O outro lado do noticiário

Opinião|Narrativa de que ‘tentativa de golpe’ em 8/1 é ‘fantasia’ extrapola ‘bolha’ bolsonarista


Vozes da esquerda e até o ministro da Defesa contestam ideia de que manifestantes queriam destituir à força os Poderes constituídos, propagada por Lula, pelo PT e por representantes do Legislativo e do Judiciário

Por José Fucs
Atualização:

A solenidade convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para marcar o aniversário de um ano dos atos de 8 de Janeiro, que deveria ser um momento de catarse coletiva “em defesa da democracia”, acabou por ter um efeito inesperado, ao revelar as fissuras existentes em torno da narrativa de que eles representaram uma “tentativa de golpe” de Estado.

De repente, em meio à “celebração” do 8 de Janeiro, ficou claro que nem só os “bolsonaristas”, os “fascistas” e a “direita radical” contestam a percepção de que, ao invadir e depredar as sedes dos três Poderes, os manifestantes promoveram uma “agressão à democracia e ao Estado de Direito”, nas palavras do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Não apenas pelas ausências do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e de 15 governadores de Estado na cerimônia, entre eles os mandatários dos três maiores colégios eleitorais do País – Tarcísio Gomes de Freitas, de São Paulo, Romeu Zema, de Minas Gerais, e Cláudio Castro, do Rio de Janeiro --, que alegaram diferentes motivos para não dar aval ao evento e para evitar o risco de cair numa possível armadilha político-eleitoral petista.

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Solenidade convocada por Lula e realizada no Congresso para marcar aniversário de um ano dos atos de 8 de Janeiro Foto: Sergio Dutti/Estadão

No mesmo dia da solenidade, uma pesquisa divulgada pela AtlasIntel – uma empresa que tem colecionado acertos em meio aos erros em série de seus concorrentes, inclusive ao apontar de forma praticamente isolada a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina – mostrou uma realidade bem diferente da versão propagada pelo noticiário, por autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário e até por representantes da “direita democrática”, chamada pelos bolsonaristas de “direita limpinha”.

De acordo com a pesquisa, que ouviu 1.200 pessoas em todo o País, 34,2% dos entrevistados disseram que “o fanatismo e a polarização” foram as principais motivações dos manifestantes, mas apenas 18,8% afirmaram acreditar que a tomada do poder à força era o principal objetivo da turba.

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A narrativa da “tentativa de golpe”, sem que um único tiro tenha sido disparado pelos manifestantes e sem que houvesse um único veículo blindado nas ruas para apoiar a “infantaria’, também passou a ser contestada à luz do dia por vozes da esquerda e mesmo por integrantes do governo.

Para o ex-deputado federal, ex-presidente da Câmara e ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo, que concorreu a uma cadeira no Senado pelo PDT nas eleições de 2022, mas foi integrante do PC do B durante a maior parte de sua trajetória política, é “uma fantasia” dizer que os ataques de 8 de Janeiro foram uma “tentativa de golpe”.

Atribuir uma tentativa de golpe àquele bando de baderneiros é uma desmoralização da instituição do golpe de Estado

Aldo Rebelo

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“Faz bem à polarização atribuir ao antigo governo a tentativa de dar um golpe. Criou-se uma fantasia para legitimar esse sentimento que tem norteado a política nos últimos anos”, afirmou Rebelo, em entrevista ao site Poder360, publicada no próprio dia 8. “É óbvio que aquela baderna foi um ato irresponsável e precisa de punição exemplar para os envolvidos. Mas atribuir uma tentativa de golpe àquele bando de baderneiros é uma desmoralização da instituição do golpe de Estado.”

Segundo Rebelo, o quebra-quebra foi semelhante ao promovido em 6 de junho de 2006 pelo MLST, (Movimento de Libertação dos Sem Terra), uma dissidência do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que invadiu a Câmara, depredou parte do patrimônio público e deixou 24 pessoas feridas, uma delas em estado grave.

