O outro lado do noticiário

Opinião|Com apoio a Massa, Lula e o PT tombaram com o peronismo e deixaram sequelas nas relações com Milei


Diferenças entre o petista e o libertário argentino devem ter impacto principalmente na economia e nas relações externas, com desdobramentos no Mercosul

Por José Fucs
Atualização:

A derrota histórica sofrida nas eleições presidenciais da Argentina pelo candidato peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, é também, em boa medida, uma derrota pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT.

Em outras circunstâncias, o Palácio do Planalto e o partido provavelmente tentariam minimizar os próprios reveses na derrota de Massa para o libertário Javier Milei. Mas, diante de tudo o que Lula e o PT procuraram fazer para ajudar Massa a ganhar a eleição e diante do obstáculo que Milei deverá representar para os projetos do petista e de seu partido na América Latina, não dá para negar que eles tomaram um tombo feio e saíram do pleito cambaleando do ringue como os peronistas.

Desde o primeiro dia do atual governo, Lula tentou apoiá-los de todas as formas. Recebeu o atual presidente argentino Alberto Fernández pelo menos cinco vezes e fez a primeira viagem internacional de seu terceiro mandato ao país vizinho, demonstrando de maneira explícita seu apoio ao peronista. Depois, recebeu o próprio Massa no Planalto, quando acertou com ele o envio dos marqueteiros que trabalharam em sua campanha no Brasil, em 2022, para tentar desidratar Milei.

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Durante a campanha na Argentina, Lula demonstrou seu apoio ao candidato peronista Sergio Massa ao recebê-lo no Palácio do Planalto Foto: Ministério da Economia da Argentina via AFP

Em janeiro, logo após a posse, Lula defendeu a criação de uma linha de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para financiar as exportações argentinas, que acabou não se concretizando. Em seguida, tentou viabilizar – também sem sucesso, por contrariar as regras de governança da instituição – uma operação-hospital em moeda forte que seria realizada pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), mais conhecido como Banco do Brics.

Além disso, pediu ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para “ter paciência” com o país e contribuiu como pôde para a instituição liberar para a Argentina um “papagaio” de US$ 7,5 bilhões, o que acabou acontecendo em agosto. Por fim, Lula ainda pediu à ministra do Planejamento, Simone Tebet, para viabilizar um crédito do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAG) à Argentina. O financiamento, no valor de US$ 1 bilhão, também acabou sendo aprovado pelo banco e deu uma contribuição decisiva para a liberação polpuda feita pelo FMI. Isso sem falar nas gestões realizadas junto ao bloco do Brics, para o grupo incorporar a Argentina, numa tentativa de criar um “fato novo” que tivesse repercussão positiva na campanha peronista.

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Embora Lula tenha se apressado em colocar “panos quentes” na situação após a vitória de Milei, desejando “boa sorte e êxito” ao novo governo logo que o resultado foi divulgado, ainda que sem mencionar o presidente eleito, seu envolvimento na eleição argentina acabou deixando estragos inevitáveis, cujos desdobramentos só deverão se revelar plenamente nos próximos dias e meses.

Em seu discurso da vitória, Milei foi cauteloso, não mencionando Lula e o Brasil, e reafirmou durante a campanha sua intenção de preservar as relações comerciais privadas da Argentina com o País. Ao longo da disputa, porém, ele chamou o presidente brasileiro de “comunista” e “corrupto” e classificou como “campanha suja” a ação dos marqueteiros enviados por Lula, mostrando de maneira cristalina como encarou o envolvimento do petista no pleito.

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No momento, ainda no calor dos acontecimentos, é uma operação de altíssimo risco tentar antecipar como Milei vai lidar com essa questão na prática, longe dos palanques. Mesmo assim, desde já, é possível dizer, sem medo de errar, que Milei deverá trilhar um caminho bem diferente do que Lula e o PT estão trilhando no Brasil.

