O outro lado do noticiário

Opinião|O ‘Mr. Imposto’ Fernando Haddad e a ‘mão grande’ do governo no bolso dos contribuintes


Apesar dos desmentidos oficiais, medidas já implementadas pela Fazenda ou que estão no prelo deverão levar a um aumento da carga tributária no País, que hoje já alcança 33% do PIB

Por José Fucs
Atualização:

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz o estilo descolado, do tipo que toca violão durante entrevista para a TV, e se mostra como “voz moderada” do governo Lula na economia, em meio aos devaneios heterodoxos do presidente, do PT e de seus aliados à esquerda, que assustam a Faria Lima e todos os que pregam um mínimo de racionalidade na gestão da política econômica, especialmente das contas públicas.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está empreendendo uma cruzada contra os pagadores de impostos, para viabilizar a gastança do governo Lula Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Por seu voluntarismo e sua fala mansa, Haddad ganhou também a fama de “negociador hábil”, ao tomar a dianteira nas negociações com o Congresso para aprovação de propostas patrocinadas pelo governo ou de seu interesse. Entre elas, destacam-se a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, que prevê o ajuste das finanças governamentais, hoje tingidas de vermelho, pelo aumento das receitas e não pelo corte das despesas.

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Mas, por trás da imagem de sujeito “tranquilão” e de boa lábia propagada por aí, uma face sinistra de Haddad começa a ganhar contornos mais nítidos, com a cruzada que está empreendendo contra os pagadores de impostos, para tentar viabilizar a gastança que o governo pretende promover, sem estourar o Orçamento.

Sob a nobre justificativa de que é preciso ampliar a arrecadação, para bancar ações sociais e investimentos estatais, Haddad está se revelando como uma espécie de publicano – o detestado cobrador de tributos do Império Romano – “do bem”.

Da reoneração dos combustíveis ao “voto de qualidade” no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), da reversão de benefícios tributários à tributação de apostas esportivas online e de investimentos no exterior, a “mão grande” do governo está se fazendo sentir por todos os lados, em sua gestão na Fazenda.

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Embora negue sistematicamente que o governo irá aumentar impostos e jure de pés juntos que está só equacionando “jabutis” tributários, as medidas que Haddad já implementou ou pretende implementar, segundo ele mesmo anunciou, deverão drenar um volume gigantesco de recursos adicionais, de pessoas físicas e jurídicas, para o erário.

Dinheirama

Pelas contas mais recentes da Fazenda, a “tungada” do Fisco tem de alcançar no mínimo mais R$ 100 bilhões, o equivalente a 1% do PIB (Produto Interno Bruto), para zerar o rombo fiscal no ano que vem e garantir superávits a partir de 2025, em linha com o que prevê o novo arcabouço que está em análise no Congresso. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, porém, já declarou que, na verdade, serão necessários R$ 150 bilhões ou 1,5% do PIB – um valor equivalente a dois anos de benefícios do Bolsa Família – para atingir tal objetivo.

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Como essa dinheirama até agora não recheava os cofres do Tesouro, o que deverá acontecer na prática, apesar dos desmentidos oficiais, é um aumento efetivo da carga tributária no País, que hoje já representa 33% do PIB, o maior nível entre os países em desenvolvimento.

É certo que o governo aumentou o limite de isenção do Imposto de Renda, que não era reajustado desde 2015, de R$ 1.903 para R$ 2.640, abdicando de R$ 3,2 bilhões em receitas em 2023 e de mais R$ 6 bilhões em 2024. Também zerou o imposto de importação nas “comprinhas” de até US$ 50 realizadas em sites internacionais, com custo estimado em cerca de R$ 10 bilhões ao ano.

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Além disso, como já ocorreu nas gestões anteriores do PT, o governo implementou uma série de medidas para favorecer setores específicos da economia, em vez de adotar ações verticais, que beneficiem as empresas independentemente da área em que atuam.

Em março, o governo zerou os tributos federais sobre os painéis fotovoltaicos, voltados para a produção de energia solar, até dezembro de 2026, a um custo de R$ 600 milhões só neste ano para os cofres públicos, de acordo com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Em maio, zerou também o imposto de importação de equipamentos de tecnologia, como o roteador Wi-Fi 6, e diversos bens de capital.

