Intervenção na economia afasta investimentos e reduz potencial do PIB, diz Solange Srour, do UBS


Para economista, episódio dos dividendos da Petrobras aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis interferências não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia

Por Eduardo Laguna e Renata Pedini
Foto: WILTON JUNIOR
Entrevista comSolange SrourDiretora de Macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management

A diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, avalia que, qualquer que seja o desfecho, a crise aberta pela retenção de dividendos extraordinários da Petrobras elevou no horizonte dos investidores o risco de interferência do governo não apenas na estatal, mas em outras áreas da economia.

Mesmo que a Petrobras distribua os dividendos que foram retidos, a possibilidade de o governo intervir, além das empresas onde tem participação, em marcos regulatórios continuará sendo uma incerteza que, junto com outras indefinições, atrapalha os investimentos. A consequência é uma limitação no potencial de crescimento do País.

“O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, e isso atrapalha o investimento, em última instância”, diz Solange Srour em entrevista ao Estadão/Broadcast. Na conversa, a diretora de macroeconomia do braço de gestão de fortunas do UBS Global fala ainda da probabilidade “não pequena” de mudança já no ano que vem do arcabouço fiscal. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Em relação à confiança do investidor, a interferência do governo na Petrobras causa um grande abalo?

O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, atrapalhando o investimento, em última instância. A incerteza sobre intervenções tem preço para o cenário macro, porque aumenta também a incerteza regulatória, aumenta a incerteza sobre qualquer tipo de investimento, seja em empresa pública ou em empresa privada. Aumenta o prêmio de risco no juro neutro da economia, porque você tem menos investimento, logo, menos PIB potencial. Então, é bem negativo aumentar esse nível de incerteza. Mesmo que voltemos à estaca zero, e a Petrobras pague o dividendo, que o Prates (Jean Paul Prates, presidente da Petrobras) continue, a dúvida existe e vai ficar perene na economia.

Solange Srour, do Credit Suisse;a conjuntura internacional está favorecendo os emergentes, como o Brasil Foto: Wilton Junior/Estadão
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No ano passado, o investimento, em queda, já foi na contramão do consumo, que cresce. Quais preocupações isso traz do ponto de vista da inflação e do PIB potencial?

Em 2024, o investimento deve voltar a subir, mas o problema é que estruturalmente não vai acontecer um salto de investimento porque, mesmo que o Banco Central (BC) corte os juros, é difícil ver um ciclo de investimento bombando no Brasil quando a taxa de juros de equilíbrio é vista como alta, dadas as incertezas fiscais. E, para piorar a situação, tem toda a questão não só do risco de intervenção (do governo) em empresas, mas também do ambiente regulatório muito incerto. Volta e meia tenta-se mudar algum marco no Congresso. A reforma tributária é muito positiva, mas no curto prazo traz uma incerteza enorme. Enquanto ela não for regulamentada, nenhum setor sabe qual será a sua alíquota. Não sabemos nem qual vai ser a alíquota geral. Como é que você vai investir se você não sabe nem qual é o seu regime tributário? Então, é muita insegurança para o investimento.

Os investimentos públicos não podem puxar a retomada dos investimentos?

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Não tem espaço fiscal. O investimento público fica restrito ao teto. Várias despesas obrigatórias consomem o investimento. Tem de pagar o funcionalismo, a Previdência, os benefícios sociais, a saúde, a educação... O que sobra para investimento? Nada.

Mas o governo não deve tentar blindar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de possíveis contingenciamentos no orçamento?

No fim, acaba pegando uma parte pequena do PAC. Não tem onde cortar porque o resto (das despesas no orçamento) é quase tudo obrigatório. Fora isso, vale lembrar que, mesmo no PAC, em grande parte, o governo conta com o privado. Grande parte do PAC é investimento privado.

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Qual contribuição os dividendos retidos pela Petrobras podem dar ao resultado fiscal do governo se liberados neste ano?

Para o fiscal, isso importa muito. Não está no Orçamento, mas é claro que o ministro da Fazenda (Fernando Haddad) considera importante o pagamento de dividendos, porque estamos num momento muito crucial em que falta arrecadação para chegar à meta de déficit zero. A arrecadação forte de janeiro e fevereiro não salva o ano. Qualquer arrecadação é importante - e esta do dividendo da Petrobras é grande. Então, se forem pagar mais à frente, ajuda, sim, nas projeções dos números de (resultado) primário (receitas menos despesas, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida).

A arrecadação forte no primeiro bimestre empurra a revisão da meta do primário mais para frente?

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Teremos mudança da meta. Não em março, já que o próprio Ceron (Rogério Ceron, secretário do Tesouro) tem dito que as projeções dessa revisão vão ficar perto do limite da banda (definida pelo novo arcabouço fiscal), ou seja, um déficit de 0,25% do PIB. Pode haver um contingenciamento pequeno para chegar nessa projeção. A mudança inevitavelmente vai ter de acontecer em algum momento, talvez na preparação da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem. O governo não quer que sejam acionados em 2025 e 2026 os gatilhos previstos caso a meta não seja cumprida. Na prática, não precisaria mudar. Só tomar ações para chegar mais perto, contingenciar mais.

Acionar os gatilhos, com suas penalidades, ao invés de mudar a meta, não seria melhor aos olhos do investidor?

A reação do mercado na mudança da meta vai depender muito da forma como ela for feita. Se mudar a meta sem contingenciar muito, vai dar uma sinalização de que a meta pode ser mudada sempre e de que não há preocupação com a despesa. Quer dizer, o crescimento do PIB é muito mais importante do que fazer um corte de gastos e tentar chegar perto da meta. Mudar a meta com um contingenciamento forte é diferente de mudar a meta sem esforço. Agora, tudo vai depender do timing. Todo o contexto importa. Se acontecer junto com a queda de juros dos Estados Unidos, e a depender da mensagem do Federal Reserve, pode ser que acabe absorvendo (uma piora da percepção fiscal) mesmo se não houver esforço.

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A perda de popularidade do presidente Lula não reduz a chance de um corte de gastos razoável?

