Indústria perde força no comércio exterior desde o início de 2000, afirma pesquisadora da FGV/Ibre


Lia Valls Pereira vê grande mudança da participação na pauta de exportações do País, em que as commodities agrícolas e minerais foram ganhando espaço do setor de transformação industrial

Por Ivo Ribeiro
Atualização:
Foto: Marcelo Freire
Entrevista comLia Valls PereiraPesquisadora da FGV/Ibre

Do início deste século até agora, o Brasil passou por uma grande mudança na sua pauta de exportações, com os setores agropecuário e indústria extrativa, centrados em commodities agrícolas e minerais, ganhando participação ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, a indústria de transformação foi deixando de ser dominante, respondendo por 58% a 60%, atualmente.

Essa é a análise de Lia Valls Pereira, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora do Programa de Economia e de Pós-Graduação em Relação Internacional e pesquisadora associada à Fundação Getulio Vargas (FVG/Ibre).

Segundo a pesquisadora da FGV/Ibre, O Brasil perdeu posições nos fluxos de comércio global. Nos anos 90, o País aparecia, nas estatísticas da Organização Mundial de Comércio (OMC) entre os 10 maiores exportadores siderúrgicos. Às vezes, entre os de automóveis. “Isso tudo não temos mais. Hoje, ao se olhar a indústria de transformação, o setor mais importante, em termos de participação, é o de produtos alimentícios”, afirma.

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Lia Valls será uma das participantes do Fórum Estadão Think Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre na próxima terça-feira, 12, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui.

Como a sra. analisa hoje a posição da indústria brasileira no comércio exterior, de uma forma geral?

Ao analisar a participação dos diversos segmentos industriais nas exportações a partir de 2003, vemos uma grande mudança na composição da nossa pauta de exportação. Somando agropecuária com a indústria extrativa, juntas respondiam por 17,7% das exportações brasileiras enquanto a indústria de transformação era 82,3%. Hoje, 20 anos depois, as duas respondem por 46% e o setor de transformação, por 54%. Vemos nessa mudança uma crescente participação da agricultura e também de parte da indústria extrativa. Ao mesmo tempo se verifica um declínio da participação da indústria de transformação. A partir de 2009, vemos o boom das commodities com o setor agropecuário crescendo em ritmo de dois dígitos, 10% a 12%, até chegar a 20% em 2020. A extrativa, impulsionada muito pelo petróleo, também cresceu bem. De dominante, a indústria de transformação passou a ter pouco mais de metade das exportações, 58% a 60%.

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A que fatores a sra. atribuiu esse cenário?

O primeiro ponto a chamar atenção é que o Brasil passou aproveitar oportunidades. O País tem vantagem comparativa, obviamente, nos setores agropecuário e extrativo, que tiveram o benefício do grande demandante do mercado mundial, a China. O país passou a demandar esses recursos, e o Brasil respondeu. Mas, ao se olhar a participação nos fluxos de comércio, nos anos 90, o País aparecia nas estatística da OMC (Organização Mundial de Comércio) entre os 10 maiores exportadores siderúrgicos, às vezes, entre os de automóveis... Isso tudo não temos mais. Hoje, ao se olhar a indústria de transformação, o setor mais importante em termos de participação é o de produtos alimentícios, que sempre foi alta. Saiu de 22% em 2003 e no ano passado atingiu 34%. E tivemos, também, uma a concentração nos bens ligados a recursos naturais.

Pesquisadora observa que as exportações refletem mudanças como a da posição do Brasil na fabricação de equipamentos de informática, elétrica e eletrônica, 'que em 2003 atingia 4,1% e, pelo último dado do IBGE, no ano passado, era de 0,9%' Foto: Márcio Fernandes/Estadão
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E quanto aos setores de produtos de maior valor agregado, como o de máquinas e equipamentos?

O setor industrial está sempre preocupado com os produtos de maior valor adicionado, como a fabricação de máquinas e equipamentos. Nunca teve uma participação tão alta, mas aí entram a questão da tecnológica, da competitividade. O último número, de 2023, é de 7,7%, que mostra queda em relação aos 8% de 2022. Não caiu tanto. Em veículos a participação não decresce muito, mas também não avança. Veículos, automotores, reboques e carrocerias, que era 10%, está agora, 20 anos depois, em 7%.

