Inflação em alta: Temos vários desafios à frente para manter IPCA abaixo do teto da meta, diz Braz


O coordenador de índices de preços da FGV vê riscos inflacionários no cenário externo, com as guerras e a vitória de Trump, e no interno, com o ajuste fiscal incerto e o mercado de trabalho em alta

Por Márcia De Chiara
Foto: FGV/ Reprodução
Entrevista comAndré BrazCoordenador de índices de preços da FGV

Apesar da alta da 0,56% da inflação de outubro, que ficou um pouco acima das expectativas, e dos desafios nos cenários externo e interno, como a vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, as guerras em curso no mundo e a necessidade de um ajuste fiscal nas contas do governo, o economista André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), está relativamente mais otimista com o cenário inflacionário no curto prazo.

Com o aumento das chuvas e a volta neste mês da cobrança da bandeira tarifária amarela para energia elétrica e a possibilidade de retorno da bandeira verde em dezembro, ele vê chances de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerre o ano dentro do teto da meta, que é de 4,5%.

“Para dezembro, há chances de ser bandeira verde. Se isso acontecer, aumentam as chances de termos uma inflação abaixo do teto da meta”, afirmou o economista. Ele projeta algo em torno de 4,3% de inflação para 2024 com bandeira verde em dezembro ou 4,5%, se a bandeira atual, que é amarela, continuar valendo no mês que vem.

continua após a publicidade

Com isso, haveria uma ligeira descompressão na inflação que, em 12 meses até outubro, acumula alta de 4,76% e rompeu o teto da meta. De toda forma, é um cenário complicado, uma vez que o resultado do ano ainda ficaria longe do centro da meta, que é 3%.

Um ponto de preocupação de Braz são os preços dos serviços. Eles acumulam variações em 12 meses acima do teto da meta e podem ganhar fôlego com o mercado de trabalho aquecido, especialmente neste final de ano.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

continua após a publicidade

Como o sr. avalia o resultado da inflação de outubro que teve alta de 0,56%? Surpreendeu?

Veio um pouquinho acima do que esperávamos, mas muito em função da alimentação. O principal impacto veio da energia elétrica, e isso já era esperado, porque a bandeira vermelha, patamar 2, vigorou em outubro. Já sabíamos que ela iria ocupar um espaço importante no resultado geral do IPCA. Agora a alimentação, por conta das carnes, é que veio um pouquinho acima do esperado. A questão da carne tem a ver com o clima: não choveu, tivemos um inverno rigoroso que prejudicou muitas pastagens. Tem a ver também com o aumento do volume de exportação. Sempre que a nossa moeda desvaloriza frente ao dólar, é como se os produtos brasileiros entrassem em promoção. Aumentamos as vantagens em relação a outros países. Essas exportações são bem-vindas comercialmente, mas elas geram um desafio a mais para a inflação. À medida que exportamos mais, sobram menos produtos para o mercado doméstico e o preço aqui sobe. Então, há duas explicações para o aumento de preços: uma relacionada à própria dificuldade da pecuária no período de seca e a outra pelo aumento do volume de exportação.

Isso muda a perspectiva da inflação para este ano e para 2025?

continua após a publicidade

O que tinha mudado era basicamente a parte de energia, porque tivemos aumentos pesados. Primeiro para a bandeira amarela, depois vermelha patamar 1 e, finalmente, vermelha patamar 2. Mas agora em novembro já está vigorando a bandeira amarela. Então, boa parte dessa pressão inflacionária que foi colocada em outubro já vai se dissipar em novembro. A inflação de outubro veio um pouco acima da média, mas a de novembro vai vir um pouco abaixo da média. Exatamente porque a bandeira amarela vai aliviar a conta de energia. E há possibilidade de essa queda continuar em dezembro, dada a chance de se ter bandeira verde. Boa parte da pressão inflacionária do segundo semestre pode ser diluída até o final do ano. Exatamente por conta da bandeira verde de dezembro, que, se sair, vai ajudar bastante. Se continuar com a bandeira amarela, mesmo assim, a energia vai oferecer uma descompressão na IPCA, que vai possibilitar, quem sabe, fechar dentro do intervalo da meta, dentro do teto de tolerância, que é 4,5%.

O sr. está vendo a possibilidade de fechar o ano dentro intervalo do teto da meta?

Sim, exatamente, porque essa questão da energia é transitória. Em novembro, uma boa parte desse efeito vai ser diluído, porque estamos na bandeira amarela. Para dezembro, há chances de ser bandeira verde, porque o volume de chuva está ajudando. Se isso acontecer, aumentam as chances de termos uma inflação abaixo do teto da meta.

continua após a publicidade

Quanto o sr. está projetando de inflação para 2024?

