As primeiras plantas de hidrogênio verde do Brasil foram inauguradas em agosto de 2023. Ainda são usinas pilotos construídas em laboratórios de faculdades, uma na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e outra na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em setembro, foi a vez da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Minas Gerais, inaugurar sua pequena usina. Em comum, além de desenvolverem o combustível que é uma das principais apostas do mundo para reduzir as emissões de carbono, os projetos têm o fato de receberem milhões de euros da Alemanha para virarem realidade.
Precisando limpar sua matriz energética e diversificar as fontes de fornecimento após reduzir a compra de gás da Rússia – tudo isso sem prejudicar suas indústrias siderúrgica e automotiva –, a Alemanha está patrocinando projetos, pesquisas e eventos ligados ao desenvolvimento do hidrogênio verde no exterior, o que tem beneficiado o Brasil.
O governo da Alemanha já anunciou que o hidrogênio verde é uma das fontes de energia renovável estratégicas para o país abandonar os combustíveis fósseis. De acordo com a Lei das Fontes de Energias Renováveis do país europeu, as fontes limpas deverão ser responsáveis por 80% da energia até 2030. Para cumprir a meta estabelecida, a Alemanha terá de importar dois terços do hidrogênio verde que deverá demandar.
“Para atingir o objetivo, o país vai ter de importar energia, e o Brasil pode ter um papel estratégico para cobrir parte da oferta. Agora, a Alemanha está criando mecanismos para viabilizar o mercado de hidrogênio. Hoje, se fala muito de hidrogênio, mas não existe oferta global”, diz o diretor de inovação e tecnologia da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo, Bruno Vath Zarpellon.
A estratégia para alcançar as metas de descarbonização e promover o abastecimento de hidrogênio na Alemanha foram estabelecidas em meados de 2020. O governo do país planejou, então, investir € 9 bilhões para alavancar o tema nacional e internacionalmente.
No Brasil, além das plantas da UFSC, da UFRJ e da Unifei, projetos na Universidade Federal de Goiás (UFG) e no parque Tecnológico Itaipu também receberam financiamento do governo alemão, grande parte através da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (Giz), uma agência de cooperação técnica.
Segundo Johannes Kissel, diretor da Giz no Brasil, a agência costuma destinar ao País de € 1 milhão (R$ 5,3 milhões) a € 2 milhões por ano para financiamento de estudos e programas de cooperação técnica. Mas, entre o fim de 2021 e 2024, projetos relacionados a hidrogênio verde receberam € 34 milhões (cerca de R$ 180 milhões). Outros países com potencial para serem fornecedores do combustível, como a Colômbia e a África do Sul, também foram destino de recursos.
As siglas Giz e AHK (Câmara de Comércio Estrangeira) têm aparecido com frequência em cartazes de eventos no Brasil sobre energia limpa e, principalmente, hidrogênio verde. Em agosto do ano passado, por exemplo, um debate sobre financiamento de projetos de hidrogênio no País, promovido pelo Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da FGV, era organizado pelo Projeto H2Brasil, que, por sua vez, era financiado pelo Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha e implementado pela Giz.
As Câmaras de Comércio Brasil-Alemanha em São Paulo e no Rio de Janeiro também têm organizado diversos debates sobre o tema desde 2020, parte deles com apoio do hoje chamado Ministério para Assuntos Econômicos e Proteção Climática do país europeu, além de empresas alemãs como Thyssenkrupp e Siemens Energy. A câmara em São Paulo, em parceria com a Giz, ainda desenvolveu um programa para acelerar 24 startups no Brasil que tivessem soluções para o hidrogênio verde.
Vice-presidente executiva da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo, Barbara Konner afirma que a Alemanha está mapeando países que podem ajudá-la a cumprir suas metas climáticas e frisa que o Brasil é uma “potência única” em energia renovável. Segundo ela, na América Latina, Argentina e Chile também chamam atenção como possíveis fornecedores, mas o fato de o Brasil ser o único “parceiro estratégico” da Alemanha na região o favorece.
A Alemanha classifica como “parceiros estratégicos” países com os quais tenha firmado acordos de cooperação em diferentes campos, como sustentabilidade, energia, economia, comércio, trabalho, assuntos sociais e direitos humanos. O Brasil está nessa categoria desde 2008.
Konner lembra que as indústrias química e siderúrgica são muito fortes na Alemanha e ambas precisam de um grande volume de energia para operar. Como o país – assim como o restante do mundo – precisa transformar sua matriz energética, ele passou a buscar em todo o mundo fontes para tornar essa transição possível, diz.
Ela destaca como “inédito” o fato de, em apenas seis meses do ano passado, sete ministros alemães e o chanceler, Olaf Scholz, terem visitado o Brasil. O presidente Lula também esteve na Alemanha no fim de 2023, e a questão energética estava entre as principais pautas do encontro.
Por e-mail, a Embaixada da Alemanha no Brasil afirmou que o hidrogênio verde terá um “papel crucial” para que a Alemanha atinja suas metas de emissões. “Essa energia deverá contribuir para a transformação da economia alemã numa economia com impacto neutro em relação ao clima. (..). Para isso, um elevado nível de segurança no abastecimento de hidrogênio verde, por meio da produção competitiva, da diversificação e da garantia de importações deverá ser alcançado.”