“Eles levaram um segurança para a UTI, derrubaram um busto do (ex-governador de São Paulo e ex-senador) Mario Covas (1930-2001). Eu dei voz de prisão a todos. A polícia os recolheu e eu os tratei como o que eles de fato eram: baderneiros. Não foi uma tentativa de golpe. E o que houve em 8 de Janeiro foi a mesma coisa”, acrescentou Rebelo, que na época era presidente da Câmara.

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A democracia não esteve ameaçada: precisaria de um passo seguinte, que seria declarar a vacância da Presidência

Miro Teixeira

O ex-deputado federal e ex-ministro das Comunicações de Lula (2003-2004), Miro Teixeira, também ligado ao PDT, tem a mesma percepção de Rabelo, ao dizer que os atos de 8 de Janeiro não representaram uma “tentativa de golpe”, apesar de sugerir que é preciso identificar os mandantes dos atos.

“Acampamentos em frente a quartéis não são naturais ou democráticos. Saem da livre expressão e entram no campo da conspiração. Tenta um comunista fazer o mesmo com bandeiras de foice e martelo… Isso deveria ter sido desfeito pelos comandantes militares. O que resta é o grande enigma. Quem foi o comandante político ou militar dos atos?”, questionou Teixeira um dia antes da solenidade convocada por Lula, também em entrevista publicada pelo mesmo site. “(Agora) digamos que aquela balbúrdia se transformasse em golpe. Por absurdo, Lula seria retirado do poder, assim como (o vice-presidente, Geraldo) Alckmin, (o presidente da Câmara, Arthur) Lira, (o presidente do Senado, Rodrigo) Pacheco, seus sucessores. Veja como tenho razões para dizer que a democracia não esteve ameaçada: precisaria de um passo seguinte, que seria declarar a vacância da Presidência. Quem faria isso? Não havia um nome.”

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Eu continuo achando que aquilo foi uma grande baderna

José Múcio Monteiro Filho

Até o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Fillho, disse em entrevista ao Estadão, publicada no último dia 6, que “havia pessoas que desejavam o golpe”, mas o que acabou acontecendo foi um ato de vandalismo.

“Eu continuo achando que aquilo foi uma grande baderna. Um bando de vândalos que foi arrebanhado por empresários irresponsáveis, alguém que pagou os ônibus (e disse): ‘Vamos para Brasília’”, declarou o ministro. “Havia pessoas que desejavam o golpe, mas o Exército, a Marinha e Aeronáutica, não. Como são os golpes no mundo? Vai a Força e o povo vem apoiando atrás. Aqui, o povo foi na frente. Não tinha um líder. Se eles (Forças Armadas) quisessem golpe, era um conforto. Eu via daqui da janela (do Ministério da Defesa). Era gente correndo para todo canto. Não apareceu esse coordenador.”

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Diante do “rolo compressor” operado por autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, para impulsionar a narrativa da “tentativa de golpe”, o resultado da pesquisa da AtlasIntel e as afirmações de Múcio, Miro e Rebelo são um alerta incômodo de que a sociedade ou boa parte dela tem sua própria visão dos acontecimentos – e ela tem pouco ou nada a ver com a versão propagada por representantes de alta patente dos três Poderes e reforçada pelo noticiário.

A solenidade convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para marcar o aniversário de um ano dos atos de 8 de Janeiro, que deveria ser um momento de catarse coletiva “em defesa da democracia”, acabou por ter um efeito inesperado, ao revelar as fissuras existentes em torno da narrativa de que eles representaram uma “tentativa de golpe” de Estado.

De repente, em meio à “celebração” do 8 de Janeiro, ficou claro que nem só os “bolsonaristas”, os “fascistas” e a “direita radical” contestam a percepção de que, ao invadir e depredar as sedes dos três Poderes, os manifestantes promoveram uma “agressão à democracia e ao Estado de Direito”, nas palavras do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Não apenas pelas ausências do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e de 15 governadores de Estado na cerimônia, entre eles os mandatários dos três maiores colégios eleitorais do País – Tarcísio Gomes de Freitas, de São Paulo, Romeu Zema, de Minas Gerais, e Cláudio Castro, do Rio de Janeiro --, que alegaram diferentes motivos para não dar aval ao evento e para evitar o risco de cair numa possível armadilha político-eleitoral petista.

