The Economist: imigração para países ricos vive um boom. Quais são as consequências para a economia?


Chegada recorde de novos habitantes tem o efeito de elevar o PIB, mas também tem impactos nos serviços públicos, na habitação e na inflação

Por The Economist
Atualização:

O mundo rico está no meio de um boom migratório sem precedentes. No ano passado, o número de pessoas que se mudaram para os Estados Unidos foi 3,3 milhões maior do que o número de pessoas que deixaram o país, quase quatro vezes os níveis típicos da década de 2010.

O Canadá acolheu 1,9 milhão de imigrantes. O Reino Unido acolheu 1,2 milhão de pessoas e a Austrália, 740 mil. Em cada país, o número foi maior do que nunca. Para Austrália e Canadá, a migração líquida é mais do que o dobro dos níveis observados antes da covid. No Reino Unido, a entrada é 3,5 vezes maior que em 2019.

Grandes movimentos de pessoas têm grandes consequências econômicas. De acordo com o FMI, a força de trabalho estrangeira nos EUA é 9% superior à do início de 2019. No Reino Unido, no Canadá e na zona do euro, é cerca de 20% superior. O aumento da imigração nos EUA significa que a economia do país será, durante a próxima década, 2% maior do que o previsto. O afluxo de trabalhadores também ajuda a explicar o forte crescimento econômico do país. Mas o impacto da imigração vai muito além de um efeito aritmético no PIB – estende-se à inflação, aos padrões de vida e aos orçamentos governamentais. E os recém-chegados diferem dos anteriores de uma forma importante: a proporção de imigrantes pouco qualificados é maior.

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Muitos responsáveis pelas decisões políticas argumentaram recentemente que a imigração está ajudando a conter os aumentos de preços, ao aliviar a escassez de mão-de-obra. A lista de pessoas que mencionaram ou sugeriram esta relação inclui Gita Gopinath, do FMI, Jerome Powell, do Federal Reserve, e Michele Bullock, do Banco Central da Austrália.

Gita Gopinath, do FMI, já sugeriu que a imigração tem efeitos positivos para a inflação  Foto: Ken Cedeno/Reuters

No entanto, as evidências são fracas e podem, de fato, apontar na direção oposta. Nos países do G-10 há pouca correlação entre a imigração e um crescimento salarial mais lento. Além disso, não há dúvida de que os imigrantes precisam de coisas assim que chegam, aumentando a procura.

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Em nenhum lugar isso fica mais claro do que no caso das habitações para aluguel, que são escassas em toda a anglosfera. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs sugere que, na Austrália, cada aumento de 100 mil pessoas na migração líquida anual aumenta os aluguéis em cerca de 1%. Um documento do Banco do Canadá em dezembro observou que “o aumento inicial da imigração que o Canadá registrou é mais provavelmente inflacionário no curto prazo”.

E quanto ao impacto da imigração no crescimento econômico? Embora os recém-chegados estejam claramente aumentando o PIB, eles parecem estar reduzindo o PIB per capita – o critério pelo qual os economistas normalmente avaliam o padrão de vida. O PIB per capita caiu ou não cresceu durante quatro trimestres consecutivos na Austrália, e sete no Reino Unido. No Canadá, onde a queda da medida é mais pronunciada, a produção per capita caiu 2% em 2023. O quadro é semelhante na Alemanha, Islândia e Nova Zelândia.

Isto reflete uma mudança no tipo de imigração. Por exemplo, enquanto antes da pandemia de covid-19 os imigrantes nos EUA tinham tanta probabilidade de ter um diploma de bacharelado quanto seus pares nativos, os recém-chegados de hoje têm mais probabilidade de terem vindo de zonas pobres da América Latina e de não terem o direito de trabalhar legalmente. Cerca de 2,4 milhões de pessoas entraram nos EUA no ano passado, atravessando ilegalmente a fronteira sul do país.

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Outros países ricos têm menos entradas ilegais, mas eles também viram a imigração aumentar de forma mais acentuada entre as pessoas pouco qualificadas e mal remuneradas. A proporção de imigrantes que se mudaram para a Austrália no ano passado com um visto de trabalhador qualificado foi 20% inferior à de 2019; muitos outros mochileiros e estudantes que trabalhavam receberam licenças. No Canadá, 800 mil trabalhadores estrangeiros temporários e estudantes foram responsáveis pela maior parte do aumento populacional de 3,2% no ano passado – uma taxa de crescimento mais rápida do que a de quase todos os países da África Subsariana.

A Grã-Bretanha deixou a UE, em parte, com a promessa de um sistema de imigração menor e mais qualificado, mas mesmo assim, menos de um em cada cinco imigrantes que chegaram no ano passado era um trabalhador qualificado. A porcentagem de autorizações vinculadas a empregos que exigem formação inferior ao nível superior aumentou de 11% em 2021 para 62% no ano passado. Os vistos de estudante para o Reino Unido aumentaram 70% desde 2019, sendo os novos vistos emitidos principalmente para mestrados em universidades de baixo custo e menos seletivas. Tal como muitos outros países da Europa, o Reino Unido também acolheu muitos refugiados ucranianos.

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Apresentando queixas

Os setores que mais se manifestam em relação à falta de trabalhadores e que contratam muitos imigrantes, como a agricultura e a hotelaria, tendem a não exigir qualificação ou experiência e a oferecer salários e condições precárias. Entretanto, os setores com salários mais elevados que exigem qualificação ou experiência tendem a não se beneficiar muito do aumento na imigração.

Tomemos como exemplo a indústria de construção do Canadá, que exige profissionais qualificados. Apenas 5% dos residentes não permanentes empregados trabalham no setor, abaixo da sua parcela de 8% no emprego total.

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Daí a preocupação de que os imigrantes pouco qualificados estejam reduzindo os rendimentos. No entanto, as medidas do PIB por pessoa não contam a história toda. Quando um imigrante pouco qualificado chega e trabalha com um rendimento abaixo da média, o PIB por pessoa cai, mesmo que a sua presença aumente o rendimento de cada indivíduo, salienta Giovanni Peri, da Universidade da Califórnia em Davis.

A investigação realizada por Peri e coautores mostra que os trabalhadores locais ficam em melhor situação com a imigração porque assumem empregos mais produtivos e com salários mais elevados, ao mesmo tempo que deixam trabalho braçal e mal remunerado aos imigrantes. Com efeito, a imigração cria uma força de trabalho mais diversificada, permitindo uma maior especialização. As pessoas com maior probabilidade de verem os seus salários cair como resultado da imigração são aquelas mais semelhantes aos imigrantes, que normalmente são as gerações anteriores de trabalhadores estrangeiros.