Houve ainda a prorrogação da isenção de tributos federais para as companhias aéreas até 2026, com impacto fiscal calculado em cerca de R$ 500 milhões neste ano e em R$ 1,1 bilhão nos anos seguintes, e o lançamento do programa de incentivo à venda de “carros populares” de até R$ 120 mil, além de caminhões e ônibus, que consumiu R$ 1,8 bilhão em créditos tributários para as montadoras.

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Linha Branca

Por ora, está pendente a reedição do corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de eletrodomésticos, que é defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas enfrenta resistência da equipe econômica. Só em 2009, no governo Lula 2, quando foi implementada pela primeira vez, a medida teve um custo, em valores históricos, de R$ 400 milhões em seis meses, considerando apenas os subsídios para aquisição de produtos da chamada “linha branca’.

A questão é que, na melhor das hipóteses, o total das benesses não chega nem a 20% dos recursos dos pagadores de impostos que o governo quer “abocanhar”, alegando que “é preciso cobrar de quem não paga”. Mais uma vez, a conta vai sobrar para os contribuintes, se tudo o que o “Mr. Imposto” Fernando Haddad propôs e pretende propor for realmente implementado.

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Confira a seguir as principais medidas já adotadas pelo ministro da Fazenda e outras que estão no prelo e devem ser propostas ou implementadas em breve.

1. Reoneração de combustíveis

Com a volta da cobrança do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), zerada em junho de 2022, além da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), zerada desde o governo Temer, o impacto para os consumidores nas bombas foi imediato.

Segundo os cálculos da Receita Federal, a reoneração da gasolina, do álcool e do querosene de aviação, realizada de forma parcial em março e integralmente a partir de julho, deverá drenar R$ 14,8 bilhões para os cofres do Tesouro apenas no segundo semestre de 2023.

No caso do diesel, com a antecipação para setembro de parte da reoneração, que deveria ocorrer só em janeiro de 2024, o impacto nas bombas deverá ser de cerca de 10%, de acordo com estimativas de mercado. A medida, conforme o Ministério da Fazenda, deverá gerar uma arrecadação extra de R$ 2 bilhões só no último quadrimestre do ano.

2. ‘Voto de qualidade’ no Carf

Em oposição ao princípio jurídico do “in dubio pro reo”, expressão latina que significa “na dúvida, em favor do réu”, o governo quer restabelecer o chamado “voto de qualidade” no Carf, que havia sido extinto em 2020.

Com isso, os julgamentos que terminarem empatados no órgão, cuja atribuição é avaliar na esfera administrativa as pendências tributárias, agora deverão beneficiar o Fisco, já que o voto de desempate caberá ao representante da Fazenda.

Inicialmente, o governo editou uma Medida Provisória para ressuscitar o dispositivo, mas ela não chegou a ser analisada pela Câmara dos Deputados e perdeu a validade após o prazo legal de quatro meses. Então, o governo resolveu reencaminhar a matéria ao Congresso por meio de um projeto de lei, que foi aprovado pela Câmara no começo de julho e agora deverá passar pelo crivo do Senado.

Se a volta do “voto de qualidade” no Carf, que é vinculado ao Ministério da Fazenda, for aprovada também no Senado, poderá proporcionar ao governo uma receita adicional de R$ 50 bilhões só neste ano, incluindo R$ 35 bilhões considerados não-recorrentes. A expectativa da equipe econômica é de que a medida gere uma receita anual extra de R$ 15 bilhões a partir de 2024.

3. Apostas esportivas online

Com a edição de uma Medida Provisória para regulamentar as apostas esportivas eletrônicas, o governo instituiu uma tributação de 18% sobre a receita das operadoras, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores. Também foi instituída a taxação dos prêmios, fixada em 30% do valor total, com isenção até R$ 2.112.

Caso a medida seja aprovada pelo Congresso, a Fazenda estima que ela permitirá uma arrecadação adicional de R$ 2 bilhões em 2024, mas diz que o montante poderá chegar a R$ 12 bilhões ao ano. Na prática, o governo tornou-se uma espécie de “dono da banca” ao ficar com quase metade do dinheiro movimentado pelas operadoras de apostas online.

4. Exportações de petróleo

Instituída no início de março pela mesma Medida Provisória que estabeleceu a reoneração parcial dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol, a cobrança do imposto de 9,2% sobre as exportações de óleo cru mostrou que a sanha tributária do governo não tem limite.

