Como integrar indústria e ‘agenda verde’ sem repetir erros? Especialista do Canadá sugere 4 caminhos


Réka Juhasz, da University of British Columbia, puxa debate sobre bancos de fomento mais independentes, políticas que se ‘autodestroem’ e foco em gargalos econômicos, em vez de subsídios

Por Bianca Lima
Atualização:
Foto: Peter Osnes
Entrevista comRéka JuhaszProfessora na Vancouver School of Economics, da University of British Columbia

BRASÍLIA - Políticas industriais são sempre uma aposta arriscada e fracassos são inevitáveis, avalia Réka Juhasz, professora na Vancouver School of Economics, da University of British Columbia, no Canadá. O desafio do poder público é conseguir corrigir a rota em meio às pressões do mundo político, diz a docente, cofundadora do Industrial Policy Group, um think tank internacional.

“As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção”, diz Réka ao Estadão.

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O tema ganha relevância em meio ao avanço da “agenda verde” e da necessidade de descarbonização das economias, o que exigirá investimentos industriais maciços focados em inovação. A professora, que nasceu na Hungria e leciona no Canadá, diz que não há fórmula única e que as especificidades locais importam, mas sugere alguns caminhos ― frisando que não são recomendações, e sim insumos para debate. São eles:

  1. Delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. “Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil).
  2. Criar políticas industriais que se “autodestroem” para evitar a perpetuação de benefícios. “Uma saída seria criar tarifas temporárias, que seriam gradualmente eliminadas.”
  3. Focar em áreas estratégicas. “Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz apostas.”
  4. Focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. “O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política.”
'Objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial', afirma Réka Juhasz, da University of British Columbia Foto: Peter Osnes
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Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Como ajustar as políticas industriais aos tempos atuais sem repetir estratégias pouco eficientes do passado? No Brasil, ao longo dos últimos anos, observamos um alto volume de subsídios ao setor, sem que isso necessariamente se traduzisse em aumento de produtividade. Como equilibrar essa balança?

Não existe fórmula única para implementar uma política industrial de maneira eficaz. Depende tanto dos objetivos e problemas que a política industrial busca resolver, quanto das especificidades locais ― como situação política, capacidade de o governo implementar planos sofisticados e o quanto nos preocupamos com a captura política. Isso determina o tipo de ação viável.

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Mas quais princípios devem nortear esse caminho?

Primeiro, é preciso frisar que política industrial é sempre uma aposta arriscada. O governo, mesmo que muito bem-intencionado e competente, não pode ter certeza de que as coisas que propõe terão êxito. É importante ter isso em mente, porque tanto os formuladores de políticas quanto o público necessitam desenvolver uma certa tolerância ao fracasso. Uma crítica frequente é que o governo não sabe o que está fazendo na área industrial. Mas acho que estamos exigindo do poder público um padrão muito mais alto do que exigimos do mercado. Por exemplo, se você pensar no que faz um empresário, ele faz muitas apostas arriscadas e várias falham. Portanto, quando o avaliamos, não olhamos projeto por projeto, mas sim o desempenho do portfólio inteiro.

Podemos dizer que a grande diferença, quando comparamos governos e empresários, seja a velocidade com que admitem e corrigem seus erros?

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É claro que, uma vez que você criou empregos com apoio do governo, uma vez que você começou a apoiar indústrias específicas, que podem ter se tornado muito influentes politicamente, fica muito complicado retirar esse apoio quando a política governamental não está funcionando. As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como que os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção.

E como resolver ou ao menos amenizar esse conflito?

Há duas maneiras de tentar abordar esses desafios. Uma é delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil). Se não são os políticos eleitos que precisam rever as ações, pode ser uma coisa mais fácil. Agora, política monetária é diferente de política industrial, que envolve alto risco, muitas vezes dando muitos recursos, então é bem mais distributivo. Nesse sentido, há argumentos para que políticos eleitos tomem essas decisões. Então, é importante frisar que isso (delegar as decisões a técnicos) não funciona em todos os casos ― é necessário encontrar um equilíbrio.

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Como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se insere nesse contexto?

Por um lado, as pessoas que lideram o BNDES são economistas experientes, mas, por outro, também são, normalmente, políticos atuantes. Portanto, acabamos vendo uma série de trocas na equipe do banco de acordo com o ciclo político. Acho que vimos seis presidentes nos últimos anos, porque o comando muda de acordo com quem está no poder.

Então a sra. avalia que, no caso do Brasil, seria interessante ter um banco de fomento mais independente do governo?

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Eu não diria que essa é a minha recomendação. Só estou ponderando que o BNDES é uma instituição central na política industrial do País e que parece bastante enraizada no processo político. Existem razões pelas quais isso é bom, mas você também pode pensar que, caso essa estrutura fosse um pouco mais independente, de uma forma semelhante ao funcionamento do Banco Central, poderia ser algo a se pensar. Mas, de novo, não estou dizendo que esta é a solução, é uma alternativa.

E qual seria a outra forma de resolver esse conflito?

