Enquanto o mundo luta contra a inflação e sobe juros agressivamente para que o problema não se torne persistente, o Japão tenta viabilizar os preços altos por mais tempo. Com o risco de deflação pairando sobre a economia japonesa nos últimos anos, o Banco do Japão (BoJ, banco central local), tem mantido uma política monetária relaxada na tentativa de manter elevado o índice de preços ao consumidor (CPI), que registrou em abril 2,5%, a maior taxa em 12 meses em 31 anos.
O dado chamou a atenção no mundo econômico, já que foi a primeira vez que a inflação japonesa ultrapassou a meta de 2% do BoJ desde setembro de 2008 - excluindo-se o impacto de aumentos de impostos sobre as vendas. O índice tocou máxima desde 1991.
A consultoria Pantheon Macroeconomics, por exemplo, comentou em relatório a clientes divulgado assim que saíram os dados do CPI que alguém poderia pensar que era "dia de comemoração no BoJ". E a mídia japonesa se pergunta até quando o país conseguirá sustentar o almejado objetivo de inflação em 2%. Analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, contudo, não veem sustentabilidade da alta nos preços no país.
"A partir de outubro deste ano a inflação deve começar a declinar gradualmente. No próximo ano, vai cair para cerca de 1%. O atual nível de inflação é prioritariamente vindo de altas nos preços de energia e alguns bens e insumos industriais, puramente fatores de oferta. Então, é temporário", aponta Sayuri Shirai, professora do departamento de Economia da Universidade de Keio e ex-membro do conselho do BoJ, entre 2011 e 2016.
Ela explica que a inflação muito mais baixa no Japão nos últimos anos tem relação com um consumo lento, em parte devido ao avanço tímido dos salários, baixa expectativa sobre remunerações futuras e preocupações acerca da longevidade da população. Fatores culturais também pesam, como a relutância de empresas em elevar preços.
Em 2016, ganhou destaque no noticiário mundial o fato de uma empresa de sorvetes local, Akagi Nyugyo, ter veiculado um vídeo com um pedido de desculpas por elevar os preços de seus picolés pela primeira vez em 25 anos.
Plano frustrado
Primeiro-ministro entre 2012 e 2020, Shinzo Abe tentou implantar uma política - batizada de "Abenomics" - para dar mais impulso à economia, porém com sucesso limitado no tema da inflação. Desde outubro de 2021, Fumio Kishida é o premiê e já pediu ao BoJ que mantenha o objetivo de ainda fazer a inflação chegar de modo sustentável à meta de 2%.
Para a Pantheon, os atuais níveis de inflação se devem quase totalmente a efeitos de base de comparação e não foram puxados pelo crescimento de salários ou por pressões na demanda, como o BC local gostaria de ver. A consultoria acredita que o BoJ continuará a ver a inflação acima da meta como algo "insustentável" e projeta que ela voltará a ficar abaixo de 2% no terceiro trimestre deste ano. "Não esperamos qualquer mudança na política do BoJ", resume.
Para o grupo financeiro Nomura, há "pouca probabilidade de o BoJ revisar sua atual flexibilização monetária, mesmo se a inflação for superior a 2%". Em relatório, a instituição vê o pico do núcleo do CPI entre julho e setembro deste ano, terminando o ano 2,4%. Para 2023, contudo, a previsão é de uma desaceleração a 0,9% (considerando o ano fiscal).
Na última sexta-feira, o presidente do BoJ, Haruhiko Kuroda, falou que a chance de a inflação acelerar mais que o projetado no mês passado "é pequena". Ontem, Kuroda disse que pode até implementar uma saída suave de sua postura monetária ultra-acomodatícia, mas reiterou sua visão de que a política deveria seguir inalterada por enquanto, uma vez que a estimativa é de que a inflação volte a cair. Hoje, a taxa de depósito é negativa em 0,1% ao ano e a meta de juros do título público (JBG) de 10 anos é de 0%.