Parece que não vai acontecer nenhum tipo de corte de gasto relevante, pelo contrário. Talvez não tenha novo gasto porque existe um teto, mas pode ter desoneração. Essa queda de popularidade veio de uma forma inesperada para nós, porque a economia está muito bem. O dado da Pesquisa Mensal de Comércio veio muito acima do teto das expectativas, o que aumenta as projeções para o PIB do primeiro trimestre. O desemprego está baixo, a inflação tem vindo muito positiva. O repique de preços de alimentos não pode explicar uma perda de popularidade porque é bem transitório.

A evolução dos gastos também preocupa quando se olha para o limite do arcabouço, que permite um aumento, acima da inflação, de no máximo 2,5% das despesas? Esse teto pode estourar no ano que vem?

Tem uma probabilidade porque a nova regra do salário mínimo impacta muito a Previdência. Ano que vem o salário mínimo já vai crescer, em termos reais, cerca de 3%, porque é o PIB de dois anos antes (2023, quando o PIB cresceu 2,9%). No ano de 2026, é o PIB de 2024, que também não parece ruim. Se o PIB crescer 2% ao ano, vamos ter de fazer uma nova reforma da Previdência, porque toda reforma vai ser consumida com o aumento do gasto da Previdência derivado da regra do salário mínimo, que foi aprovada sem discutir os impactos no fiscal. Outra coisa, o número dos beneficiários de todos os programas sociais está explodindo. Também vai impactar, se continuar nesse ritmo. É por isso que grande parte do mercado vê como subestimada a estimativa (do governo) de déficit do INSS deste ano.

O arcabouço corre risco no ano que vem?

Em 2025, o arcabouço está em risco, porque despesas em educação e saúde vão crescer 100% com a receita, o salário mínimo vai impactar muito a Previdência. Vai ser difícil caber tudo dentro do teto. Para caber, vai ter de fazer um corte significativo das discricionárias, que nem sei se vai ser factível, mesmo que o governo queira. Talvez tenha de ter um ajuste nesse limite, talvez algumas despesas fiquem fora do limite.

Isso prejudicaria a credibilidade do arcabouço?

No fim do governo Bolsonaro, foram feitas quatro mudanças constitucionais para aumentar o teto. Algumas delas foram um pouco traumáticas, mas depois o mercado aceitou. Se esse aceite vai se repetir em 2025, vai depender do cenário internacional, do nível do juro de dez anos nos EUA, se a China vai crescer 5% ou 3%. Isso sem falar na meta de primário. A probabilidade não é pequena de ter de alterar o arcabouço.

Qual é a sua expectativa para o comunicado que será divulgado na quarta-feira pelo Copom?

O Banco Central já comunicou que vai tirar o forward guidance (ferramenta usada pelos BCs para delinear o curso futuro da política monetária) em algum momento, não necessariamente nesta reunião. E o mercado absorveu bem que vai tirar. O BC quer ter menos amarras num momento de incertezas nos cenários internacional e doméstico. O mercado já absorveu, mas é claro que se tirar agora vai diminuir um pouco a chance de haver mais duas reduções de 0,50 ponto porcentual da Selic. O cenário mais provável é de o Banco Central avisar que vai tirar para não provocar nenhum tipo de estresse.

De qualquer forma, o cenário é favorável à continuidade da redução dos juros, certo?

Sim, porque a taxa de juros está muito restritiva e o cenário de inflação é positivo para este ano. As expectativas de inflação do Focus devem cair mais, há espaço para os juros continuarem a cair, mas o BC não quer passar a mensagem de que vai para um nível estimulativo. Quando retirar o forward guidance, vai querer passar a mensagem de que a taxa ainda precisa continuar restritiva. Um dos principais motivos é que a atividade está se comportando melhor do que o esperado. Na inflação de serviços, os relacionados ao mercado de trabalho estão fortes. Não é aconselhável ir para uma taxa estimulativa.

A diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, avalia que, qualquer que seja o desfecho, a crise aberta pela retenção de dividendos extraordinários da Petrobras elevou no horizonte dos investidores o risco de interferência do governo não apenas na estatal, mas em outras áreas da economia.

Mesmo que a Petrobras distribua os dividendos que foram retidos, a possibilidade de o governo intervir, além das empresas onde tem participação, em marcos regulatórios continuará sendo uma incerteza que, junto com outras indefinições, atrapalha os investimentos. A consequência é uma limitação no potencial de crescimento do País.

“O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, e isso atrapalha o investimento, em última instância”, diz Solange Srour em entrevista ao Estadão/Broadcast. Na conversa, a diretora de macroeconomia do braço de gestão de fortunas do UBS Global fala ainda da probabilidade “não pequena” de mudança já no ano que vem do arcabouço fiscal. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em relação à confiança do investidor, a interferência do governo na Petrobras causa um grande abalo?

O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, atrapalhando o investimento, em última instância. A incerteza sobre intervenções tem preço para o cenário macro, porque aumenta também a incerteza regulatória, aumenta a incerteza sobre qualquer tipo de investimento, seja em empresa pública ou em empresa privada. Aumenta o prêmio de risco no juro neutro da economia, porque você tem menos investimento, logo, menos PIB potencial. Então, é bem negativo aumentar esse nível de incerteza. Mesmo que voltemos à estaca zero, e a Petrobras pague o dividendo, que o Prates (Jean Paul Prates, presidente da Petrobras) continue, a dúvida existe e vai ficar perene na economia.

Solange Srour, do Credit Suisse;a conjuntura internacional está favorecendo os emergentes, como o Brasil Foto: Wilton Junior/Estadão

No ano passado, o investimento, em queda, já foi na contramão do consumo, que cresce. Quais preocupações isso traz do ponto de vista da inflação e do PIB potencial?

