O outro lado do noticiário

Opinião|Ato na Paulista foi além de apoio a Bolsonaro e mostrou rejeição a ‘tudo-isso-que-está-aí’


Embora o ex-presidente tenha convocado a manifestação para mostrar força política, ela adquiriu caráter suprapartidário, ao atrair representantes de várias siglas e milhares de pessoas que não são “bolsonaristas” ou “golpistas”, mas queriam expressar seu descontentamento com rumos do País

Por José Fucs
Atualização:

Quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, em junho de 2023, por “abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio Alvorada com embaixadores estrangeiros”, muitos analistas e especialistas em assuntos aleatórios do Facebook acharam que ele estava morto politicamente.

Depois, no início de fevereiro, quando Bolsonaro se tornou alvo da operação “Tempus Veritatis”, da Polícia Federal, que apura a participação do ex-presidente e de alguns de seus ex-colaboradores na organização de um suposto golpe de Estado, muita gente lacrou seu caixão, apostando em sua prisão iminente e numa retração inevitável de seus apoiadores.

No fim do ano passado, a primeira-dama Janja da Silva chegou a anunciar, com o deslumbramento que lhe é peculiar, que a prisão de Bolsonaro era questão de tempo, como se tivesse o que se costuma chamar no mercado acionário de “informação privilegiada” sobre a questão. “Se tudo der certo, logo Bolsonaro vai estar preso”, jactou-se Janja, antecipando uma suposta decisão judicial e incensando a militância do PT e seus aliados.

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Manifestação convocada por Bolsonaro, na avenida Paulista, em São Paulo, mostrou que a direita, está viva Foto: Taba Benedicto / Estadão

Mas, a julgar pelo êxito da manifestação “pela democracia” convocada por Bolsonaro e realizada no último domingo, 25, na avenida Paulista, em São Paulo, o ex-presidente, como um gato, parece ter “sete vidas”. Mesmo declarado inelegível pelo TSE e mesmo que sua prisão realmente aconteça, o que no momento não são favas contadas, apesar do “aviso” de Janja, é pouco provável que seus apoiadores deixem o caminho livre para Lula, o PT e seus aliados tomarem conta do País, com a cumplicidade nada discreta do STF (Supremo Tribunal Federal) ou pelo menos da maioria de seus integrantes.

Independentemente de se gostar ou não de Bolsonaro, a manifestação, que reuniu de 600 mil a 750 mil pessoas, segundo a Secretaria de Segurança de São Paulo, mostrou que o ex-presidente ainda tem uma popularidade e uma representatividade significativas na sociedade, inclusive nas faixas de menor renda, e um respaldo considerável no exterior, de onde vieram diversas manifestações de apoio a ele.

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Apesar de tudo, Bolsonaro ainda é, para o bem ou para o mal, conforme o ponto de vista, a grande liderança da direita brasileira. E com ou sem sua participação nas eleições e com ou sem sua prisão, ele continuará a ser decisivo para qualquer candidato de direita e até de centro-direita tentar evitar a reeleição de Lula em 2026. Querer ignorar ou negar seu protagonismo no cenário político nacional, achando que basta enquadrá-lo como “golpista”, “fascista”, “nazista” e “extrema direita” para derrubá-lo, é fechar os olhos a um fenômeno cuja compreensão é fundamental para qualquer análise séria que se faça hoje da correlação de forças políticas no País.

Agora, embora a convocação para o ato na Paulista tenha partido do próprio Bolsonaro, com o objetivo de mostrar sua força num momento em que se tornou alvo da Justiça e da vingança de seus opositores, a manifestação superou o apoio ao ex-presidente e acabou adquirindo um caráter suprapartidário, ao reunir políticos de oposição de diferentes legendas, entre eles quatro governadores de Estado – Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Jorginho Mello, de Santa Catarina, correligionário do ex-presidente no PL –, além do prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB).

Sanduíche de mortadela

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Milhares de pessoas que não podem ser consideradas como “bolsonaristas raiz” e “golpistas” também participaram do ato, sem receber sanduíche de mortadela ou qualquer tipo de remuneração para estar presentes, como acontece, muitas vezes, em manifestações realizadas pelos sindicatos e pelo PT.