Alguns também se preocupam com o fato de a mão-de-obra barata desencorajar as empresas a realizarem investimentos que aumentem a produtividade, embora isto esteja longe de ser verdade, por razões semelhantes. Pode ser verdade que a elevada imigração permita, por exemplo, que um lava-rápido de automóveis contrate mais trabalhadores em vez de comprar uma máquina nova.

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Na verdade, um estudo realizado por Ethan Lewis, do Dartmouth College, concluiu que a elevada imigração para os EUA nas décadas de 1980 e 1990 levou as fábricas a adotarem menos maquinário. E na Austrália e no Canadá a proporção entre capital e trabalhador está diminuindo. Mas se como resultado nem os recém-chegados nem os nativos ficam mais pobres, qual é o problema?

Há um contexto em que as médias são importantes: a prestação de serviços públicos. Se o PIB por pessoa cair, a qualidade deles poderá se deteriorar. Por esta razão, Milton Friedman observou certa vez que “não se pode ter simultaneamente imigração livre e um estado de bem-estar social”. O Estado está sob pressão em grande parte do mundo rico.

As estradas estão congestionadas e, nos países com sistemas de saúde públicos, as listas de espera nos hospitais são longas. “Não se trata de externalidades, são efeitos diretos da chegada de novos participantes no mercado, que afetam a oferta e a procura”, afirma Mikal Skuterud, da Universidade de Waterloo.

A questão crucial é se os recém-chegados à rede contribuem com os cofres públicos ou os esvaziam. Os indivíduos altamente qualificados fazem enormes contribuições fiscais líquidas. Mas, para os trabalhadores pouco qualificados, a questão é mais difícil de responder. A favor dos imigrantes está o fato de, por normalmente chegarem como adultos, não necessitarem de escolas públicas, que são caras. E eles podem até apoiar diretamente os serviços públicos. O maior aumento na emissão de vistos de trabalho britânicos no ano passado, de 157%, foi para profissionais de saúde e de cuidados, desesperadamente necessários.

Os problemas potenciais vêm mais tarde. Os imigrantes envelhecem e se aposentam. Os sistemas de segurança social são frequentemente progressistas, redistribuindo dos ricos para os pobres. Assim, um imigrante com baixos rendimentos que reivindique uma pensão do governo – para não mencionar aquele que utiliza cuidados de saúde oferecidos pelo governo – pode acabar por ser um dreno fiscal no geral. É mais provável que tenham um efeito positivo no erário público ao longo da vida se forem embora antes de envelhecerem.

A forma como isso se desenrola depende do país e dos imigrantes em questão. Uma análise realizada pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA em 2016 estimou que o impacto fiscal em 75 anos de um imigrante com escolaridade inferior ao ensino secundário, em todos os níveis de governo e excluindo bens públicos como a defesa nacional, foi negativo em US$ 115 mil em valores de 2012. Em contrapartida, um estudo realizado pela Oxford Economics em 2018 concluiu que, no Reino Unido, cerca de um terço dos imigrantes tinha deixado o país dez anos após a chegada, embora não fizesse distinção entre eles por nível de habilidade.

Se o impacto fiscal for positivo, ele não será sentido a menos que o governo invista de acordo. Um lucro inesperado não é benéfico se, de qualquer forma, se permitir que os serviços públicos se deteriorem, como no Reino Unido, onde o governo está cortando impostos antes das eleições. Da mesma forma, se os regulamentos impedirem a expansão da infraestrutura para acomodar os recém-chegados, a imigração corre o risco de provocar uma reação negativa.

Em nenhum outro lugar isto é mais óbvio do que no caso da habitação, onde a oferta é estritamente restringida por regulamentação excessiva em muitos dos mesmos locais que, atualmente, registam um aumento imigratório. Os imigrantes, tal como os nativos, precisam de locais para habitar, o que aumenta a necessidade de construir. Receber os recém-chegados significa muito mais do que apenas deixá-los entrar. / Tradução de Augusto Calil

O mundo rico está no meio de um boom migratório sem precedentes. No ano passado, o número de pessoas que se mudaram para os Estados Unidos foi 3,3 milhões maior do que o número de pessoas que deixaram o país, quase quatro vezes os níveis típicos da década de 2010.

O Canadá acolheu 1,9 milhão de imigrantes. O Reino Unido acolheu 1,2 milhão de pessoas e a Austrália, 740 mil. Em cada país, o número foi maior do que nunca. Para Austrália e Canadá, a migração líquida é mais do que o dobro dos níveis observados antes da covid. No Reino Unido, a entrada é 3,5 vezes maior que em 2019.

Grandes movimentos de pessoas têm grandes consequências econômicas. De acordo com o FMI, a força de trabalho estrangeira nos EUA é 9% superior à do início de 2019. No Reino Unido, no Canadá e na zona do euro, é cerca de 20% superior. O aumento da imigração nos EUA significa que a economia do país será, durante a próxima década, 2% maior do que o previsto. O afluxo de trabalhadores também ajuda a explicar o forte crescimento econômico do país. Mas o impacto da imigração vai muito além de um efeito aritmético no PIB – estende-se à inflação, aos padrões de vida e aos orçamentos governamentais. E os recém-chegados diferem dos anteriores de uma forma importante: a proporção de imigrantes pouco qualificados é maior.

Muitos responsáveis pelas decisões políticas argumentaram recentemente que a imigração está ajudando a conter os aumentos de preços, ao aliviar a escassez de mão-de-obra. A lista de pessoas que mencionaram ou sugeriram esta relação inclui Gita Gopinath, do FMI, Jerome Powell, do Federal Reserve, e Michele Bullock, do Banco Central da Austrália.

Gita Gopinath, do FMI, já sugeriu que a imigração tem efeitos positivos para a inflação  Foto: Ken Cedeno/Reuters

No entanto, as evidências são fracas e podem, de fato, apontar na direção oposta. Nos países do G-10 há pouca correlação entre a imigração e um crescimento salarial mais lento. Além disso, não há dúvida de que os imigrantes precisam de coisas assim que chegam, aumentando a procura.

Em nenhum lugar isso fica mais claro do que no caso das habitações para aluguel, que são escassas em toda a anglosfera. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs sugere que, na Austrália, cada aumento de 100 mil pessoas na migração líquida anual aumenta os aluguéis em cerca de 1%. Um documento do Banco do Canadá em dezembro observou que “o aumento inicial da imigração que o Canadá registrou é mais provavelmente inflacionário no curto prazo”.