Em 2024, o investimento deve voltar a subir, mas o problema é que estruturalmente não vai acontecer um salto de investimento porque, mesmo que o Banco Central (BC) corte os juros, é difícil ver um ciclo de investimento bombando no Brasil quando a taxa de juros de equilíbrio é vista como alta, dadas as incertezas fiscais. E, para piorar a situação, tem toda a questão não só do risco de intervenção (do governo) em empresas, mas também do ambiente regulatório muito incerto. Volta e meia tenta-se mudar algum marco no Congresso. A reforma tributária é muito positiva, mas no curto prazo traz uma incerteza enorme. Enquanto ela não for regulamentada, nenhum setor sabe qual será a sua alíquota. Não sabemos nem qual vai ser a alíquota geral. Como é que você vai investir se você não sabe nem qual é o seu regime tributário? Então, é muita insegurança para o investimento.

Os investimentos públicos não podem puxar a retomada dos investimentos?

Não tem espaço fiscal. O investimento público fica restrito ao teto. Várias despesas obrigatórias consomem o investimento. Tem de pagar o funcionalismo, a Previdência, os benefícios sociais, a saúde, a educação... O que sobra para investimento? Nada.

Mas o governo não deve tentar blindar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de possíveis contingenciamentos no orçamento?

No fim, acaba pegando uma parte pequena do PAC. Não tem onde cortar porque o resto (das despesas no orçamento) é quase tudo obrigatório. Fora isso, vale lembrar que, mesmo no PAC, em grande parte, o governo conta com o privado. Grande parte do PAC é investimento privado.

Qual contribuição os dividendos retidos pela Petrobras podem dar ao resultado fiscal do governo se liberados neste ano?

Para o fiscal, isso importa muito. Não está no Orçamento, mas é claro que o ministro da Fazenda (Fernando Haddad) considera importante o pagamento de dividendos, porque estamos num momento muito crucial em que falta arrecadação para chegar à meta de déficit zero. A arrecadação forte de janeiro e fevereiro não salva o ano. Qualquer arrecadação é importante - e esta do dividendo da Petrobras é grande. Então, se forem pagar mais à frente, ajuda, sim, nas projeções dos números de (resultado) primário (receitas menos despesas, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida).

A arrecadação forte no primeiro bimestre empurra a revisão da meta do primário mais para frente?

Teremos mudança da meta. Não em março, já que o próprio Ceron (Rogério Ceron, secretário do Tesouro) tem dito que as projeções dessa revisão vão ficar perto do limite da banda (definida pelo novo arcabouço fiscal), ou seja, um déficit de 0,25% do PIB. Pode haver um contingenciamento pequeno para chegar nessa projeção. A mudança inevitavelmente vai ter de acontecer em algum momento, talvez na preparação da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem. O governo não quer que sejam acionados em 2025 e 2026 os gatilhos previstos caso a meta não seja cumprida. Na prática, não precisaria mudar. Só tomar ações para chegar mais perto, contingenciar mais.

Acionar os gatilhos, com suas penalidades, ao invés de mudar a meta, não seria melhor aos olhos do investidor?

A reação do mercado na mudança da meta vai depender muito da forma como ela for feita. Se mudar a meta sem contingenciar muito, vai dar uma sinalização de que a meta pode ser mudada sempre e de que não há preocupação com a despesa. Quer dizer, o crescimento do PIB é muito mais importante do que fazer um corte de gastos e tentar chegar perto da meta. Mudar a meta com um contingenciamento forte é diferente de mudar a meta sem esforço. Agora, tudo vai depender do timing. Todo o contexto importa. Se acontecer junto com a queda de juros dos Estados Unidos, e a depender da mensagem do Federal Reserve, pode ser que acabe absorvendo (uma piora da percepção fiscal) mesmo se não houver esforço.

A perda de popularidade do presidente Lula não reduz a chance de um corte de gastos razoável?

Parece que não vai acontecer nenhum tipo de corte de gasto relevante, pelo contrário. Talvez não tenha novo gasto porque existe um teto, mas pode ter desoneração. Essa queda de popularidade veio de uma forma inesperada para nós, porque a economia está muito bem. O dado da Pesquisa Mensal de Comércio veio muito acima do teto das expectativas, o que aumenta as projeções para o PIB do primeiro trimestre. O desemprego está baixo, a inflação tem vindo muito positiva. O repique de preços de alimentos não pode explicar uma perda de popularidade porque é bem transitório.

A evolução dos gastos também preocupa quando se olha para o limite do arcabouço, que permite um aumento, acima da inflação, de no máximo 2,5% das despesas? Esse teto pode estourar no ano que vem?

Tem uma probabilidade porque a nova regra do salário mínimo impacta muito a Previdência. Ano que vem o salário mínimo já vai crescer, em termos reais, cerca de 3%, porque é o PIB de dois anos antes (2023, quando o PIB cresceu 2,9%). No ano de 2026, é o PIB de 2024, que também não parece ruim. Se o PIB crescer 2% ao ano, vamos ter de fazer uma nova reforma da Previdência, porque toda reforma vai ser consumida com o aumento do gasto da Previdência derivado da regra do salário mínimo, que foi aprovada sem discutir os impactos no fiscal. Outra coisa, o número dos beneficiários de todos os programas sociais está explodindo. Também vai impactar, se continuar nesse ritmo. É por isso que grande parte do mercado vê como subestimada a estimativa (do governo) de déficit do INSS deste ano.

O arcabouço corre risco no ano que vem?

Em 2025, o arcabouço está em risco, porque despesas em educação e saúde vão crescer 100% com a receita, o salário mínimo vai impactar muito a Previdência. Vai ser difícil caber tudo dentro do teto. Para caber, vai ter de fazer um corte significativo das discricionárias, que nem sei se vai ser factível, mesmo que o governo queira. Talvez tenha de ter um ajuste nesse limite, talvez algumas despesas fiquem fora do limite.

Isso prejudicaria a credibilidade do arcabouço?

No fim do governo Bolsonaro, foram feitas quatro mudanças constitucionais para aumentar o teto. Algumas delas foram um pouco traumáticas, mas depois o mercado aceitou. Se esse aceite vai se repetir em 2025, vai depender do cenário internacional, do nível do juro de dez anos nos EUA, se a China vai crescer 5% ou 3%. Isso sem falar na meta de primário. A probabilidade não é pequena de ter de alterar o arcabouço.

Qual é a sua expectativa para o comunicado que será divulgado na quarta-feira pelo Copom?