Quais são os produtos industriais que mostram mais poder de entrada no mercado global?

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São os de setores que têm mais dinamismo, ou seja, com maior conteúdo tecnológico. O Brasil não está entre os dez maiores em nenhum deles. A nossa posição na fabricação de equipamentos de informática, elétrica e eletrônica, que em 2003 atingia 4,1%, pelo último dado do IBGE, no ano passado, era de 0,9%. Uma forte queda. Podemos dizer que o Brasil perdeu relevância. Ao se comparar com o início do ano 2000, a competição do mercado internacional ficou muito mais acirrada. É problema da China? Óbvio que a China desloca muito exportação, e então se fala em prática desleal de comércio, em que o país lidera no mundo ações antidumping. A China tem uma escala muito grande de produção e precisa alocar essa produção, exportação excesso de capacidade. Para o Brasil, é lógico que a competição ficou mais complicada.

Para a indústria brasileira, pode-se dizer, então, que é uma questão de competitividade?

Ao se analisar a produtividade da indústria nesse período, ela não cresceu. Sabemos que há problema de inovação, apesar de haver ilhas de inovação, e temos de considerar que passamos por recessão mais profunda em 2014, 2015. Não é só uma questão de ter mais competitividade, há também capital humano, treinamento, tudo isso. Essa agenda no Brasil está sempre presente, mas os desafios são grandes e no comércio exterior não se muda uma estrutura da noite para o dia. É um trabalho persistente de investimento, de inovação e toda essa questão de ambiental. O País aproveitou os nichos em que tinha mais vantagem, principalmente em alimentos, e onde tinha mais competitividade, como commodities, agrícolas e metálicas. O grau de inovação tecnológica é muito rápido em manufatura.

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Os empresários industriais reclamam do chamado custo Brasil, que embute uma carga tributária elevada. Como fica com a reforma tributária?

A reforma ajuda, pois tem muita tributação embutida. O IVA (Imposto de Valor Agregado) vai tirar parte dessas distorções, mas isso não vai aparecer logo. Na questão da manufatura, a parte tributária não está totalmente resolvida, porém vai ser um avanço grande em relação ao que era. Muita coisa vai melhorar. Eles reclamam também dos juros, mas juro é uma questão macroeconômica. Outra coisa importante é a nova política industrial. Antigamente se fazia muita política industrial na base de conceder subsídio. Isso no mundo está um pouco diferente. Os Estados Unidos têm o IRA (Inflation Reduction Act), que abriga novos setores. Europa e China, também. Os Estados Unidos estão preocupados em incentivar esses setores. O Brasil tem de pensar bem como que vai fazer, porque não tem o fôlego americano. Tem restrições fiscais, outras prioridades e toda uma agenda de questões de desigualdade.

Que estímulos a sra. aponta que o País deve adotar para ser diferenciar do que se fez no passado, calcado em proteção?

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O estímulo à inovação, a questão da energia limpa. São coisas todas transversais. E, supostamente, o Brasil tem potencial, tem parcerias. Precisa atrair investimento direto estrangeiro, ao contrário do que dizem, porque nossa poupança é baixa. Tem de avaliar bem como fazer essas parcerias, de forma a internalizar os benefícios desses investimentos.

Qual sua visão das políticas de comércio exterior atuais e como o Brasil está inserido nesse contexto?

O ambiente do comércio exterior, no mundo, está geopolitizado. O Brasil está numa situação de muita tensão e a nossa política externa é de tentar ser um global trader. Temos de comercializar com Estados Unidos, com a União Europeia, com a China, com quem quer que seja, para poder garantir as exportações. Há esse jogo também no mundo atual.

O comércio exterior do Brasil com os Estados Unidos, dependendo de quem for eleito no país, pode sofrer mudanças?

Para nós, o problema maior é a posição no cenário internacional. Porque o Donald Trump, não sei vai realmente cumprir suas intenções de elevar todas as tarifas, o que pega todo mundo, de aumentar entre 10% e 20% até 60%. Isso tem um outro efeito que é fortalecer o dólar, porque eles estarão se protegendo, mas gastando mais recursos dentro dos Estados Unidos. E acabam desvalorizando outras moedas, o que tem efeito inflacionário, mas, ao mesmo tempo, elevam nossa competição. Então, o Trump é um cenário ruim. O grande inimigo deles é unipartidário, a China.