Algo em torno de 4,3%, se fecharmos o ano com bandeira verde. Ou algo mais próximo de 4,5%, se for a bandeira amarela.

E os efeitos do câmbio e da carne não ajudam a pressionar esse resultado?

continua após a publicidade

São efeitos mais lentos. É claro que eles acabam virando um desafio para a inflação, mas eu não acredito que a carne vai subir mais do que já subiu em outubro. Ela deve estabilizar nesse novo patamar. Até porque as condições agora começam a mudar. O clima começa a favorecer a pecuária. Os custos já devem começar a reduzir porque as condições de pastagem começam a melhorar. Também não deve haver nenhuma explosão no volume de exportação. Ela deve se manter elevada, mas não deve pressionar mais ainda o preço. E a outra parte da pressão que está na energia tende a se dissipar. O que vimos nos últimos dois meses, principalmente entre setembro e outubro, foi uma pressão por força da vigência dessas bandeiras. Tirando essa pressão, teríamos tido uma inflação que cairia quase pela metade, em torno de 0,25%. E isso pode retornar graças à possibilidade termos bandeira verde até o final do ano.

André Braz, coordenador de índices de preços da FGV, diz ajuste fiscal poderá trazer alívio para o câmbio e a inflação Foto: Divulgação FGV/ Bianca Gens

E, para 2025, quanto o sr. está projetando?

continua após a publicidade

Algo em torno de 4%. Por enquanto, não vemos os fenômenos climáticos prejudicando tanto a safra quanto a geração de energia. Aparentemente, vai ser um ano mais tranquilo do que os dois últimos, que foram anos afetados por El Niño e La Niña. Deve ser um ano de neutralidade climática. E isso é muito bom para o Brasil, porque a nossa inflação aqui ainda é muito influenciada pelo clima. Quando temos algum fenômeno climático que muda o ciclo das chuvas, isso prejudica tanto a agricultura quanto a geração de energia. Temos uma inflação muito concentrada nisso. E é uma inflação difícil de a política monetária controlar. Como é que a política monetária vai dar conta de um choque de oferta? A safra não foi boa, o preço do arroz vai subir, o preço do feijão vai subir. Como é que o juro alto vai conter essa inflação? Não controla. A nossa estabilidade inflacionária depende de um clima mais regular. Esse clima não estável nos afeta muito, até porque o remédio que usamos para conter a inflação não tem uma potência muito grande para choques de oferta. Nosso remédio é bom para choques de demanda.

Como assim?

Uma parte dessa inflação que a gente vê é de demanda, porque temos um mercado de trabalho aquecido. O desemprego está baixo; e massa salarial, crescendo. Isso se transforma em demanda. Uma parte dessa inflação o juro dá conta. O que ele não dá conta é do choque de oferta, ou mesmo de uma dificuldade maior de gerar energia barata a partir de um comprometimento climático. Aí que o nosso desafio aumenta, porque o remédio não tem esse alcance todo.

O sr. está mais otimista com a inflação apesar do resultado de outubro?

Temos vários desafios pela frente, que não passam só pelo cenário doméstico. Temos o ajuste fiscal, que é importante para manter uma estabilidade no câmbio. Temos de ficar de olho na China, com a sua política mais expansionista. Temos de ficar atentos aos Estados Unidos também, principalmente agora com a eleição do (Donald) Trump. Temos de ficar de olho nesse cenário de guerras que acontecem no mundo inteiro. Há fenômenos que vão nos desafiar e que não são exatamente de nossa responsabilidade. Como os Estados Unidos e a China vão estabelecer suas política comerciais? Como as guerras vão influenciar no preço do petróleo? Essas são questões que não controlamos e que podem nos acertar no ano que vem. Controlamos um pouco o câmbio, um pouco, não tudo, porque uma parte é da credibilidade de nossa política fiscal.

Essas pressões inflacionárias estão contempladas na sua previsão de 4% para o ano que vem?

Não estão contempladas, exatamente. Podemos ter um ano com a inflação mais alta. Só que o que a política monetária está fazendo agora, essa alta de juros, não é exatamente para conter a inflação em 2024, mas de 2025. Todo esse aumento de Selic que estamos acumulando vai ajudar a conter a inflação do ano que vem.

O sr. acha que o Copom acertou ao aumentar a dose de alta dos juros?

