O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), travou nesta sexta-feira, 21, o julgamento sobre a cobrança da contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados. A ação reabre na Corte o debate em torno de fontes de financiamento de entidades de representação de empregados após o fim do imposto sindical obrigatório e pode livrar o governo Luiz Inácio Lula da Silva de discutir no Congresso a revisão de um dos pilares da reforma trabalhista de Michel Temer (MDB).
A jurisprudência do STF e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) proíbe sindicatos de instituírem taxas e cobrá-las de todos os trabalhadores – apenas associados às entidades são obrigados a pagá-las. Com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical em 2017, referente ao desconto em folha de um dia de expediente no mês de março, a fonte de dinheiro secou e dirigentes das entidades passaram a tentar instituir contribuições alternativas a serem recolhidas diretamente dos holerites após aprovação em assembleias.
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Em uma reviravolta, o ministro Gilmar Mendes – relator da ação em análise que era contra a instituição de taxas impostas a todos os trabalhadores de uma base – mudou seu entendimento, seguiu uma proposta de Luís Roberto Barroso e votou a favor do pagamento da contribuição assistencial por não sindicalizados para fornecer às organizações uma forma alternativa de custeio. A taxa serve, por exemplo, para cobrir custos em uma negociação coletiva e retribuir pelos serviços prestados pelas entidades.
Pelos votos dos ministros, os trabalhadores poderão se opor ao pagamento da contribuição. No entanto, na visão de especialistas, se a tese sair vitoriosa na Corte, haverá inversão na lógica da reforma trabalhista, uma vez que as novas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dizem que o trabalhador deve manifestar a disposição em contribuir com a entidade, e não o contrário – ou seja, manifestar a rejeição em financiar a organização.
Com o pedido de vista, Moraes suspende o julgamento e ganha mais tempo para analisar o caso. Pelas regras do regimento interno do STF, o ministro tem até 90 dias para devolver o processo para avaliação dos demais colegas, em plenário. Caso a ação não volte ao colegiado no prazo regimental, a ação ficará automaticamente liberada para apreciação de toda a Corte. Anteriormente, Moraes havia seguido o entendimento pela inconstitucionalidade da cobrança.
Como mostrou o Estadão, havia expectativa do meio sindical em relação a uma mudança da jurisprudência da Corte e a consequente liberação de novas fontes de custeio das entidades. “A decisão do Supremo vai ajudar, e muito, não há dúvida”, disse Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
A campanha de Lula – apoiada pelo movimento sindical – sugeriu durante a eleição a revogação da reforma de Temer e depois passou a falar em revisão da legislação. Entre os pontos mais delicados para o sindicalismo está o financiamento das entidades. Em 2018, após uma enxurrada de 20 ações, o STF declarou constitucional o fim do imposto sindical obrigatório.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que discute com sindicalistas a revisão defendida por Lula, afirmou em entrevista ao Estadão que o imposto sindical é dispensável. “Não é preciso ter imposto sindical. Você deve ter uma forma de contribuição que passe pelas assembleias, e os trabalhadores aprovem. Pode ser chamada de contribuição negocial. Se for aprovada em assembleia, tudo bem. Se não for, não tem contribuição”, disse. Segundo Patah, que participa das discussões, a ideia de Barroso e Gilmar serve de referência para uma futura reforma.
Rogério Neiva, ex-juiz-auxiliar da Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que atuou na Corte, depois da reforma, participou da elaboração de uma cota negocial prevista em acordo coletivo da Vale com o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias dos Estados do Maranhão, Pará e Tocantins (STEFEM) mediante aprovação em assembleia. Para ele, uma eventual mudança de entendimento do STF, dispensaria, neste ponto, uma nova reforma a ser apreciada no Congresso, onde o governo ainda tenta construir uma base de apoio. “Se o STF admitir essa cobrança (de contribuição assistencial ou negocial), acredito que o problema (das receitas sindicais) se resolve e o governo atual não precisará nem mesmo tomar qualquer iniciativa para alterar a legislação sobre o tema”, diz
O caso
O caso em julgamento data de antes da reforma, envolve o Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba e ganhou repercussão geral – valerá para todas as entidades do País. No processo, o STF já havia estabelecido no início de 2017 o entendimento, de acordo com o voto de Gilmar – relator do processo –, de que a cobrança de contribuição assistencial de não sindicalizados é inconstitucional.
A entidade apresentou ao STF embargos de declaração – espécie de recurso destinado a esclarecer, por exemplo, uma contradição ou omissão na decisão. O julgamento foi iniciado em agosto de 2020 no plenário virtual. Na ocasião, Gilmar rejeitou os pedidos feitos e foi seguido por Marco Aurélio Mello. Dias Toffoli pediu, então, destaque para que o recurso fosse levado ao plenário físico, o que ocorreu em junho de 2022. Já com o voto de Marco Aurélio, Gilmar foi seguido por Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Edson Fachin divergiu, mas manteve a posição do relator.
Barroso havia pedido vista. Com o voto de Barroso que ainda pode ser seguido e assim mudar o entendimento do colegiado, Gilmar, que havia traçado a tese de que “é inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados”, seguiu o colega pela constitucionalidade da cobrança.
Em seu voto, Barroso afirma que o cenário mudou ao longo da análise do recurso e que a reforma trabalhista “promoveu uma importante alteração na forma de custeio das atividades dos sindicatos”. “Caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa”, escreveu o ministro. Barroso e Gilmar já haviam sido seguidos pela ministra Cármen Lúcia.