Do início deste século até agora, o Brasil passou por uma grande mudança na sua pauta de exportações, com os setores agropecuário e indústria extrativa, centrados em commodities agrícolas e minerais, ganhando participação ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, a indústria de transformação foi deixando de ser dominante, respondendo por 58% a 60%, atualmente.

Essa é a análise de Lia Valls Pereira, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora do Programa de Economia e de Pós-Graduação em Relação Internacional e pesquisadora associada à Fundação Getulio Vargas (FVG/Ibre).

Segundo a pesquisadora da FGV/Ibre, O Brasil perdeu posições nos fluxos de comércio global. Nos anos 90, o País aparecia, nas estatísticas da Organização Mundial de Comércio (OMC) entre os 10 maiores exportadores siderúrgicos. Às vezes, entre os de automóveis. “Isso tudo não temos mais. Hoje, ao se olhar a indústria de transformação, o setor mais importante, em termos de participação, é o de produtos alimentícios”, afirma.

Lia Valls será uma das participantes do Fórum Estadão Think Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre na próxima terça-feira, 12, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui.

Como a sra. analisa hoje a posição da indústria brasileira no comércio exterior, de uma forma geral?

Ao analisar a participação dos diversos segmentos industriais nas exportações a partir de 2003, vemos uma grande mudança na composição da nossa pauta de exportação. Somando agropecuária com a indústria extrativa, juntas respondiam por 17,7% das exportações brasileiras enquanto a indústria de transformação era 82,3%. Hoje, 20 anos depois, as duas respondem por 46% e o setor de transformação, por 54%. Vemos nessa mudança uma crescente participação da agricultura e também de parte da indústria extrativa. Ao mesmo tempo se verifica um declínio da participação da indústria de transformação. A partir de 2009, vemos o boom das commodities com o setor agropecuário crescendo em ritmo de dois dígitos, 10% a 12%, até chegar a 20% em 2020. A extrativa, impulsionada muito pelo petróleo, também cresceu bem. De dominante, a indústria de transformação passou a ter pouco mais de metade das exportações, 58% a 60%.

A que fatores a sra. atribuiu esse cenário?

O primeiro ponto a chamar atenção é que o Brasil passou aproveitar oportunidades. O País tem vantagem comparativa, obviamente, nos setores agropecuário e extrativo, que tiveram o benefício do grande demandante do mercado mundial, a China. O país passou a demandar esses recursos, e o Brasil respondeu. Mas, ao se olhar a participação nos fluxos de comércio, nos anos 90, o País aparecia nas estatística da OMC (Organização Mundial de Comércio) entre os 10 maiores exportadores siderúrgicos, às vezes, entre os de automóveis... Isso tudo não temos mais. Hoje, ao se olhar a indústria de transformação, o setor mais importante em termos de participação é o de produtos alimentícios, que sempre foi alta. Saiu de 22% em 2003 e no ano passado atingiu 34%. E tivemos, também, uma a concentração nos bens ligados a recursos naturais.

Pesquisadora observa que as exportações refletem mudanças como a da posição do Brasil na fabricação de equipamentos de informática, elétrica e eletrônica, 'que em 2003 atingia 4,1% e, pelo último dado do IBGE, no ano passado, era de 0,9%' Foto: Márcio Fernandes/Estadão

E quanto aos setores de produtos de maior valor agregado, como o de máquinas e equipamentos?

O setor industrial está sempre preocupado com os produtos de maior valor adicionado, como a fabricação de máquinas e equipamentos. Nunca teve uma participação tão alta, mas aí entram a questão da tecnológica, da competitividade. O último número, de 2023, é de 7,7%, que mostra queda em relação aos 8% de 2022. Não caiu tanto. Em veículos a participação não decresce muito, mas também não avança. Veículos, automotores, reboques e carrocerias, que era 10%, está agora, 20 anos depois, em 7%.

Quais são os produtos industriais que mostram mais poder de entrada no mercado global?

