O índice de inflação mais observado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) permaneceu como ponto de preocupação em março, na mais recente evidência de que os aumentos de preços não estão desaparecendo no nível que os formuladores de políticas gostariam e um outro motivo para que as taxas de juros permaneçam mais altas por mais tempo.
O índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) aumentou 2,7% no acumulado em 12 meses até março, acima dos 2,5% registrados em fevereiro e um pouco mais do que os economistas esperavam (2,6%).
Os investidores entraram em 2024 esperançosos de que o Fed reduziria as taxas substancialmente este ano, mas essas esperanças estão se dissipando à medida que a inflação tem demonstrado mais resiliência. A leitura mais recente do PCE pode manter o Fed em um caminho cauteloso ao considerar quando reduzir os custos dos empréstimos.
Em geral, as autoridades do Fed ficam atentas a uma medida que exclui os custos de alimentos e combustíveis, ambos voláteis, para ter uma ideia da tendência subjacente da inflação. Essa medida “central” aumentou 2,8% em uma base anual, em linha com a leitura de fevereiro.
A inflação estava caindo de forma constante no final de 2023, mas nos últimos meses o progresso estagnou. Isso fez com que os formuladores de políticas reavaliassem quando e quanto poderiam reduzir os juros. Jerome Powell, presidente do Fed, sinalizou na semana passada que não estava sendo visto o progresso esperado.
Se a inflação continuar acima da meta de 2% do Fed, isso poderá levar as autoridades a manter as taxas de juros elevadas por um longo período. Os formuladores de políticas aumentaram as taxas de juros para 5,33% entre março de 2022 e o verão passado (no hemisfério norte), e as mantiveram nesse nível desde então. Eles acreditam que esse nível é alto o suficiente para eventualmente pesar sobre a economia - na linguagem econômica, é “restritivo”.
Mas alguns economistas começaram a questionar o quão restritiva ela é, porque o crescimento permaneceu sólido e as contratações foram sólidas mesmo após meses de taxas relativamente altas.
Os dados divulgados nesta sexta-feira mostraram que esse impulso continuou em março: os gastos dos consumidores aumentaram 0,8% pelo segundo mês consecutivo, acima das expectativas dos analistas. A renda líquida de impostos dos americanos continuou a aumentar mais rapidamente do que os preços.
Dado esse impulso, alguns economistas estão se perguntando até se as autoridades do Fed poderiam começar a considerar a possibilidade de aumentar as taxas novamente.
Por enquanto, porém, os mercados simplesmente adiaram suas expectativas de cortes nas taxas. Os investidores estão apostando que o Fed poderá dar seu primeiro passo em setembro ou mais tarde, com base nos preços de mercado, embora uma parcela cada vez maior pense que o Fed talvez não consiga reduzir as taxas este ano.
Efeitos
As dúvidas em relação ao cenário para os juros nos Estados Unidos têm reflexos em todo o mundo. Taxas mais altas no país têm o efeito de mudar o rumo dos investimentos, principalmente para países emergentes, como o Brasil - os investidores tendem a preferir a segurança dos títulos americanos quando a diferença entre os juros não é tão significativa a ponto de compensar o risco.
Com isso, os analistas já discutem no Brasil uma desaceleração no ritmo do corte da Selic. Se há até pouco tempo havia instituições financeiras projetando uma taxa até inferior a 9%, essa perspectiva começa a chegar mais próximo dos 10% - também por conta dos problemas fiscais enfrentados aqui dentro.
“Dois meses atrás, o mercado esperava que a taxa de juros poderia ir no fim do ano para perto de 9%, alguns até abaixo disso”, disse, em entrevista ao Estadão/Broadcast o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida. “Hoje, o mercado está indo para algo entre 9,75% e 10%. Então, a gente corre o risco, infelizmente, com todo esse barulho fiscal, de terminar o ano com a Selic em dois dígitos.” / Agências internacionais, Gabriel Bueno da Costa, Cícero Cotrim e Francisco Carlos de Assis