Seria o que alguns economistas chamam de políticas que se “autodestroem”. O problema, na América Latina, é que a proteção tarifária para a indústria nunca foi removida. As tarifas foram aplicadas na esperança de que a indústria se tornasse competitiva, e esses benefícios pudessem ser removidos. Mas as tarifas permaneceram, mesmo muito tempo depois de ficar claro que as políticas não estavam funcionando.

De que forma a chamada ‘agenda verde’ entra nesse debate?

Na minha opinião, um dos objetivos dos governos ao redor do mundo deveria ser facilitar a transição para a energia verde. Mas, nos países que não estão na fronteira tecnológica e que não têm alta produtividade em determinadas indústrias, os objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial.

Por quê?

Se o objetivo é facilitar a transição para a energia verde e construir uma ótima infraestrutura, a resposta para quase todos os países seria importar a maioria dos produtos, como painéis solares, turbinas eólicas e veículos elétricos. Se a velocidade da transição verde for prioridade, podemos dizer que a política industrial está, na verdade, desacelerando um pouco as coisas. Agora, claro, o mundo não é tão simples assim, temos uma variedade de outras preocupações, tanto econômicas, como políticas e de segurança nacional.

Poderia dar alguns exemplos?

Países de renda média, em particular, utilizam muitos requisitos de conteúdo local em políticas industriais verdes. O Brasil é um ótimo exemplo disso com projetos de energia eólica e solar, em que os empréstimos do BNDES são frequentemente vinculados a requisitos de conteúdo local. Também vemos isso, por exemplo, no Ato de Redução de Inflação, nos EUA, que incorpora requisitos de conteúdo local. Além da pressão da China pela indústria de veículos elétricos, impondo requisitos de conteúdo local em baterias. Esse é um instrumento comumente utilizado, e essa tensão sobre a qual falamos está exatamente aqui. A questão é: se não funcionar, você poderá recuar e remover a proteção?

O caminho seria focar em áreas estratégicas?

Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz algumas apostas, com base em fundamentos econômicos, configuração da cadeia de suprimentos e habilidades da força de trabalho.

Em uma palestra recente, a sra. mencionou os riscos de captura política das ações industriais ao redor do mundo. Como isso pode ser evitado?

Sou húngara, então esses desafios não são estranhos para mim. Acredito que, nos tempos atuais, a política industrial precisa estar fortemente ligada ao setor privado e a outros grupos, como a força de trabalho do país e as pessoas que vivem nas áreas que são alvo dessa política, especialmente se houver preocupações ambientais ou outros efeitos potencialmente negativos. Ou seja, a política industrial precisa estar embutida na sociedade. A questão é diferenciar quando essas ligações se tornam capturas e quando são canais para governo e setor privado trocarem informações e criarem políticas integradas.

Como fazer isso?

Não há respostas fáceis. Alguns caminhos que poderíamos sugerir, mas muito dependentes dos contextos locais, seriam delegar parte do processo de formulação das políticas industriais a uma agência menos politizada ou então desenhar políticas com prazo de validade. Outra forma de política industrial muito eficaz é focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política. Quando o governo sentou com o setor privado, como os subsídios estavam fora da mesa de negociação, a questão passou a ser os gargalos que o segmento enfrenta e como seria possível reduzir a burocracia e solucionar a falta de insumos, por exemplo.

BRASÍLIA - Políticas industriais são sempre uma aposta arriscada e fracassos são inevitáveis, avalia Réka Juhasz, professora na Vancouver School of Economics, da University of British Columbia, no Canadá. O desafio do poder público é conseguir corrigir a rota em meio às pressões do mundo político, diz a docente, cofundadora do Industrial Policy Group, um think tank internacional.

“As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção”, diz Réka ao Estadão.

O tema ganha relevância em meio ao avanço da “agenda verde” e da necessidade de descarbonização das economias, o que exigirá investimentos industriais maciços focados em inovação. A professora, que nasceu na Hungria e leciona no Canadá, diz que não há fórmula única e que as especificidades locais importam, mas sugere alguns caminhos ― frisando que não são recomendações, e sim insumos para debate. São eles:

  1. Delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. “Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil).
  2. Criar políticas industriais que se “autodestroem” para evitar a perpetuação de benefícios. “Uma saída seria criar tarifas temporárias, que seriam gradualmente eliminadas.”
  3. Focar em áreas estratégicas. “Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz apostas.”
  4. Focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. “O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política.”
'Objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial', afirma Réka Juhasz, da University of British Columbia Foto: Peter Osnes

Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Como ajustar as políticas industriais aos tempos atuais sem repetir estratégias pouco eficientes do passado? No Brasil, ao longo dos últimos anos, observamos um alto volume de subsídios ao setor, sem que isso necessariamente se traduzisse em aumento de produtividade. Como equilibrar essa balança?

Não existe fórmula única para implementar uma política industrial de maneira eficaz. Depende tanto dos objetivos e problemas que a política industrial busca resolver, quanto das especificidades locais ― como situação política, capacidade de o governo implementar planos sofisticados e o quanto nos preocupamos com a captura política. Isso determina o tipo de ação viável.

Mas quais princípios devem nortear esse caminho?

