Desde a posse do presidente da Argentina, Javier Milei, em 10 de dezembro de 2023 e o anúncio de suas primeiras medidas econômicas, para tentar tirar o país da crise em que está mergulhado há décadas e recolocá-lo no caminho da prosperidade, proliferaram por aí narrativas que colocavam em xeque sua capacidade de cumprir as promessas de campanha e apostavam em seu fracasso.
Apesar das expectativas positivas de seus eleitores e admiradores na Argentina e pelo mundo afora, inclusive no Brasil, a impressão que se tinha, com base no noticiário, era de que Milei – chamado de “fascista” e considerado como representante da “extrema direita” por muitos de seus adversários – iria transformar o país num “laboratório libertário”, no pior sentido da expressão, que levaria inevitavelmente ao aprofundamento da crise e ao caos social.
As previsões catastrofistas não se limitaram à turma dos “contras”, formada pela oposição peronista, à qual ele impôs uma derrota acachapante nas eleições, virando do avesso a vida política do país, e pela esquerda internacional, que via e vê sua ascensão como uma ameaça à hegemonia do grupo na América Latina. Contagiaram até analistas considerados pró-mercado, de centro e centro-direita, que encaravam com ceticismo sua “terapia de choque” ultraliberal, ancorada na reforma radical do Estado, na austeridade fiscal, na liberação de preços, na abertura comercial e na desregulamentação dos mercados.
Mas, prestes a completar seu primeiro ano de governo, Milei, de 54 anos, coleciona conquistas notáveis na economia, desafiando os críticos e opositores de diferentes vertentes ideológicas. Ao contrário da “devastação” anunciada por mais de cem economistas “progressistas” de vários países antes de sua vitória no pleito de 2023, entre eles o francês Thomas Piketty e a indiana Jayati Ghosh, o que se pode observar é que o receituário de Milei – primeiro líder mundial a se autodefinir como “anarcocapitalista” em todos os tempos – começa a fazer efeito.
Goste-se ou não do atual presidente argentino, é difícil contestar os resultados que ele alcançou. Ainda há um longo caminho pela frente, mas o que ele conseguiu fazer até agora, num prazo relativamente curto, não foi pouca coisa. A inflação, que estava em 12,8% em novembro de 2023, no fim do governo de Alberto Fernández, e chegou a 25,5% em dezembro, após sua posse, com a maxidesvalorização do peso que ele promoveu e o fim das bruxarias heterodoxas implementadas pelos peronistas, caiu para 2,7% em outubro, o menor nível desde 2021.
Em 12 meses, até outubro, último dado oficial disponível, a inflação continua nas alturas, em 193%, embora já seja menor do que os 211% registrados em 2023. O índice, porém, deve ficar em torno de 120% em 2024, abaixo do que previam os analistas mais otimistas até pouco tempo atrás. Ao menos é que apontam as estimativas mais recentes de grandes bancos internacionais, que levam em conta a repetição de uma inflação próxima à de outubro em novembro e dezembro. E isso sem que o governo tenha recorrido a manobras de efeito efêmero, como congelamento e controle de preços, ressuscitadas por Fernández no passado recente.
Para 2025, a previsão é de que a inflação continue a cair de forma significativa. O governo estima que a taxa ficará em 18% e o FMI (Fundo Monetário Internacional), em 45%. Agora, mesmo que ela fique próxima à projeção do FMI, já será um feito e tanto, se realmente continuar a diminuir, com os preços livres.
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“Estamos nos libertando em tempo recorde de uma das amarras mais pesadas que uma sociedade pode sofrer, que é a inflação”, afirmou Milei, ao discursar em evento realizado pela Fundação Endeavor Argentina, uma organização de apoio a empreendedores de alto impacto, em meados de novembro. “O que parecia impossível nós conseguimos em um ano.”