O Banco Central já comunicou que vai tirar o forward guidance (ferramenta usada pelos BCs para delinear o curso futuro da política monetária) em algum momento, não necessariamente nesta reunião. E o mercado absorveu bem que vai tirar. O BC quer ter menos amarras num momento de incertezas nos cenários internacional e doméstico. O mercado já absorveu, mas é claro que se tirar agora vai diminuir um pouco a chance de haver mais duas reduções de 0,50 ponto porcentual da Selic. O cenário mais provável é de o Banco Central avisar que vai tirar para não provocar nenhum tipo de estresse.

De qualquer forma, o cenário é favorável à continuidade da redução dos juros, certo?

Sim, porque a taxa de juros está muito restritiva e o cenário de inflação é positivo para este ano. As expectativas de inflação do Focus devem cair mais, há espaço para os juros continuarem a cair, mas o BC não quer passar a mensagem de que vai para um nível estimulativo. Quando retirar o forward guidance, vai querer passar a mensagem de que a taxa ainda precisa continuar restritiva. Um dos principais motivos é que a atividade está se comportando melhor do que o esperado. Na inflação de serviços, os relacionados ao mercado de trabalho estão fortes. Não é aconselhável ir para uma taxa estimulativa.

A diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, avalia que, qualquer que seja o desfecho, a crise aberta pela retenção de dividendos extraordinários da Petrobras elevou no horizonte dos investidores o risco de interferência do governo não apenas na estatal, mas em outras áreas da economia.

Mesmo que a Petrobras distribua os dividendos que foram retidos, a possibilidade de o governo intervir, além das empresas onde tem participação, em marcos regulatórios continuará sendo uma incerteza que, junto com outras indefinições, atrapalha os investimentos. A consequência é uma limitação no potencial de crescimento do País.

“O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, e isso atrapalha o investimento, em última instância”, diz Solange Srour em entrevista ao Estadão/Broadcast. Na conversa, a diretora de macroeconomia do braço de gestão de fortunas do UBS Global fala ainda da probabilidade “não pequena” de mudança já no ano que vem do arcabouço fiscal. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em relação à confiança do investidor, a interferência do governo na Petrobras causa um grande abalo?

O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, atrapalhando o investimento, em última instância. A incerteza sobre intervenções tem preço para o cenário macro, porque aumenta também a incerteza regulatória, aumenta a incerteza sobre qualquer tipo de investimento, seja em empresa pública ou em empresa privada. Aumenta o prêmio de risco no juro neutro da economia, porque você tem menos investimento, logo, menos PIB potencial. Então, é bem negativo aumentar esse nível de incerteza. Mesmo que voltemos à estaca zero, e a Petrobras pague o dividendo, que o Prates (Jean Paul Prates, presidente da Petrobras) continue, a dúvida existe e vai ficar perene na economia.

Solange Srour, do Credit Suisse;a conjuntura internacional está favorecendo os emergentes, como o Brasil Foto: Wilton Junior/Estadão

No ano passado, o investimento, em queda, já foi na contramão do consumo, que cresce. Quais preocupações isso traz do ponto de vista da inflação e do PIB potencial?

Em 2024, o investimento deve voltar a subir, mas o problema é que estruturalmente não vai acontecer um salto de investimento porque, mesmo que o Banco Central (BC) corte os juros, é difícil ver um ciclo de investimento bombando no Brasil quando a taxa de juros de equilíbrio é vista como alta, dadas as incertezas fiscais. E, para piorar a situação, tem toda a questão não só do risco de intervenção (do governo) em empresas, mas também do ambiente regulatório muito incerto. Volta e meia tenta-se mudar algum marco no Congresso. A reforma tributária é muito positiva, mas no curto prazo traz uma incerteza enorme. Enquanto ela não for regulamentada, nenhum setor sabe qual será a sua alíquota. Não sabemos nem qual vai ser a alíquota geral. Como é que você vai investir se você não sabe nem qual é o seu regime tributário? Então, é muita insegurança para o investimento.

Os investimentos públicos não podem puxar a retomada dos investimentos?

Não tem espaço fiscal. O investimento público fica restrito ao teto. Várias despesas obrigatórias consomem o investimento. Tem de pagar o funcionalismo, a Previdência, os benefícios sociais, a saúde, a educação... O que sobra para investimento? Nada.

Mas o governo não deve tentar blindar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de possíveis contingenciamentos no orçamento?

No fim, acaba pegando uma parte pequena do PAC. Não tem onde cortar porque o resto (das despesas no orçamento) é quase tudo obrigatório. Fora isso, vale lembrar que, mesmo no PAC, em grande parte, o governo conta com o privado. Grande parte do PAC é investimento privado.

Qual contribuição os dividendos retidos pela Petrobras podem dar ao resultado fiscal do governo se liberados neste ano?

Para o fiscal, isso importa muito. Não está no Orçamento, mas é claro que o ministro da Fazenda (Fernando Haddad) considera importante o pagamento de dividendos, porque estamos num momento muito crucial em que falta arrecadação para chegar à meta de déficit zero. A arrecadação forte de janeiro e fevereiro não salva o ano. Qualquer arrecadação é importante - e esta do dividendo da Petrobras é grande. Então, se forem pagar mais à frente, ajuda, sim, nas projeções dos números de (resultado) primário (receitas menos despesas, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida).

A arrecadação forte no primeiro bimestre empurra a revisão da meta do primário mais para frente?

Teremos mudança da meta. Não em março, já que o próprio Ceron (Rogério Ceron, secretário do Tesouro) tem dito que as projeções dessa revisão vão ficar perto do limite da banda (definida pelo novo arcabouço fiscal), ou seja, um déficit de 0,25% do PIB. Pode haver um contingenciamento pequeno para chegar nessa projeção. A mudança inevitavelmente vai ter de acontecer em algum momento, talvez na preparação da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem. O governo não quer que sejam acionados em 2025 e 2026 os gatilhos previstos caso a meta não seja cumprida. Na prática, não precisaria mudar. Só tomar ações para chegar mais perto, contingenciar mais.