Sim, porque o momento é esse. A meta de inflação é 3%. Estamos muito longe dessa meta, fechando bem no teto. Existe uma pressão grande de serviços ainda. Não vemos os serviços próximo da meta. O serviço está com a inflação acima de 4,5%. Então, existe um dever de casa a ser feito via juros. É importante que a autoridade monetária volte a ancorar as expectativas. De acordo com o Focus (boletim do Banco Central que mostra as expectativas do mercado), a inflação não vai para a meta até 2026, 2027.

O índice de difusão subiu de 56% no IPCA de setembro para 62% no índice de outubro. E esse espalhamento das altas foi maior entre os alimentos. O sr. acha que a inflação está espalhada e esse é um foco de risco?

Ela está espalhada, sim. Mas é um espalhamento que pode não ser sustentável no médio prazo. Vimos que todas as carnes subiram. E quando olhamos para o IPCA, tem vários tipos de cortes bovinos. Quando a carne sobe, é natural que se tenha porcentual maior de itens no índice de difusão. É natural que ele saia de 56% para 62%. Mas eu acho difícil ele manter esses 62%. É provável que ele volte em torno de 56% a partir de novembro e dezembro. Acho que é um efeito temporário pelas dificuldades que o clima impôs a algumas culturas.

Mesmo com o mercado de trabalho aquecido, desemprego baixo e renda em alta, que alimentam a demanda?

Esses fatores impõem uma dificuldade maior. O índice de difusão avançou mais por culpa de alimentação. É claro que quando você ganha mais, você pode até comer melhor. Mas eu diria que a massa salarial mais forte estimula o consumo de coisas que as famílias não têm hábito de consumir com tanta frequência. E, neste caso, contribui para uma resistência maior de serviços, como idas mais frequentes ao salão de cabeleireiros ou para comer fora de casa. Esses serviços, que são os mais perigosos, na minha opinião, podem subir alavancados pela massa salarial e pelo desemprego mais baixo. Já a questão da carne e outros alimentos não estão associados só à demanda mas também a um choque de oferta.

Como é que o pacote fiscal a ser anunciado pelo governo pode ajudar na inflação?

O pacote fiscal pode trazer uma estabilidade maior para o câmbio, porque diminui a incerteza sobre a competência que o governo tem de fazer um bom trabalho junto às contas públicas. A política fiscal tem que andar de mãos dadas com a política monetária. Se você está fazendo uma política monetária restritiva, aumentando os juros, a política fiscal tem de ir na mesma direção. Porque o que acontece é que se você tem uma política fiscal expansionista e uma política monetária contracionista, uma está jogando contra a outra. E a inflação vai continuar ganhando. Quando o governo gasta mais, é como se ele fosse várias famílias ao mesmo tempo gastando. E ele tem gastos muito parecidos com os de uma família. E se ele aumenta esse gasto, isso movimenta, ativa a atividade econômica. Isso tem um lado positivo. O PIB (Produto Interno Bruto) cresce, o que é bom, porque diminuiu o desemprego. Só que esse crescimento não é sustentável. Não é possível gastar mais do que se arrecada. Com isso, acumula-se uma dívida tão grande, que gera uma crise de incerteza, que acaba desvalorizando a própria moeda. Passa-se a não acreditar na capacidade do governo de sanear suas contas e isso começa a bater no câmbio.

Se o governo fizer um pacote fiscal razoável e tiver uma boa comunicação, ele consegue consertar essa questão?

Acho que sim, melhorando a comunicação com o próprio mercado, acredito que daremos um passo à frente. Não vamos resolver todos os problemas, mas diminuímos a possibilidade de ter uma nova desvalorização do real frente ao dólar e uma sobrecarga dos esforços da política monetária.

Apesar da alta da 0,56% da inflação de outubro, que ficou um pouco acima das expectativas, e dos desafios nos cenários externo e interno, como a vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, as guerras em curso no mundo e a necessidade de um ajuste fiscal nas contas do governo, o economista André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), está relativamente mais otimista com o cenário inflacionário no curto prazo.

Com o aumento das chuvas e a volta neste mês da cobrança da bandeira tarifária amarela para energia elétrica e a possibilidade de retorno da bandeira verde em dezembro, ele vê chances de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerre o ano dentro do teto da meta, que é de 4,5%.

“Para dezembro, há chances de ser bandeira verde. Se isso acontecer, aumentam as chances de termos uma inflação abaixo do teto da meta”, afirmou o economista. Ele projeta algo em torno de 4,3% de inflação para 2024 com bandeira verde em dezembro ou 4,5%, se a bandeira atual, que é amarela, continuar valendo no mês que vem.

Com isso, haveria uma ligeira descompressão na inflação que, em 12 meses até outubro, acumula alta de 4,76% e rompeu o teto da meta. De toda forma, é um cenário complicado, uma vez que o resultado do ano ainda ficaria longe do centro da meta, que é 3%.