Ainda que ninguém portasse faixas e cartazes com palavras de ordem, como em qualquer manifestação que se preze, num sinal evidente do nível a que chegaram a censura e a autocensura hoje no País, não é preciso ser PhD em ciência política para saber o que levou essa turma toda à Paulista. Eles estavam lá para protestar contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os rumos do governo petista e tudo-isso-que-está-aí, mesmo que, para muitos, Bolsonaro esteja longe, muito longe, de representar o perfil ideal para comandar o País ou liderar a direita, no sentido mais amplo do termo, daqui para a frente.

Alguns analistas calcularam um número menor de presentes ao ato do que a Secretaria de Segurança. O Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, falou em 185 mil participantes. Citando “especialistas da USP”, o site 247, que apoia Lula e o governo do PT, disse que foram apenas 30 mil, numa tentativa de minimizar a importância do evento. Mas, qualquer que tenha sido o total de participantes, as fotos da manifestação falam por si mesmas e são suficientes para mostrar que tinha muita gente, muita gente mesmo, na Paulista – e é isso o que importa, no frigir dos ovos.

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É difícil enumerar aqui, de supetão, tudo o que deixa o pessoal contrariado. Mas pode-se colocar na lista, sem medo de errar, muitas das decisões tomadas pelo STF e pelo TSE nos últimos tempos. Além da famigerada anulação com uma canetada dos processos por corrupção que levaram Lula ao xilindró, permitindo sua participação no pleito de 2022, e da administração considerada parcial da campanha eleitoral pelo TSE, a lista inclui a revogação da prisão em segunda instância, que foi uma das principais bandeiras das manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e contra a corrupção que prosperou nos governos do PT; o desrespeito à imunidade parlamentar e à independência dos Poderes, previstas na “Constituição Cidadã” de 1988; e a suspensão das multas bilionárias impostas à J&F e à Novonor (antiga Odebrecht) nos acordos de leniência firmados pelas empresas com o Ministério Público, no âmbito da operação Lava-Jato.

Também fazem parte da lista a declaração de inelegibilidade de Bolsonaro pelo TSE, que muitos julgam despropositada para a ação realizada pelo ex-presidente, mesmo sem ser “bolsonaristas”; a prisão por tempo indeterminado, sem julgamento, de cerca de 1,2 mil pessoas que estavam acampadas em frente ao QG do Exército em Brasília ou participaram dos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes, no 8 de Janeiro; o julgamento pelo STF de cidadãos comuns que deveriam ser julgados em primeira instância por não terem foro privilegiado; as condenações draconianas impostas aos condenados por participar dos “atos antidemocráticos”; o inquérito sem fim das fake news, que se tornou uma espécie de guarda-chuva sob o qual cabe qualquer coisa a qualquer tempo; o julgamento dos acusados de agredir Moraes em Roma por ele mesmo, num processo em que o magistrado é vítima e juiz ao mesmo tempo; a decisão do ministro Gilmar Mendes de manter o sigilo do vídeo que mostra o momento da suposta “agressão” sofrida por Moraes, sob a justificativa de que é preciso garantir a “privacidade” dos envolvidos; e as inúmeras decisões do STF contra a liberdade de expressão, em especial no caso de manifestações contra a própria instituição e seus ministros.

Agenda embolorada

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Muita gente que foi à Paulista está descontente também com os rumos do governo Lula. Ao governar como se tivesse sido eleito com uma chapa “puro-sangue”, composta por um vice também do PT, Lula está superestimando seu capital político e se esquecendo de que não teria se elegido sem o apoio do frentão que reuniu as forças de centro-esquerda, de centro e até setores de centro-direita “pela democracia”, com o objetivo de derrotar Bolsonaro.

Ao querer impor a embolorada agenda adotada em governos anteriores do PT, que jogou o país na maior recessão de que se tem notícia, e ao ressuscitar a política externa que “passa pano” para terroristas e ditadores sanguinários, Lula está perdendo até o apoio daqueles que votaram nele de nariz tampado, para evitar a reeleição de Bolsonaro, e turbinando sua própria rejeição, que só tende a crescer se ele seguir pelo mesmo caminho, acreditando que é por aí que tem de ir mesmo.