Na contramão dos déficits fiscais ilimitados promovidos durante anos pelos peronistas – receita que levou a Argentina ao colapso e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece querer repetir no Brasil – Milei deverá fechar as contas públicas de 2024 no azul, pela primeira vez desde 2008. A previsão do governo é de um superávit primário, que exclui os juros da dívida pública, de 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano.
Mesmo o resultado nominal, chamado pelos argentinos de resultado financeiro, que inclui os juros, deverá ser positivo. Desde o início de 2024, o indicador só foi negativo em julho, traduzindo em números o tremendo esforço fiscal que Milei – cujo símbolo de campanha era uma motoserra, em referência ao corte de gastos e privilégios que pretendia realizar – está promovendo na Argentina.
Também ao contrário do que acontece hoje no Brasil, onde o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, busca reduzir o rombo no Orçamento por meio do aumento recorrente de impostos, o que lhe rendeu o apelido de “Taxad” e uma infinidade de mêmes na internet, Milei obteve esse resultado graças a um corte da ordem de 30% nos gastos públicos, equivalente a cerca de 5% do PIB (Produto Interno Bruto), o maior ajuste fiscal de que se tem notícia num único ano na história recente das nações.
Além disso, para buscar seu objetivo de “emissão monetária zero”, considerado fundamental para conter a espiral inflacionária, Milei acabou com o financiamento do Tesouro pelo Banco Central, e pagou uma parte dos compromissos do passado. Reduziu também de forma significativa os passivos da instituição, que chegaram a 10% do PIB, segundo ele, no governo de Fernández, como resultado da emissão direta de títulos remunerados pela instituição. Os papéis, em tese, deveriam servir para enxugar o excesso de liquidez da economia, mas acabavam turbinando a emissão de moeda, com o pagamento de juros aos investidores, e consequentemente a inflação.
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O regime fiscal realizado por Milei incluiu a redução significativa do funcionalismo e até a estrutura vinculada à presidência, também na direção oposta à trilhada por Lula no Brasil. Logo na largada, ele fechou dez ministérios, reduzindo o total para apenas oito, acabou com 33 secretarias vinculadas aos órgãos e até agora demitiu 32 mil servidores (cerca de 10% do total), dos 50 mil que prometeu cortar. Enquanto isso, Lula criou 17 novos ministérios, aumentando o total de 22 para 39, um recorde histórico só igualado pelo governo Dilma, contratou 8 mil novos funcionários, que agora somam 573 mil, conforme os dados oficiais, e criou até escritórios estaduais do Ministério da Cultura, para acomodar os “companheiros” do PT.
Em setembro, num ato inédito entre presidentes argentinos, Milei foi pessoalmente ao Congresso entregar o Orçamento de 2025, que prevê um déficit nominal (e não primário) de zero, reforçando sua meta ambiciosa para as contas públicas. Ao explicar sua decisão de ir ao Congresso para entregar a peça orçamentária, ele declarou: “Sou economista e ainda por cima estou orgulhoso disso”.
“Não há nada mais empobrecedor do que o déficit fiscal. Administrar é encolher o Estado para engrandecer a sociedade”, disse Milei em seu discurso, na ocasião. Ele fez também uma referência às ideias do economista americano Milton Friedman (1912-2006), ícone da Universidade de Chicago, templo global do liberalismo econômico, citando sua famosa frase: “A inflação é sempre, e em todo lugar, um fenômeno monetário”.
Com a virada realizada nas finanças públicas e na inflação por Milei, que se tornou conhecido como “El loco” desde os tempos da escola, por sua retórica agressiva e seus súbitos acessos de ira, um clima de euforia tomou conta dos mercados. O dólar, outrora um foguete que rumava para o espaço sideral, estabilizou-se. O ágio do dólar negociado no mercado paralelo, o chamado dólar blue, em relação ao câmbio oficial, que era de 172% no fim do governo Fernández, fechou novembro abaixo dos 10%.
