Ao longo da história, a esquerda brasileira já deu inúmeras demonstrações de que, para ela, vale a máxima de que “os fins justificam os meios”, uma paráfrase de Maquiavel em sua obra imortal O Príncipe.
Desde os tempos de Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, quando os comunistas faziam contorcionismos para tentar justificar a ditadura sanguinária de Joseph Stálin na União Soviética, a esquerda tem se mostrado sempre pronta a legitimar barbaridades perpetradas por regimes e grupos que ela apoia, colocando em xeque o suposto “humanismo” que estaria no centro de sua atuação política.
Da carnificina promovida por Mao Tsé-Tung na China durante a Revolução Cultural ao regime totalitário da Coreia do Norte, das ditaduras de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua à invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin e à violenta repressão da teocracia iraniana contra as jovens que foram às ruas para defender os direitos das mulheres, a lista de atrocidades apoiadas pela esquerda parece não ter fim.
Mas, mesmo diante dessa “folha corrida”, o apoio dado agora por setores da esquerda ao Hamas e aos atos terroristas cometidos contra Israel já se tornou, desde já, um dos capítulos mais sombrios da trajetória do grupo no País. Não importa se o Hamas matou cerca de 1.200 civis, incluindo mulheres, crianças e bebês, e sequestrou mais de uma centena de pessoas durante sua incursão em Israel. Como se houvesse uma espécie de “terrorismo do bem”, tudo se mostra justificável para a esquerda em sua fúria contra o Estado judeu, que o Hamas quer apagar do mapa.
Antes de os corpos dos mortos esfriarem, multiplicaram-se por aí manifestações de solidariedade ao Hamas e comemorações dos ataques abomináveis realizados contra vítimas indefesas. Militantes do PT, PSOL, PC do B, MST e MTST, entre outros grupos e agremiações de alcance limitado, mas que são mobilizados e fazem um barulho considerável, como o PCO e o PSTU, inundaram as redes sociais em júbilo pela ação empreendida contra Israel.
O MST chegou a colocar uma nota oficial em seu site, que depois foi retirada, na qual exaltava a “brava resistência” dos palestinos ante a transformação de seus territórios no que o movimento chamou de “campo de concentração isolado do resto do mundo”, numa evidente banalização do Holocausto, que levou a vida de seis milhões de judeus. O PCO foi além. “O Hamas acendeu a chama da resistência contra o estado terrorista e fictício de Israel. Todo apoio ao Hamas! Fim de Israel”, afirmou o partido numa publicação nas redes sociais.
Na internet, as manifestações contra Israel e a favor do Hamas tiveram requintes de crueldade em relação às vítimas dos ataques em Israel, revelando sinais latentes de antissemitismo. No sábado, 7, quando os ataques começaram, o historiador Sayid Marcos Tenório, assessor do deputado federal Márcio Jerry, do PC do B, e também filiado ao partido, ridicularizou uma israelense sequestrada pelo Hamas.
Em resposta a uma publicação no X (antigo Twitter), que trazia um vídeo da mulher com uma mancha escura em sua calça, ele afirmou, sem constrangimento: “Isso é marca de merda. Se achou nas calças”. Em outros posts ofensivos, Tenório – que acabou demitido – publicou duas imagens da bandeira israelense repaginada. Em uma delas, há uma barata no lugar da estrela de Davi. Na outra, o símbolo está mergulhado numa poça de sangue.
Em nenhum momento, esse pessoal manifestou qualquer solidariedade às vítimas do Hamas. E, quando veio a resposta de Israel aos ataques, a malta apressou-se em repudiar o que classificou de “genocídio” dos palestinos, numa demonstração clara da “indignação seletiva” que muitas vezes marca a esquerda. Numa comparação livre, seria mais ou menos a mesma coisa que condenar a invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos e silenciar a respeito das vítimas dos ataques da Al-Qaeda às torres gêmeas, em Nova York, em 11 de setembro de 2001.
Na terça-feira, 10, militantes de organizações como MST e o MNPL (Movimento Nacional de Luta por Moradia) e de partidos de esquerda como PT, PSOL, PCO e PSTU promoveram manifestações pró-Hamas em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, com apoio de integrantes de entidades como a Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) e a Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Educação (Fasubra Sindical).
Em Brasília, um manifestante com megafone chamava os israelenses de “terroristas” e puxava o coro de “viva o Hamas, viva o Hamas!”, sob aplausos da turba. Em São Paulo, o diretor nacional do PCO, Francisco Muniz, disse: “O sábado (7/10) foi o dia que mudou toda a história da luta anti-imperialista no mundo”.
Oficialmente, o PT, o PSOL e o PC do B ficaram à margem das manifestações e criticaram a escalada da violência na região, referindo-se especialmente à represália de Israel, mas em nenhum momento mencionaram o Hamas, deixando uma boa dose de ambiguidade no ar.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se disse “chocado” com os ataques terroristas a civis, expressou as condolências aos familiares das vítimas e o seu “repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas”, o que não deixa de ser um avanço diante de suas posições tradicionalmente contrárias a Israel, mas também não mencionou o Hamas.