Quebra-cabeça

Com um projeto econômico liberal, que vai na direção oposta do intervencionismo estatal, da gastança sem lastro, do protecionismo comercial e da política externa antiocidental preconizados por Lula e pelo PT, Milei deverá abrir a economia argentina, revertendo as amarras que impedem o Mercosul de se integrar ao mundo, e retomar as privatizações, reduzindo o tamanho do Estado. Agora, só o tempo vai dizer de que forma isso deverá impactar efetivamente o futuro do bloco, que negocia um acordo comercial com a União Europeia.

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Também ao contrário do Brasil de Lula e do PT, Milei já afirmou que deverá se aproximar do chamado Mundo Livre – leia-se Europa, Estados Unidos e Japão – e ficar longe do bloco formado por ditaduras e autocracias como China, Rússia, Venezuela, Irã, Cuba e Nicarágua, com o qual o País voltou a se alinhar desde a posse do atual governo.

Ainda é pouco para que se forme uma ideia mais precisa do que vem por aí nas relações entre o Brasil e a Argentina, mas com isso já dá para começar a montar o quebra-cabeça. Mesmo que Lula e Milei mantenham uma relação civilizada, apesar das divergências ideológicas, tudo indica que, daqui para a frente, pelo menos enquanto durarem os dois governos, cada um vai seguir seu destino. Desta vez, ao contrário do que ocorreu em seus primeiros mandatos, Lula não terá a Argentina ao seu lado, para reforçar suas visões políticas e lhe dar suporte em suas incursões internacionais.

A derrota histórica sofrida nas eleições presidenciais da Argentina pelo candidato peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, é também, em boa medida, uma derrota pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT.

Em outras circunstâncias, o Palácio do Planalto e o partido provavelmente tentariam minimizar os próprios reveses na derrota de Massa para o libertário Javier Milei. Mas, diante de tudo o que Lula e o PT procuraram fazer para ajudar Massa a ganhar a eleição e diante do obstáculo que Milei deverá representar para os projetos do petista e de seu partido na América Latina, não dá para negar que eles tomaram um tombo feio e saíram do pleito cambaleando do ringue como os peronistas.

Desde o primeiro dia do atual governo, Lula tentou apoiá-los de todas as formas. Recebeu o atual presidente argentino Alberto Fernández pelo menos cinco vezes e fez a primeira viagem internacional de seu terceiro mandato ao país vizinho, demonstrando de maneira explícita seu apoio ao peronista. Depois, recebeu o próprio Massa no Planalto, quando acertou com ele o envio dos marqueteiros que trabalharam em sua campanha no Brasil, em 2022, para tentar desidratar Milei.

Durante a campanha na Argentina, Lula demonstrou seu apoio ao candidato peronista Sergio Massa ao recebê-lo no Palácio do Planalto Foto: Ministério da Economia da Argentina via AFP

Em janeiro, logo após a posse, Lula defendeu a criação de uma linha de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para financiar as exportações argentinas, que acabou não se concretizando. Em seguida, tentou viabilizar – também sem sucesso, por contrariar as regras de governança da instituição – uma operação-hospital em moeda forte que seria realizada pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), mais conhecido como Banco do Brics.

Além disso, pediu ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para “ter paciência” com o país e contribuiu como pôde para a instituição liberar para a Argentina um “papagaio” de US$ 7,5 bilhões, o que acabou acontecendo em agosto. Por fim, Lula ainda pediu à ministra do Planejamento, Simone Tebet, para viabilizar um crédito do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAG) à Argentina. O financiamento, no valor de US$ 1 bilhão, também acabou sendo aprovado pelo banco e deu uma contribuição decisiva para a liberação polpuda feita pelo FMI. Isso sem falar nas gestões realizadas junto ao bloco do Brics, para o grupo incorporar a Argentina, numa tentativa de criar um “fato novo” que tivesse repercussão positiva na campanha peronista.