Um ponto de preocupação de Braz são os preços dos serviços. Eles acumulam variações em 12 meses acima do teto da meta e podem ganhar fôlego com o mercado de trabalho aquecido, especialmente neste final de ano.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia o resultado da inflação de outubro que teve alta de 0,56%? Surpreendeu?

Veio um pouquinho acima do que esperávamos, mas muito em função da alimentação. O principal impacto veio da energia elétrica, e isso já era esperado, porque a bandeira vermelha, patamar 2, vigorou em outubro. Já sabíamos que ela iria ocupar um espaço importante no resultado geral do IPCA. Agora a alimentação, por conta das carnes, é que veio um pouquinho acima do esperado. A questão da carne tem a ver com o clima: não choveu, tivemos um inverno rigoroso que prejudicou muitas pastagens. Tem a ver também com o aumento do volume de exportação. Sempre que a nossa moeda desvaloriza frente ao dólar, é como se os produtos brasileiros entrassem em promoção. Aumentamos as vantagens em relação a outros países. Essas exportações são bem-vindas comercialmente, mas elas geram um desafio a mais para a inflação. À medida que exportamos mais, sobram menos produtos para o mercado doméstico e o preço aqui sobe. Então, há duas explicações para o aumento de preços: uma relacionada à própria dificuldade da pecuária no período de seca e a outra pelo aumento do volume de exportação.

Isso muda a perspectiva da inflação para este ano e para 2025?

O que tinha mudado era basicamente a parte de energia, porque tivemos aumentos pesados. Primeiro para a bandeira amarela, depois vermelha patamar 1 e, finalmente, vermelha patamar 2. Mas agora em novembro já está vigorando a bandeira amarela. Então, boa parte dessa pressão inflacionária que foi colocada em outubro já vai se dissipar em novembro. A inflação de outubro veio um pouco acima da média, mas a de novembro vai vir um pouco abaixo da média. Exatamente porque a bandeira amarela vai aliviar a conta de energia. E há possibilidade de essa queda continuar em dezembro, dada a chance de se ter bandeira verde. Boa parte da pressão inflacionária do segundo semestre pode ser diluída até o final do ano. Exatamente por conta da bandeira verde de dezembro, que, se sair, vai ajudar bastante. Se continuar com a bandeira amarela, mesmo assim, a energia vai oferecer uma descompressão na IPCA, que vai possibilitar, quem sabe, fechar dentro do intervalo da meta, dentro do teto de tolerância, que é 4,5%.

O sr. está vendo a possibilidade de fechar o ano dentro intervalo do teto da meta?

Sim, exatamente, porque essa questão da energia é transitória. Em novembro, uma boa parte desse efeito vai ser diluído, porque estamos na bandeira amarela. Para dezembro, há chances de ser bandeira verde, porque o volume de chuva está ajudando. Se isso acontecer, aumentam as chances de termos uma inflação abaixo do teto da meta.

Quanto o sr. está projetando de inflação para 2024?

Algo em torno de 4,3%, se fecharmos o ano com bandeira verde. Ou algo mais próximo de 4,5%, se for a bandeira amarela.

E os efeitos do câmbio e da carne não ajudam a pressionar esse resultado?

São efeitos mais lentos. É claro que eles acabam virando um desafio para a inflação, mas eu não acredito que a carne vai subir mais do que já subiu em outubro. Ela deve estabilizar nesse novo patamar. Até porque as condições agora começam a mudar. O clima começa a favorecer a pecuária. Os custos já devem começar a reduzir porque as condições de pastagem começam a melhorar. Também não deve haver nenhuma explosão no volume de exportação. Ela deve se manter elevada, mas não deve pressionar mais ainda o preço. E a outra parte da pressão que está na energia tende a se dissipar. O que vimos nos últimos dois meses, principalmente entre setembro e outubro, foi uma pressão por força da vigência dessas bandeiras. Tirando essa pressão, teríamos tido uma inflação que cairia quase pela metade, em torno de 0,25%. E isso pode retornar graças à possibilidade termos bandeira verde até o final do ano.

André Braz, coordenador de índices de preços da FGV, diz ajuste fiscal poderá trazer alívio para o câmbio e a inflação Foto: Divulgação FGV/ Bianca Gens

E, para 2025, quanto o sr. está projetando?