E quanto ao impacto da imigração no crescimento econômico? Embora os recém-chegados estejam claramente aumentando o PIB, eles parecem estar reduzindo o PIB per capita – o critério pelo qual os economistas normalmente avaliam o padrão de vida. O PIB per capita caiu ou não cresceu durante quatro trimestres consecutivos na Austrália, e sete no Reino Unido. No Canadá, onde a queda da medida é mais pronunciada, a produção per capita caiu 2% em 2023. O quadro é semelhante na Alemanha, Islândia e Nova Zelândia.

Isto reflete uma mudança no tipo de imigração. Por exemplo, enquanto antes da pandemia de covid-19 os imigrantes nos EUA tinham tanta probabilidade de ter um diploma de bacharelado quanto seus pares nativos, os recém-chegados de hoje têm mais probabilidade de terem vindo de zonas pobres da América Latina e de não terem o direito de trabalhar legalmente. Cerca de 2,4 milhões de pessoas entraram nos EUA no ano passado, atravessando ilegalmente a fronteira sul do país.

Outros países ricos têm menos entradas ilegais, mas eles também viram a imigração aumentar de forma mais acentuada entre as pessoas pouco qualificadas e mal remuneradas. A proporção de imigrantes que se mudaram para a Austrália no ano passado com um visto de trabalhador qualificado foi 20% inferior à de 2019; muitos outros mochileiros e estudantes que trabalhavam receberam licenças. No Canadá, 800 mil trabalhadores estrangeiros temporários e estudantes foram responsáveis pela maior parte do aumento populacional de 3,2% no ano passado – uma taxa de crescimento mais rápida do que a de quase todos os países da África Subsariana.

A Grã-Bretanha deixou a UE, em parte, com a promessa de um sistema de imigração menor e mais qualificado, mas mesmo assim, menos de um em cada cinco imigrantes que chegaram no ano passado era um trabalhador qualificado. A porcentagem de autorizações vinculadas a empregos que exigem formação inferior ao nível superior aumentou de 11% em 2021 para 62% no ano passado. Os vistos de estudante para o Reino Unido aumentaram 70% desde 2019, sendo os novos vistos emitidos principalmente para mestrados em universidades de baixo custo e menos seletivas. Tal como muitos outros países da Europa, o Reino Unido também acolheu muitos refugiados ucranianos.

Apresentando queixas

Os setores que mais se manifestam em relação à falta de trabalhadores e que contratam muitos imigrantes, como a agricultura e a hotelaria, tendem a não exigir qualificação ou experiência e a oferecer salários e condições precárias. Entretanto, os setores com salários mais elevados que exigem qualificação ou experiência tendem a não se beneficiar muito do aumento na imigração.

Tomemos como exemplo a indústria de construção do Canadá, que exige profissionais qualificados. Apenas 5% dos residentes não permanentes empregados trabalham no setor, abaixo da sua parcela de 8% no emprego total.

Daí a preocupação de que os imigrantes pouco qualificados estejam reduzindo os rendimentos. No entanto, as medidas do PIB por pessoa não contam a história toda. Quando um imigrante pouco qualificado chega e trabalha com um rendimento abaixo da média, o PIB por pessoa cai, mesmo que a sua presença aumente o rendimento de cada indivíduo, salienta Giovanni Peri, da Universidade da Califórnia em Davis.

A investigação realizada por Peri e coautores mostra que os trabalhadores locais ficam em melhor situação com a imigração porque assumem empregos mais produtivos e com salários mais elevados, ao mesmo tempo que deixam trabalho braçal e mal remunerado aos imigrantes. Com efeito, a imigração cria uma força de trabalho mais diversificada, permitindo uma maior especialização. As pessoas com maior probabilidade de verem os seus salários cair como resultado da imigração são aquelas mais semelhantes aos imigrantes, que normalmente são as gerações anteriores de trabalhadores estrangeiros.

Alguns também se preocupam com o fato de a mão-de-obra barata desencorajar as empresas a realizarem investimentos que aumentem a produtividade, embora isto esteja longe de ser verdade, por razões semelhantes. Pode ser verdade que a elevada imigração permita, por exemplo, que um lava-rápido de automóveis contrate mais trabalhadores em vez de comprar uma máquina nova.

Na verdade, um estudo realizado por Ethan Lewis, do Dartmouth College, concluiu que a elevada imigração para os EUA nas décadas de 1980 e 1990 levou as fábricas a adotarem menos maquinário. E na Austrália e no Canadá a proporção entre capital e trabalhador está diminuindo. Mas se como resultado nem os recém-chegados nem os nativos ficam mais pobres, qual é o problema?

Há um contexto em que as médias são importantes: a prestação de serviços públicos. Se o PIB por pessoa cair, a qualidade deles poderá se deteriorar. Por esta razão, Milton Friedman observou certa vez que “não se pode ter simultaneamente imigração livre e um estado de bem-estar social”. O Estado está sob pressão em grande parte do mundo rico.

As estradas estão congestionadas e, nos países com sistemas de saúde públicos, as listas de espera nos hospitais são longas. “Não se trata de externalidades, são efeitos diretos da chegada de novos participantes no mercado, que afetam a oferta e a procura”, afirma Mikal Skuterud, da Universidade de Waterloo.

A questão crucial é se os recém-chegados à rede contribuem com os cofres públicos ou os esvaziam. Os indivíduos altamente qualificados fazem enormes contribuições fiscais líquidas. Mas, para os trabalhadores pouco qualificados, a questão é mais difícil de responder. A favor dos imigrantes está o fato de, por normalmente chegarem como adultos, não necessitarem de escolas públicas, que são caras. E eles podem até apoiar diretamente os serviços públicos. O maior aumento na emissão de vistos de trabalho britânicos no ano passado, de 157%, foi para profissionais de saúde e de cuidados, desesperadamente necessários.

Os problemas potenciais vêm mais tarde. Os imigrantes envelhecem e se aposentam. Os sistemas de segurança social são frequentemente progressistas, redistribuindo dos ricos para os pobres. Assim, um imigrante com baixos rendimentos que reivindique uma pensão do governo – para não mencionar aquele que utiliza cuidados de saúde oferecidos pelo governo – pode acabar por ser um dreno fiscal no geral. É mais provável que tenham um efeito positivo no erário público ao longo da vida se forem embora antes de envelhecerem.