Solenidade convocada por Lula e realizada no Congresso para marcar aniversário de um ano dos atos de 8 de Janeiro Foto: Sergio Dutti/Estadão

No mesmo dia da solenidade, uma pesquisa divulgada pela AtlasIntel – uma empresa que tem colecionado acertos em meio aos erros em série de seus concorrentes, inclusive ao apontar de forma praticamente isolada a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina – mostrou uma realidade bem diferente da versão propagada pelo noticiário, por autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário e até por representantes da “direita democrática”, chamada pelos bolsonaristas de “direita limpinha”.

De acordo com a pesquisa, que ouviu 1.200 pessoas em todo o País, 34,2% dos entrevistados disseram que “o fanatismo e a polarização” foram as principais motivações dos manifestantes, mas apenas 18,8% afirmaram acreditar que a tomada do poder à força era o principal objetivo da turba.

A narrativa da “tentativa de golpe”, sem que um único tiro tenha sido disparado pelos manifestantes e sem que houvesse um único veículo blindado nas ruas para apoiar a “infantaria’, também passou a ser contestada à luz do dia por vozes da esquerda e mesmo por integrantes do governo.

Para o ex-deputado federal, ex-presidente da Câmara e ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo, que concorreu a uma cadeira no Senado pelo PDT nas eleições de 2022, mas foi integrante do PC do B durante a maior parte de sua trajetória política, é “uma fantasia” dizer que os ataques de 8 de Janeiro foram uma “tentativa de golpe”.

Atribuir uma tentativa de golpe àquele bando de baderneiros é uma desmoralização da instituição do golpe de Estado

Aldo Rebelo

“Faz bem à polarização atribuir ao antigo governo a tentativa de dar um golpe. Criou-se uma fantasia para legitimar esse sentimento que tem norteado a política nos últimos anos”, afirmou Rebelo, em entrevista ao site Poder360, publicada no próprio dia 8. “É óbvio que aquela baderna foi um ato irresponsável e precisa de punição exemplar para os envolvidos. Mas atribuir uma tentativa de golpe àquele bando de baderneiros é uma desmoralização da instituição do golpe de Estado.”

Segundo Rebelo, o quebra-quebra foi semelhante ao promovido em 6 de junho de 2006 pelo MLST, (Movimento de Libertação dos Sem Terra), uma dissidência do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que invadiu a Câmara, depredou parte do patrimônio público e deixou 24 pessoas feridas, uma delas em estado grave.

“Eles levaram um segurança para a UTI, derrubaram um busto do (ex-governador de São Paulo e ex-senador) Mario Covas (1930-2001). Eu dei voz de prisão a todos. A polícia os recolheu e eu os tratei como o que eles de fato eram: baderneiros. Não foi uma tentativa de golpe. E o que houve em 8 de Janeiro foi a mesma coisa”, acrescentou Rebelo, que na época era presidente da Câmara.

A democracia não esteve ameaçada: precisaria de um passo seguinte, que seria declarar a vacância da Presidência

Miro Teixeira

O ex-deputado federal e ex-ministro das Comunicações de Lula (2003-2004), Miro Teixeira, também ligado ao PDT, tem a mesma percepção de Rabelo, ao dizer que os atos de 8 de Janeiro não representaram uma “tentativa de golpe”, apesar de sugerir que é preciso identificar os mandantes dos atos.

“Acampamentos em frente a quartéis não são naturais ou democráticos. Saem da livre expressão e entram no campo da conspiração. Tenta um comunista fazer o mesmo com bandeiras de foice e martelo… Isso deveria ter sido desfeito pelos comandantes militares. O que resta é o grande enigma. Quem foi o comandante político ou militar dos atos?”, questionou Teixeira um dia antes da solenidade convocada por Lula, também em entrevista publicada pelo mesmo site. “(Agora) digamos que aquela balbúrdia se transformasse em golpe. Por absurdo, Lula seria retirado do poder, assim como (o vice-presidente, Geraldo) Alckmin, (o presidente da Câmara, Arthur) Lira, (o presidente do Senado, Rodrigo) Pacheco, seus sucessores. Veja como tenho razões para dizer que a democracia não esteve ameaçada: precisaria de um passo seguinte, que seria declarar a vacância da Presidência. Quem faria isso? Não havia um nome.”