É certo que a declaração de Lula comparando o Holocausto com a reação de Israel aos atos terroristas abomináveis do Hamas, que levaram a um pedido de impeachment com o maior número de assinaturas de parlamentares na história, contribuiu de forma relevante para atrair à manifestação um grupo considerável que se indignou com sua fala e que rechaça o antissemitismo que ela alavancou, muitas vezes travestido de antissionismo. Não por acaso, havia bandeiras de Israel em profusão na manifestação, o que levou o chanceler israelense, Israel Katz, a agradecer o apoio dado ao país na Paulista. O próprio Bolsonaro chegou a beijar uma bandeira de Israel no ato.

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Outras ações do governo Lula, porém, devem ter contribuído para levar um contingente significativo de não-bolsonaristas às ruas. No front externo, pode-se destacar o apoio de Lula ao presidente russo Vladimir Putin na guerra contra a Ucrânia e sua afirmação de que seria “precipitação” atribuir ao regime a morte do líder da oposição Alexey Navalny numa prisão na Sibéria; a declaração do presidente de que não tinha informações sobre “a situação na Venezuela”, ao ser questionado sobre a expulsão de funcionários da ONU do país; o silêncio de Lula sobre o veto à participação de María Corina Machado, líder da oposição, nas eleições presidenciais venezuelanas, ainda sem data definida; e até a estadia do casal presidencial em hotéis com diárias de R$ 80 mil ou até mais em suas frequentes viagens ao exterior.

No front interno, a lista de iniciativas do governo Lula que podem ter motivado a ida de milhares de pessoas à Paulista inclui o aumento de impostos para cobrir a gastança do governo, como a taxação em 100% das compras acima de US$ 50 realizadas em sites chineses; o anúncio de novos investimentos de R$ 8 bilhões na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, na qual já foram enterrados R$ 18 bilhões; a tentativa de interferência em empresas privadas como a Vale, com a nomeação do ex-ministro Guido Mantega como seu presidente; as tentativas de reverter a privatização da Eletrobras e o novo marco legal do saneamento; e a tentativa de impor a reoneração da folha de pagamento a diversos setores da economia contra decisão do Congresso.

Ao contrário do que Lula, o PT e seus aliados parecem pensar, o presidente não está abafando. Embora eles pareçam acreditar que, ao ressuscitar a agenda do passado, vão criar as condições para sair vitoriosos nas urnas em 2024 e em 2026, o mais provável, pelo que se viu na Paulista no domingo, é que o efeito seja exatamente o contrário. No fim das contas, nada pode turbinar mais o antipetismo do que o PT sendo PT e Lula sendo Lula.

No momento, é difícil dizer quem vai herdar o espólio de Bolsonaro, caso ele seja preso, depois de ter se tornado inelegível, para enfrentar Lula em 2026. Pode ser o governador paulista Tarcísio de Freitas ou seus colegas de Minas, Romeu Zema, ou de Goiás, Ronaldo Caiado. Pode ser também a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura. Ou outro nome que se mostre viável até lá. O principal, como mostrou a manifestação na Paulista, é que a direita, no sentido mais amplo, está viva, muito viva, e neste cenário não dá para negar que Bolsonaro, goste-se dele ou não, continuará a ser o grande cabo eleitoral do candidato que for representar o grupo contra Lula e o PT.

Quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, em junho de 2023, por “abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio Alvorada com embaixadores estrangeiros”, muitos analistas e especialistas em assuntos aleatórios do Facebook acharam que ele estava morto politicamente.

Depois, no início de fevereiro, quando Bolsonaro se tornou alvo da operação “Tempus Veritatis”, da Polícia Federal, que apura a participação do ex-presidente e de alguns de seus ex-colaboradores na organização de um suposto golpe de Estado, muita gente lacrou seu caixão, apostando em sua prisão iminente e numa retração inevitável de seus apoiadores.

No fim do ano passado, a primeira-dama Janja da Silva chegou a anunciar, com o deslumbramento que lhe é peculiar, que a prisão de Bolsonaro era questão de tempo, como se tivesse o que se costuma chamar no mercado acionário de “informação privilegiada” sobre a questão. “Se tudo der certo, logo Bolsonaro vai estar preso”, jactou-se Janja, antecipando uma suposta decisão judicial e incensando a militância do PT e seus aliados.