Algo em torno de 4%. Por enquanto, não vemos os fenômenos climáticos prejudicando tanto a safra quanto a geração de energia. Aparentemente, vai ser um ano mais tranquilo do que os dois últimos, que foram anos afetados por El Niño e La Niña. Deve ser um ano de neutralidade climática. E isso é muito bom para o Brasil, porque a nossa inflação aqui ainda é muito influenciada pelo clima. Quando temos algum fenômeno climático que muda o ciclo das chuvas, isso prejudica tanto a agricultura quanto a geração de energia. Temos uma inflação muito concentrada nisso. E é uma inflação difícil de a política monetária controlar. Como é que a política monetária vai dar conta de um choque de oferta? A safra não foi boa, o preço do arroz vai subir, o preço do feijão vai subir. Como é que o juro alto vai conter essa inflação? Não controla. A nossa estabilidade inflacionária depende de um clima mais regular. Esse clima não estável nos afeta muito, até porque o remédio que usamos para conter a inflação não tem uma potência muito grande para choques de oferta. Nosso remédio é bom para choques de demanda.

Como assim?

Uma parte dessa inflação que a gente vê é de demanda, porque temos um mercado de trabalho aquecido. O desemprego está baixo; e massa salarial, crescendo. Isso se transforma em demanda. Uma parte dessa inflação o juro dá conta. O que ele não dá conta é do choque de oferta, ou mesmo de uma dificuldade maior de gerar energia barata a partir de um comprometimento climático. Aí que o nosso desafio aumenta, porque o remédio não tem esse alcance todo.

O sr. está mais otimista com a inflação apesar do resultado de outubro?

Temos vários desafios pela frente, que não passam só pelo cenário doméstico. Temos o ajuste fiscal, que é importante para manter uma estabilidade no câmbio. Temos de ficar de olho na China, com a sua política mais expansionista. Temos de ficar atentos aos Estados Unidos também, principalmente agora com a eleição do (Donald) Trump. Temos de ficar de olho nesse cenário de guerras que acontecem no mundo inteiro. Há fenômenos que vão nos desafiar e que não são exatamente de nossa responsabilidade. Como os Estados Unidos e a China vão estabelecer suas política comerciais? Como as guerras vão influenciar no preço do petróleo? Essas são questões que não controlamos e que podem nos acertar no ano que vem. Controlamos um pouco o câmbio, um pouco, não tudo, porque uma parte é da credibilidade de nossa política fiscal.

Essas pressões inflacionárias estão contempladas na sua previsão de 4% para o ano que vem?

Não estão contempladas, exatamente. Podemos ter um ano com a inflação mais alta. Só que o que a política monetária está fazendo agora, essa alta de juros, não é exatamente para conter a inflação em 2024, mas de 2025. Todo esse aumento de Selic que estamos acumulando vai ajudar a conter a inflação do ano que vem.

O sr. acha que o Copom acertou ao aumentar a dose de alta dos juros?

Sim, porque o momento é esse. A meta de inflação é 3%. Estamos muito longe dessa meta, fechando bem no teto. Existe uma pressão grande de serviços ainda. Não vemos os serviços próximo da meta. O serviço está com a inflação acima de 4,5%. Então, existe um dever de casa a ser feito via juros. É importante que a autoridade monetária volte a ancorar as expectativas. De acordo com o Focus (boletim do Banco Central que mostra as expectativas do mercado), a inflação não vai para a meta até 2026, 2027.

O índice de difusão subiu de 56% no IPCA de setembro para 62% no índice de outubro. E esse espalhamento das altas foi maior entre os alimentos. O sr. acha que a inflação está espalhada e esse é um foco de risco?

Ela está espalhada, sim. Mas é um espalhamento que pode não ser sustentável no médio prazo. Vimos que todas as carnes subiram. E quando olhamos para o IPCA, tem vários tipos de cortes bovinos. Quando a carne sobe, é natural que se tenha porcentual maior de itens no índice de difusão. É natural que ele saia de 56% para 62%. Mas eu acho difícil ele manter esses 62%. É provável que ele volte em torno de 56% a partir de novembro e dezembro. Acho que é um efeito temporário pelas dificuldades que o clima impôs a algumas culturas.

Mesmo com o mercado de trabalho aquecido, desemprego baixo e renda em alta, que alimentam a demanda?

Esses fatores impõem uma dificuldade maior. O índice de difusão avançou mais por culpa de alimentação. É claro que quando você ganha mais, você pode até comer melhor. Mas eu diria que a massa salarial mais forte estimula o consumo de coisas que as famílias não têm hábito de consumir com tanta frequência. E, neste caso, contribui para uma resistência maior de serviços, como idas mais frequentes ao salão de cabeleireiros ou para comer fora de casa. Esses serviços, que são os mais perigosos, na minha opinião, podem subir alavancados pela massa salarial e pelo desemprego mais baixo. Já a questão da carne e outros alimentos não estão associados só à demanda mas também a um choque de oferta.