Eu continuo achando que aquilo foi uma grande baderna

José Múcio Monteiro Filho

Até o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Fillho, disse em entrevista ao Estadão, publicada no último dia 6, que “havia pessoas que desejavam o golpe”, mas o que acabou acontecendo foi um ato de vandalismo.

“Eu continuo achando que aquilo foi uma grande baderna. Um bando de vândalos que foi arrebanhado por empresários irresponsáveis, alguém que pagou os ônibus (e disse): ‘Vamos para Brasília’”, declarou o ministro. “Havia pessoas que desejavam o golpe, mas o Exército, a Marinha e Aeronáutica, não. Como são os golpes no mundo? Vai a Força e o povo vem apoiando atrás. Aqui, o povo foi na frente. Não tinha um líder. Se eles (Forças Armadas) quisessem golpe, era um conforto. Eu via daqui da janela (do Ministério da Defesa). Era gente correndo para todo canto. Não apareceu esse coordenador.”

Diante do “rolo compressor” operado por autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, para impulsionar a narrativa da “tentativa de golpe”, o resultado da pesquisa da AtlasIntel e as afirmações de Múcio, Miro e Rebelo são um alerta incômodo de que a sociedade ou boa parte dela tem sua própria visão dos acontecimentos – e ela tem pouco ou nada a ver com a versão propagada por representantes de alta patente dos três Poderes e reforçada pelo noticiário.

A solenidade convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para marcar o aniversário de um ano dos atos de 8 de Janeiro, que deveria ser um momento de catarse coletiva “em defesa da democracia”, acabou por ter um efeito inesperado, ao revelar as fissuras existentes em torno da narrativa de que eles representaram uma “tentativa de golpe” de Estado.

De repente, em meio à “celebração” do 8 de Janeiro, ficou claro que nem só os “bolsonaristas”, os “fascistas” e a “direita radical” contestam a percepção de que, ao invadir e depredar as sedes dos três Poderes, os manifestantes promoveram uma “agressão à democracia e ao Estado de Direito”, nas palavras do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Não apenas pelas ausências do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e de 15 governadores de Estado na cerimônia, entre eles os mandatários dos três maiores colégios eleitorais do País – Tarcísio Gomes de Freitas, de São Paulo, Romeu Zema, de Minas Gerais, e Cláudio Castro, do Rio de Janeiro --, que alegaram diferentes motivos para não dar aval ao evento e para evitar o risco de cair numa possível armadilha político-eleitoral petista.

Solenidade convocada por Lula e realizada no Congresso para marcar aniversário de um ano dos atos de 8 de Janeiro Foto: Sergio Dutti/Estadão

No mesmo dia da solenidade, uma pesquisa divulgada pela AtlasIntel – uma empresa que tem colecionado acertos em meio aos erros em série de seus concorrentes, inclusive ao apontar de forma praticamente isolada a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina – mostrou uma realidade bem diferente da versão propagada pelo noticiário, por autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário e até por representantes da “direita democrática”, chamada pelos bolsonaristas de “direita limpinha”.

De acordo com a pesquisa, que ouviu 1.200 pessoas em todo o País, 34,2% dos entrevistados disseram que “o fanatismo e a polarização” foram as principais motivações dos manifestantes, mas apenas 18,8% afirmaram acreditar que a tomada do poder à força era o principal objetivo da turba.

A narrativa da “tentativa de golpe”, sem que um único tiro tenha sido disparado pelos manifestantes e sem que houvesse um único veículo blindado nas ruas para apoiar a “infantaria’, também passou a ser contestada à luz do dia por vozes da esquerda e mesmo por integrantes do governo.

Para o ex-deputado federal, ex-presidente da Câmara e ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo, que concorreu a uma cadeira no Senado pelo PDT nas eleições de 2022, mas foi integrante do PC do B durante a maior parte de sua trajetória política, é “uma fantasia” dizer que os ataques de 8 de Janeiro foram uma “tentativa de golpe”.