Manifestação convocada por Bolsonaro, na avenida Paulista, em São Paulo, mostrou que a direita, está viva Foto: Taba Benedicto / Estadão

Mas, a julgar pelo êxito da manifestação “pela democracia” convocada por Bolsonaro e realizada no último domingo, 25, na avenida Paulista, em São Paulo, o ex-presidente, como um gato, parece ter “sete vidas”. Mesmo declarado inelegível pelo TSE e mesmo que sua prisão realmente aconteça, o que no momento não são favas contadas, apesar do “aviso” de Janja, é pouco provável que seus apoiadores deixem o caminho livre para Lula, o PT e seus aliados tomarem conta do País, com a cumplicidade nada discreta do STF (Supremo Tribunal Federal) ou pelo menos da maioria de seus integrantes.

Independentemente de se gostar ou não de Bolsonaro, a manifestação, que reuniu de 600 mil a 750 mil pessoas, segundo a Secretaria de Segurança de São Paulo, mostrou que o ex-presidente ainda tem uma popularidade e uma representatividade significativas na sociedade, inclusive nas faixas de menor renda, e um respaldo considerável no exterior, de onde vieram diversas manifestações de apoio a ele.

Apesar de tudo, Bolsonaro ainda é, para o bem ou para o mal, conforme o ponto de vista, a grande liderança da direita brasileira. E com ou sem sua participação nas eleições e com ou sem sua prisão, ele continuará a ser decisivo para qualquer candidato de direita e até de centro-direita tentar evitar a reeleição de Lula em 2026. Querer ignorar ou negar seu protagonismo no cenário político nacional, achando que basta enquadrá-lo como “golpista”, “fascista”, “nazista” e “extrema direita” para derrubá-lo, é fechar os olhos a um fenômeno cuja compreensão é fundamental para qualquer análise séria que se faça hoje da correlação de forças políticas no País.

Agora, embora a convocação para o ato na Paulista tenha partido do próprio Bolsonaro, com o objetivo de mostrar sua força num momento em que se tornou alvo da Justiça e da vingança de seus opositores, a manifestação superou o apoio ao ex-presidente e acabou adquirindo um caráter suprapartidário, ao reunir políticos de oposição de diferentes legendas, entre eles quatro governadores de Estado – Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Jorginho Mello, de Santa Catarina, correligionário do ex-presidente no PL –, além do prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB).

Sanduíche de mortadela

Milhares de pessoas que não podem ser consideradas como “bolsonaristas raiz” e “golpistas” também participaram do ato, sem receber sanduíche de mortadela ou qualquer tipo de remuneração para estar presentes, como acontece, muitas vezes, em manifestações realizadas pelos sindicatos e pelo PT.

Ainda que ninguém portasse faixas e cartazes com palavras de ordem, como em qualquer manifestação que se preze, num sinal evidente do nível a que chegaram a censura e a autocensura hoje no País, não é preciso ser PhD em ciência política para saber o que levou essa turma toda à Paulista. Eles estavam lá para protestar contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os rumos do governo petista e tudo-isso-que-está-aí, mesmo que, para muitos, Bolsonaro esteja longe, muito longe, de representar o perfil ideal para comandar o País ou liderar a direita, no sentido mais amplo do termo, daqui para a frente.

Alguns analistas calcularam um número menor de presentes ao ato do que a Secretaria de Segurança. O Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, falou em 185 mil participantes. Citando “especialistas da USP”, o site 247, que apoia Lula e o governo do PT, disse que foram apenas 30 mil, numa tentativa de minimizar a importância do evento. Mas, qualquer que tenha sido o total de participantes, as fotos da manifestação falam por si mesmas e são suficientes para mostrar que tinha muita gente, muita gente mesmo, na Paulista – e é isso o que importa, no frigir dos ovos.

É difícil enumerar aqui, de supetão, tudo o que deixa o pessoal contrariado. Mas pode-se colocar na lista, sem medo de errar, muitas das decisões tomadas pelo STF e pelo TSE nos últimos tempos. Além da famigerada anulação com uma canetada dos processos por corrupção que levaram Lula ao xilindró, permitindo sua participação no pleito de 2022, e da administração considerada parcial da campanha eleitoral pelo TSE, a lista inclui a revogação da prisão em segunda instância, que foi uma das principais bandeiras das manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e contra a corrupção que prosperou nos governos do PT; o desrespeito à imunidade parlamentar e à independência dos Poderes, previstas na “Constituição Cidadã” de 1988; e a suspensão das multas bilionárias impostas à J&F e à Novonor (antiga Odebrecht) nos acordos de leniência firmados pelas empresas com o Ministério Público, no âmbito da operação Lava-Jato.