Primeiro, é preciso frisar que política industrial é sempre uma aposta arriscada. O governo, mesmo que muito bem-intencionado e competente, não pode ter certeza de que as coisas que propõe terão êxito. É importante ter isso em mente, porque tanto os formuladores de políticas quanto o público necessitam desenvolver uma certa tolerância ao fracasso. Uma crítica frequente é que o governo não sabe o que está fazendo na área industrial. Mas acho que estamos exigindo do poder público um padrão muito mais alto do que exigimos do mercado. Por exemplo, se você pensar no que faz um empresário, ele faz muitas apostas arriscadas e várias falham. Portanto, quando o avaliamos, não olhamos projeto por projeto, mas sim o desempenho do portfólio inteiro.

Podemos dizer que a grande diferença, quando comparamos governos e empresários, seja a velocidade com que admitem e corrigem seus erros?

É claro que, uma vez que você criou empregos com apoio do governo, uma vez que você começou a apoiar indústrias específicas, que podem ter se tornado muito influentes politicamente, fica muito complicado retirar esse apoio quando a política governamental não está funcionando. As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como que os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção.

E como resolver ou ao menos amenizar esse conflito?

Há duas maneiras de tentar abordar esses desafios. Uma é delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil). Se não são os políticos eleitos que precisam rever as ações, pode ser uma coisa mais fácil. Agora, política monetária é diferente de política industrial, que envolve alto risco, muitas vezes dando muitos recursos, então é bem mais distributivo. Nesse sentido, há argumentos para que políticos eleitos tomem essas decisões. Então, é importante frisar que isso (delegar as decisões a técnicos) não funciona em todos os casos ― é necessário encontrar um equilíbrio.

Como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se insere nesse contexto?

Por um lado, as pessoas que lideram o BNDES são economistas experientes, mas, por outro, também são, normalmente, políticos atuantes. Portanto, acabamos vendo uma série de trocas na equipe do banco de acordo com o ciclo político. Acho que vimos seis presidentes nos últimos anos, porque o comando muda de acordo com quem está no poder.

Então a sra. avalia que, no caso do Brasil, seria interessante ter um banco de fomento mais independente do governo?

Eu não diria que essa é a minha recomendação. Só estou ponderando que o BNDES é uma instituição central na política industrial do País e que parece bastante enraizada no processo político. Existem razões pelas quais isso é bom, mas você também pode pensar que, caso essa estrutura fosse um pouco mais independente, de uma forma semelhante ao funcionamento do Banco Central, poderia ser algo a se pensar. Mas, de novo, não estou dizendo que esta é a solução, é uma alternativa.

E qual seria a outra forma de resolver esse conflito?

Seria o que alguns economistas chamam de políticas que se “autodestroem”. O problema, na América Latina, é que a proteção tarifária para a indústria nunca foi removida. As tarifas foram aplicadas na esperança de que a indústria se tornasse competitiva, e esses benefícios pudessem ser removidos. Mas as tarifas permaneceram, mesmo muito tempo depois de ficar claro que as políticas não estavam funcionando.

De que forma a chamada ‘agenda verde’ entra nesse debate?

Na minha opinião, um dos objetivos dos governos ao redor do mundo deveria ser facilitar a transição para a energia verde. Mas, nos países que não estão na fronteira tecnológica e que não têm alta produtividade em determinadas indústrias, os objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial.

Por quê?

Se o objetivo é facilitar a transição para a energia verde e construir uma ótima infraestrutura, a resposta para quase todos os países seria importar a maioria dos produtos, como painéis solares, turbinas eólicas e veículos elétricos. Se a velocidade da transição verde for prioridade, podemos dizer que a política industrial está, na verdade, desacelerando um pouco as coisas. Agora, claro, o mundo não é tão simples assim, temos uma variedade de outras preocupações, tanto econômicas, como políticas e de segurança nacional.

Poderia dar alguns exemplos?

Países de renda média, em particular, utilizam muitos requisitos de conteúdo local em políticas industriais verdes. O Brasil é um ótimo exemplo disso com projetos de energia eólica e solar, em que os empréstimos do BNDES são frequentemente vinculados a requisitos de conteúdo local. Também vemos isso, por exemplo, no Ato de Redução de Inflação, nos EUA, que incorpora requisitos de conteúdo local. Além da pressão da China pela indústria de veículos elétricos, impondo requisitos de conteúdo local em baterias. Esse é um instrumento comumente utilizado, e essa tensão sobre a qual falamos está exatamente aqui. A questão é: se não funcionar, você poderá recuar e remover a proteção?

O caminho seria focar em áreas estratégicas?

Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz algumas apostas, com base em fundamentos econômicos, configuração da cadeia de suprimentos e habilidades da força de trabalho.

Em uma palestra recente, a sra. mencionou os riscos de captura política das ações industriais ao redor do mundo. Como isso pode ser evitado?