A forma como isso se desenrola depende do país e dos imigrantes em questão. Uma análise realizada pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA em 2016 estimou que o impacto fiscal em 75 anos de um imigrante com escolaridade inferior ao ensino secundário, em todos os níveis de governo e excluindo bens públicos como a defesa nacional, foi negativo em US$ 115 mil em valores de 2012. Em contrapartida, um estudo realizado pela Oxford Economics em 2018 concluiu que, no Reino Unido, cerca de um terço dos imigrantes tinha deixado o país dez anos após a chegada, embora não fizesse distinção entre eles por nível de habilidade.

Se o impacto fiscal for positivo, ele não será sentido a menos que o governo invista de acordo. Um lucro inesperado não é benéfico se, de qualquer forma, se permitir que os serviços públicos se deteriorem, como no Reino Unido, onde o governo está cortando impostos antes das eleições. Da mesma forma, se os regulamentos impedirem a expansão da infraestrutura para acomodar os recém-chegados, a imigração corre o risco de provocar uma reação negativa.

Em nenhum outro lugar isto é mais óbvio do que no caso da habitação, onde a oferta é estritamente restringida por regulamentação excessiva em muitos dos mesmos locais que, atualmente, registam um aumento imigratório. Os imigrantes, tal como os nativos, precisam de locais para habitar, o que aumenta a necessidade de construir. Receber os recém-chegados significa muito mais do que apenas deixá-los entrar. / Tradução de Augusto Calil

O mundo rico está no meio de um boom migratório sem precedentes. No ano passado, o número de pessoas que se mudaram para os Estados Unidos foi 3,3 milhões maior do que o número de pessoas que deixaram o país, quase quatro vezes os níveis típicos da década de 2010.

O Canadá acolheu 1,9 milhão de imigrantes. O Reino Unido acolheu 1,2 milhão de pessoas e a Austrália, 740 mil. Em cada país, o número foi maior do que nunca. Para Austrália e Canadá, a migração líquida é mais do que o dobro dos níveis observados antes da covid. No Reino Unido, a entrada é 3,5 vezes maior que em 2019.

Grandes movimentos de pessoas têm grandes consequências econômicas. De acordo com o FMI, a força de trabalho estrangeira nos EUA é 9% superior à do início de 2019. No Reino Unido, no Canadá e na zona do euro, é cerca de 20% superior. O aumento da imigração nos EUA significa que a economia do país será, durante a próxima década, 2% maior do que o previsto. O afluxo de trabalhadores também ajuda a explicar o forte crescimento econômico do país. Mas o impacto da imigração vai muito além de um efeito aritmético no PIB – estende-se à inflação, aos padrões de vida e aos orçamentos governamentais. E os recém-chegados diferem dos anteriores de uma forma importante: a proporção de imigrantes pouco qualificados é maior.

Muitos responsáveis pelas decisões políticas argumentaram recentemente que a imigração está ajudando a conter os aumentos de preços, ao aliviar a escassez de mão-de-obra. A lista de pessoas que mencionaram ou sugeriram esta relação inclui Gita Gopinath, do FMI, Jerome Powell, do Federal Reserve, e Michele Bullock, do Banco Central da Austrália.

Gita Gopinath, do FMI, já sugeriu que a imigração tem efeitos positivos para a inflação  Foto: Ken Cedeno/Reuters

No entanto, as evidências são fracas e podem, de fato, apontar na direção oposta. Nos países do G-10 há pouca correlação entre a imigração e um crescimento salarial mais lento. Além disso, não há dúvida de que os imigrantes precisam de coisas assim que chegam, aumentando a procura.

Em nenhum lugar isso fica mais claro do que no caso das habitações para aluguel, que são escassas em toda a anglosfera. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs sugere que, na Austrália, cada aumento de 100 mil pessoas na migração líquida anual aumenta os aluguéis em cerca de 1%. Um documento do Banco do Canadá em dezembro observou que “o aumento inicial da imigração que o Canadá registrou é mais provavelmente inflacionário no curto prazo”.

E quanto ao impacto da imigração no crescimento econômico? Embora os recém-chegados estejam claramente aumentando o PIB, eles parecem estar reduzindo o PIB per capita – o critério pelo qual os economistas normalmente avaliam o padrão de vida. O PIB per capita caiu ou não cresceu durante quatro trimestres consecutivos na Austrália, e sete no Reino Unido. No Canadá, onde a queda da medida é mais pronunciada, a produção per capita caiu 2% em 2023. O quadro é semelhante na Alemanha, Islândia e Nova Zelândia.

Isto reflete uma mudança no tipo de imigração. Por exemplo, enquanto antes da pandemia de covid-19 os imigrantes nos EUA tinham tanta probabilidade de ter um diploma de bacharelado quanto seus pares nativos, os recém-chegados de hoje têm mais probabilidade de terem vindo de zonas pobres da América Latina e de não terem o direito de trabalhar legalmente. Cerca de 2,4 milhões de pessoas entraram nos EUA no ano passado, atravessando ilegalmente a fronteira sul do país.

Outros países ricos têm menos entradas ilegais, mas eles também viram a imigração aumentar de forma mais acentuada entre as pessoas pouco qualificadas e mal remuneradas. A proporção de imigrantes que se mudaram para a Austrália no ano passado com um visto de trabalhador qualificado foi 20% inferior à de 2019; muitos outros mochileiros e estudantes que trabalhavam receberam licenças. No Canadá, 800 mil trabalhadores estrangeiros temporários e estudantes foram responsáveis pela maior parte do aumento populacional de 3,2% no ano passado – uma taxa de crescimento mais rápida do que a de quase todos os países da África Subsariana.

A Grã-Bretanha deixou a UE, em parte, com a promessa de um sistema de imigração menor e mais qualificado, mas mesmo assim, menos de um em cada cinco imigrantes que chegaram no ano passado era um trabalhador qualificado. A porcentagem de autorizações vinculadas a empregos que exigem formação inferior ao nível superior aumentou de 11% em 2021 para 62% no ano passado. Os vistos de estudante para o Reino Unido aumentaram 70% desde 2019, sendo os novos vistos emitidos principalmente para mestrados em universidades de baixo custo e menos seletivas. Tal como muitos outros países da Europa, o Reino Unido também acolheu muitos refugiados ucranianos.

