RIO - A inflação oficial no País ficou em 5,79% em 2022, acima da meta estabelecida pelo Banco Central pelo segundo ano consecutivo, segundo os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgados nesta terça-feira, 10, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A meta do BC era de 3,5% ao ano, com teto de 5%.
Em carta ao novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), o BC deve citar a guerra na Ucrânia e a reabertura econômica pós-covid como as principais justificativas para não cumprir a meta de inflação pelo segundo ano seguido em 2022. O banco também deve reforçar a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, como arma para ganhar a batalha contra a alta de preços.
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Toda vez que a inflação fica fora do limite de tolerância da meta, o BC tem de explicar por que falhou na sua principal missão: a estabilidade dos preços. Desde a criação do sistema de metas, em 1999, o BC descumpriu a meta seis vezes. Com a segunda carta seguida, o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, se iguala a Henrique Meirelles no número de explicações oficiais à Fazenda.
O resultado de 2022 foi influenciado principalmente pelo grupo Alimentação e bebidas (11,64%), que teve o maior impacto - de 2,41 pontos percentuais (p.p.) no acumulado do ano.
Na sequência, veio Saúde e cuidados pessoais, com 11,43% de variação e 1,42 p.p. de impacto. Já a maior variação veio do grupo Vestuário (18,02%), que teve altas acima de 1% em 10 dos 12 meses do ano. O grupo Habitação (0,07%) ficou próximo da estabilidade, e os Transportes (-1,29%) tiveram a maior queda e o impacto negativo mais intenso (-0,28 p.p.) entre os nove grupos pesquisados.
O resultado final teria sido ainda maior, não fosse o corte de impostos sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações.
“O BC mais uma vez vai ter que se justificar por não ter batido a meta de inflação em 2022. A mensagem que o IPCA de dezembro deixa para 2023 é que a inflação não começa o ano bem”, afirmou o economista Luca Mercadante, da gestora de recursos da Rio Bravo Investimentos.
Sem as quedas de preços na gasolina e na energia elétrica, o IPCA teria sido de 9,56% em 2022, calculou André Almeida, analista do Sistema de Índices de Preços do IBGE. A estimativa expurga tanto a gasolina quanto a energia do cálculo da inflação, redistribuindo os pesos dos itens, “uma conta mais correta”, segundo ele.
“O ICMS é um dos fatores que influencia no comportamento dos preços desses bens e serviços, mas não é o único”, ponderou Almeida, embora reconheça que o corte de impostos tenha sido fundamental para a queda de preço desses itens em 2022. “Houve também reduções praticadas pela Petrobras no preço da gasolina nas refinarias”, acrescentou.
A gasolina recuou 25,78% em 2022, -1,70 ponto porcentual no IPCA. O etanol ficou 25,42% mais barato, -0,25 p.p.; a energia elétrica caiu 19,01%, -0,96 p.p.; e o acesso à internet recuou 12,09%, -0,06 p.p..
Alimentos e saúde pesaram no orçamento
Em 2022, os principais vilões foram os aumentos na alimentação, que subiu 11,64%, e nos gastos com saúde e cuidados pessoais, com alta de 11,43%. Juntos, os dois grupos responderam por cerca de 66% do IPCA do ano.
A alta dos alimentos em 2022 foi puxada pelo encarecimento principalmente da cebola, leite longa vida, batata inglesa e frutas, prejudicados por uma redução na área plantada, questões climáticas e aumento de custos de produção, segundo Almeida.
A alimentação no domicílio aumentou 13,23%. A cebola (130,14%) foi o subitem que teve a maior alta entre os 377 que compõem o IPCA. O leite longa vida aumentou 26,18%; a batata-inglesa, 51,92%; as frutas, 24,00%; e o pão francês, 18,03%. A alimentação fora do domicílio subiu 7,47%: a refeição teve aumento de 5,86%, e o lanche encareceu 10,67%.
Já a elevação nas despesas com Saúde foi a mais aguda desde 1996. A alta foi influenciada pelos aumentos em produtos de higiene pessoal (16,69%), em especial os perfumes (22,61%) e os produtos para cabelo (14,97%), e pelos reajustes autorizados pelo governo para produtos farmacêuticos (13,52%) e plano de saúde (6,90%).
No ranking de itens de maior pressão sobre o IPCA de 2022 figuraram higiene pessoal (0,61 p.p.), emplacamento de veículo (0,49 p.p.), produtos farmacêuticos (0,42 p.p.), aluguel residencial (0,31 p.p.) e cursos regulares (0,30 p.p.).
Aceleração em dezembro
No mês de dezembro, o resultado do IPCA ficou acima até das previsões mais pessimistas de analistas do mercado financeiro ouvidos pelo Projeções Broadcast, que estimaram um avanço desde 0,36% a 0,61%, com mediana positiva de 0,45%.
Houve uma alta de preços sazonal e também uma recomposição pós-promoções da Black Friday, justificou André Almeida, do IBGE.
O índice de difusão, que mostra o porcentual de itens com aumentos de preços, passou de 59% em novembro para 69% em dezembro, o maior desde maio de 2022.
“Esse maior espalhamento em relação a novembro a gente vai ver que tem muito pela questão de fim de ano. Em novembro teve descontos praticados pela Black Friday, e em dezembro teve não só o retorno aos preços anteriores à Black Friday como também aumentos”, disse Almeida.
O IPCA mais alto do que o esperado em dezembro reforça a avaliação de que o Banco Central deverá aguardar sinais mais claros de desinflação para iniciar o ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic, segundo a Capital Economics. A consultoria prevê o início da trajetória de redução em meados deste ano, levando a Selic dos atuais 13,75% para 11,0% ao ano até o fim de 2023.
“Contra este pano de fundo, os formuladores da política monetária no Banco Central provavelmente vão querer ver novas evidências de que a inflação está se aproximando da meta (3,25% este ano)”, escreveu o economista-chefe para mercados emergentes da consultoria, William Jackson, em relatório. “Mais importante, as preocupações com a inflação estão dando lugar a preocupações com a política fiscal.”
Em dezembro, os itens de maior pressão no IPCA foram higiene pessoal (0,14 ponto porcentual), plano de saúde (0,04 p.p.), emplacamento (0,04 p.p.), tomate (0,04 p.p.) e roupa feminina (0,03 p.p.).
No caso de higiene pessoal, houve influência do câmbio e de uma demanda maior ao longo do ano, mas os aumentos de dezembro foram influenciados “tanto pela volta dos preços depois das liquidações da Black Friday como pela intensificação de compras relacionada ao fim de ano”, apontou Almeida, do IBGE.
A demanda maior no fim do ano impulsionou os preços de alguns itens, como vestuário, mas também alguns serviços, como passagem aérea, aluguel de veículo, transporte por aplicativo e pacote turístico.
“No fim do ano as compras de itens se intensificam, é período de férias, (de demanda por) itens relacionados a viagem, turismo. Tem um aumento da demanda sazonal de fim de ano e pode contribuir para essa alta em alguns itens”, afirmou Almeida.