Acionar os gatilhos, com suas penalidades, ao invés de mudar a meta, não seria melhor aos olhos do investidor?

A reação do mercado na mudança da meta vai depender muito da forma como ela for feita. Se mudar a meta sem contingenciar muito, vai dar uma sinalização de que a meta pode ser mudada sempre e de que não há preocupação com a despesa. Quer dizer, o crescimento do PIB é muito mais importante do que fazer um corte de gastos e tentar chegar perto da meta. Mudar a meta com um contingenciamento forte é diferente de mudar a meta sem esforço. Agora, tudo vai depender do timing. Todo o contexto importa. Se acontecer junto com a queda de juros dos Estados Unidos, e a depender da mensagem do Federal Reserve, pode ser que acabe absorvendo (uma piora da percepção fiscal) mesmo se não houver esforço.

A perda de popularidade do presidente Lula não reduz a chance de um corte de gastos razoável?

Parece que não vai acontecer nenhum tipo de corte de gasto relevante, pelo contrário. Talvez não tenha novo gasto porque existe um teto, mas pode ter desoneração. Essa queda de popularidade veio de uma forma inesperada para nós, porque a economia está muito bem. O dado da Pesquisa Mensal de Comércio veio muito acima do teto das expectativas, o que aumenta as projeções para o PIB do primeiro trimestre. O desemprego está baixo, a inflação tem vindo muito positiva. O repique de preços de alimentos não pode explicar uma perda de popularidade porque é bem transitório.

A evolução dos gastos também preocupa quando se olha para o limite do arcabouço, que permite um aumento, acima da inflação, de no máximo 2,5% das despesas? Esse teto pode estourar no ano que vem?

Tem uma probabilidade porque a nova regra do salário mínimo impacta muito a Previdência. Ano que vem o salário mínimo já vai crescer, em termos reais, cerca de 3%, porque é o PIB de dois anos antes (2023, quando o PIB cresceu 2,9%). No ano de 2026, é o PIB de 2024, que também não parece ruim. Se o PIB crescer 2% ao ano, vamos ter de fazer uma nova reforma da Previdência, porque toda reforma vai ser consumida com o aumento do gasto da Previdência derivado da regra do salário mínimo, que foi aprovada sem discutir os impactos no fiscal. Outra coisa, o número dos beneficiários de todos os programas sociais está explodindo. Também vai impactar, se continuar nesse ritmo. É por isso que grande parte do mercado vê como subestimada a estimativa (do governo) de déficit do INSS deste ano.

O arcabouço corre risco no ano que vem?

Em 2025, o arcabouço está em risco, porque despesas em educação e saúde vão crescer 100% com a receita, o salário mínimo vai impactar muito a Previdência. Vai ser difícil caber tudo dentro do teto. Para caber, vai ter de fazer um corte significativo das discricionárias, que nem sei se vai ser factível, mesmo que o governo queira. Talvez tenha de ter um ajuste nesse limite, talvez algumas despesas fiquem fora do limite.

Isso prejudicaria a credibilidade do arcabouço?

No fim do governo Bolsonaro, foram feitas quatro mudanças constitucionais para aumentar o teto. Algumas delas foram um pouco traumáticas, mas depois o mercado aceitou. Se esse aceite vai se repetir em 2025, vai depender do cenário internacional, do nível do juro de dez anos nos EUA, se a China vai crescer 5% ou 3%. Isso sem falar na meta de primário. A probabilidade não é pequena de ter de alterar o arcabouço.

Qual é a sua expectativa para o comunicado que será divulgado na quarta-feira pelo Copom?

O Banco Central já comunicou que vai tirar o forward guidance (ferramenta usada pelos BCs para delinear o curso futuro da política monetária) em algum momento, não necessariamente nesta reunião. E o mercado absorveu bem que vai tirar. O BC quer ter menos amarras num momento de incertezas nos cenários internacional e doméstico. O mercado já absorveu, mas é claro que se tirar agora vai diminuir um pouco a chance de haver mais duas reduções de 0,50 ponto porcentual da Selic. O cenário mais provável é de o Banco Central avisar que vai tirar para não provocar nenhum tipo de estresse.

De qualquer forma, o cenário é favorável à continuidade da redução dos juros, certo?

Sim, porque a taxa de juros está muito restritiva e o cenário de inflação é positivo para este ano. As expectativas de inflação do Focus devem cair mais, há espaço para os juros continuarem a cair, mas o BC não quer passar a mensagem de que vai para um nível estimulativo. Quando retirar o forward guidance, vai querer passar a mensagem de que a taxa ainda precisa continuar restritiva. Um dos principais motivos é que a atividade está se comportando melhor do que o esperado. Na inflação de serviços, os relacionados ao mercado de trabalho estão fortes. Não é aconselhável ir para uma taxa estimulativa.

A diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, avalia que, qualquer que seja o desfecho, a crise aberta pela retenção de dividendos extraordinários da Petrobras elevou no horizonte dos investidores o risco de interferência do governo não apenas na estatal, mas em outras áreas da economia.

Mesmo que a Petrobras distribua os dividendos que foram retidos, a possibilidade de o governo intervir, além das empresas onde tem participação, em marcos regulatórios continuará sendo uma incerteza que, junto com outras indefinições, atrapalha os investimentos. A consequência é uma limitação no potencial de crescimento do País.

“O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, e isso atrapalha o investimento, em última instância”, diz Solange Srour em entrevista ao Estadão/Broadcast. Na conversa, a diretora de macroeconomia do braço de gestão de fortunas do UBS Global fala ainda da probabilidade “não pequena” de mudança já no ano que vem do arcabouço fiscal. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em relação à confiança do investidor, a interferência do governo na Petrobras causa um grande abalo?

O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, atrapalhando o investimento, em última instância. A incerteza sobre intervenções tem preço para o cenário macro, porque aumenta também a incerteza regulatória, aumenta a incerteza sobre qualquer tipo de investimento, seja em empresa pública ou em empresa privada. Aumenta o prêmio de risco no juro neutro da economia, porque você tem menos investimento, logo, menos PIB potencial. Então, é bem negativo aumentar esse nível de incerteza. Mesmo que voltemos à estaca zero, e a Petrobras pague o dividendo, que o Prates (Jean Paul Prates, presidente da Petrobras) continue, a dúvida existe e vai ficar perene na economia.

