prazo até 1º de outubro para o fim do funcionamento no País das empresas de apostas de quota fixa que ainda não iniciaram sua regularização junto ao governo. Há um prazo adicional até 10 de outubro para o levantamento dos depósitos dos apostadores e, a partir de 11 de outubro, o órgão solicitará o bloqueio dos sites e a exclusão dos aplicativos das casas irregulares.
“O nosso objetivo aqui é tratar desse assunto com a cautela devida. A distância entre entretenimento e a dependência nesses casos é muito tênue. O mundo está aprendendo a lidar com isso, o Brasil até saiu na frente do ponto de vista da regulamentação e nós vamos antecipar as ações governamentais com o amparo da lei que foi aprovada pelo Congresso”, comentou.
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Haddad classificou o que está acontecendo em relação as bets como “uma pandemia” que precisa do enfrentamento do Estado. Ele descartou que a medida publicada nesta terça tenha relação com a arrecadação do governo.
“Isso tem a ver com a pandemia que está instalada no País e que nós temos que começar a enfrentar, que é essa questão da dependência psicológica dos jogos”, disse, citando o envolvimento que o Ministério da Saúde também terá sobre o assunto. “O objetivo da regulamentação é esse: criar as condições para que possamos dar amparo. Está começando hoje uma ação governamental para passar isso tudo a limpo”, afirmou.
Como mostrou o Estadão no começo de setembro, uma proposta do Ministério da Fazenda para a criação de uma força-tarefa contra o vício nos jogos está há um ano na gaveta, mesmo com a explosão do mercado de apostas online no Brasil. No segundo semestre de 2023, a pasta sugeriu a criação de um grupo de trabalho interministerial para atuar na prevenção e no tratamento do vício em apostas esportivas — com alertas contundentes sobre a dependência patológica, a chamada ludopatia.
À época, o Congresso ainda discutia a regulamentação do setor no País, que seria aprovada meses depois. Um ano se passou e o grupo segue no papel, apesar dos reiterados alertas de profissionais da área da saúde, que vêm o vício alcançar brasileiros cada vez mais jovens. Procurada, a Fazenda afirmou que o grupo “está em processo de construção e deve ser publicado por meio de portaria interministerial”.
Na semana passada, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, voltou a defender a antecipação da proibição do uso de cartões de crédito para o pagamento de apostas esportivas eletrônicas, feitas nas chamadas bets. De acordo com ele, os bancos estão preocupados com o comprometimento da renda das famílias que esse uso pode trazer.
O Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL), ONG que trabalha pela legalização e criação de um marco regulatório para essas atividades, diz que é “fácil culpar as bets”. “Pesquisa da OMS (Organização Mundial da Saúde) comprova que 97% dos jogadores têm uma relação saudável com as apostas. No Reino Unido, onde as bets são mais comuns, só 1% dos apostadores têm problemas graves e precisam ficar abstêmio por meio de mandatos de autoexclusão, como previsto nas normativas do Ministério da Fazenda”, afirma Magno José, presidente do IJL.