São os de setores que têm mais dinamismo, ou seja, com maior conteúdo tecnológico. O Brasil não está entre os dez maiores em nenhum deles. A nossa posição na fabricação de equipamentos de informática, elétrica e eletrônica, que em 2003 atingia 4,1%, pelo último dado do IBGE, no ano passado, era de 0,9%. Uma forte queda. Podemos dizer que o Brasil perdeu relevância. Ao se comparar com o início do ano 2000, a competição do mercado internacional ficou muito mais acirrada. É problema da China? Óbvio que a China desloca muito exportação, e então se fala em prática desleal de comércio, em que o país lidera no mundo ações antidumping. A China tem uma escala muito grande de produção e precisa alocar essa produção, exportação excesso de capacidade. Para o Brasil, é lógico que a competição ficou mais complicada.

Para a indústria brasileira, pode-se dizer, então, que é uma questão de competitividade?

Ao se analisar a produtividade da indústria nesse período, ela não cresceu. Sabemos que há problema de inovação, apesar de haver ilhas de inovação, e temos de considerar que passamos por recessão mais profunda em 2014, 2015. Não é só uma questão de ter mais competitividade, há também capital humano, treinamento, tudo isso. Essa agenda no Brasil está sempre presente, mas os desafios são grandes e no comércio exterior não se muda uma estrutura da noite para o dia. É um trabalho persistente de investimento, de inovação e toda essa questão de ambiental. O País aproveitou os nichos em que tinha mais vantagem, principalmente em alimentos, e onde tinha mais competitividade, como commodities, agrícolas e metálicas. O grau de inovação tecnológica é muito rápido em manufatura.

Os empresários industriais reclamam do chamado custo Brasil, que embute uma carga tributária elevada. Como fica com a reforma tributária?

A reforma ajuda, pois tem muita tributação embutida. O IVA (Imposto de Valor Agregado) vai tirar parte dessas distorções, mas isso não vai aparecer logo. Na questão da manufatura, a parte tributária não está totalmente resolvida, porém vai ser um avanço grande em relação ao que era. Muita coisa vai melhorar. Eles reclamam também dos juros, mas juro é uma questão macroeconômica. Outra coisa importante é a nova política industrial. Antigamente se fazia muita política industrial na base de conceder subsídio. Isso no mundo está um pouco diferente. Os Estados Unidos têm o IRA (Inflation Reduction Act), que abriga novos setores. Europa e China, também. Os Estados Unidos estão preocupados em incentivar esses setores. O Brasil tem de pensar bem como que vai fazer, porque não tem o fôlego americano. Tem restrições fiscais, outras prioridades e toda uma agenda de questões de desigualdade.

Que estímulos a sra. aponta que o País deve adotar para ser diferenciar do que se fez no passado, calcado em proteção?

O estímulo à inovação, a questão da energia limpa. São coisas todas transversais. E, supostamente, o Brasil tem potencial, tem parcerias. Precisa atrair investimento direto estrangeiro, ao contrário do que dizem, porque nossa poupança é baixa. Tem de avaliar bem como fazer essas parcerias, de forma a internalizar os benefícios desses investimentos.

Qual sua visão das políticas de comércio exterior atuais e como o Brasil está inserido nesse contexto?

O ambiente do comércio exterior, no mundo, está geopolitizado. O Brasil está numa situação de muita tensão e a nossa política externa é de tentar ser um global trader. Temos de comercializar com Estados Unidos, com a União Europeia, com a China, com quem quer que seja, para poder garantir as exportações. Há esse jogo também no mundo atual.

O comércio exterior do Brasil com os Estados Unidos, dependendo de quem for eleito no país, pode sofrer mudanças?

Para nós, o problema maior é a posição no cenário internacional. Porque o Donald Trump, não sei vai realmente cumprir suas intenções de elevar todas as tarifas, o que pega todo mundo, de aumentar entre 10% e 20% até 60%. Isso tem um outro efeito que é fortalecer o dólar, porque eles estarão se protegendo, mas gastando mais recursos dentro dos Estados Unidos. E acabam desvalorizando outras moedas, o que tem efeito inflacionário, mas, ao mesmo tempo, elevam nossa competição. Então, o Trump é um cenário ruim. O grande inimigo deles é unipartidário, a China.

Do início deste século até agora, o Brasil passou por uma grande mudança na sua pauta de exportações, com os setores agropecuário e indústria extrativa, centrados em commodities agrícolas e minerais, ganhando participação ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, a indústria de transformação foi deixando de ser dominante, respondendo por 58% a 60%, atualmente.