Também fazem parte da lista a declaração de inelegibilidade de Bolsonaro pelo TSE, que muitos julgam despropositada para a ação realizada pelo ex-presidente, mesmo sem ser “bolsonaristas”; a prisão por tempo indeterminado, sem julgamento, de cerca de 1,2 mil pessoas que estavam acampadas em frente ao QG do Exército em Brasília ou participaram dos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes, no 8 de Janeiro; o julgamento pelo STF de cidadãos comuns que deveriam ser julgados em primeira instância por não terem foro privilegiado; as condenações draconianas impostas aos condenados por participar dos “atos antidemocráticos”; o inquérito sem fim das fake news, que se tornou uma espécie de guarda-chuva sob o qual cabe qualquer coisa a qualquer tempo; o julgamento dos acusados de agredir Moraes em Roma por ele mesmo, num processo em que o magistrado é vítima e juiz ao mesmo tempo; a decisão do ministro Gilmar Mendes de manter o sigilo do vídeo que mostra o momento da suposta “agressão” sofrida por Moraes, sob a justificativa de que é preciso garantir a “privacidade” dos envolvidos; e as inúmeras decisões do STF contra a liberdade de expressão, em especial no caso de manifestações contra a própria instituição e seus ministros.

Agenda embolorada

Muita gente que foi à Paulista está descontente também com os rumos do governo Lula. Ao governar como se tivesse sido eleito com uma chapa “puro-sangue”, composta por um vice também do PT, Lula está superestimando seu capital político e se esquecendo de que não teria se elegido sem o apoio do frentão que reuniu as forças de centro-esquerda, de centro e até setores de centro-direita “pela democracia”, com o objetivo de derrotar Bolsonaro.

Ao querer impor a embolorada agenda adotada em governos anteriores do PT, que jogou o país na maior recessão de que se tem notícia, e ao ressuscitar a política externa que “passa pano” para terroristas e ditadores sanguinários, Lula está perdendo até o apoio daqueles que votaram nele de nariz tampado, para evitar a reeleição de Bolsonaro, e turbinando sua própria rejeição, que só tende a crescer se ele seguir pelo mesmo caminho, acreditando que é por aí que tem de ir mesmo.

É certo que a declaração de Lula comparando o Holocausto com a reação de Israel aos atos terroristas abomináveis do Hamas, que levaram a um pedido de impeachment com o maior número de assinaturas de parlamentares na história, contribuiu de forma relevante para atrair à manifestação um grupo considerável que se indignou com sua fala e que rechaça o antissemitismo que ela alavancou, muitas vezes travestido de antissionismo. Não por acaso, havia bandeiras de Israel em profusão na manifestação, o que levou o chanceler israelense, Israel Katz, a agradecer o apoio dado ao país na Paulista. O próprio Bolsonaro chegou a beijar uma bandeira de Israel no ato.

Outras ações do governo Lula, porém, devem ter contribuído para levar um contingente significativo de não-bolsonaristas às ruas. No front externo, pode-se destacar o apoio de Lula ao presidente russo Vladimir Putin na guerra contra a Ucrânia e sua afirmação de que seria “precipitação” atribuir ao regime a morte do líder da oposição Alexey Navalny numa prisão na Sibéria; a declaração do presidente de que não tinha informações sobre “a situação na Venezuela”, ao ser questionado sobre a expulsão de funcionários da ONU do país; o silêncio de Lula sobre o veto à participação de María Corina Machado, líder da oposição, nas eleições presidenciais venezuelanas, ainda sem data definida; e até a estadia do casal presidencial em hotéis com diárias de R$ 80 mil ou até mais em suas frequentes viagens ao exterior.