Solange Srour, do Credit Suisse;a conjuntura internacional está favorecendo os emergentes, como o Brasil Foto: Wilton Junior/Estadão

No ano passado, o investimento, em queda, já foi na contramão do consumo, que cresce. Quais preocupações isso traz do ponto de vista da inflação e do PIB potencial?

Em 2024, o investimento deve voltar a subir, mas o problema é que estruturalmente não vai acontecer um salto de investimento porque, mesmo que o Banco Central (BC) corte os juros, é difícil ver um ciclo de investimento bombando no Brasil quando a taxa de juros de equilíbrio é vista como alta, dadas as incertezas fiscais. E, para piorar a situação, tem toda a questão não só do risco de intervenção (do governo) em empresas, mas também do ambiente regulatório muito incerto. Volta e meia tenta-se mudar algum marco no Congresso. A reforma tributária é muito positiva, mas no curto prazo traz uma incerteza enorme. Enquanto ela não for regulamentada, nenhum setor sabe qual será a sua alíquota. Não sabemos nem qual vai ser a alíquota geral. Como é que você vai investir se você não sabe nem qual é o seu regime tributário? Então, é muita insegurança para o investimento.

Os investimentos públicos não podem puxar a retomada dos investimentos?

Não tem espaço fiscal. O investimento público fica restrito ao teto. Várias despesas obrigatórias consomem o investimento. Tem de pagar o funcionalismo, a Previdência, os benefícios sociais, a saúde, a educação... O que sobra para investimento? Nada.

Mas o governo não deve tentar blindar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de possíveis contingenciamentos no orçamento?

No fim, acaba pegando uma parte pequena do PAC. Não tem onde cortar porque o resto (das despesas no orçamento) é quase tudo obrigatório. Fora isso, vale lembrar que, mesmo no PAC, em grande parte, o governo conta com o privado. Grande parte do PAC é investimento privado.

Qual contribuição os dividendos retidos pela Petrobras podem dar ao resultado fiscal do governo se liberados neste ano?

Para o fiscal, isso importa muito. Não está no Orçamento, mas é claro que o ministro da Fazenda (Fernando Haddad) considera importante o pagamento de dividendos, porque estamos num momento muito crucial em que falta arrecadação para chegar à meta de déficit zero. A arrecadação forte de janeiro e fevereiro não salva o ano. Qualquer arrecadação é importante - e esta do dividendo da Petrobras é grande. Então, se forem pagar mais à frente, ajuda, sim, nas projeções dos números de (resultado) primário (receitas menos despesas, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida).

A arrecadação forte no primeiro bimestre empurra a revisão da meta do primário mais para frente?

Teremos mudança da meta. Não em março, já que o próprio Ceron (Rogério Ceron, secretário do Tesouro) tem dito que as projeções dessa revisão vão ficar perto do limite da banda (definida pelo novo arcabouço fiscal), ou seja, um déficit de 0,25% do PIB. Pode haver um contingenciamento pequeno para chegar nessa projeção. A mudança inevitavelmente vai ter de acontecer em algum momento, talvez na preparação da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem. O governo não quer que sejam acionados em 2025 e 2026 os gatilhos previstos caso a meta não seja cumprida. Na prática, não precisaria mudar. Só tomar ações para chegar mais perto, contingenciar mais.

Acionar os gatilhos, com suas penalidades, ao invés de mudar a meta, não seria melhor aos olhos do investidor?

A reação do mercado na mudança da meta vai depender muito da forma como ela for feita. Se mudar a meta sem contingenciar muito, vai dar uma sinalização de que a meta pode ser mudada sempre e de que não há preocupação com a despesa. Quer dizer, o crescimento do PIB é muito mais importante do que fazer um corte de gastos e tentar chegar perto da meta. Mudar a meta com um contingenciamento forte é diferente de mudar a meta sem esforço. Agora, tudo vai depender do timing. Todo o contexto importa. Se acontecer junto com a queda de juros dos Estados Unidos, e a depender da mensagem do Federal Reserve, pode ser que acabe absorvendo (uma piora da percepção fiscal) mesmo se não houver esforço.

A perda de popularidade do presidente Lula não reduz a chance de um corte de gastos razoável?

Parece que não vai acontecer nenhum tipo de corte de gasto relevante, pelo contrário. Talvez não tenha novo gasto porque existe um teto, mas pode ter desoneração. Essa queda de popularidade veio de uma forma inesperada para nós, porque a economia está muito bem. O dado da Pesquisa Mensal de Comércio veio muito acima do teto das expectativas, o que aumenta as projeções para o PIB do primeiro trimestre. O desemprego está baixo, a inflação tem vindo muito positiva. O repique de preços de alimentos não pode explicar uma perda de popularidade porque é bem transitório.

A evolução dos gastos também preocupa quando se olha para o limite do arcabouço, que permite um aumento, acima da inflação, de no máximo 2,5% das despesas? Esse teto pode estourar no ano que vem?

Tem uma probabilidade porque a nova regra do salário mínimo impacta muito a Previdência. Ano que vem o salário mínimo já vai crescer, em termos reais, cerca de 3%, porque é o PIB de dois anos antes (2023, quando o PIB cresceu 2,9%). No ano de 2026, é o PIB de 2024, que também não parece ruim. Se o PIB crescer 2% ao ano, vamos ter de fazer uma nova reforma da Previdência, porque toda reforma vai ser consumida com o aumento do gasto da Previdência derivado da regra do salário mínimo, que foi aprovada sem discutir os impactos no fiscal. Outra coisa, o número dos beneficiários de todos os programas sociais está explodindo. Também vai impactar, se continuar nesse ritmo. É por isso que grande parte do mercado vê como subestimada a estimativa (do governo) de déficit do INSS deste ano.

O arcabouço corre risco no ano que vem?