Sob a alegação de que o novo imposto era necessário para compensar a perda de arrecadação até a reoneração total dos combustíveis, no fim de junho, o governo passou por cima de compromissos relacionados aos leilões de concessão de blocos petrolíferos, que não previam a taxação das exportações, e turbinou a insegurança jurídica e regulatória no setor.

A estimativa do governo era de que a tributação das exportações de petróleo, que durou apenas até a MP perder a validade, por não ter sido votada pelo Congresso, rendesse cerca de R$ 6 bilhões ao Tesouro. Mas, no fim, a receita com o tributo acabou frustrando a equipe econômica, ao ficar em pouco mais de R$ 1 bilhão nos quatro meses em que esteve em vigor. Deixou, porém, sérias dúvidas na praça sobre a possibilidade de o governo reeditar a medida a qualquer momento, inclusive com a incorporação de outros setores, seguindo uma política adotada na Argentina que tumultuou a economia do país.

5. Investimentos no exterior

Na mesma Medida Provisória que reajustou o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo avançou sobre os rendimentos obtidos com aplicações financeiras realizadas no exterior, sejam elas feitas diretamente por pessoas físicas residentes no País ou por meio de offshores (companhias privadas de investimento) ou de trusts (organizações que administram o patrimônio de um investidor em benefício de terceiros).

Como no caso da desoneração dos combustíveis e da tributação das exportações de petróleo, a justificativa foi de que era preciso buscar uma “compensação” para a perda de receita que o governo teria ao reajustar o limite de isenção do Imposto de Renda. Se o dispositivo for aprovado pelo Congresso, as aplicações feitas lá fora serão tributadas pela tabela progressiva do IR, a partir de 2024. Os rendimentos de até R$ 6 mil estarão isentos. Os ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil pagarão um “pedágio” ao Fisco de 15% e os que superarem os R$ 50 mil serão taxados em 22,5%.

A tributação deverá ocorrer no momento da efetiva disponibilização dos recursos para os investidores, ou seja, quando houver resgate, vencimento ou liquidação das aplicações. No caso das operações feitas por meio de offshores ou trusts sediados em paraísos fiscais, a “mordida” do Leão deverá ser anual. Segundo estimativas da Fazenda, a medida deverá render ao Tesouro R$ 3,6 bilhões em 2024 e de R$ 6,75 bilhões em 2025.

6. Receitas financeiras de empresas

Logo ao tomar posse, o governo revogou um decreto editado em 30 de dezembro de 2022 pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, hoje senador (Republicanos-RS), que reduzia em 50% a Cofins e o PIS incidentes sobre aplicações financeiras de empresas. Com isso, voltaram a vigorar as alíquotas anteriores, de 4% e 0,65%, respectivamente.

A medida chegou a ser contestada por empresas na Justiça, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) validou o decreto do governo Lula que revogou o benefício, endossando a liminar concedida pelo então ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, ao atingir a idade-limite de 75 anos para o posto. Pelos cálculos do Ministério da Fazenda, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de R$ 5,8 bilhões em 2023.

7. IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS

O governo pretendia editar uma Medida Provisória, segundo o ministro Fernando Haddad, para incluir na base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) os incentivos fiscais concedidos pelos Estados às empresas por meio do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). No entanto, antes de a iniciativa se concretizar, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizou a tributação estendida ao julgar a questão, que tramitava na Corte desde 2017, exceto quando os incentivos forem concedidos para a realização de investimentos e não forem usados com outra finalidade.

O ministro do STF, André Mendonça, chegou a conceder uma liminar suspendendo os efeitos do julgamento do STJ, mas depois recuou, atendendo argumentação da União de que a demora na definição da questão poderia “causar prejuízos” aos cofres públicos. Com a decisão, a Receita Federal já está notificando as empresas que reduziram os recolhimentos de IRPJ e CSLL de forma considerada irregular pelo STJ. A previsão da Fazenda é de que a cobrança das pendências possa gerar uma receita extraordinário de R$ 90 bilhões, sem contar o impacto que a medida terá na arrecadação a partir de agora.