Apresentando queixas

Os setores que mais se manifestam em relação à falta de trabalhadores e que contratam muitos imigrantes, como a agricultura e a hotelaria, tendem a não exigir qualificação ou experiência e a oferecer salários e condições precárias. Entretanto, os setores com salários mais elevados que exigem qualificação ou experiência tendem a não se beneficiar muito do aumento na imigração.

Tomemos como exemplo a indústria de construção do Canadá, que exige profissionais qualificados. Apenas 5% dos residentes não permanentes empregados trabalham no setor, abaixo da sua parcela de 8% no emprego total.

Daí a preocupação de que os imigrantes pouco qualificados estejam reduzindo os rendimentos. No entanto, as medidas do PIB por pessoa não contam a história toda. Quando um imigrante pouco qualificado chega e trabalha com um rendimento abaixo da média, o PIB por pessoa cai, mesmo que a sua presença aumente o rendimento de cada indivíduo, salienta Giovanni Peri, da Universidade da Califórnia em Davis.

A investigação realizada por Peri e coautores mostra que os trabalhadores locais ficam em melhor situação com a imigração porque assumem empregos mais produtivos e com salários mais elevados, ao mesmo tempo que deixam trabalho braçal e mal remunerado aos imigrantes. Com efeito, a imigração cria uma força de trabalho mais diversificada, permitindo uma maior especialização. As pessoas com maior probabilidade de verem os seus salários cair como resultado da imigração são aquelas mais semelhantes aos imigrantes, que normalmente são as gerações anteriores de trabalhadores estrangeiros.

Alguns também se preocupam com o fato de a mão-de-obra barata desencorajar as empresas a realizarem investimentos que aumentem a produtividade, embora isto esteja longe de ser verdade, por razões semelhantes. Pode ser verdade que a elevada imigração permita, por exemplo, que um lava-rápido de automóveis contrate mais trabalhadores em vez de comprar uma máquina nova.

Na verdade, um estudo realizado por Ethan Lewis, do Dartmouth College, concluiu que a elevada imigração para os EUA nas décadas de 1980 e 1990 levou as fábricas a adotarem menos maquinário. E na Austrália e no Canadá a proporção entre capital e trabalhador está diminuindo. Mas se como resultado nem os recém-chegados nem os nativos ficam mais pobres, qual é o problema?

Há um contexto em que as médias são importantes: a prestação de serviços públicos. Se o PIB por pessoa cair, a qualidade deles poderá se deteriorar. Por esta razão, Milton Friedman observou certa vez que “não se pode ter simultaneamente imigração livre e um estado de bem-estar social”. O Estado está sob pressão em grande parte do mundo rico.

As estradas estão congestionadas e, nos países com sistemas de saúde públicos, as listas de espera nos hospitais são longas. “Não se trata de externalidades, são efeitos diretos da chegada de novos participantes no mercado, que afetam a oferta e a procura”, afirma Mikal Skuterud, da Universidade de Waterloo.

A questão crucial é se os recém-chegados à rede contribuem com os cofres públicos ou os esvaziam. Os indivíduos altamente qualificados fazem enormes contribuições fiscais líquidas. Mas, para os trabalhadores pouco qualificados, a questão é mais difícil de responder. A favor dos imigrantes está o fato de, por normalmente chegarem como adultos, não necessitarem de escolas públicas, que são caras. E eles podem até apoiar diretamente os serviços públicos. O maior aumento na emissão de vistos de trabalho britânicos no ano passado, de 157%, foi para profissionais de saúde e de cuidados, desesperadamente necessários.

Os problemas potenciais vêm mais tarde. Os imigrantes envelhecem e se aposentam. Os sistemas de segurança social são frequentemente progressistas, redistribuindo dos ricos para os pobres. Assim, um imigrante com baixos rendimentos que reivindique uma pensão do governo – para não mencionar aquele que utiliza cuidados de saúde oferecidos pelo governo – pode acabar por ser um dreno fiscal no geral. É mais provável que tenham um efeito positivo no erário público ao longo da vida se forem embora antes de envelhecerem.

A forma como isso se desenrola depende do país e dos imigrantes em questão. Uma análise realizada pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA em 2016 estimou que o impacto fiscal em 75 anos de um imigrante com escolaridade inferior ao ensino secundário, em todos os níveis de governo e excluindo bens públicos como a defesa nacional, foi negativo em US$ 115 mil em valores de 2012. Em contrapartida, um estudo realizado pela Oxford Economics em 2018 concluiu que, no Reino Unido, cerca de um terço dos imigrantes tinha deixado o país dez anos após a chegada, embora não fizesse distinção entre eles por nível de habilidade.

Se o impacto fiscal for positivo, ele não será sentido a menos que o governo invista de acordo. Um lucro inesperado não é benéfico se, de qualquer forma, se permitir que os serviços públicos se deteriorem, como no Reino Unido, onde o governo está cortando impostos antes das eleições. Da mesma forma, se os regulamentos impedirem a expansão da infraestrutura para acomodar os recém-chegados, a imigração corre o risco de provocar uma reação negativa.

Em nenhum outro lugar isto é mais óbvio do que no caso da habitação, onde a oferta é estritamente restringida por regulamentação excessiva em muitos dos mesmos locais que, atualmente, registam um aumento imigratório. Os imigrantes, tal como os nativos, precisam de locais para habitar, o que aumenta a necessidade de construir. Receber os recém-chegados significa muito mais do que apenas deixá-los entrar. / Tradução de Augusto Calil

O mundo rico está no meio de um boom migratório sem precedentes. No ano passado, o número de pessoas que se mudaram para os Estados Unidos foi 3,3 milhões maior do que o número de pessoas que deixaram o país, quase quatro vezes os níveis típicos da década de 2010.

O Canadá acolheu 1,9 milhão de imigrantes. O Reino Unido acolheu 1,2 milhão de pessoas e a Austrália, 740 mil. Em cada país, o número foi maior do que nunca. Para Austrália e Canadá, a migração líquida é mais do que o dobro dos níveis observados antes da covid. No Reino Unido, a entrada é 3,5 vezes maior que em 2019.

Grandes movimentos de pessoas têm grandes consequências econômicas. De acordo com o FMI, a força de trabalho estrangeira nos EUA é 9% superior à do início de 2019. No Reino Unido, no Canadá e na zona do euro, é cerca de 20% superior. O aumento da imigração nos EUA significa que a economia do país será, durante a próxima década, 2% maior do que o previsto. O afluxo de trabalhadores também ajuda a explicar o forte crescimento econômico do país. Mas o impacto da imigração vai muito além de um efeito aritmético no PIB – estende-se à inflação, aos padrões de vida e aos orçamentos governamentais. E os recém-chegados diferem dos anteriores de uma forma importante: a proporção de imigrantes pouco qualificados é maior.