Em meados de julho, quando uma onda especulativa parecia ameaçar o programa de ajuste de Milei, o dólar blue chegou a valer 1.490 pesos e o ágio, que havia caído para cerca de 20% em maio, voltou a subir, para 62%. Mas, desde então, o blue não parou mais de cair, acumulando uma queda de 26% até 29 de novembro, principalmente em razão das vendas da moeda americana realizadas pelo Banco Central no mercado paralelo. No fim do mês passado, o blue era negociado a 1.100 pesos, pouco acima do câmbio oficial, de 1.010 pesos.
O índice Merval, que reflete a variação média das cotações dos principais papéis negociados na Bolsa argentina, acumula uma alta espetacular de 91,5% em dólar em 2024, até 27 de novembro, a maior do mundo no ano, de acordo com a Elos Ayta Consultoria. No mesmo período, para efeito de comparação, o Ibovespa, que indica o desempenho médio das principais ações negociadas na B3, a Bolsa de São Paulo, registrou uma queda de 21% em dólar, uma performance melhor apenas que a da Bolsa mexicana, entre os maiores pregões do planeta.
Holofotes
Ao mesmo tempo, o chamado risco-país, que indica o “ágio” cobrado sobre a taxa dos títulos do Tesouro americano nas emissões soberanas de papéis no mercado global, caiu 60,9% desde a posse de Milei, para 751 pontos-base, o menor nível em cinco anos, o que deve viabilizar o retorno da Argentina ao mercado internacional de capitais em 2025. A Taxa de Política Monetária, definida pelo Banco Central argentino, equivalente à taxa básica no Brasil, caiu de 133% ao ano no fim do governo peronista para 35% ao ano hoje, depois dos sete cortes consecutivos realizados pela instituição desde a posse de Milei.
Diante dos resultados alcançados até agora, ele vem ganhando os holofotes na arena global. No fim de outubro, Milei foi capa da revista The Economist, que traz uma frase sua como título: “Meu desprezo pelo Estado é infinito”. Em junho, ele já havia sido tema de uma reportagem de capa da revista Time com o título “O radical” e o subtítulo “Como Javier Milei está chocando o mundo”. Foi incluído também na lista das 100 personalidades mais influentes do planeta, produzida anualmente pela revista.
Com seu estilo excêntrico, marcado pelos cabelos quase sempre despenteados, pela indefectível jaqueta de couro que costuma trajar quando não está em compromissos oficiais, como nos tempos em que atuava como cantor de uma banda cover dos Rolling Stones, Milei se tornou em pouco tempo uma liderança de impacto global Não tanto por suas posições firmes em defesa do liberalismo econômico clássico, do qual ele é hoje um porta-voz isolado entre os principais líderes políticos mundiais, mas em especial por seu discurso contra o socialismo, o progressismo woke e a “casta” de políticos profissionais, que, em sua visão, vinha saqueando a Argentina – bandeiras também defendidas pela direita nacional-populista por todo o mundo.
Agora, é por seus feitos na economia e por seu compromisso com a disciplina fiscal que Milei vem alcançando projeção e reconhecimento fora de sua “bolha” de apoiadores e admiradores de primeira hora, incluindo aí instituições financeiras multilaterais, grandes investidores internacionais e CEOs de empresas multinacionais.
O FMI (Fundo Monetário Internacional), por exemplo, classificou o trabalho realizado até o momento por Milei como “impressionante” e aprovou a renovação do acordo de refinanciamento da dívida de US$ 44 bilhões da Argentina com a instituição, que vinha se arrastando desde o governo de Fernández. “Nós olhamos para os objetivos da Argentina e para os indicadores econômicos e vemos as melhoras”, disse Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo, no fim de outubro, após reunião em Washington com o ministro da Economia do país, Luis Caputo, eleito pela revista Latin Finance, com sede em Miami, como “ministro da Economia do ano”.
O presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o brasileiro Ilan Goldfajn, ex-comandante do Banco Central do Brasil, tem uma percepção semelhante e também tem procurado dar a sua contribuição para a Argentina consolidar o equilíbrio fiscal e impulsionar a atividade econômica.
Na semana passada, o BID anunciou a liberação de um empréstimo de US$ 3,8 bilhões para o país, para alavancar setores relevantes para a economia e para a melhoria da proteção social, da educação básica, da gestão fiscal e do acesso da população a serviços essenciais. “A Argentina tem feito um progresso notável em restaurar o equilíbrio fiscal. As reformas podem ajudá-la a se libertar de sua história”, afirmou Goldfajn, num artigo publicado recentemente pelo jornal britânico Financial Times.
No mundo dos negócios, depois de certa desconfiança de alguns setores em relação ao que Milei conseguiria fazer ao assumir o poder, suas conquistas na economia também têm sido recebidas com entusiasmo crescente. “As medidas do governo estão indo na direção certa”, disse recentemente Alexander Seitz, chairman da Volkswagen na América do Sul, numa entrevista. “É impossível ignorar o que ele está fazendo. A velocidade da mudança na Argentina tem impressionado todo mundo”, afirmou o fundador e CEO do Nubank, David Vélez, em evento realizado há pouco mais de mês pela Bloomberg, em São Paulo.
“À medida que os nossos ativos crescerem, nós vamos colocar uma boa parte na Argentina. Eu tenho dito isso para os investidores desde que o Milei ganhou as eleições”, disse Robert Citrone, fundador do Discovery Capital Management, um dos principais hedge funds dos Estados Unidos, também em entrevista à Bloomberg. “A próxima década será a década da América Latina e a Argentina vai ser a cabeça desse processo.”
Isso não é mais só sobre a Argentina. Está se tornando um manual global, que está sendo copiado por um tal de Elon Musk
Javier Milei
Fã “de carteirinha” do presidente argentino, com quem já se encontrou quatro vezes desde sua posse, o empresário Elon Musk, controlador da Tesla, da Space X, da Starlink e do X, que fará parte do governo do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, como um dos responsáveis pelo novo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, em inglês), não perde a oportunidade de reafirmar seu apoio à agenda reformista de Milei.
“Da noite para o dia, a Argentina está experimentando uma melhoria gigantesca. A Argentina foi um dos países mais prósperos do mundo, nos anos 1930, 1940. Mas políticas governamentais ruins arruinaram o país”, afirmou Musk durante a entrevista que realizou em agosto com Trump, então candidato republicano à presidência americana, transmitida ao vivo pelo X.
Em setembro, após novo encontro com Milei, em Nova York, quando o presidente argentino estava na cidade para participar da Assembleia Geral da ONU, Musk foi além e revelou a intenção de realizar investimentos na Argentina. “Minhas empresas estão buscando ativamente formas de investir e contribuir com a Argentina”, disse o empresário, numa publicação feita em sua conta no X.
Enquanto a primeira-dama brasileira Janja da Silva manda Musk “se f*der” em público, Milei, além de se identificar em boa medida com suas ideias, parece ter consciência do papel que ele representa no mundo dos negócios globais e do quanto sua decisão de investir na Argentina em áreas de alta tecnologia podem ajudar o país a atrair outros investidores do setor (e de outras áreas), contribuindo para a retomada da economia do país.
Em novembro, no último encontro de ambos, num evento realizado por Trump em seu resort Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida, eles falaram sobre como a experiência de Milei contra os desperdícios e os privilégios do setor público e a “casta” burocrática da Argentina pode contribuir para a missão de Musk no DOGE, conforme informações divulgadas depois da conversa. “Isso não é mais só sobre a Argentina. Está se tornando um manual global”, afirmou Milei numa entrevista ao canal de TV LN+, do grupo de comunicação La Nación. “E esse modelo está sendo copiado agora por um tal de Elon Musk”, brincou o presidente argentino.