Essa é a análise de Lia Valls Pereira, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora do Programa de Economia e de Pós-Graduação em Relação Internacional e pesquisadora associada à Fundação Getulio Vargas (FVG/Ibre).

Segundo a pesquisadora da FGV/Ibre, O Brasil perdeu posições nos fluxos de comércio global. Nos anos 90, o País aparecia, nas estatísticas da Organização Mundial de Comércio (OMC) entre os 10 maiores exportadores siderúrgicos. Às vezes, entre os de automóveis. “Isso tudo não temos mais. Hoje, ao se olhar a indústria de transformação, o setor mais importante, em termos de participação, é o de produtos alimentícios”, afirma.

Lia Valls será uma das participantes do Fórum Estadão Think Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre na próxima terça-feira, 12, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui.

Como a sra. analisa hoje a posição da indústria brasileira no comércio exterior, de uma forma geral?

Ao analisar a participação dos diversos segmentos industriais nas exportações a partir de 2003, vemos uma grande mudança na composição da nossa pauta de exportação. Somando agropecuária com a indústria extrativa, juntas respondiam por 17,7% das exportações brasileiras enquanto a indústria de transformação era 82,3%. Hoje, 20 anos depois, as duas respondem por 46% e o setor de transformação, por 54%. Vemos nessa mudança uma crescente participação da agricultura e também de parte da indústria extrativa. Ao mesmo tempo se verifica um declínio da participação da indústria de transformação. A partir de 2009, vemos o boom das commodities com o setor agropecuário crescendo em ritmo de dois dígitos, 10% a 12%, até chegar a 20% em 2020. A extrativa, impulsionada muito pelo petróleo, também cresceu bem. De dominante, a indústria de transformação passou a ter pouco mais de metade das exportações, 58% a 60%.

A que fatores a sra. atribuiu esse cenário?

O primeiro ponto a chamar atenção é que o Brasil passou aproveitar oportunidades. O País tem vantagem comparativa, obviamente, nos setores agropecuário e extrativo, que tiveram o benefício do grande demandante do mercado mundial, a China. O país passou a demandar esses recursos, e o Brasil respondeu. Mas, ao se olhar a participação nos fluxos de comércio, nos anos 90, o País aparecia nas estatística da OMC (Organização Mundial de Comércio) entre os 10 maiores exportadores siderúrgicos, às vezes, entre os de automóveis... Isso tudo não temos mais. Hoje, ao se olhar a indústria de transformação, o setor mais importante em termos de participação é o de produtos alimentícios, que sempre foi alta. Saiu de 22% em 2003 e no ano passado atingiu 34%. E tivemos, também, uma a concentração nos bens ligados a recursos naturais.

Pesquisadora observa que as exportações refletem mudanças como a da posição do Brasil na fabricação de equipamentos de informática, elétrica e eletrônica, 'que em 2003 atingia 4,1% e, pelo último dado do IBGE, no ano passado, era de 0,9%' Foto: Márcio Fernandes/Estadão

E quanto aos setores de produtos de maior valor agregado, como o de máquinas e equipamentos?

O setor industrial está sempre preocupado com os produtos de maior valor adicionado, como a fabricação de máquinas e equipamentos. Nunca teve uma participação tão alta, mas aí entram a questão da tecnológica, da competitividade. O último número, de 2023, é de 7,7%, que mostra queda em relação aos 8% de 2022. Não caiu tanto. Em veículos a participação não decresce muito, mas também não avança. Veículos, automotores, reboques e carrocerias, que era 10%, está agora, 20 anos depois, em 7%.

Quais são os produtos industriais que mostram mais poder de entrada no mercado global?

São os de setores que têm mais dinamismo, ou seja, com maior conteúdo tecnológico. O Brasil não está entre os dez maiores em nenhum deles. A nossa posição na fabricação de equipamentos de informática, elétrica e eletrônica, que em 2003 atingia 4,1%, pelo último dado do IBGE, no ano passado, era de 0,9%. Uma forte queda. Podemos dizer que o Brasil perdeu relevância. Ao se comparar com o início do ano 2000, a competição do mercado internacional ficou muito mais acirrada. É problema da China? Óbvio que a China desloca muito exportação, e então se fala em prática desleal de comércio, em que o país lidera no mundo ações antidumping. A China tem uma escala muito grande de produção e precisa alocar essa produção, exportação excesso de capacidade. Para o Brasil, é lógico que a competição ficou mais complicada.