Muitos responsáveis pelas decisões políticas argumentaram recentemente que a imigração está ajudando a conter os aumentos de preços, ao aliviar a escassez de mão-de-obra. A lista de pessoas que mencionaram ou sugeriram esta relação inclui Gita Gopinath, do FMI, Jerome Powell, do Federal Reserve, e Michele Bullock, do Banco Central da Austrália.

Gita Gopinath, do FMI, já sugeriu que a imigração tem efeitos positivos para a inflação  Foto: Ken Cedeno/Reuters

No entanto, as evidências são fracas e podem, de fato, apontar na direção oposta. Nos países do G-10 há pouca correlação entre a imigração e um crescimento salarial mais lento. Além disso, não há dúvida de que os imigrantes precisam de coisas assim que chegam, aumentando a procura.

Em nenhum lugar isso fica mais claro do que no caso das habitações para aluguel, que são escassas em toda a anglosfera. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs sugere que, na Austrália, cada aumento de 100 mil pessoas na migração líquida anual aumenta os aluguéis em cerca de 1%. Um documento do Banco do Canadá em dezembro observou que “o aumento inicial da imigração que o Canadá registrou é mais provavelmente inflacionário no curto prazo”.

E quanto ao impacto da imigração no crescimento econômico? Embora os recém-chegados estejam claramente aumentando o PIB, eles parecem estar reduzindo o PIB per capita – o critério pelo qual os economistas normalmente avaliam o padrão de vida. O PIB per capita caiu ou não cresceu durante quatro trimestres consecutivos na Austrália, e sete no Reino Unido. No Canadá, onde a queda da medida é mais pronunciada, a produção per capita caiu 2% em 2023. O quadro é semelhante na Alemanha, Islândia e Nova Zelândia.

Isto reflete uma mudança no tipo de imigração. Por exemplo, enquanto antes da pandemia de covid-19 os imigrantes nos EUA tinham tanta probabilidade de ter um diploma de bacharelado quanto seus pares nativos, os recém-chegados de hoje têm mais probabilidade de terem vindo de zonas pobres da América Latina e de não terem o direito de trabalhar legalmente. Cerca de 2,4 milhões de pessoas entraram nos EUA no ano passado, atravessando ilegalmente a fronteira sul do país.

Outros países ricos têm menos entradas ilegais, mas eles também viram a imigração aumentar de forma mais acentuada entre as pessoas pouco qualificadas e mal remuneradas. A proporção de imigrantes que se mudaram para a Austrália no ano passado com um visto de trabalhador qualificado foi 20% inferior à de 2019; muitos outros mochileiros e estudantes que trabalhavam receberam licenças. No Canadá, 800 mil trabalhadores estrangeiros temporários e estudantes foram responsáveis pela maior parte do aumento populacional de 3,2% no ano passado – uma taxa de crescimento mais rápida do que a de quase todos os países da África Subsariana.

A Grã-Bretanha deixou a UE, em parte, com a promessa de um sistema de imigração menor e mais qualificado, mas mesmo assim, menos de um em cada cinco imigrantes que chegaram no ano passado era um trabalhador qualificado. A porcentagem de autorizações vinculadas a empregos que exigem formação inferior ao nível superior aumentou de 11% em 2021 para 62% no ano passado. Os vistos de estudante para o Reino Unido aumentaram 70% desde 2019, sendo os novos vistos emitidos principalmente para mestrados em universidades de baixo custo e menos seletivas. Tal como muitos outros países da Europa, o Reino Unido também acolheu muitos refugiados ucranianos.

Apresentando queixas

Os setores que mais se manifestam em relação à falta de trabalhadores e que contratam muitos imigrantes, como a agricultura e a hotelaria, tendem a não exigir qualificação ou experiência e a oferecer salários e condições precárias. Entretanto, os setores com salários mais elevados que exigem qualificação ou experiência tendem a não se beneficiar muito do aumento na imigração.

Tomemos como exemplo a indústria de construção do Canadá, que exige profissionais qualificados. Apenas 5% dos residentes não permanentes empregados trabalham no setor, abaixo da sua parcela de 8% no emprego total.

Daí a preocupação de que os imigrantes pouco qualificados estejam reduzindo os rendimentos. No entanto, as medidas do PIB por pessoa não contam a história toda. Quando um imigrante pouco qualificado chega e trabalha com um rendimento abaixo da média, o PIB por pessoa cai, mesmo que a sua presença aumente o rendimento de cada indivíduo, salienta Giovanni Peri, da Universidade da Califórnia em Davis.

A investigação realizada por Peri e coautores mostra que os trabalhadores locais ficam em melhor situação com a imigração porque assumem empregos mais produtivos e com salários mais elevados, ao mesmo tempo que deixam trabalho braçal e mal remunerado aos imigrantes. Com efeito, a imigração cria uma força de trabalho mais diversificada, permitindo uma maior especialização. As pessoas com maior probabilidade de verem os seus salários cair como resultado da imigração são aquelas mais semelhantes aos imigrantes, que normalmente são as gerações anteriores de trabalhadores estrangeiros.

Alguns também se preocupam com o fato de a mão-de-obra barata desencorajar as empresas a realizarem investimentos que aumentem a produtividade, embora isto esteja longe de ser verdade, por razões semelhantes. Pode ser verdade que a elevada imigração permita, por exemplo, que um lava-rápido de automóveis contrate mais trabalhadores em vez de comprar uma máquina nova.

Na verdade, um estudo realizado por Ethan Lewis, do Dartmouth College, concluiu que a elevada imigração para os EUA nas décadas de 1980 e 1990 levou as fábricas a adotarem menos maquinário. E na Austrália e no Canadá a proporção entre capital e trabalhador está diminuindo. Mas se como resultado nem os recém-chegados nem os nativos ficam mais pobres, qual é o problema?

Há um contexto em que as médias são importantes: a prestação de serviços públicos. Se o PIB por pessoa cair, a qualidade deles poderá se deteriorar. Por esta razão, Milton Friedman observou certa vez que “não se pode ter simultaneamente imigração livre e um estado de bem-estar social”. O Estado está sob pressão em grande parte do mundo rico.

As estradas estão congestionadas e, nos países com sistemas de saúde públicos, as listas de espera nos hospitais são longas. “Não se trata de externalidades, são efeitos diretos da chegada de novos participantes no mercado, que afetam a oferta e a procura”, afirma Mikal Skuterud, da Universidade de Waterloo.