No front interno, a lista de iniciativas do governo Lula que podem ter motivado a ida de milhares de pessoas à Paulista inclui o aumento de impostos para cobrir a gastança do governo, como a taxação em 100% das compras acima de US$ 50 realizadas em sites chineses; o anúncio de novos investimentos de R$ 8 bilhões na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, na qual já foram enterrados R$ 18 bilhões; a tentativa de interferência em empresas privadas como a Vale, com a nomeação do ex-ministro Guido Mantega como seu presidente; as tentativas de reverter a privatização da Eletrobras e o novo marco legal do saneamento; e a tentativa de impor a reoneração da folha de pagamento a diversos setores da economia contra decisão do Congresso.

Ao contrário do que Lula, o PT e seus aliados parecem pensar, o presidente não está abafando. Embora eles pareçam acreditar que, ao ressuscitar a agenda do passado, vão criar as condições para sair vitoriosos nas urnas em 2024 e em 2026, o mais provável, pelo que se viu na Paulista no domingo, é que o efeito seja exatamente o contrário. No fim das contas, nada pode turbinar mais o antipetismo do que o PT sendo PT e Lula sendo Lula.

No momento, é difícil dizer quem vai herdar o espólio de Bolsonaro, caso ele seja preso, depois de ter se tornado inelegível, para enfrentar Lula em 2026. Pode ser o governador paulista Tarcísio de Freitas ou seus colegas de Minas, Romeu Zema, ou de Goiás, Ronaldo Caiado. Pode ser também a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura. Ou outro nome que se mostre viável até lá. O principal, como mostrou a manifestação na Paulista, é que a direita, no sentido mais amplo, está viva, muito viva, e neste cenário não dá para negar que Bolsonaro, goste-se dele ou não, continuará a ser o grande cabo eleitoral do candidato que for representar o grupo contra Lula e o PT.

Quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, em junho de 2023, por “abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio Alvorada com embaixadores estrangeiros”, muitos analistas e especialistas em assuntos aleatórios do Facebook acharam que ele estava morto politicamente.

Depois, no início de fevereiro, quando Bolsonaro se tornou alvo da operação “Tempus Veritatis”, da Polícia Federal, que apura a participação do ex-presidente e de alguns de seus ex-colaboradores na organização de um suposto golpe de Estado, muita gente lacrou seu caixão, apostando em sua prisão iminente e numa retração inevitável de seus apoiadores.

No fim do ano passado, a primeira-dama Janja da Silva chegou a anunciar, com o deslumbramento que lhe é peculiar, que a prisão de Bolsonaro era questão de tempo, como se tivesse o que se costuma chamar no mercado acionário de “informação privilegiada” sobre a questão. “Se tudo der certo, logo Bolsonaro vai estar preso”, jactou-se Janja, antecipando uma suposta decisão judicial e incensando a militância do PT e seus aliados.

Manifestação convocada por Bolsonaro, na avenida Paulista, em São Paulo, mostrou que a direita, está viva Foto: Taba Benedicto / Estadão

Mas, a julgar pelo êxito da manifestação “pela democracia” convocada por Bolsonaro e realizada no último domingo, 25, na avenida Paulista, em São Paulo, o ex-presidente, como um gato, parece ter “sete vidas”. Mesmo declarado inelegível pelo TSE e mesmo que sua prisão realmente aconteça, o que no momento não são favas contadas, apesar do “aviso” de Janja, é pouco provável que seus apoiadores deixem o caminho livre para Lula, o PT e seus aliados tomarem conta do País, com a cumplicidade nada discreta do STF (Supremo Tribunal Federal) ou pelo menos da maioria de seus integrantes.

Independentemente de se gostar ou não de Bolsonaro, a manifestação, que reuniu de 600 mil a 750 mil pessoas, segundo a Secretaria de Segurança de São Paulo, mostrou que o ex-presidente ainda tem uma popularidade e uma representatividade significativas na sociedade, inclusive nas faixas de menor renda, e um respaldo considerável no exterior, de onde vieram diversas manifestações de apoio a ele.

Apesar de tudo, Bolsonaro ainda é, para o bem ou para o mal, conforme o ponto de vista, a grande liderança da direita brasileira. E com ou sem sua participação nas eleições e com ou sem sua prisão, ele continuará a ser decisivo para qualquer candidato de direita e até de centro-direita tentar evitar a reeleição de Lula em 2026. Querer ignorar ou negar seu protagonismo no cenário político nacional, achando que basta enquadrá-lo como “golpista”, “fascista”, “nazista” e “extrema direita” para derrubá-lo, é fechar os olhos a um fenômeno cuja compreensão é fundamental para qualquer análise séria que se faça hoje da correlação de forças políticas no País.