Em 2025, o arcabouço está em risco, porque despesas em educação e saúde vão crescer 100% com a receita, o salário mínimo vai impactar muito a Previdência. Vai ser difícil caber tudo dentro do teto. Para caber, vai ter de fazer um corte significativo das discricionárias, que nem sei se vai ser factível, mesmo que o governo queira. Talvez tenha de ter um ajuste nesse limite, talvez algumas despesas fiquem fora do limite.

Isso prejudicaria a credibilidade do arcabouço?

No fim do governo Bolsonaro, foram feitas quatro mudanças constitucionais para aumentar o teto. Algumas delas foram um pouco traumáticas, mas depois o mercado aceitou. Se esse aceite vai se repetir em 2025, vai depender do cenário internacional, do nível do juro de dez anos nos EUA, se a China vai crescer 5% ou 3%. Isso sem falar na meta de primário. A probabilidade não é pequena de ter de alterar o arcabouço.

Qual é a sua expectativa para o comunicado que será divulgado na quarta-feira pelo Copom?

O Banco Central já comunicou que vai tirar o forward guidance (ferramenta usada pelos BCs para delinear o curso futuro da política monetária) em algum momento, não necessariamente nesta reunião. E o mercado absorveu bem que vai tirar. O BC quer ter menos amarras num momento de incertezas nos cenários internacional e doméstico. O mercado já absorveu, mas é claro que se tirar agora vai diminuir um pouco a chance de haver mais duas reduções de 0,50 ponto porcentual da Selic. O cenário mais provável é de o Banco Central avisar que vai tirar para não provocar nenhum tipo de estresse.

De qualquer forma, o cenário é favorável à continuidade da redução dos juros, certo?

Sim, porque a taxa de juros está muito restritiva e o cenário de inflação é positivo para este ano. As expectativas de inflação do Focus devem cair mais, há espaço para os juros continuarem a cair, mas o BC não quer passar a mensagem de que vai para um nível estimulativo. Quando retirar o forward guidance, vai querer passar a mensagem de que a taxa ainda precisa continuar restritiva. Um dos principais motivos é que a atividade está se comportando melhor do que o esperado. Na inflação de serviços, os relacionados ao mercado de trabalho estão fortes. Não é aconselhável ir para uma taxa estimulativa.

A diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour, avalia que, qualquer que seja o desfecho, a crise aberta pela retenção de dividendos extraordinários da Petrobras elevou no horizonte dos investidores o risco de interferência do governo não apenas na estatal, mas em outras áreas da economia.

Mesmo que a Petrobras distribua os dividendos que foram retidos, a possibilidade de o governo intervir, além das empresas onde tem participação, em marcos regulatórios continuará sendo uma incerteza que, junto com outras indefinições, atrapalha os investimentos. A consequência é uma limitação no potencial de crescimento do País.

“O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, e isso atrapalha o investimento, em última instância”, diz Solange Srour em entrevista ao Estadão/Broadcast. Na conversa, a diretora de macroeconomia do braço de gestão de fortunas do UBS Global fala ainda da probabilidade “não pequena” de mudança já no ano que vem do arcabouço fiscal. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em relação à confiança do investidor, a interferência do governo na Petrobras causa um grande abalo?

O episódio aumenta o grau de incerteza em relação a possíveis intervenções, não só na área de petróleo, mas em outras áreas da economia, atrapalhando o investimento, em última instância. A incerteza sobre intervenções tem preço para o cenário macro, porque aumenta também a incerteza regulatória, aumenta a incerteza sobre qualquer tipo de investimento, seja em empresa pública ou em empresa privada. Aumenta o prêmio de risco no juro neutro da economia, porque você tem menos investimento, logo, menos PIB potencial. Então, é bem negativo aumentar esse nível de incerteza. Mesmo que voltemos à estaca zero, e a Petrobras pague o dividendo, que o Prates (Jean Paul Prates, presidente da Petrobras) continue, a dúvida existe e vai ficar perene na economia.

Solange Srour, do Credit Suisse;a conjuntura internacional está favorecendo os emergentes, como o Brasil Foto: Wilton Junior/Estadão

No ano passado, o investimento, em queda, já foi na contramão do consumo, que cresce. Quais preocupações isso traz do ponto de vista da inflação e do PIB potencial?

Em 2024, o investimento deve voltar a subir, mas o problema é que estruturalmente não vai acontecer um salto de investimento porque, mesmo que o Banco Central (BC) corte os juros, é difícil ver um ciclo de investimento bombando no Brasil quando a taxa de juros de equilíbrio é vista como alta, dadas as incertezas fiscais. E, para piorar a situação, tem toda a questão não só do risco de intervenção (do governo) em empresas, mas também do ambiente regulatório muito incerto. Volta e meia tenta-se mudar algum marco no Congresso. A reforma tributária é muito positiva, mas no curto prazo traz uma incerteza enorme. Enquanto ela não for regulamentada, nenhum setor sabe qual será a sua alíquota. Não sabemos nem qual vai ser a alíquota geral. Como é que você vai investir se você não sabe nem qual é o seu regime tributário? Então, é muita insegurança para o investimento.

Os investimentos públicos não podem puxar a retomada dos investimentos?

Não tem espaço fiscal. O investimento público fica restrito ao teto. Várias despesas obrigatórias consomem o investimento. Tem de pagar o funcionalismo, a Previdência, os benefícios sociais, a saúde, a educação... O que sobra para investimento? Nada.

Mas o governo não deve tentar blindar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de possíveis contingenciamentos no orçamento?

No fim, acaba pegando uma parte pequena do PAC. Não tem onde cortar porque o resto (das despesas no orçamento) é quase tudo obrigatório. Fora isso, vale lembrar que, mesmo no PAC, em grande parte, o governo conta com o privado. Grande parte do PAC é investimento privado.

Qual contribuição os dividendos retidos pela Petrobras podem dar ao resultado fiscal do governo se liberados neste ano?

Para o fiscal, isso importa muito. Não está no Orçamento, mas é claro que o ministro da Fazenda (Fernando Haddad) considera importante o pagamento de dividendos, porque estamos num momento muito crucial em que falta arrecadação para chegar à meta de déficit zero. A arrecadação forte de janeiro e fevereiro não salva o ano. Qualquer arrecadação é importante - e esta do dividendo da Petrobras é grande. Então, se forem pagar mais à frente, ajuda, sim, nas projeções dos números de (resultado) primário (receitas menos despesas, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida).