8. Operações internacionais entre empresas de um mesmo grupo

O ministro Fernando Haddad atuou pessoalmente para garantir a aprovação pelo Senado de uma Medida Provisória editada no fim do governo Bolsonaro, que alterava as regras de tributação das operações internacionais realizadas por empresas de um mesmo grupo econômico, o chamado “preço de transferência”.

Com o dispositivo, que segue o padrão recomendado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e começará a valer em 2024, a Fazenda espera fechar as brechas que permitiam às multinacionais pagar menos imposto no País. De acordo com as estimativas oficiais, a medida deverá proporcionar uma arrecadação adicional de até R$ 23 bilhões no ano que vem.

9. ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins

Por meio de uma Medida Provisória, que já foi aprovada pelo Congresso e virou lei, o governo reforçou decisão do STF que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Mas, ao mesmo tempo, excluiu o ICMS do cálculo dos créditos devidos aos contribuintes pelo pagamento “a maior” dos dois tributos.

Pelas contas oficiais, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de cerca de R$ 40 bilhões em 2024 e de R$ 30 bilhões em 2023, já que entrou em vigor apenas em maio.

10. Fundos exclusivos

O ministro Fernando Haddad anunciou recentemente que os fundos exclusivos, chamados por ele de “fundos dos super-ricos”, serão os próximos alvos do governo em sua cruzada para ampliar a arrecadação federal. A intenção é enviar ao Congresso o projeto de tributação dessas aplicações – que hoje não estão sujeitas ao regime de “come-cotas” incidente sobre outras modalidades de fundos – ainda em agosto, junto com o Orçamento de 2024.

De acordo com estimativa da Fazenda, a tributação dos fundos exclusivos poderá gerar uma receita adicional de R$ 10 bilhões por ano. Mas, desde abril, quando o governo informou pela primeira vez que pretendia tributá-los, o patrimônio dos fundos exclusivos, usados principalmente por quem tem aplicações de maior valor, vem caindo, assim como o número de fundos do gênero em atividade.

Segundo um levantamento realizado pela TradeMap, o patrimônio dos fundos exclusivos teve uma queda de R$ 183 bilhões, de R$ 939 bilhões para R$ 756,8 bilhões, entre abril e meados de julho, e o número de fundos passou de 2.685 para 2.568 no mesmo período. Na avaliação de analistas de mercado, os investidores deverão buscar outras aplicações no País, como os fundos de previdência, sobre os quais não incide o “come-cotas”, ou migrar para opções de investimento mais atraentes no exterior, para fugir da nova tributação.

11. Juros sobre capital próprio

Considerados pela Fazenda como uma brecha para as empresas reduzirem o valor a pagar de Imposto de Renda, os juros sobre capital próprio, usados como forma de remuneração dos acionistas, devem ser extintos pelo atual governo, em linha com o que havia proposto o ex-ministro da Economia Paulo Guedes.

Ao contrário do que acontece com os dividendos, sobre os quais as empresas têm de pagar o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), enquanto o investidor é isento de tributação, nos juros sobre capital próprio o investidor paga 15% de Imposto de Renda na fonte e as empresas são isentas de recolhimento. O governo não divulgou estimativas sobre a arrecadação adicional que será viabilizada com o fim do mecanismo, mas o ministro Fernando Haddad chegou a falar numa perda de “mais de R$ 100 bilhões” para a União com as regras atuais, sem especificar o período a que se referia.

12. Dividendos

A tributação dos dividendos, hoje isentos de impostos, é outra maneira que o governo está estudando para aumentar a arrecadação. Usada como uma forma de contornar a taxação dos rendimentos do trabalho, a distribuição de dividendos acabou beneficiando empresários e profissionais de alta renda, que recebem seus “pró-labores” e seus “salários” sem qualquer desconto.

Muitos profissionais liberais e os chamados “pejotinhas”, que prestam serviços às empresas como pessoa jurídica, sem vínculo empregatício, também passaram a recorrer à distribuição de dividendos pelas vantagens tributárias que o mecanismo oferece em relação a outras formas de remuneração do trabalho.