Agora, embora a convocação para o ato na Paulista tenha partido do próprio Bolsonaro, com o objetivo de mostrar sua força num momento em que se tornou alvo da Justiça e da vingança de seus opositores, a manifestação superou o apoio ao ex-presidente e acabou adquirindo um caráter suprapartidário, ao reunir políticos de oposição de diferentes legendas, entre eles quatro governadores de Estado – Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Jorginho Mello, de Santa Catarina, correligionário do ex-presidente no PL –, além do prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB).

Sanduíche de mortadela

Milhares de pessoas que não podem ser consideradas como “bolsonaristas raiz” e “golpistas” também participaram do ato, sem receber sanduíche de mortadela ou qualquer tipo de remuneração para estar presentes, como acontece, muitas vezes, em manifestações realizadas pelos sindicatos e pelo PT.

Ainda que ninguém portasse faixas e cartazes com palavras de ordem, como em qualquer manifestação que se preze, num sinal evidente do nível a que chegaram a censura e a autocensura hoje no País, não é preciso ser PhD em ciência política para saber o que levou essa turma toda à Paulista. Eles estavam lá para protestar contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os rumos do governo petista e tudo-isso-que-está-aí, mesmo que, para muitos, Bolsonaro esteja longe, muito longe, de representar o perfil ideal para comandar o País ou liderar a direita, no sentido mais amplo do termo, daqui para a frente.

Alguns analistas calcularam um número menor de presentes ao ato do que a Secretaria de Segurança. O Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, falou em 185 mil participantes. Citando “especialistas da USP”, o site 247, que apoia Lula e o governo do PT, disse que foram apenas 30 mil, numa tentativa de minimizar a importância do evento. Mas, qualquer que tenha sido o total de participantes, as fotos da manifestação falam por si mesmas e são suficientes para mostrar que tinha muita gente, muita gente mesmo, na Paulista – e é isso o que importa, no frigir dos ovos.

É difícil enumerar aqui, de supetão, tudo o que deixa o pessoal contrariado. Mas pode-se colocar na lista, sem medo de errar, muitas das decisões tomadas pelo STF e pelo TSE nos últimos tempos. Além da famigerada anulação com uma canetada dos processos por corrupção que levaram Lula ao xilindró, permitindo sua participação no pleito de 2022, e da administração considerada parcial da campanha eleitoral pelo TSE, a lista inclui a revogação da prisão em segunda instância, que foi uma das principais bandeiras das manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e contra a corrupção que prosperou nos governos do PT; o desrespeito à imunidade parlamentar e à independência dos Poderes, previstas na “Constituição Cidadã” de 1988; e a suspensão das multas bilionárias impostas à J&F e à Novonor (antiga Odebrecht) nos acordos de leniência firmados pelas empresas com o Ministério Público, no âmbito da operação Lava-Jato.

Também fazem parte da lista a declaração de inelegibilidade de Bolsonaro pelo TSE, que muitos julgam despropositada para a ação realizada pelo ex-presidente, mesmo sem ser “bolsonaristas”; a prisão por tempo indeterminado, sem julgamento, de cerca de 1,2 mil pessoas que estavam acampadas em frente ao QG do Exército em Brasília ou participaram dos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes, no 8 de Janeiro; o julgamento pelo STF de cidadãos comuns que deveriam ser julgados em primeira instância por não terem foro privilegiado; as condenações draconianas impostas aos condenados por participar dos “atos antidemocráticos”; o inquérito sem fim das fake news, que se tornou uma espécie de guarda-chuva sob o qual cabe qualquer coisa a qualquer tempo; o julgamento dos acusados de agredir Moraes em Roma por ele mesmo, num processo em que o magistrado é vítima e juiz ao mesmo tempo; a decisão do ministro Gilmar Mendes de manter o sigilo do vídeo que mostra o momento da suposta “agressão” sofrida por Moraes, sob a justificativa de que é preciso garantir a “privacidade” dos envolvidos; e as inúmeras decisões do STF contra a liberdade de expressão, em especial no caso de manifestações contra a própria instituição e seus ministros.

