BRASÍLIA - Desde o dia 4 de novembro, parte da energia consumida pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do Grupo Votorantim, no interior de São Paulo, passou a ser gerada por uma hidrelétrica sem dono. As turbinas da usina Salto do Iporanga, localizada no município de Juquiá, têm suportado o processo de produção de alumínio da empresa, mesmo sem ter um proprietário oficial que responda por essa geração.
O caso inusual, que a CBA classificou como “uma situação de incerteza e insegurança jurídica”, é resultado da inércia da diretoria geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em tomar uma decisão sobre o caso.
A hidrelétrica Salto do Iporanga foi concedida à empresa do Grupo Votorantim nos idos de 1971, como parte do processo de expansão dos negócios da família Ermírio de Moraes. Como a produção de alumínio demanda grande consumo de energia, o conglomerado decidiu investir em suas próprias hidrelétricas para abastecer as unidades.
Com a construção da usina Salto do Iporanga, a CBA passou a ter o direito de explorar sua geração pelo prazo de 30 anos. Em 2001, quando esse prazo acabou, a empresa pediu a renovação da concessão e conseguiu seguir à frente da usina por mais 20 anos. Ocorre que a validade dessa prorrogação teve fim no último dia 4, como já estava previsto. A agência reguladora, porém, não tomou uma decisão final sobre o que fazer com a hidrelétrica, que tem capacidade de geração de 37 megawatts.
Por lei, a hidrelétrica tem que ser convertida em patrimônio da União, porque é uma concessão para uso do bem público, nesse caso, as águas do Rio Assunguí, um afluente do Rio Juquiá. Portanto, a Aneel deveria ter declarado o fim da concessão e realizado um novo leilão para que empresas interessadas na usina pudessem assumir sua exploração. A CBA, de seu lado, defendeu que tinha direito a uma nova prorrogação da concessão e apresentou o pedido à agência. Nada disso, porém, ocorreu.
Sabendo que deixaria de ser proprietária da usina após o dia 4 de novembro de 2021, a empresa do Grupo Votorantim já tinha se antecipado e requerido o direito de seguir à frente da usina. Dois pedidos foram apresentados à agência reguladora, em 2016 e 2017, para pleitear uma nova renovação da concessão, sob o argumento de que mudanças legais ocorridas no setor elétrico lhe dariam esse direito.
Não faltaram análises técnicas sobre o assunto. Em fevereiro deste ano, após analisar o requerimento da empresa, a Superintendência de Concessão e Geração da Aneel negou o pedido e reafirmou que a usina deveria ser relicitada. A empresa reagiu. Em maio, foi a vez de a diretoria da CBA se reunir com a Procuradoria Federal da agência para discutir o assunto. No encontro, a empresa alegou, entre outras razões, que a usina tinha função específica de abastecer apenas a sua produção de alumínio e que não estava conectada ao sistema nacional de transmissão de energia, ou seja, era de seu uso exclusivo. Depois de analisar cada argumento da companhia, a procuradora federal junto à Aneel, Bárbara Bianca Sena, impôs uma nova derrota à empresa. “Opino pela improcedência do pedido de prorrogação da outorga da UHE (usina hidrelétrica) Salto do Iporanga”, declarou.
O posicionamento final do caso, porém, cabe à diretoria colegiada da Aneel, que avalia os pareceres técnicos e, a partir dessas informações, toma uma decisão. É o que não ocorreu até hoje.
No último dia de sua concessão, a CBA enviou uma carta à agência. No documento, a empresa alerta que o contrato “terá sua vigência encerrada”, embora “ainda não há definição acerca da prorrogação da respectiva concessão”, contrariando o que está previsto em lei, que prevê que a decisão deve ser tomada 18 meses antes do término do contrato.
“Apesar disso, não é possível - e nem técnica e juridicamente desejável - que a CBA simplesmente interrompa sua exploração da UHE Salto do Iporanga”, declarou a companhia, na carta. “E isso porque, de um lado (i) a CBA não poderia apenas desativar a UHE e ‘entregar as chaves’ do empreendimento ao Poder Concedente (até porquê essa concessionária acredita em seu direito à prorrogação); e, de outro lado, (ii) a interrupção da geração da UHE num momento de escassez hídrica afetaria toda a segurança energética do sistema”.
A empresa afirma que “se encontra hoje uma situação de incerteza e insegurança jurídica a respeito de como proceder” após expirado o prazo da atual concessão “e até o julgamento definitivo do processo administrativo”. Por isso, cobra “uma manifestação formal a respeito de como prosseguir”.
Nova consulta
Questionada sobre o assunto, a Aneel declarou que o tema chegou a entrar na pauta da diretoria da agência no dia 26 de outubro, nove dias, portanto, antes do prazo final da concessão. O pedido da empresa, porém, não foi deliberado, devido a novas alegações.
“A agência se reuniu com a empresa e terá que fazer mais uma consulta jurídica para esclarecer uma alegação adicional da geradora”, declarou a Aneel. “Em relação à operação da concessão, a geradora se mostrou ciente dos seus deveres”, informou a agência, sem dar novo prazo para que o caso seja concluído.
Apesar de o Grupo Votorantim alegar que o fato de a usina ser voltada para sua autoprodução inviabilizaria a sua concessão para outro interessado, a agência nega esse argumento. “O fato de a usina não estar conectada ao Sistema Interligado Nacional não significa que as instalações não devam ser revertidas para a União”, declarou.
Por meio de nota, a Votorantim Energia, que é a gestora dos ativos de geração da CBA, afirmou que seu pedido de prorrogação “foi protocolado na Aneel em 2016 e não há, até o momento, decisão final” da agência. “Enquanto aguarda a manifestação da União, a empresa continuará mantendo e operando a usina”, declarou a companhia, referindo-se a um dispositivo legal de 2013 que, em casos excepcionais, permite a continuidade da geração pela companhia, embora esta não seja mais, oficialmente, a dona da usina.