Em 2021, a taxação dos dividendos em 15% chegou a ser aprovada pela Câmara, preservando a isenção das micro e pequenas empresas, mas acabou parando no Senado, e agora deverá voltar à pauta. De acordo com as estimativas feitas pela equipe do ex-ministro Paulo Guedes, a taxação dos dividendos proporcionaria uma arrecadação de cerca de R$ 60 bilhões por ano, se a alíquota fosse de 20%, como previa a proposta inicial. Com a alíquota de 15% aprovada na Câmara, o impacto na receita deve ser de R$ 45 bilhões ao ano.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz o estilo descolado, do tipo que toca violão durante entrevista para a TV, e se mostra como “voz moderada” do governo Lula na economia, em meio aos devaneios heterodoxos do presidente, do PT e de seus aliados à esquerda, que assustam a Faria Lima e todos os que pregam um mínimo de racionalidade na gestão da política econômica, especialmente das contas públicas.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está empreendendo uma cruzada contra os pagadores de impostos, para viabilizar a gastança do governo Lula Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Por seu voluntarismo e sua fala mansa, Haddad ganhou também a fama de “negociador hábil”, ao tomar a dianteira nas negociações com o Congresso para aprovação de propostas patrocinadas pelo governo ou de seu interesse. Entre elas, destacam-se a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, que prevê o ajuste das finanças governamentais, hoje tingidas de vermelho, pelo aumento das receitas e não pelo corte das despesas.

Mas, por trás da imagem de sujeito “tranquilão” e de boa lábia propagada por aí, uma face sinistra de Haddad começa a ganhar contornos mais nítidos, com a cruzada que está empreendendo contra os pagadores de impostos, para tentar viabilizar a gastança que o governo pretende promover, sem estourar o Orçamento.

Sob a nobre justificativa de que é preciso ampliar a arrecadação, para bancar ações sociais e investimentos estatais, Haddad está se revelando como uma espécie de publicano – o detestado cobrador de tributos do Império Romano – “do bem”.

Da reoneração dos combustíveis ao “voto de qualidade” no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), da reversão de benefícios tributários à tributação de apostas esportivas online e de investimentos no exterior, a “mão grande” do governo está se fazendo sentir por todos os lados, em sua gestão na Fazenda.

Embora negue sistematicamente que o governo irá aumentar impostos e jure de pés juntos que está só equacionando “jabutis” tributários, as medidas que Haddad já implementou ou pretende implementar, segundo ele mesmo anunciou, deverão drenar um volume gigantesco de recursos adicionais, de pessoas físicas e jurídicas, para o erário.

Dinheirama

Pelas contas mais recentes da Fazenda, a “tungada” do Fisco tem de alcançar no mínimo mais R$ 100 bilhões, o equivalente a 1% do PIB (Produto Interno Bruto), para zerar o rombo fiscal no ano que vem e garantir superávits a partir de 2025, em linha com o que prevê o novo arcabouço que está em análise no Congresso. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, porém, já declarou que, na verdade, serão necessários R$ 150 bilhões ou 1,5% do PIB – um valor equivalente a dois anos de benefícios do Bolsa Família – para atingir tal objetivo.

Como essa dinheirama até agora não recheava os cofres do Tesouro, o que deverá acontecer na prática, apesar dos desmentidos oficiais, é um aumento efetivo da carga tributária no País, que hoje já representa 33% do PIB, o maior nível entre os países em desenvolvimento.

É certo que o governo aumentou o limite de isenção do Imposto de Renda, que não era reajustado desde 2015, de R$ 1.903 para R$ 2.640, abdicando de R$ 3,2 bilhões em receitas em 2023 e de mais R$ 6 bilhões em 2024. Também zerou o imposto de importação nas “comprinhas” de até US$ 50 realizadas em sites internacionais, com custo estimado em cerca de R$ 10 bilhões ao ano.

Além disso, como já ocorreu nas gestões anteriores do PT, o governo implementou uma série de medidas para favorecer setores específicos da economia, em vez de adotar ações verticais, que beneficiem as empresas independentemente da área em que atuam.

Em março, o governo zerou os tributos federais sobre os painéis fotovoltaicos, voltados para a produção de energia solar, até dezembro de 2026, a um custo de R$ 600 milhões só neste ano para os cofres públicos, de acordo com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Em maio, zerou também o imposto de importação de equipamentos de tecnologia, como o roteador Wi-Fi 6, e diversos bens de capital.