Atribuir uma tentativa de golpe àquele bando de baderneiros é uma desmoralização da instituição do golpe de Estado

Aldo Rebelo

“Faz bem à polarização atribuir ao antigo governo a tentativa de dar um golpe. Criou-se uma fantasia para legitimar esse sentimento que tem norteado a política nos últimos anos”, afirmou Rebelo, em entrevista ao site Poder360, publicada no próprio dia 8. “É óbvio que aquela baderna foi um ato irresponsável e precisa de punição exemplar para os envolvidos. Mas atribuir uma tentativa de golpe àquele bando de baderneiros é uma desmoralização da instituição do golpe de Estado.”

Segundo Rebelo, o quebra-quebra foi semelhante ao promovido em 6 de junho de 2006 pelo MLST, (Movimento de Libertação dos Sem Terra), uma dissidência do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que invadiu a Câmara, depredou parte do patrimônio público e deixou 24 pessoas feridas, uma delas em estado grave.

“Eles levaram um segurança para a UTI, derrubaram um busto do (ex-governador de São Paulo e ex-senador) Mario Covas (1930-2001). Eu dei voz de prisão a todos. A polícia os recolheu e eu os tratei como o que eles de fato eram: baderneiros. Não foi uma tentativa de golpe. E o que houve em 8 de Janeiro foi a mesma coisa”, acrescentou Rebelo, que na época era presidente da Câmara.

A democracia não esteve ameaçada: precisaria de um passo seguinte, que seria declarar a vacância da Presidência

Miro Teixeira

O ex-deputado federal e ex-ministro das Comunicações de Lula (2003-2004), Miro Teixeira, também ligado ao PDT, tem a mesma percepção de Rabelo, ao dizer que os atos de 8 de Janeiro não representaram uma “tentativa de golpe”, apesar de sugerir que é preciso identificar os mandantes dos atos.

“Acampamentos em frente a quartéis não são naturais ou democráticos. Saem da livre expressão e entram no campo da conspiração. Tenta um comunista fazer o mesmo com bandeiras de foice e martelo… Isso deveria ter sido desfeito pelos comandantes militares. O que resta é o grande enigma. Quem foi o comandante político ou militar dos atos?”, questionou Teixeira um dia antes da solenidade convocada por Lula, também em entrevista publicada pelo mesmo site. “(Agora) digamos que aquela balbúrdia se transformasse em golpe. Por absurdo, Lula seria retirado do poder, assim como (o vice-presidente, Geraldo) Alckmin, (o presidente da Câmara, Arthur) Lira, (o presidente do Senado, Rodrigo) Pacheco, seus sucessores. Veja como tenho razões para dizer que a democracia não esteve ameaçada: precisaria de um passo seguinte, que seria declarar a vacância da Presidência. Quem faria isso? Não havia um nome.”

Eu continuo achando que aquilo foi uma grande baderna

José Múcio Monteiro Filho

Até o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Fillho, disse em entrevista ao Estadão, publicada no último dia 6, que “havia pessoas que desejavam o golpe”, mas o que acabou acontecendo foi um ato de vandalismo.

“Eu continuo achando que aquilo foi uma grande baderna. Um bando de vândalos que foi arrebanhado por empresários irresponsáveis, alguém que pagou os ônibus (e disse): ‘Vamos para Brasília’”, declarou o ministro. “Havia pessoas que desejavam o golpe, mas o Exército, a Marinha e Aeronáutica, não. Como são os golpes no mundo? Vai a Força e o povo vem apoiando atrás. Aqui, o povo foi na frente. Não tinha um líder. Se eles (Forças Armadas) quisessem golpe, era um conforto. Eu via daqui da janela (do Ministério da Defesa). Era gente correndo para todo canto. Não apareceu esse coordenador.”

Diante do “rolo compressor” operado por autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, para impulsionar a narrativa da “tentativa de golpe”, o resultado da pesquisa da AtlasIntel e as afirmações de Múcio, Miro e Rebelo são um alerta incômodo de que a sociedade ou boa parte dela tem sua própria visão dos acontecimentos – e ela tem pouco ou nada a ver com a versão propagada por representantes de alta patente dos três Poderes e reforçada pelo noticiário.

Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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