Como é que o pacote fiscal a ser anunciado pelo governo pode ajudar na inflação?

O pacote fiscal pode trazer uma estabilidade maior para o câmbio, porque diminui a incerteza sobre a competência que o governo tem de fazer um bom trabalho junto às contas públicas. A política fiscal tem que andar de mãos dadas com a política monetária. Se você está fazendo uma política monetária restritiva, aumentando os juros, a política fiscal tem de ir na mesma direção. Porque o que acontece é que se você tem uma política fiscal expansionista e uma política monetária contracionista, uma está jogando contra a outra. E a inflação vai continuar ganhando. Quando o governo gasta mais, é como se ele fosse várias famílias ao mesmo tempo gastando. E ele tem gastos muito parecidos com os de uma família. E se ele aumenta esse gasto, isso movimenta, ativa a atividade econômica. Isso tem um lado positivo. O PIB (Produto Interno Bruto) cresce, o que é bom, porque diminuiu o desemprego. Só que esse crescimento não é sustentável. Não é possível gastar mais do que se arrecada. Com isso, acumula-se uma dívida tão grande, que gera uma crise de incerteza, que acaba desvalorizando a própria moeda. Passa-se a não acreditar na capacidade do governo de sanear suas contas e isso começa a bater no câmbio.

Se o governo fizer um pacote fiscal razoável e tiver uma boa comunicação, ele consegue consertar essa questão?

Acho que sim, melhorando a comunicação com o próprio mercado, acredito que daremos um passo à frente. Não vamos resolver todos os problemas, mas diminuímos a possibilidade de ter uma nova desvalorização do real frente ao dólar e uma sobrecarga dos esforços da política monetária.

Apesar da alta da 0,56% da inflação de outubro, que ficou um pouco acima das expectativas, e dos desafios nos cenários externo e interno, como a vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, as guerras em curso no mundo e a necessidade de um ajuste fiscal nas contas do governo, o economista André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), está relativamente mais otimista com o cenário inflacionário no curto prazo.

Com o aumento das chuvas e a volta neste mês da cobrança da bandeira tarifária amarela para energia elétrica e a possibilidade de retorno da bandeira verde em dezembro, ele vê chances de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerre o ano dentro do teto da meta, que é de 4,5%.

“Para dezembro, há chances de ser bandeira verde. Se isso acontecer, aumentam as chances de termos uma inflação abaixo do teto da meta”, afirmou o economista. Ele projeta algo em torno de 4,3% de inflação para 2024 com bandeira verde em dezembro ou 4,5%, se a bandeira atual, que é amarela, continuar valendo no mês que vem.

Com isso, haveria uma ligeira descompressão na inflação que, em 12 meses até outubro, acumula alta de 4,76% e rompeu o teto da meta. De toda forma, é um cenário complicado, uma vez que o resultado do ano ainda ficaria longe do centro da meta, que é 3%.

Um ponto de preocupação de Braz são os preços dos serviços. Eles acumulam variações em 12 meses acima do teto da meta e podem ganhar fôlego com o mercado de trabalho aquecido, especialmente neste final de ano.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia o resultado da inflação de outubro que teve alta de 0,56%? Surpreendeu?

Veio um pouquinho acima do que esperávamos, mas muito em função da alimentação. O principal impacto veio da energia elétrica, e isso já era esperado, porque a bandeira vermelha, patamar 2, vigorou em outubro. Já sabíamos que ela iria ocupar um espaço importante no resultado geral do IPCA. Agora a alimentação, por conta das carnes, é que veio um pouquinho acima do esperado. A questão da carne tem a ver com o clima: não choveu, tivemos um inverno rigoroso que prejudicou muitas pastagens. Tem a ver também com o aumento do volume de exportação. Sempre que a nossa moeda desvaloriza frente ao dólar, é como se os produtos brasileiros entrassem em promoção. Aumentamos as vantagens em relação a outros países. Essas exportações são bem-vindas comercialmente, mas elas geram um desafio a mais para a inflação. À medida que exportamos mais, sobram menos produtos para o mercado doméstico e o preço aqui sobe. Então, há duas explicações para o aumento de preços: uma relacionada à própria dificuldade da pecuária no período de seca e a outra pelo aumento do volume de exportação.

Isso muda a perspectiva da inflação para este ano e para 2025?