A questão crucial é se os recém-chegados à rede contribuem com os cofres públicos ou os esvaziam. Os indivíduos altamente qualificados fazem enormes contribuições fiscais líquidas. Mas, para os trabalhadores pouco qualificados, a questão é mais difícil de responder. A favor dos imigrantes está o fato de, por normalmente chegarem como adultos, não necessitarem de escolas públicas, que são caras. E eles podem até apoiar diretamente os serviços públicos. O maior aumento na emissão de vistos de trabalho britânicos no ano passado, de 157%, foi para profissionais de saúde e de cuidados, desesperadamente necessários.

Os problemas potenciais vêm mais tarde. Os imigrantes envelhecem e se aposentam. Os sistemas de segurança social são frequentemente progressistas, redistribuindo dos ricos para os pobres. Assim, um imigrante com baixos rendimentos que reivindique uma pensão do governo – para não mencionar aquele que utiliza cuidados de saúde oferecidos pelo governo – pode acabar por ser um dreno fiscal no geral. É mais provável que tenham um efeito positivo no erário público ao longo da vida se forem embora antes de envelhecerem.

A forma como isso se desenrola depende do país e dos imigrantes em questão. Uma análise realizada pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA em 2016 estimou que o impacto fiscal em 75 anos de um imigrante com escolaridade inferior ao ensino secundário, em todos os níveis de governo e excluindo bens públicos como a defesa nacional, foi negativo em US$ 115 mil em valores de 2012. Em contrapartida, um estudo realizado pela Oxford Economics em 2018 concluiu que, no Reino Unido, cerca de um terço dos imigrantes tinha deixado o país dez anos após a chegada, embora não fizesse distinção entre eles por nível de habilidade.

Se o impacto fiscal for positivo, ele não será sentido a menos que o governo invista de acordo. Um lucro inesperado não é benéfico se, de qualquer forma, se permitir que os serviços públicos se deteriorem, como no Reino Unido, onde o governo está cortando impostos antes das eleições. Da mesma forma, se os regulamentos impedirem a expansão da infraestrutura para acomodar os recém-chegados, a imigração corre o risco de provocar uma reação negativa.

Em nenhum outro lugar isto é mais óbvio do que no caso da habitação, onde a oferta é estritamente restringida por regulamentação excessiva em muitos dos mesmos locais que, atualmente, registam um aumento imigratório. Os imigrantes, tal como os nativos, precisam de locais para habitar, o que aumenta a necessidade de construir. Receber os recém-chegados significa muito mais do que apenas deixá-los entrar. / Tradução de Augusto Calil

O mundo rico está no meio de um boom migratório sem precedentes. No ano passado, o número de pessoas que se mudaram para os Estados Unidos foi 3,3 milhões maior do que o número de pessoas que deixaram o país, quase quatro vezes os níveis típicos da década de 2010.

O Canadá acolheu 1,9 milhão de imigrantes. O Reino Unido acolheu 1,2 milhão de pessoas e a Austrália, 740 mil. Em cada país, o número foi maior do que nunca. Para Austrália e Canadá, a migração líquida é mais do que o dobro dos níveis observados antes da covid. No Reino Unido, a entrada é 3,5 vezes maior que em 2019.

Grandes movimentos de pessoas têm grandes consequências econômicas. De acordo com o FMI, a força de trabalho estrangeira nos EUA é 9% superior à do início de 2019. No Reino Unido, no Canadá e na zona do euro, é cerca de 20% superior. O aumento da imigração nos EUA significa que a economia do país será, durante a próxima década, 2% maior do que o previsto. O afluxo de trabalhadores também ajuda a explicar o forte crescimento econômico do país. Mas o impacto da imigração vai muito além de um efeito aritmético no PIB – estende-se à inflação, aos padrões de vida e aos orçamentos governamentais. E os recém-chegados diferem dos anteriores de uma forma importante: a proporção de imigrantes pouco qualificados é maior.

Muitos responsáveis pelas decisões políticas argumentaram recentemente que a imigração está ajudando a conter os aumentos de preços, ao aliviar a escassez de mão-de-obra. A lista de pessoas que mencionaram ou sugeriram esta relação inclui Gita Gopinath, do FMI, Jerome Powell, do Federal Reserve, e Michele Bullock, do Banco Central da Austrália.

Gita Gopinath, do FMI, já sugeriu que a imigração tem efeitos positivos para a inflação  Foto: Ken Cedeno/Reuters

No entanto, as evidências são fracas e podem, de fato, apontar na direção oposta. Nos países do G-10 há pouca correlação entre a imigração e um crescimento salarial mais lento. Além disso, não há dúvida de que os imigrantes precisam de coisas assim que chegam, aumentando a procura.

Em nenhum lugar isso fica mais claro do que no caso das habitações para aluguel, que são escassas em toda a anglosfera. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs sugere que, na Austrália, cada aumento de 100 mil pessoas na migração líquida anual aumenta os aluguéis em cerca de 1%. Um documento do Banco do Canadá em dezembro observou que “o aumento inicial da imigração que o Canadá registrou é mais provavelmente inflacionário no curto prazo”.

E quanto ao impacto da imigração no crescimento econômico? Embora os recém-chegados estejam claramente aumentando o PIB, eles parecem estar reduzindo o PIB per capita – o critério pelo qual os economistas normalmente avaliam o padrão de vida. O PIB per capita caiu ou não cresceu durante quatro trimestres consecutivos na Austrália, e sete no Reino Unido. No Canadá, onde a queda da medida é mais pronunciada, a produção per capita caiu 2% em 2023. O quadro é semelhante na Alemanha, Islândia e Nova Zelândia.

Isto reflete uma mudança no tipo de imigração. Por exemplo, enquanto antes da pandemia de covid-19 os imigrantes nos EUA tinham tanta probabilidade de ter um diploma de bacharelado quanto seus pares nativos, os recém-chegados de hoje têm mais probabilidade de terem vindo de zonas pobres da América Latina e de não terem o direito de trabalhar legalmente. Cerca de 2,4 milhões de pessoas entraram nos EUA no ano passado, atravessando ilegalmente a fronteira sul do país.