O assessor especial da Presidência da República e ex-chanceler, Celso Amorim, foi outro que condenou os ataques, mas não mencionou o Hamas e ainda sugeriu que “os governos de Israel” eram responsáveis pela ação, porque “deixaram de lado o processo de paz” e acabaram “gerando essa situação”, buscando legitimar a ação do Hamas, a quem tem em alta conta.
No prefácio da versão em português do livro Engajando o mundo: a construção da política externa do Hamas” do britânico Daud Abdullah, pesquisador dedicado ao Oriente Médio e ex-integrante do Conselho Muçulmano da Inglaterra, lançada em maio, Amorim se diz “encorajado” com a perspectiva de o Hamas “desempenhar um papel central na restauração dos direitos palestinos”.
A mesma posição dúbia foi manifestada nas duas notas divulgadas pelo Itamaraty a respeito da morte de dois brasileiros nos ataques desferidos pelo Hamas contra os jovens que participavam de uma rave, Ranani Nidejelski Glazer e Bruna Valeano, em Israel. Em nenhuma das duas notas o Itamaraty condena o terrorismo do Hamas e sequer reconhece o assassinato de ambos, gerando uma enxurrada de críticas nas redes. Na primeira nota, fala em “falecimento” de Glazer. Na segunda, em “morte” de Bruna.
Em publicação no X, a deputada Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, defendeu uma “solução pacífica” para o conflito, mas concentrou suas declarações na “brutalidade” da reação de Israel aos ataques do Hamas, cujo nome, mais uma vez, não aparece no texto. Em nenhum momento, ela se solidarizou com as vítimas israelenses dos ataques. Também banalizando o Holocausto, ela comparou a situação dos palestinos em Gaza a um “campo de concentração” e disse que a retaliação israelense “só vai resultar em mais ódio e destruição”, em mais uma demonstração do caráter ambíguo das manifestações sobre a questão por parte dos principais partidos de esquerda.
Gleisi classificou como “oportunismo” as afirmações de que o PT apoia o Hamas, ignorando que, em 2021, dez parlamentares do partido, entre eles Alexandre Padilha e Paulo Pimenta, hoje ministros de Lula, além de representantes do PSOL e do PC do B, assinaram uma carta que condenava a classificação do grupo como terrorista. Se hoje o Hamas não é considerado como tal no Brasil, isso se deve, em boa medida, à postura adotada na época pelos petistas e integrantes de outros partidos de esquerda.
Na quarta-feira, 10, em outro sinal claro da simpatia de parlamentares do partido pelo Hamas, para dizer o mínimo, os petistas Dimas Gadelha e Reimont Barbara foram os únicos deputados contrários à inclusão de uma moção de repúdio ao Hamas na pauta da Comissão de Segurança Pública da Câmara. Depois, na hora da votação, eles se ausentaram.
Diversos parlamentares do PT foram além e declararam abertamente apoio ao Hamas, como a deputada estadual Rosa Amorim, do PT de Pernambuco, que pode ser candidata a prefeita em Caruaru. “A resistência é um direito garantido pela ONU e é isso que os palestinos estão fazendo. A ofensiva do Hamas é uma resposta”, disse a petista.
O caso do PSOL é semelhante. Embora engajado numa operação para tentar suavizar sua fama de radical, que apoia a invasão de propriedades públicas e privadas, o deputado Guilherme Boulos, fundador do MTST e pré-candidato do partido à prefeitura de São Paulo, teve uma baixa importante na equipe de sua pré-campanha, com a saída do infectologista Jean Gorinchteyn, ex-secretário estadual de Saúde de São Paulo, por ele não ter condenado de imediato o Hamas.
Opositor histórico de Israel, que batizou de “Palestina” uma área ocupada por militantes do MTST em terreno de mananciais na zona sul de São Paulo, Boulos posteriormente condenou de forma explícita, em discurso feito na Câmara, os ataques a Israel. Ele solidarizou-se com as vítimas israelenses e disse que “o Hamas” não representa o conjunto do povo palestino”. Não deixou, porém, de responsabilizar Israel pelo agravamento da situação na região.
“Quero aqui me solidarizar também com todas as vítimas dos ataques feitos pelo governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu, que, com a sua atitude de violência contra os palestinos nos últimos anos e o descumprimento dos acordos internacionais, só agravou o conflito”, afirmou.
Levante de Varsóvia
Em nota divulgada no domingo, 8, o PSOL ficou vários tons acima de Boulos. Apesar de dizer que “lamenta as mortes ocorridas”, o partido não menciona o Hamas e centra sua posição em críticas ao que chama de “apartheid sionista” e aos “crimes contra a humanidade” que seriam cometidos por Israel.
Em publicação no X, a deputada estadual gaúcha, Luciana Genro, uma das mais radicais parlamentares do PSOL, sequer reconhece o caráter terrorista dos ataques do Hamas. “Tratar a resistência palestina como terrorismo seria equivalente a tratar da mesma forma o levante dos judeus contra o nazismo em Varsóvia, em 1943″, afirmou, em mais uma declaração de representantes da esquerda banalizando o Holocausto.
Como se pode observar, a reação da esquerda aos ataques do Hamas revela muito das motivações veladas (ou não) e das crenças que estão por trás de sua atuação no País. Como diz a sabedoria popular, “é nos piores momentos que conhecemos as pessoas”. Parafraseando o velho ditado, pode-se dizer que é nos piores momentos que a gente vê quem é quem na política do País.