Sou húngara, então esses desafios não são estranhos para mim. Acredito que, nos tempos atuais, a política industrial precisa estar fortemente ligada ao setor privado e a outros grupos, como a força de trabalho do país e as pessoas que vivem nas áreas que são alvo dessa política, especialmente se houver preocupações ambientais ou outros efeitos potencialmente negativos. Ou seja, a política industrial precisa estar embutida na sociedade. A questão é diferenciar quando essas ligações se tornam capturas e quando são canais para governo e setor privado trocarem informações e criarem políticas integradas.

Como fazer isso?

Não há respostas fáceis. Alguns caminhos que poderíamos sugerir, mas muito dependentes dos contextos locais, seriam delegar parte do processo de formulação das políticas industriais a uma agência menos politizada ou então desenhar políticas com prazo de validade. Outra forma de política industrial muito eficaz é focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política. Quando o governo sentou com o setor privado, como os subsídios estavam fora da mesa de negociação, a questão passou a ser os gargalos que o segmento enfrenta e como seria possível reduzir a burocracia e solucionar a falta de insumos, por exemplo.

BRASÍLIA - Políticas industriais são sempre uma aposta arriscada e fracassos são inevitáveis, avalia Réka Juhasz, professora na Vancouver School of Economics, da University of British Columbia, no Canadá. O desafio do poder público é conseguir corrigir a rota em meio às pressões do mundo político, diz a docente, cofundadora do Industrial Policy Group, um think tank internacional.

“As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção”, diz Réka ao Estadão.

O tema ganha relevância em meio ao avanço da “agenda verde” e da necessidade de descarbonização das economias, o que exigirá investimentos industriais maciços focados em inovação. A professora, que nasceu na Hungria e leciona no Canadá, diz que não há fórmula única e que as especificidades locais importam, mas sugere alguns caminhos ― frisando que não são recomendações, e sim insumos para debate. São eles:

  1. Delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. “Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil).
  2. Criar políticas industriais que se “autodestroem” para evitar a perpetuação de benefícios. “Uma saída seria criar tarifas temporárias, que seriam gradualmente eliminadas.”
  3. Focar em áreas estratégicas. “Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz apostas.”
  4. Focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. “O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política.”
'Objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial', afirma Réka Juhasz, da University of British Columbia Foto: Peter Osnes

Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Como ajustar as políticas industriais aos tempos atuais sem repetir estratégias pouco eficientes do passado? No Brasil, ao longo dos últimos anos, observamos um alto volume de subsídios ao setor, sem que isso necessariamente se traduzisse em aumento de produtividade. Como equilibrar essa balança?

Não existe fórmula única para implementar uma política industrial de maneira eficaz. Depende tanto dos objetivos e problemas que a política industrial busca resolver, quanto das especificidades locais ― como situação política, capacidade de o governo implementar planos sofisticados e o quanto nos preocupamos com a captura política. Isso determina o tipo de ação viável.

Mas quais princípios devem nortear esse caminho?

Primeiro, é preciso frisar que política industrial é sempre uma aposta arriscada. O governo, mesmo que muito bem-intencionado e competente, não pode ter certeza de que as coisas que propõe terão êxito. É importante ter isso em mente, porque tanto os formuladores de políticas quanto o público necessitam desenvolver uma certa tolerância ao fracasso. Uma crítica frequente é que o governo não sabe o que está fazendo na área industrial. Mas acho que estamos exigindo do poder público um padrão muito mais alto do que exigimos do mercado. Por exemplo, se você pensar no que faz um empresário, ele faz muitas apostas arriscadas e várias falham. Portanto, quando o avaliamos, não olhamos projeto por projeto, mas sim o desempenho do portfólio inteiro.

Podemos dizer que a grande diferença, quando comparamos governos e empresários, seja a velocidade com que admitem e corrigem seus erros?

É claro que, uma vez que você criou empregos com apoio do governo, uma vez que você começou a apoiar indústrias específicas, que podem ter se tornado muito influentes politicamente, fica muito complicado retirar esse apoio quando a política governamental não está funcionando. As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como que os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção.

E como resolver ou ao menos amenizar esse conflito?

Há duas maneiras de tentar abordar esses desafios. Uma é delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil). Se não são os políticos eleitos que precisam rever as ações, pode ser uma coisa mais fácil. Agora, política monetária é diferente de política industrial, que envolve alto risco, muitas vezes dando muitos recursos, então é bem mais distributivo. Nesse sentido, há argumentos para que políticos eleitos tomem essas decisões. Então, é importante frisar que isso (delegar as decisões a técnicos) não funciona em todos os casos ― é necessário encontrar um equilíbrio.

Como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se insere nesse contexto?

Por um lado, as pessoas que lideram o BNDES são economistas experientes, mas, por outro, também são, normalmente, políticos atuantes. Portanto, acabamos vendo uma série de trocas na equipe do banco de acordo com o ciclo político. Acho que vimos seis presidentes nos últimos anos, porque o comando muda de acordo com quem está no poder.

Então a sra. avalia que, no caso do Brasil, seria interessante ter um banco de fomento mais independente do governo?

Eu não diria que essa é a minha recomendação. Só estou ponderando que o BNDES é uma instituição central na política industrial do País e que parece bastante enraizada no processo político. Existem razões pelas quais isso é bom, mas você também pode pensar que, caso essa estrutura fosse um pouco mais independente, de uma forma semelhante ao funcionamento do Banco Central, poderia ser algo a se pensar. Mas, de novo, não estou dizendo que esta é a solução, é uma alternativa.