Outros países ricos têm menos entradas ilegais, mas eles também viram a imigração aumentar de forma mais acentuada entre as pessoas pouco qualificadas e mal remuneradas. A proporção de imigrantes que se mudaram para a Austrália no ano passado com um visto de trabalhador qualificado foi 20% inferior à de 2019; muitos outros mochileiros e estudantes que trabalhavam receberam licenças. No Canadá, 800 mil trabalhadores estrangeiros temporários e estudantes foram responsáveis pela maior parte do aumento populacional de 3,2% no ano passado – uma taxa de crescimento mais rápida do que a de quase todos os países da África Subsariana.

A Grã-Bretanha deixou a UE, em parte, com a promessa de um sistema de imigração menor e mais qualificado, mas mesmo assim, menos de um em cada cinco imigrantes que chegaram no ano passado era um trabalhador qualificado. A porcentagem de autorizações vinculadas a empregos que exigem formação inferior ao nível superior aumentou de 11% em 2021 para 62% no ano passado. Os vistos de estudante para o Reino Unido aumentaram 70% desde 2019, sendo os novos vistos emitidos principalmente para mestrados em universidades de baixo custo e menos seletivas. Tal como muitos outros países da Europa, o Reino Unido também acolheu muitos refugiados ucranianos.

Apresentando queixas

Os setores que mais se manifestam em relação à falta de trabalhadores e que contratam muitos imigrantes, como a agricultura e a hotelaria, tendem a não exigir qualificação ou experiência e a oferecer salários e condições precárias. Entretanto, os setores com salários mais elevados que exigem qualificação ou experiência tendem a não se beneficiar muito do aumento na imigração.

Tomemos como exemplo a indústria de construção do Canadá, que exige profissionais qualificados. Apenas 5% dos residentes não permanentes empregados trabalham no setor, abaixo da sua parcela de 8% no emprego total.

Daí a preocupação de que os imigrantes pouco qualificados estejam reduzindo os rendimentos. No entanto, as medidas do PIB por pessoa não contam a história toda. Quando um imigrante pouco qualificado chega e trabalha com um rendimento abaixo da média, o PIB por pessoa cai, mesmo que a sua presença aumente o rendimento de cada indivíduo, salienta Giovanni Peri, da Universidade da Califórnia em Davis.

A investigação realizada por Peri e coautores mostra que os trabalhadores locais ficam em melhor situação com a imigração porque assumem empregos mais produtivos e com salários mais elevados, ao mesmo tempo que deixam trabalho braçal e mal remunerado aos imigrantes. Com efeito, a imigração cria uma força de trabalho mais diversificada, permitindo uma maior especialização. As pessoas com maior probabilidade de verem os seus salários cair como resultado da imigração são aquelas mais semelhantes aos imigrantes, que normalmente são as gerações anteriores de trabalhadores estrangeiros.

Alguns também se preocupam com o fato de a mão-de-obra barata desencorajar as empresas a realizarem investimentos que aumentem a produtividade, embora isto esteja longe de ser verdade, por razões semelhantes. Pode ser verdade que a elevada imigração permita, por exemplo, que um lava-rápido de automóveis contrate mais trabalhadores em vez de comprar uma máquina nova.

Na verdade, um estudo realizado por Ethan Lewis, do Dartmouth College, concluiu que a elevada imigração para os EUA nas décadas de 1980 e 1990 levou as fábricas a adotarem menos maquinário. E na Austrália e no Canadá a proporção entre capital e trabalhador está diminuindo. Mas se como resultado nem os recém-chegados nem os nativos ficam mais pobres, qual é o problema?

Há um contexto em que as médias são importantes: a prestação de serviços públicos. Se o PIB por pessoa cair, a qualidade deles poderá se deteriorar. Por esta razão, Milton Friedman observou certa vez que “não se pode ter simultaneamente imigração livre e um estado de bem-estar social”. O Estado está sob pressão em grande parte do mundo rico.

As estradas estão congestionadas e, nos países com sistemas de saúde públicos, as listas de espera nos hospitais são longas. “Não se trata de externalidades, são efeitos diretos da chegada de novos participantes no mercado, que afetam a oferta e a procura”, afirma Mikal Skuterud, da Universidade de Waterloo.

A questão crucial é se os recém-chegados à rede contribuem com os cofres públicos ou os esvaziam. Os indivíduos altamente qualificados fazem enormes contribuições fiscais líquidas. Mas, para os trabalhadores pouco qualificados, a questão é mais difícil de responder. A favor dos imigrantes está o fato de, por normalmente chegarem como adultos, não necessitarem de escolas públicas, que são caras. E eles podem até apoiar diretamente os serviços públicos. O maior aumento na emissão de vistos de trabalho britânicos no ano passado, de 157%, foi para profissionais de saúde e de cuidados, desesperadamente necessários.

Os problemas potenciais vêm mais tarde. Os imigrantes envelhecem e se aposentam. Os sistemas de segurança social são frequentemente progressistas, redistribuindo dos ricos para os pobres. Assim, um imigrante com baixos rendimentos que reivindique uma pensão do governo – para não mencionar aquele que utiliza cuidados de saúde oferecidos pelo governo – pode acabar por ser um dreno fiscal no geral. É mais provável que tenham um efeito positivo no erário público ao longo da vida se forem embora antes de envelhecerem.

A forma como isso se desenrola depende do país e dos imigrantes em questão. Uma análise realizada pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA em 2016 estimou que o impacto fiscal em 75 anos de um imigrante com escolaridade inferior ao ensino secundário, em todos os níveis de governo e excluindo bens públicos como a defesa nacional, foi negativo em US$ 115 mil em valores de 2012. Em contrapartida, um estudo realizado pela Oxford Economics em 2018 concluiu que, no Reino Unido, cerca de um terço dos imigrantes tinha deixado o país dez anos após a chegada, embora não fizesse distinção entre eles por nível de habilidade.

Se o impacto fiscal for positivo, ele não será sentido a menos que o governo invista de acordo. Um lucro inesperado não é benéfico se, de qualquer forma, se permitir que os serviços públicos se deteriorem, como no Reino Unido, onde o governo está cortando impostos antes das eleições. Da mesma forma, se os regulamentos impedirem a expansão da infraestrutura para acomodar os recém-chegados, a imigração corre o risco de provocar uma reação negativa.

Em nenhum outro lugar isto é mais óbvio do que no caso da habitação, onde a oferta é estritamente restringida por regulamentação excessiva em muitos dos mesmos locais que, atualmente, registam um aumento imigratório. Os imigrantes, tal como os nativos, precisam de locais para habitar, o que aumenta a necessidade de construir. Receber os recém-chegados significa muito mais do que apenas deixá-los entrar. / Tradução de Augusto Calil

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