O próprio Trump, que o chama de “meu presidente favorito”, apesar das divergências que têm com Milei em relação ao livre comércio e ao protecionismo, escolheu o presidente argentino para ser o primeiro líder internacional a encontrá-lo após sua vitória nas eleições de 5 de novembro, numa clara demonstração do apreço que tem por ele. “O Milei ‘roda’ no MAGA”, afirmou Trump na entrevista com Musk, em referência ao seu slogan de campanha Make America great again (Faça a America grande de novo). “E eu tenho escutado que ele tem feito um trabalho incrível. É chamado ‘Faça a Argentina grande de novo’. Funcionou perfeitamente.”
Dolarização
É certo que Milei deixou para trás, ao menos por ora, propostas libertárias defendidas pela Escola Austríaca de economia, que tem em Ludwig Von Mises (1881-1973) e Friedrich Von Hayek (1889-1992) seus principais expoentes, como o fechamento do Banco Central, prometido durante a campanha Ele deixou para trás também a ideia de promover a dolarização, igualmente defendida durante a disputa. Mas, tirando isso, manteve-se fiel às ideias reformistas que o levaram à Casa Rosada, sede da presidência argentina, e que explicam em grande parte a visibilidade que ele alcançou em todo o mundo em tão pouco tempo.
É certo, ainda, que seu duro ajuste fiscal gerou efeitos colaterais indesejados, como a recessão profunda que atingiu o país, mas que eram inevitáveis, diante da necessidade de colocar em ordem as finanças públicas da Argentina, que vinha inchando a máquina estatal e gastando muito além de suas possibilidades há décadas. Até hoje, ninguém “inventou” uma fórmula para controlar o Estado perdulário e atacar os efeitos negativos provocados na economia pela gastança sem lastro de forma indolor.
Neste capítulo, deve-se dizer, no entanto, a bem da verdade, que a recessão promovida pelo ajuste de Milei está longe de ser um fenômeno isolado na história da Argentina, como sugerem as reações iradas da oposição, dos sindicatos e da academia contra suas políticas liberalizantes. Desde o ano 2000, o país teve nada menos que 11 anos de recessão, sendo que, em 2001, 2002 e 2009, a retração foi maior do que deve ser a de 2024, estimada pelo FMI em 3.5% do PIB.
Desde 1950, de acordo com dados do Banco Mundial, a Argentina só teve menos recessões do que o Congo. Mesmo em 2023, sob o governo do peronista Fernández, o país teve uma queda no PIB de 1,6%. Se isso não ameniza os danos causados pela atual recessão do país, pelo menos a coloca em perspectiva histórica, para melhor compreensão do fenômeno.
A Argentina vai ser o país que mais vai crescer nos próximos 30 anos
Luis Caputo, ministro da Economia
Deve-se levar em conta também que, a julgar pelos indicadores mais recentes, o pior do ajuste já passou. Nos últimos meses, o nível de atividade econômica já vem dando sinais de reação, ainda que de forma intermitente. Há dez dias, o banco americano JP Morgan, reviu sua projeção de crescimento do PIB argentino no terceiro trimestre de 2024 de 4% para 8,5% anualizados, citando o efeito positivo das reformas como razão para a mudança nas projeções. E, para 2025, a previsão é de uma consolidação da retomada da economia.
De acordo com o FMI, o crescimento do PIB da Argentina no ano que vem deverá ser de 5%, quase três pontos porcentuais acima da taxa prevista para o Brasil, de 2,2%, mesmo com toda a gastança e os déficits fiscais promovidos por Lula para tentar alavancar a economia, e também bem acima da média mundial, estimada pela instituição em 3,3%.
“A recessão terminou. Estamos saindo do deserto”, disse Milei num encontro com empresários, no início de novembro. “Estamos convencidos de que a Argentina vai ser o país que mais vai crescer nos próximos 30 anos”, afirmou o ministro Luis Caputo, em encontro com empresários brasileiros realizado na segunda-feira, 2, na sede da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), na capital paulista.