E qual seria a outra forma de resolver esse conflito?

Seria o que alguns economistas chamam de políticas que se “autodestroem”. O problema, na América Latina, é que a proteção tarifária para a indústria nunca foi removida. As tarifas foram aplicadas na esperança de que a indústria se tornasse competitiva, e esses benefícios pudessem ser removidos. Mas as tarifas permaneceram, mesmo muito tempo depois de ficar claro que as políticas não estavam funcionando.

De que forma a chamada ‘agenda verde’ entra nesse debate?

Na minha opinião, um dos objetivos dos governos ao redor do mundo deveria ser facilitar a transição para a energia verde. Mas, nos países que não estão na fronteira tecnológica e que não têm alta produtividade em determinadas indústrias, os objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial.

Por quê?

Se o objetivo é facilitar a transição para a energia verde e construir uma ótima infraestrutura, a resposta para quase todos os países seria importar a maioria dos produtos, como painéis solares, turbinas eólicas e veículos elétricos. Se a velocidade da transição verde for prioridade, podemos dizer que a política industrial está, na verdade, desacelerando um pouco as coisas. Agora, claro, o mundo não é tão simples assim, temos uma variedade de outras preocupações, tanto econômicas, como políticas e de segurança nacional.

Poderia dar alguns exemplos?

Países de renda média, em particular, utilizam muitos requisitos de conteúdo local em políticas industriais verdes. O Brasil é um ótimo exemplo disso com projetos de energia eólica e solar, em que os empréstimos do BNDES são frequentemente vinculados a requisitos de conteúdo local. Também vemos isso, por exemplo, no Ato de Redução de Inflação, nos EUA, que incorpora requisitos de conteúdo local. Além da pressão da China pela indústria de veículos elétricos, impondo requisitos de conteúdo local em baterias. Esse é um instrumento comumente utilizado, e essa tensão sobre a qual falamos está exatamente aqui. A questão é: se não funcionar, você poderá recuar e remover a proteção?

O caminho seria focar em áreas estratégicas?

Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz algumas apostas, com base em fundamentos econômicos, configuração da cadeia de suprimentos e habilidades da força de trabalho.

Em uma palestra recente, a sra. mencionou os riscos de captura política das ações industriais ao redor do mundo. Como isso pode ser evitado?

Sou húngara, então esses desafios não são estranhos para mim. Acredito que, nos tempos atuais, a política industrial precisa estar fortemente ligada ao setor privado e a outros grupos, como a força de trabalho do país e as pessoas que vivem nas áreas que são alvo dessa política, especialmente se houver preocupações ambientais ou outros efeitos potencialmente negativos. Ou seja, a política industrial precisa estar embutida na sociedade. A questão é diferenciar quando essas ligações se tornam capturas e quando são canais para governo e setor privado trocarem informações e criarem políticas integradas.

Como fazer isso?

Não há respostas fáceis. Alguns caminhos que poderíamos sugerir, mas muito dependentes dos contextos locais, seriam delegar parte do processo de formulação das políticas industriais a uma agência menos politizada ou então desenhar políticas com prazo de validade. Outra forma de política industrial muito eficaz é focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política. Quando o governo sentou com o setor privado, como os subsídios estavam fora da mesa de negociação, a questão passou a ser os gargalos que o segmento enfrenta e como seria possível reduzir a burocracia e solucionar a falta de insumos, por exemplo.

BRASÍLIA - Políticas industriais são sempre uma aposta arriscada e fracassos são inevitáveis, avalia Réka Juhasz, professora na Vancouver School of Economics, da University of British Columbia, no Canadá. O desafio do poder público é conseguir corrigir a rota em meio às pressões do mundo político, diz a docente, cofundadora do Industrial Policy Group, um think tank internacional.

“As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção”, diz Réka ao Estadão.

O tema ganha relevância em meio ao avanço da “agenda verde” e da necessidade de descarbonização das economias, o que exigirá investimentos industriais maciços focados em inovação. A professora, que nasceu na Hungria e leciona no Canadá, diz que não há fórmula única e que as especificidades locais importam, mas sugere alguns caminhos ― frisando que não são recomendações, e sim insumos para debate. São eles:

  1. Delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. “Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil).
  2. Criar políticas industriais que se “autodestroem” para evitar a perpetuação de benefícios. “Uma saída seria criar tarifas temporárias, que seriam gradualmente eliminadas.”
  3. Focar em áreas estratégicas. “Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz apostas.”
  4. Focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. “O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política.”
'Objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial', afirma Réka Juhasz, da University of British Columbia Foto: Peter Osnes

Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Como ajustar as políticas industriais aos tempos atuais sem repetir estratégias pouco eficientes do passado? No Brasil, ao longo dos últimos anos, observamos um alto volume de subsídios ao setor, sem que isso necessariamente se traduzisse em aumento de produtividade. Como equilibrar essa balança?