O que tinha mudado era basicamente a parte de energia, porque tivemos aumentos pesados. Primeiro para a bandeira amarela, depois vermelha patamar 1 e, finalmente, vermelha patamar 2. Mas agora em novembro já está vigorando a bandeira amarela. Então, boa parte dessa pressão inflacionária que foi colocada em outubro já vai se dissipar em novembro. A inflação de outubro veio um pouco acima da média, mas a de novembro vai vir um pouco abaixo da média. Exatamente porque a bandeira amarela vai aliviar a conta de energia. E há possibilidade de essa queda continuar em dezembro, dada a chance de se ter bandeira verde. Boa parte da pressão inflacionária do segundo semestre pode ser diluída até o final do ano. Exatamente por conta da bandeira verde de dezembro, que, se sair, vai ajudar bastante. Se continuar com a bandeira amarela, mesmo assim, a energia vai oferecer uma descompressão na IPCA, que vai possibilitar, quem sabe, fechar dentro do intervalo da meta, dentro do teto de tolerância, que é 4,5%.

O sr. está vendo a possibilidade de fechar o ano dentro intervalo do teto da meta?

Sim, exatamente, porque essa questão da energia é transitória. Em novembro, uma boa parte desse efeito vai ser diluído, porque estamos na bandeira amarela. Para dezembro, há chances de ser bandeira verde, porque o volume de chuva está ajudando. Se isso acontecer, aumentam as chances de termos uma inflação abaixo do teto da meta.

Quanto o sr. está projetando de inflação para 2024?

Algo em torno de 4,3%, se fecharmos o ano com bandeira verde. Ou algo mais próximo de 4,5%, se for a bandeira amarela.

E os efeitos do câmbio e da carne não ajudam a pressionar esse resultado?

São efeitos mais lentos. É claro que eles acabam virando um desafio para a inflação, mas eu não acredito que a carne vai subir mais do que já subiu em outubro. Ela deve estabilizar nesse novo patamar. Até porque as condições agora começam a mudar. O clima começa a favorecer a pecuária. Os custos já devem começar a reduzir porque as condições de pastagem começam a melhorar. Também não deve haver nenhuma explosão no volume de exportação. Ela deve se manter elevada, mas não deve pressionar mais ainda o preço. E a outra parte da pressão que está na energia tende a se dissipar. O que vimos nos últimos dois meses, principalmente entre setembro e outubro, foi uma pressão por força da vigência dessas bandeiras. Tirando essa pressão, teríamos tido uma inflação que cairia quase pela metade, em torno de 0,25%. E isso pode retornar graças à possibilidade termos bandeira verde até o final do ano.

André Braz, coordenador de índices de preços da FGV, diz ajuste fiscal poderá trazer alívio para o câmbio e a inflação Foto: Divulgação FGV/ Bianca Gens

E, para 2025, quanto o sr. está projetando?

Algo em torno de 4%. Por enquanto, não vemos os fenômenos climáticos prejudicando tanto a safra quanto a geração de energia. Aparentemente, vai ser um ano mais tranquilo do que os dois últimos, que foram anos afetados por El Niño e La Niña. Deve ser um ano de neutralidade climática. E isso é muito bom para o Brasil, porque a nossa inflação aqui ainda é muito influenciada pelo clima. Quando temos algum fenômeno climático que muda o ciclo das chuvas, isso prejudica tanto a agricultura quanto a geração de energia. Temos uma inflação muito concentrada nisso. E é uma inflação difícil de a política monetária controlar. Como é que a política monetária vai dar conta de um choque de oferta? A safra não foi boa, o preço do arroz vai subir, o preço do feijão vai subir. Como é que o juro alto vai conter essa inflação? Não controla. A nossa estabilidade inflacionária depende de um clima mais regular. Esse clima não estável nos afeta muito, até porque o remédio que usamos para conter a inflação não tem uma potência muito grande para choques de oferta. Nosso remédio é bom para choques de demanda.

Como assim?

Uma parte dessa inflação que a gente vê é de demanda, porque temos um mercado de trabalho aquecido. O desemprego está baixo; e massa salarial, crescendo. Isso se transforma em demanda. Uma parte dessa inflação o juro dá conta. O que ele não dá conta é do choque de oferta, ou mesmo de uma dificuldade maior de gerar energia barata a partir de um comprometimento climático. Aí que o nosso desafio aumenta, porque o remédio não tem esse alcance todo.

O sr. está mais otimista com a inflação apesar do resultado de outubro?