Obviamente, os efeitos sociais do ajuste são doloridos e quase sempre afetam os indivíduos e as famílias de maneira cruel. Com a recessão, o desemprego subiu de 5,7% do total de pessoas em idade ativa em dezembro de 2023 para 7,6% no segundo trimestre deste ano, último dado disponível, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), o IBGE argentino.
O índice de pobreza também deu um salto. Ainda conforme o Indec, passou de 41,7% da população dos principais aglomerados urbanos no segundo semestre de 2023, atingindo 12,4 milhões de pessoas, para 52,9%, o equivalente a 15,7 milhões de pessoas, no primeiro semestre de 2024, também o último dado oficial disponível.
A melhor política social é o equilíbrio fiscal
A questão social acabou gerando protestos violentos nas ruas, reprimidos com rigor pelas forças de segurança, o que levou até o Papa Francisco a criticar a reação do governo, durante evento realizado no Vaticano em setembro, do qual participava o ativista e advogado argentino Juan Grabois, fundador do Movimento dos Trabalhadores Excluídos. “Operários, gente que pedia por seus direitos na rua, não tinham direito de reclamar, porque eram revoltosos, comunistas”, disse o papa. “Em vez de o governo promover a justiça social, promoveu o gás de pimenta, que é uma das coisas mais caras que existem. Levem isso em conta.”
Segundo informações divulgadas na época, Milei orientou integrantes do governo e seus principais aliados a não responder diretamente ao Papa, com quem se encontrou em Roma, em fevereiro, quando pediu desculpas por tê-lo chamado de “imbecil que defende a justiça social” durante a campanha. Só que um dia depois das críticas do Papa, Milei fez uma publicação no X que muitos analistas consideraram como uma resposta a ele, embora a mensagem não se dirigisse diretamente ao Pontífice.
“A melhor política social é o equilíbrio fiscal, com pressão fiscal descendente, e uma política monetária que termine com a inflação”, escreveu Milei. Em seguida, usando um termo que costuma utilizar para se referir aos parlamentares que insistem em aumentar gastos e evitar cortes no Orçamento, ele afirmou: “Os degenerados fiscais, com seu amor pelos mais pobres e suas ações, só os multiplicam.”
Tudo isso agora, porém, parece estar ficando para trás, desidratando os argumentos dos adversários de Milei contra o ajuste fiscal e as reformas. Nos últimos meses, reforçando a visão de que a retomada da economia já está em curso, os indicadores sociais começaram a dar sinais de melhora. Em agosto, de acordo com o Indec, o emprego formal no setor privado não agrícola voltou a crescer em relação ao mês anterior, ainda que de forma tímida, com a criação de quatro mil novas vagas no comércio e na construção civil e a interrupção dos cortes no setor industrial. Foi a primeira vez em 11 meses, durante os quais 177 mil trabalhadores perderam seus empregos, segundo os números oficiais, que isso aconteceu.
Redução da pobreza
O salário real também está em alta há seis meses consecutivos, depois da queda brusca registrada no início do ajuste, graças principalmente ao tombo da inflação, que sempre favorece a recuperação da renda e do poder de compra da população, como ocorreu no Brasil nos primeiros meses do Plano Real, implementado em 1994, sob protestos do PT. Conforme o Indec, o salário médio dos empregados do setor privado acumula uma alta de 10,9% em termos reais, até setembro, desde o piso registrado em dezembro de 2023, embora ainda esteja 3% abaixo dos níveis registrados em novembro do ano passado, antes da posse de Milei.