Embora Lula tenha se apressado em colocar “panos quentes” na situação após a vitória de Milei, desejando “boa sorte e êxito” ao novo governo logo que o resultado foi divulgado, ainda que sem mencionar o presidente eleito, seu envolvimento na eleição argentina acabou deixando estragos inevitáveis, cujos desdobramentos só deverão se revelar plenamente nos próximos dias e meses.

Em seu discurso da vitória, Milei foi cauteloso, não mencionando Lula e o Brasil, e reafirmou durante a campanha sua intenção de preservar as relações comerciais privadas da Argentina com o País. Ao longo da disputa, porém, ele chamou o presidente brasileiro de “comunista” e “corrupto” e classificou como “campanha suja” a ação dos marqueteiros enviados por Lula, mostrando de maneira cristalina como encarou o envolvimento do petista no pleito.

No momento, ainda no calor dos acontecimentos, é uma operação de altíssimo risco tentar antecipar como Milei vai lidar com essa questão na prática, longe dos palanques. Mesmo assim, desde já, é possível dizer, sem medo de errar, que Milei deverá trilhar um caminho bem diferente do que Lula e o PT estão trilhando no Brasil.

Quebra-cabeça

Com um projeto econômico liberal, que vai na direção oposta do intervencionismo estatal, da gastança sem lastro, do protecionismo comercial e da política externa antiocidental preconizados por Lula e pelo PT, Milei deverá abrir a economia argentina, revertendo as amarras que impedem o Mercosul de se integrar ao mundo, e retomar as privatizações, reduzindo o tamanho do Estado. Agora, só o tempo vai dizer de que forma isso deverá impactar efetivamente o futuro do bloco, que negocia um acordo comercial com a União Europeia.

Também ao contrário do Brasil de Lula e do PT, Milei já afirmou que deverá se aproximar do chamado Mundo Livre – leia-se Europa, Estados Unidos e Japão – e ficar longe do bloco formado por ditaduras e autocracias como China, Rússia, Venezuela, Irã, Cuba e Nicarágua, com o qual o País voltou a se alinhar desde a posse do atual governo.

Ainda é pouco para que se forme uma ideia mais precisa do que vem por aí nas relações entre o Brasil e a Argentina, mas com isso já dá para começar a montar o quebra-cabeça. Mesmo que Lula e Milei mantenham uma relação civilizada, apesar das divergências ideológicas, tudo indica que, daqui para a frente, pelo menos enquanto durarem os dois governos, cada um vai seguir seu destino. Desta vez, ao contrário do que ocorreu em seus primeiros mandatos, Lula não terá a Argentina ao seu lado, para reforçar suas visões políticas e lhe dar suporte em suas incursões internacionais.

A derrota histórica sofrida nas eleições presidenciais da Argentina pelo candidato peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, é também, em boa medida, uma derrota pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT.

Em outras circunstâncias, o Palácio do Planalto e o partido provavelmente tentariam minimizar os próprios reveses na derrota de Massa para o libertário Javier Milei. Mas, diante de tudo o que Lula e o PT procuraram fazer para ajudar Massa a ganhar a eleição e diante do obstáculo que Milei deverá representar para os projetos do petista e de seu partido na América Latina, não dá para negar que eles tomaram um tombo feio e saíram do pleito cambaleando do ringue como os peronistas.

Desde o primeiro dia do atual governo, Lula tentou apoiá-los de todas as formas. Recebeu o atual presidente argentino Alberto Fernández pelo menos cinco vezes e fez a primeira viagem internacional de seu terceiro mandato ao país vizinho, demonstrando de maneira explícita seu apoio ao peronista. Depois, recebeu o próprio Massa no Planalto, quando acertou com ele o envio dos marqueteiros que trabalharam em sua campanha no Brasil, em 2022, para tentar desidratar Milei.