Temos vários desafios pela frente, que não passam só pelo cenário doméstico. Temos o ajuste fiscal, que é importante para manter uma estabilidade no câmbio. Temos de ficar de olho na China, com a sua política mais expansionista. Temos de ficar atentos aos Estados Unidos também, principalmente agora com a eleição do (Donald) Trump. Temos de ficar de olho nesse cenário de guerras que acontecem no mundo inteiro. Há fenômenos que vão nos desafiar e que não são exatamente de nossa responsabilidade. Como os Estados Unidos e a China vão estabelecer suas política comerciais? Como as guerras vão influenciar no preço do petróleo? Essas são questões que não controlamos e que podem nos acertar no ano que vem. Controlamos um pouco o câmbio, um pouco, não tudo, porque uma parte é da credibilidade de nossa política fiscal.

Essas pressões inflacionárias estão contempladas na sua previsão de 4% para o ano que vem?

Não estão contempladas, exatamente. Podemos ter um ano com a inflação mais alta. Só que o que a política monetária está fazendo agora, essa alta de juros, não é exatamente para conter a inflação em 2024, mas de 2025. Todo esse aumento de Selic que estamos acumulando vai ajudar a conter a inflação do ano que vem.

O sr. acha que o Copom acertou ao aumentar a dose de alta dos juros?

Sim, porque o momento é esse. A meta de inflação é 3%. Estamos muito longe dessa meta, fechando bem no teto. Existe uma pressão grande de serviços ainda. Não vemos os serviços próximo da meta. O serviço está com a inflação acima de 4,5%. Então, existe um dever de casa a ser feito via juros. É importante que a autoridade monetária volte a ancorar as expectativas. De acordo com o Focus (boletim do Banco Central que mostra as expectativas do mercado), a inflação não vai para a meta até 2026, 2027.

O índice de difusão subiu de 56% no IPCA de setembro para 62% no índice de outubro. E esse espalhamento das altas foi maior entre os alimentos. O sr. acha que a inflação está espalhada e esse é um foco de risco?

Ela está espalhada, sim. Mas é um espalhamento que pode não ser sustentável no médio prazo. Vimos que todas as carnes subiram. E quando olhamos para o IPCA, tem vários tipos de cortes bovinos. Quando a carne sobe, é natural que se tenha porcentual maior de itens no índice de difusão. É natural que ele saia de 56% para 62%. Mas eu acho difícil ele manter esses 62%. É provável que ele volte em torno de 56% a partir de novembro e dezembro. Acho que é um efeito temporário pelas dificuldades que o clima impôs a algumas culturas.

Mesmo com o mercado de trabalho aquecido, desemprego baixo e renda em alta, que alimentam a demanda?

Esses fatores impõem uma dificuldade maior. O índice de difusão avançou mais por culpa de alimentação. É claro que quando você ganha mais, você pode até comer melhor. Mas eu diria que a massa salarial mais forte estimula o consumo de coisas que as famílias não têm hábito de consumir com tanta frequência. E, neste caso, contribui para uma resistência maior de serviços, como idas mais frequentes ao salão de cabeleireiros ou para comer fora de casa. Esses serviços, que são os mais perigosos, na minha opinião, podem subir alavancados pela massa salarial e pelo desemprego mais baixo. Já a questão da carne e outros alimentos não estão associados só à demanda mas também a um choque de oferta.

Como é que o pacote fiscal a ser anunciado pelo governo pode ajudar na inflação?

O pacote fiscal pode trazer uma estabilidade maior para o câmbio, porque diminui a incerteza sobre a competência que o governo tem de fazer um bom trabalho junto às contas públicas. A política fiscal tem que andar de mãos dadas com a política monetária. Se você está fazendo uma política monetária restritiva, aumentando os juros, a política fiscal tem de ir na mesma direção. Porque o que acontece é que se você tem uma política fiscal expansionista e uma política monetária contracionista, uma está jogando contra a outra. E a inflação vai continuar ganhando. Quando o governo gasta mais, é como se ele fosse várias famílias ao mesmo tempo gastando. E ele tem gastos muito parecidos com os de uma família. E se ele aumenta esse gasto, isso movimenta, ativa a atividade econômica. Isso tem um lado positivo. O PIB (Produto Interno Bruto) cresce, o que é bom, porque diminuiu o desemprego. Só que esse crescimento não é sustentável. Não é possível gastar mais do que se arrecada. Com isso, acumula-se uma dívida tão grande, que gera uma crise de incerteza, que acaba desvalorizando a própria moeda. Passa-se a não acreditar na capacidade do governo de sanear suas contas e isso começa a bater no câmbio.

Se o governo fizer um pacote fiscal razoável e tiver uma boa comunicação, ele consegue consertar essa questão?

Acho que sim, melhorando a comunicação com o próprio mercado, acredito que daremos um passo à frente. Não vamos resolver todos os problemas, mas diminuímos a possibilidade de ter uma nova desvalorização do real frente ao dólar e uma sobrecarga dos esforços da política monetária.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.