Não existe fórmula única para implementar uma política industrial de maneira eficaz. Depende tanto dos objetivos e problemas que a política industrial busca resolver, quanto das especificidades locais ― como situação política, capacidade de o governo implementar planos sofisticados e o quanto nos preocupamos com a captura política. Isso determina o tipo de ação viável.

Mas quais princípios devem nortear esse caminho?

Primeiro, é preciso frisar que política industrial é sempre uma aposta arriscada. O governo, mesmo que muito bem-intencionado e competente, não pode ter certeza de que as coisas que propõe terão êxito. É importante ter isso em mente, porque tanto os formuladores de políticas quanto o público necessitam desenvolver uma certa tolerância ao fracasso. Uma crítica frequente é que o governo não sabe o que está fazendo na área industrial. Mas acho que estamos exigindo do poder público um padrão muito mais alto do que exigimos do mercado. Por exemplo, se você pensar no que faz um empresário, ele faz muitas apostas arriscadas e várias falham. Portanto, quando o avaliamos, não olhamos projeto por projeto, mas sim o desempenho do portfólio inteiro.

Podemos dizer que a grande diferença, quando comparamos governos e empresários, seja a velocidade com que admitem e corrigem seus erros?

É claro que, uma vez que você criou empregos com apoio do governo, uma vez que você começou a apoiar indústrias específicas, que podem ter se tornado muito influentes politicamente, fica muito complicado retirar esse apoio quando a política governamental não está funcionando. As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como que os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção.

E como resolver ou ao menos amenizar esse conflito?

Há duas maneiras de tentar abordar esses desafios. Uma é delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil). Se não são os políticos eleitos que precisam rever as ações, pode ser uma coisa mais fácil. Agora, política monetária é diferente de política industrial, que envolve alto risco, muitas vezes dando muitos recursos, então é bem mais distributivo. Nesse sentido, há argumentos para que políticos eleitos tomem essas decisões. Então, é importante frisar que isso (delegar as decisões a técnicos) não funciona em todos os casos ― é necessário encontrar um equilíbrio.

Como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se insere nesse contexto?

Por um lado, as pessoas que lideram o BNDES são economistas experientes, mas, por outro, também são, normalmente, políticos atuantes. Portanto, acabamos vendo uma série de trocas na equipe do banco de acordo com o ciclo político. Acho que vimos seis presidentes nos últimos anos, porque o comando muda de acordo com quem está no poder.

Então a sra. avalia que, no caso do Brasil, seria interessante ter um banco de fomento mais independente do governo?

Eu não diria que essa é a minha recomendação. Só estou ponderando que o BNDES é uma instituição central na política industrial do País e que parece bastante enraizada no processo político. Existem razões pelas quais isso é bom, mas você também pode pensar que, caso essa estrutura fosse um pouco mais independente, de uma forma semelhante ao funcionamento do Banco Central, poderia ser algo a se pensar. Mas, de novo, não estou dizendo que esta é a solução, é uma alternativa.

E qual seria a outra forma de resolver esse conflito?

Seria o que alguns economistas chamam de políticas que se “autodestroem”. O problema, na América Latina, é que a proteção tarifária para a indústria nunca foi removida. As tarifas foram aplicadas na esperança de que a indústria se tornasse competitiva, e esses benefícios pudessem ser removidos. Mas as tarifas permaneceram, mesmo muito tempo depois de ficar claro que as políticas não estavam funcionando.

De que forma a chamada ‘agenda verde’ entra nesse debate?

Na minha opinião, um dos objetivos dos governos ao redor do mundo deveria ser facilitar a transição para a energia verde. Mas, nos países que não estão na fronteira tecnológica e que não têm alta produtividade em determinadas indústrias, os objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial.

Por quê?

Se o objetivo é facilitar a transição para a energia verde e construir uma ótima infraestrutura, a resposta para quase todos os países seria importar a maioria dos produtos, como painéis solares, turbinas eólicas e veículos elétricos. Se a velocidade da transição verde for prioridade, podemos dizer que a política industrial está, na verdade, desacelerando um pouco as coisas. Agora, claro, o mundo não é tão simples assim, temos uma variedade de outras preocupações, tanto econômicas, como políticas e de segurança nacional.

Poderia dar alguns exemplos?

Países de renda média, em particular, utilizam muitos requisitos de conteúdo local em políticas industriais verdes. O Brasil é um ótimo exemplo disso com projetos de energia eólica e solar, em que os empréstimos do BNDES são frequentemente vinculados a requisitos de conteúdo local. Também vemos isso, por exemplo, no Ato de Redução de Inflação, nos EUA, que incorpora requisitos de conteúdo local. Além da pressão da China pela indústria de veículos elétricos, impondo requisitos de conteúdo local em baterias. Esse é um instrumento comumente utilizado, e essa tensão sobre a qual falamos está exatamente aqui. A questão é: se não funcionar, você poderá recuar e remover a proteção?

O caminho seria focar em áreas estratégicas?

Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz algumas apostas, com base em fundamentos econômicos, configuração da cadeia de suprimentos e habilidades da força de trabalho.