Para a indústria brasileira, pode-se dizer, então, que é uma questão de competitividade?

Ao se analisar a produtividade da indústria nesse período, ela não cresceu. Sabemos que há problema de inovação, apesar de haver ilhas de inovação, e temos de considerar que passamos por recessão mais profunda em 2014, 2015. Não é só uma questão de ter mais competitividade, há também capital humano, treinamento, tudo isso. Essa agenda no Brasil está sempre presente, mas os desafios são grandes e no comércio exterior não se muda uma estrutura da noite para o dia. É um trabalho persistente de investimento, de inovação e toda essa questão de ambiental. O País aproveitou os nichos em que tinha mais vantagem, principalmente em alimentos, e onde tinha mais competitividade, como commodities, agrícolas e metálicas. O grau de inovação tecnológica é muito rápido em manufatura.

Os empresários industriais reclamam do chamado custo Brasil, que embute uma carga tributária elevada. Como fica com a reforma tributária?

A reforma ajuda, pois tem muita tributação embutida. O IVA (Imposto de Valor Agregado) vai tirar parte dessas distorções, mas isso não vai aparecer logo. Na questão da manufatura, a parte tributária não está totalmente resolvida, porém vai ser um avanço grande em relação ao que era. Muita coisa vai melhorar. Eles reclamam também dos juros, mas juro é uma questão macroeconômica. Outra coisa importante é a nova política industrial. Antigamente se fazia muita política industrial na base de conceder subsídio. Isso no mundo está um pouco diferente. Os Estados Unidos têm o IRA (Inflation Reduction Act), que abriga novos setores. Europa e China, também. Os Estados Unidos estão preocupados em incentivar esses setores. O Brasil tem de pensar bem como que vai fazer, porque não tem o fôlego americano. Tem restrições fiscais, outras prioridades e toda uma agenda de questões de desigualdade.

Que estímulos a sra. aponta que o País deve adotar para ser diferenciar do que se fez no passado, calcado em proteção?

O estímulo à inovação, a questão da energia limpa. São coisas todas transversais. E, supostamente, o Brasil tem potencial, tem parcerias. Precisa atrair investimento direto estrangeiro, ao contrário do que dizem, porque nossa poupança é baixa. Tem de avaliar bem como fazer essas parcerias, de forma a internalizar os benefícios desses investimentos.

Qual sua visão das políticas de comércio exterior atuais e como o Brasil está inserido nesse contexto?

O ambiente do comércio exterior, no mundo, está geopolitizado. O Brasil está numa situação de muita tensão e a nossa política externa é de tentar ser um global trader. Temos de comercializar com Estados Unidos, com a União Europeia, com a China, com quem quer que seja, para poder garantir as exportações. Há esse jogo também no mundo atual.

O comércio exterior do Brasil com os Estados Unidos, dependendo de quem for eleito no país, pode sofrer mudanças?

Para nós, o problema maior é a posição no cenário internacional. Porque o Donald Trump, não sei vai realmente cumprir suas intenções de elevar todas as tarifas, o que pega todo mundo, de aumentar entre 10% e 20% até 60%. Isso tem um outro efeito que é fortalecer o dólar, porque eles estarão se protegendo, mas gastando mais recursos dentro dos Estados Unidos. E acabam desvalorizando outras moedas, o que tem efeito inflacionário, mas, ao mesmo tempo, elevam nossa competição. Então, o Trump é um cenário ruim. O grande inimigo deles é unipartidário, a China.

Entrevista por Ivo Ribeiro

Formado em jornalismo pela USP, Ivo Ribeiro foi repórter na Brasil Mineral e no Diário do Comércio e Indústria. De 1991 a 2000 trabalhou na Gazeta Mercantil, onde foi editor e chefe da sucursal de BH. Depois, passou a ser editor de Empresas no Valor. Em 2023, tornou-se repórter especial da Infomoney e, atualmente, é repórter de Economia do Estadão.

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