Agenda embolorada

Muita gente que foi à Paulista está descontente também com os rumos do governo Lula. Ao governar como se tivesse sido eleito com uma chapa “puro-sangue”, composta por um vice também do PT, Lula está superestimando seu capital político e se esquecendo de que não teria se elegido sem o apoio do frentão que reuniu as forças de centro-esquerda, de centro e até setores de centro-direita “pela democracia”, com o objetivo de derrotar Bolsonaro.

Ao querer impor a embolorada agenda adotada em governos anteriores do PT, que jogou o país na maior recessão de que se tem notícia, e ao ressuscitar a política externa que “passa pano” para terroristas e ditadores sanguinários, Lula está perdendo até o apoio daqueles que votaram nele de nariz tampado, para evitar a reeleição de Bolsonaro, e turbinando sua própria rejeição, que só tende a crescer se ele seguir pelo mesmo caminho, acreditando que é por aí que tem de ir mesmo.

É certo que a declaração de Lula comparando o Holocausto com a reação de Israel aos atos terroristas abomináveis do Hamas, que levaram a um pedido de impeachment com o maior número de assinaturas de parlamentares na história, contribuiu de forma relevante para atrair à manifestação um grupo considerável que se indignou com sua fala e que rechaça o antissemitismo que ela alavancou, muitas vezes travestido de antissionismo. Não por acaso, havia bandeiras de Israel em profusão na manifestação, o que levou o chanceler israelense, Israel Katz, a agradecer o apoio dado ao país na Paulista. O próprio Bolsonaro chegou a beijar uma bandeira de Israel no ato.

Outras ações do governo Lula, porém, devem ter contribuído para levar um contingente significativo de não-bolsonaristas às ruas. No front externo, pode-se destacar o apoio de Lula ao presidente russo Vladimir Putin na guerra contra a Ucrânia e sua afirmação de que seria “precipitação” atribuir ao regime a morte do líder da oposição Alexey Navalny numa prisão na Sibéria; a declaração do presidente de que não tinha informações sobre “a situação na Venezuela”, ao ser questionado sobre a expulsão de funcionários da ONU do país; o silêncio de Lula sobre o veto à participação de María Corina Machado, líder da oposição, nas eleições presidenciais venezuelanas, ainda sem data definida; e até a estadia do casal presidencial em hotéis com diárias de R$ 80 mil ou até mais em suas frequentes viagens ao exterior.

No front interno, a lista de iniciativas do governo Lula que podem ter motivado a ida de milhares de pessoas à Paulista inclui o aumento de impostos para cobrir a gastança do governo, como a taxação em 100% das compras acima de US$ 50 realizadas em sites chineses; o anúncio de novos investimentos de R$ 8 bilhões na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, na qual já foram enterrados R$ 18 bilhões; a tentativa de interferência em empresas privadas como a Vale, com a nomeação do ex-ministro Guido Mantega como seu presidente; as tentativas de reverter a privatização da Eletrobras e o novo marco legal do saneamento; e a tentativa de impor a reoneração da folha de pagamento a diversos setores da economia contra decisão do Congresso.

Ao contrário do que Lula, o PT e seus aliados parecem pensar, o presidente não está abafando. Embora eles pareçam acreditar que, ao ressuscitar a agenda do passado, vão criar as condições para sair vitoriosos nas urnas em 2024 e em 2026, o mais provável, pelo que se viu na Paulista no domingo, é que o efeito seja exatamente o contrário. No fim das contas, nada pode turbinar mais o antipetismo do que o PT sendo PT e Lula sendo Lula.

No momento, é difícil dizer quem vai herdar o espólio de Bolsonaro, caso ele seja preso, depois de ter se tornado inelegível, para enfrentar Lula em 2026. Pode ser o governador paulista Tarcísio de Freitas ou seus colegas de Minas, Romeu Zema, ou de Goiás, Ronaldo Caiado. Pode ser também a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura. Ou outro nome que se mostre viável até lá. O principal, como mostrou a manifestação na Paulista, é que a direita, no sentido mais amplo, está viva, muito viva, e neste cenário não dá para negar que Bolsonaro, goste-se dele ou não, continuará a ser o grande cabo eleitoral do candidato que for representar o grupo contra Lula e o PT.

Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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