Em uma palestra recente, a sra. mencionou os riscos de captura política das ações industriais ao redor do mundo. Como isso pode ser evitado?

Sou húngara, então esses desafios não são estranhos para mim. Acredito que, nos tempos atuais, a política industrial precisa estar fortemente ligada ao setor privado e a outros grupos, como a força de trabalho do país e as pessoas que vivem nas áreas que são alvo dessa política, especialmente se houver preocupações ambientais ou outros efeitos potencialmente negativos. Ou seja, a política industrial precisa estar embutida na sociedade. A questão é diferenciar quando essas ligações se tornam capturas e quando são canais para governo e setor privado trocarem informações e criarem políticas integradas.

Como fazer isso?

Não há respostas fáceis. Alguns caminhos que poderíamos sugerir, mas muito dependentes dos contextos locais, seriam delegar parte do processo de formulação das políticas industriais a uma agência menos politizada ou então desenhar políticas com prazo de validade. Outra forma de política industrial muito eficaz é focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política. Quando o governo sentou com o setor privado, como os subsídios estavam fora da mesa de negociação, a questão passou a ser os gargalos que o segmento enfrenta e como seria possível reduzir a burocracia e solucionar a falta de insumos, por exemplo.

BRASÍLIA - Políticas industriais são sempre uma aposta arriscada e fracassos são inevitáveis, avalia Réka Juhasz, professora na Vancouver School of Economics, da University of British Columbia, no Canadá. O desafio do poder público é conseguir corrigir a rota em meio às pressões do mundo político, diz a docente, cofundadora do Industrial Policy Group, um think tank internacional.

“As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção”, diz Réka ao Estadão.

O tema ganha relevância em meio ao avanço da “agenda verde” e da necessidade de descarbonização das economias, o que exigirá investimentos industriais maciços focados em inovação. A professora, que nasceu na Hungria e leciona no Canadá, diz que não há fórmula única e que as especificidades locais importam, mas sugere alguns caminhos ― frisando que não são recomendações, e sim insumos para debate. São eles:

  1. Delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. “Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil).
  2. Criar políticas industriais que se “autodestroem” para evitar a perpetuação de benefícios. “Uma saída seria criar tarifas temporárias, que seriam gradualmente eliminadas.”
  3. Focar em áreas estratégicas. “Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz apostas.”
  4. Focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. “O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política.”
'Objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial', afirma Réka Juhasz, da University of British Columbia Foto: Peter Osnes

Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Como ajustar as políticas industriais aos tempos atuais sem repetir estratégias pouco eficientes do passado? No Brasil, ao longo dos últimos anos, observamos um alto volume de subsídios ao setor, sem que isso necessariamente se traduzisse em aumento de produtividade. Como equilibrar essa balança?

Não existe fórmula única para implementar uma política industrial de maneira eficaz. Depende tanto dos objetivos e problemas que a política industrial busca resolver, quanto das especificidades locais ― como situação política, capacidade de o governo implementar planos sofisticados e o quanto nos preocupamos com a captura política. Isso determina o tipo de ação viável.

Mas quais princípios devem nortear esse caminho?

Primeiro, é preciso frisar que política industrial é sempre uma aposta arriscada. O governo, mesmo que muito bem-intencionado e competente, não pode ter certeza de que as coisas que propõe terão êxito. É importante ter isso em mente, porque tanto os formuladores de políticas quanto o público necessitam desenvolver uma certa tolerância ao fracasso. Uma crítica frequente é que o governo não sabe o que está fazendo na área industrial. Mas acho que estamos exigindo do poder público um padrão muito mais alto do que exigimos do mercado. Por exemplo, se você pensar no que faz um empresário, ele faz muitas apostas arriscadas e várias falham. Portanto, quando o avaliamos, não olhamos projeto por projeto, mas sim o desempenho do portfólio inteiro.

Podemos dizer que a grande diferença, quando comparamos governos e empresários, seja a velocidade com que admitem e corrigem seus erros?

É claro que, uma vez que você criou empregos com apoio do governo, uma vez que você começou a apoiar indústrias específicas, que podem ter se tornado muito influentes politicamente, fica muito complicado retirar esse apoio quando a política governamental não está funcionando. As pessoas olham para a história da política industrial na América Latina e dizem: ‘Nós apoiamos essa política por décadas, mesmo que tenhamos obtido muito pouco retorno’. E isso parece meio intrigante: como que os formuladores dessas ações não sabiam? A resposta, claro, é que provavelmente eles sabiam. Só que, politicamente, era extremamente difícil remover a proteção.

E como resolver ou ao menos amenizar esse conflito?

Há duas maneiras de tentar abordar esses desafios. Uma é delegar parte da formulação de políticas industriais a um grupo mais técnico. Isso é algo que vemos, por exemplo, com a independência do Banco Central (no Brasil). Se não são os políticos eleitos que precisam rever as ações, pode ser uma coisa mais fácil. Agora, política monetária é diferente de política industrial, que envolve alto risco, muitas vezes dando muitos recursos, então é bem mais distributivo. Nesse sentido, há argumentos para que políticos eleitos tomem essas decisões. Então, é importante frisar que isso (delegar as decisões a técnicos) não funciona em todos os casos ― é necessário encontrar um equilíbrio.