Durante a campanha na Argentina, Lula demonstrou seu apoio ao candidato peronista Sergio Massa ao recebê-lo no Palácio do Planalto Foto: Ministério da Economia da Argentina via AFP

Em janeiro, logo após a posse, Lula defendeu a criação de uma linha de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para financiar as exportações argentinas, que acabou não se concretizando. Em seguida, tentou viabilizar – também sem sucesso, por contrariar as regras de governança da instituição – uma operação-hospital em moeda forte que seria realizada pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), mais conhecido como Banco do Brics.

Além disso, pediu ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para “ter paciência” com o país e contribuiu como pôde para a instituição liberar para a Argentina um “papagaio” de US$ 7,5 bilhões, o que acabou acontecendo em agosto. Por fim, Lula ainda pediu à ministra do Planejamento, Simone Tebet, para viabilizar um crédito do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAG) à Argentina. O financiamento, no valor de US$ 1 bilhão, também acabou sendo aprovado pelo banco e deu uma contribuição decisiva para a liberação polpuda feita pelo FMI. Isso sem falar nas gestões realizadas junto ao bloco do Brics, para o grupo incorporar a Argentina, numa tentativa de criar um “fato novo” que tivesse repercussão positiva na campanha peronista.

Embora Lula tenha se apressado em colocar “panos quentes” na situação após a vitória de Milei, desejando “boa sorte e êxito” ao novo governo logo que o resultado foi divulgado, ainda que sem mencionar o presidente eleito, seu envolvimento na eleição argentina acabou deixando estragos inevitáveis, cujos desdobramentos só deverão se revelar plenamente nos próximos dias e meses.

Em seu discurso da vitória, Milei foi cauteloso, não mencionando Lula e o Brasil, e reafirmou durante a campanha sua intenção de preservar as relações comerciais privadas da Argentina com o País. Ao longo da disputa, porém, ele chamou o presidente brasileiro de “comunista” e “corrupto” e classificou como “campanha suja” a ação dos marqueteiros enviados por Lula, mostrando de maneira cristalina como encarou o envolvimento do petista no pleito.

No momento, ainda no calor dos acontecimentos, é uma operação de altíssimo risco tentar antecipar como Milei vai lidar com essa questão na prática, longe dos palanques. Mesmo assim, desde já, é possível dizer, sem medo de errar, que Milei deverá trilhar um caminho bem diferente do que Lula e o PT estão trilhando no Brasil.

Quebra-cabeça

Com um projeto econômico liberal, que vai na direção oposta do intervencionismo estatal, da gastança sem lastro, do protecionismo comercial e da política externa antiocidental preconizados por Lula e pelo PT, Milei deverá abrir a economia argentina, revertendo as amarras que impedem o Mercosul de se integrar ao mundo, e retomar as privatizações, reduzindo o tamanho do Estado. Agora, só o tempo vai dizer de que forma isso deverá impactar efetivamente o futuro do bloco, que negocia um acordo comercial com a União Europeia.

Também ao contrário do Brasil de Lula e do PT, Milei já afirmou que deverá se aproximar do chamado Mundo Livre – leia-se Europa, Estados Unidos e Japão – e ficar longe do bloco formado por ditaduras e autocracias como China, Rússia, Venezuela, Irã, Cuba e Nicarágua, com o qual o País voltou a se alinhar desde a posse do atual governo.

Ainda é pouco para que se forme uma ideia mais precisa do que vem por aí nas relações entre o Brasil e a Argentina, mas com isso já dá para começar a montar o quebra-cabeça. Mesmo que Lula e Milei mantenham uma relação civilizada, apesar das divergências ideológicas, tudo indica que, daqui para a frente, pelo menos enquanto durarem os dois governos, cada um vai seguir seu destino. Desta vez, ao contrário do que ocorreu em seus primeiros mandatos, Lula não terá a Argentina ao seu lado, para reforçar suas visões políticas e lhe dar suporte em suas incursões internacionais.

Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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