Até os índices de pobreza começaram a diminuir com a queda da inflação. Um levantamento realizado pela Departamento de Economia da Universidade Torcuato di Tella, de Buenos Aires, que faz uma estimativa mensal do indicador com base nos dados do Indec, mostra que o índice de pobreza está em queda desde julho no país. De acordo com a instituição, o índice de pobreza caiu para 49% no semestre de maio a outubro, 3,9 pontos abaixo do índice relativo ao primeiro semestre do ano, afetando agora 14,5 milhões de pessoas. Ainda é uma taxa muito elevada, mas ela já revela uma reversão na tendência de alta observada até junho.
Em mais um sinal de que a situação está melhorando, vem ocorrendo também, segundo os números do Indec, uma recuperação do consumo privado, com aumento de 0,2% nas vendas nos supermercados em outubro, mesmo com a liberação dos preços dos alimentos, e de 5,3% nas vendas de shopping centers. Em novembro, uma pesquisa realizada pela Universidade Torcuato di Tella mostrou um crescimento de 6,1% no Índice de Confiança do Consumidor (ICC), levando o indicador de volta aos níveis pré-Milei. Em relação ao piso registrado pelo índice em janeiro, a alta acumulada alcança 26,5%, apesar de ele ainda estar negativo nos últimos 12 meses, com uma queda de 5,2%.
Esse esforço deve implicar em progresso, porque, se não, é martírio
Javier Milei
Em geral, em meio a uma recessão como a da Argentina, é difícil, quase impossível, para os governantes manter a popularidade mais ou menos intacta. Quase sempre, diante da demora para os resultados das medidas de ajuste aparecerem, a população vai perdendo a paciência e a popularidade do governante despenca. É um risco ao qual qualquer líder político que promova um ajuste fiscal dessa magnitude está exposto. Mas Milei tem mostrado uma resiliência surpreendente nas pesquisas de popularidade até agora, apesar da ligeira queda em sua aprovação e do aumento de sua avaliação negativa.
Um levantamento realizado pelo instituto Opina Argentina mostra que a avaliação positiva do governo de Milei pelos argentinos voltou a subir em novembro, para 49%, depois de o índice ter caído para 46% em setembro. Ainda é menos que os 55% que ele tinha no início de sua gestão, mas diante do custo social do ajuste e dos frequentes protestos promovidos pela oposição e pelos sindicatos contra as reformas, até que que a queda não foi tão grande.
Outra pesquisa, realizada pela consultora Aresco em outubro, também mostrou que a tendência de baixa observada em meses anteriores tinha se revertido. Conforme o levantamento, Milei tinha uma imagem positiva para a maioria da população, mais precisamente para 53,7% dos entrevistados, e uma imagem negativa para 46,3%. Já na sondagem realizada pela Universidade Torcuato Di Tella, Milei aparece com uma taxa de aprovação de 2,43 pontos em outubro, com uma alta de 12,2% ante o índice de setembro, chegando perto de sua média de 2,50 pontos durante os 11 meses de sua gestão.
Martírio
Milei, cuja trajetória profissional inclui a atuação como economista-chefe em grandes bancos internacionais e a publicação de livros e estudos técnicos sobre economia, reconhece que sua política econômica tem fortes contraindicações, mas afirma que o sacrifício valerá a pena. “O período de dor terminou. Daqui para a frente, todos os dias estaremos um pouco melhor do que no dia anterior. Em vez de sermos mais pobres a cada dia, seremos mais ricos”, disse Milei, no encontro com empresários, realizado no mês passado. “Esse esforço deve implicar em progresso, porque, se não, é um martírio.”
No fim das contas, é como o presidente argentino falou no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em janeiro, um mês depois de sua posse: “Longe de ser a causa dos nossos problemas, o capitalismo de livre mercado como sistema econômico é a única ferramenta que temos para terminar com a forme, a pobreza e a indigência em todo o planeta.”
Até agora, os resultados de sua política econômica, ancorada nos preceitos da economia de livre mercado, em oposição ao ilusionismo heterodoxo e ao intervencionismo dos peronistas, começam a mostrar que sua afirmação é mais do que uma bravata ideológica para incensar seus seguidores e admiradores.
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