Como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se insere nesse contexto?

Por um lado, as pessoas que lideram o BNDES são economistas experientes, mas, por outro, também são, normalmente, políticos atuantes. Portanto, acabamos vendo uma série de trocas na equipe do banco de acordo com o ciclo político. Acho que vimos seis presidentes nos últimos anos, porque o comando muda de acordo com quem está no poder.

Então a sra. avalia que, no caso do Brasil, seria interessante ter um banco de fomento mais independente do governo?

Eu não diria que essa é a minha recomendação. Só estou ponderando que o BNDES é uma instituição central na política industrial do País e que parece bastante enraizada no processo político. Existem razões pelas quais isso é bom, mas você também pode pensar que, caso essa estrutura fosse um pouco mais independente, de uma forma semelhante ao funcionamento do Banco Central, poderia ser algo a se pensar. Mas, de novo, não estou dizendo que esta é a solução, é uma alternativa.

E qual seria a outra forma de resolver esse conflito?

Seria o que alguns economistas chamam de políticas que se “autodestroem”. O problema, na América Latina, é que a proteção tarifária para a indústria nunca foi removida. As tarifas foram aplicadas na esperança de que a indústria se tornasse competitiva, e esses benefícios pudessem ser removidos. Mas as tarifas permaneceram, mesmo muito tempo depois de ficar claro que as políticas não estavam funcionando.

De que forma a chamada ‘agenda verde’ entra nesse debate?

Na minha opinião, um dos objetivos dos governos ao redor do mundo deveria ser facilitar a transição para a energia verde. Mas, nos países que não estão na fronteira tecnológica e que não têm alta produtividade em determinadas indústrias, os objetivos de curto prazo da transição energética frequentemente estão em conflito com a política industrial.

Por quê?

Se o objetivo é facilitar a transição para a energia verde e construir uma ótima infraestrutura, a resposta para quase todos os países seria importar a maioria dos produtos, como painéis solares, turbinas eólicas e veículos elétricos. Se a velocidade da transição verde for prioridade, podemos dizer que a política industrial está, na verdade, desacelerando um pouco as coisas. Agora, claro, o mundo não é tão simples assim, temos uma variedade de outras preocupações, tanto econômicas, como políticas e de segurança nacional.

Poderia dar alguns exemplos?

Países de renda média, em particular, utilizam muitos requisitos de conteúdo local em políticas industriais verdes. O Brasil é um ótimo exemplo disso com projetos de energia eólica e solar, em que os empréstimos do BNDES são frequentemente vinculados a requisitos de conteúdo local. Também vemos isso, por exemplo, no Ato de Redução de Inflação, nos EUA, que incorpora requisitos de conteúdo local. Além da pressão da China pela indústria de veículos elétricos, impondo requisitos de conteúdo local em baterias. Esse é um instrumento comumente utilizado, e essa tensão sobre a qual falamos está exatamente aqui. A questão é: se não funcionar, você poderá recuar e remover a proteção?

O caminho seria focar em áreas estratégicas?

Nenhuma economia deve produzir tudo. Uma política industrial inteligente olha quais são as potenciais fontes de força nacional e faz algumas apostas, com base em fundamentos econômicos, configuração da cadeia de suprimentos e habilidades da força de trabalho.

Em uma palestra recente, a sra. mencionou os riscos de captura política das ações industriais ao redor do mundo. Como isso pode ser evitado?

Sou húngara, então esses desafios não são estranhos para mim. Acredito que, nos tempos atuais, a política industrial precisa estar fortemente ligada ao setor privado e a outros grupos, como a força de trabalho do país e as pessoas que vivem nas áreas que são alvo dessa política, especialmente se houver preocupações ambientais ou outros efeitos potencialmente negativos. Ou seja, a política industrial precisa estar embutida na sociedade. A questão é diferenciar quando essas ligações se tornam capturas e quando são canais para governo e setor privado trocarem informações e criarem políticas integradas.

Como fazer isso?

Não há respostas fáceis. Alguns caminhos que poderíamos sugerir, mas muito dependentes dos contextos locais, seriam delegar parte do processo de formulação das políticas industriais a uma agência menos politizada ou então desenhar políticas com prazo de validade. Outra forma de política industrial muito eficaz é focar em gargalos, em vez de fornecer subsídios. O Peru tem um exemplo muito famoso disso, que foi desenvolvido justamente por causa das preocupações com a captura política. Quando o governo sentou com o setor privado, como os subsídios estavam fora da mesa de negociação, a questão passou a ser os gargalos que o segmento enfrenta e como seria possível reduzir a burocracia e solucionar a falta de insumos, por exemplo.

Entrevista por Bianca Lima

Repórter especial do Estadão em Brasília, com experiência em macroeconomia, contas públicas e tributação. Foi repórter da GloboNews e do g1 e bolsista do International Center for Journalists (ICFJ), com sede em Washington. Tem MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Vencedora dos prêmios CNH, Abecip, FNP e Estadão.

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