A arrecadação forte no primeiro bimestre empurra a revisão da meta do primário mais para frente?

Teremos mudança da meta. Não em março, já que o próprio Ceron (Rogério Ceron, secretário do Tesouro) tem dito que as projeções dessa revisão vão ficar perto do limite da banda (definida pelo novo arcabouço fiscal), ou seja, um déficit de 0,25% do PIB. Pode haver um contingenciamento pequeno para chegar nessa projeção. A mudança inevitavelmente vai ter de acontecer em algum momento, talvez na preparação da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem. O governo não quer que sejam acionados em 2025 e 2026 os gatilhos previstos caso a meta não seja cumprida. Na prática, não precisaria mudar. Só tomar ações para chegar mais perto, contingenciar mais.

Acionar os gatilhos, com suas penalidades, ao invés de mudar a meta, não seria melhor aos olhos do investidor?

A reação do mercado na mudança da meta vai depender muito da forma como ela for feita. Se mudar a meta sem contingenciar muito, vai dar uma sinalização de que a meta pode ser mudada sempre e de que não há preocupação com a despesa. Quer dizer, o crescimento do PIB é muito mais importante do que fazer um corte de gastos e tentar chegar perto da meta. Mudar a meta com um contingenciamento forte é diferente de mudar a meta sem esforço. Agora, tudo vai depender do timing. Todo o contexto importa. Se acontecer junto com a queda de juros dos Estados Unidos, e a depender da mensagem do Federal Reserve, pode ser que acabe absorvendo (uma piora da percepção fiscal) mesmo se não houver esforço.

A perda de popularidade do presidente Lula não reduz a chance de um corte de gastos razoável?

Parece que não vai acontecer nenhum tipo de corte de gasto relevante, pelo contrário. Talvez não tenha novo gasto porque existe um teto, mas pode ter desoneração. Essa queda de popularidade veio de uma forma inesperada para nós, porque a economia está muito bem. O dado da Pesquisa Mensal de Comércio veio muito acima do teto das expectativas, o que aumenta as projeções para o PIB do primeiro trimestre. O desemprego está baixo, a inflação tem vindo muito positiva. O repique de preços de alimentos não pode explicar uma perda de popularidade porque é bem transitório.

A evolução dos gastos também preocupa quando se olha para o limite do arcabouço, que permite um aumento, acima da inflação, de no máximo 2,5% das despesas? Esse teto pode estourar no ano que vem?

Tem uma probabilidade porque a nova regra do salário mínimo impacta muito a Previdência. Ano que vem o salário mínimo já vai crescer, em termos reais, cerca de 3%, porque é o PIB de dois anos antes (2023, quando o PIB cresceu 2,9%). No ano de 2026, é o PIB de 2024, que também não parece ruim. Se o PIB crescer 2% ao ano, vamos ter de fazer uma nova reforma da Previdência, porque toda reforma vai ser consumida com o aumento do gasto da Previdência derivado da regra do salário mínimo, que foi aprovada sem discutir os impactos no fiscal. Outra coisa, o número dos beneficiários de todos os programas sociais está explodindo. Também vai impactar, se continuar nesse ritmo. É por isso que grande parte do mercado vê como subestimada a estimativa (do governo) de déficit do INSS deste ano.

O arcabouço corre risco no ano que vem?

Em 2025, o arcabouço está em risco, porque despesas em educação e saúde vão crescer 100% com a receita, o salário mínimo vai impactar muito a Previdência. Vai ser difícil caber tudo dentro do teto. Para caber, vai ter de fazer um corte significativo das discricionárias, que nem sei se vai ser factível, mesmo que o governo queira. Talvez tenha de ter um ajuste nesse limite, talvez algumas despesas fiquem fora do limite.

Isso prejudicaria a credibilidade do arcabouço?

No fim do governo Bolsonaro, foram feitas quatro mudanças constitucionais para aumentar o teto. Algumas delas foram um pouco traumáticas, mas depois o mercado aceitou. Se esse aceite vai se repetir em 2025, vai depender do cenário internacional, do nível do juro de dez anos nos EUA, se a China vai crescer 5% ou 3%. Isso sem falar na meta de primário. A probabilidade não é pequena de ter de alterar o arcabouço.

Qual é a sua expectativa para o comunicado que será divulgado na quarta-feira pelo Copom?

O Banco Central já comunicou que vai tirar o forward guidance (ferramenta usada pelos BCs para delinear o curso futuro da política monetária) em algum momento, não necessariamente nesta reunião. E o mercado absorveu bem que vai tirar. O BC quer ter menos amarras num momento de incertezas nos cenários internacional e doméstico. O mercado já absorveu, mas é claro que se tirar agora vai diminuir um pouco a chance de haver mais duas reduções de 0,50 ponto porcentual da Selic. O cenário mais provável é de o Banco Central avisar que vai tirar para não provocar nenhum tipo de estresse.

De qualquer forma, o cenário é favorável à continuidade da redução dos juros, certo?

Sim, porque a taxa de juros está muito restritiva e o cenário de inflação é positivo para este ano. As expectativas de inflação do Focus devem cair mais, há espaço para os juros continuarem a cair, mas o BC não quer passar a mensagem de que vai para um nível estimulativo. Quando retirar o forward guidance, vai querer passar a mensagem de que a taxa ainda precisa continuar restritiva. Um dos principais motivos é que a atividade está se comportando melhor do que o esperado. Na inflação de serviços, os relacionados ao mercado de trabalho estão fortes. Não é aconselhável ir para uma taxa estimulativa.

Entrevista por Eduardo Laguna
Renata Pedini

Renata Pedini é editora de Macroeconomia e Mercados do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, e colunista da Rádio Eldorado. Foi produtora e chefe de reportagem na Rádio CBN. Formada pela PUC-SP, cursou o MBA em Derivativos e informações econômico-financeiras da FIA e o Master em Jornalismo Econômico IICS.

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