Houve ainda a prorrogação da isenção de tributos federais para as companhias aéreas até 2026, com impacto fiscal calculado em cerca de R$ 500 milhões neste ano e em R$ 1,1 bilhão nos anos seguintes, e o lançamento do programa de incentivo à venda de “carros populares” de até R$ 120 mil, além de caminhões e ônibus, que consumiu R$ 1,8 bilhão em créditos tributários para as montadoras.

Linha Branca

Por ora, está pendente a reedição do corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de eletrodomésticos, que é defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas enfrenta resistência da equipe econômica. Só em 2009, no governo Lula 2, quando foi implementada pela primeira vez, a medida teve um custo, em valores históricos, de R$ 400 milhões em seis meses, considerando apenas os subsídios para aquisição de produtos da chamada “linha branca’.

A questão é que, na melhor das hipóteses, o total das benesses não chega nem a 20% dos recursos dos pagadores de impostos que o governo quer “abocanhar”, alegando que “é preciso cobrar de quem não paga”. Mais uma vez, a conta vai sobrar para os contribuintes, se tudo o que o “Mr. Imposto” Fernando Haddad propôs e pretende propor for realmente implementado.

Confira a seguir as principais medidas já adotadas pelo ministro da Fazenda e outras que estão no prelo e devem ser propostas ou implementadas em breve.

1. Reoneração de combustíveis

Com a volta da cobrança do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), zerada em junho de 2022, além da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), zerada desde o governo Temer, o impacto para os consumidores nas bombas foi imediato.

Segundo os cálculos da Receita Federal, a reoneração da gasolina, do álcool e do querosene de aviação, realizada de forma parcial em março e integralmente a partir de julho, deverá drenar R$ 14,8 bilhões para os cofres do Tesouro apenas no segundo semestre de 2023.

No caso do diesel, com a antecipação para setembro de parte da reoneração, que deveria ocorrer só em janeiro de 2024, o impacto nas bombas deverá ser de cerca de 10%, de acordo com estimativas de mercado. A medida, conforme o Ministério da Fazenda, deverá gerar uma arrecadação extra de R$ 2 bilhões só no último quadrimestre do ano.

2. ‘Voto de qualidade’ no Carf

Em oposição ao princípio jurídico do “in dubio pro reo”, expressão latina que significa “na dúvida, em favor do réu”, o governo quer restabelecer o chamado “voto de qualidade” no Carf, que havia sido extinto em 2020.

Com isso, os julgamentos que terminarem empatados no órgão, cuja atribuição é avaliar na esfera administrativa as pendências tributárias, agora deverão beneficiar o Fisco, já que o voto de desempate caberá ao representante da Fazenda.

Inicialmente, o governo editou uma Medida Provisória para ressuscitar o dispositivo, mas ela não chegou a ser analisada pela Câmara dos Deputados e perdeu a validade após o prazo legal de quatro meses. Então, o governo resolveu reencaminhar a matéria ao Congresso por meio de um projeto de lei, que foi aprovado pela Câmara no começo de julho e agora deverá passar pelo crivo do Senado.

Se a volta do “voto de qualidade” no Carf, que é vinculado ao Ministério da Fazenda, for aprovada também no Senado, poderá proporcionar ao governo uma receita adicional de R$ 50 bilhões só neste ano, incluindo R$ 35 bilhões considerados não-recorrentes. A expectativa da equipe econômica é de que a medida gere uma receita anual extra de R$ 15 bilhões a partir de 2024.

3. Apostas esportivas online

Com a edição de uma Medida Provisória para regulamentar as apostas esportivas eletrônicas, o governo instituiu uma tributação de 18% sobre a receita das operadoras, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores. Também foi instituída a taxação dos prêmios, fixada em 30% do valor total, com isenção até R$ 2.112.

Caso a medida seja aprovada pelo Congresso, a Fazenda estima que ela permitirá uma arrecadação adicional de R$ 2 bilhões em 2024, mas diz que o montante poderá chegar a R$ 12 bilhões ao ano. Na prática, o governo tornou-se uma espécie de “dono da banca” ao ficar com quase metade do dinheiro movimentado pelas operadoras de apostas online.

4. Exportações de petróleo

Instituída no início de março pela mesma Medida Provisória que estabeleceu a reoneração parcial dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol, a cobrança do imposto de 9,2% sobre as exportações de óleo cru mostrou que a sanha tributária do governo não tem limite.

Sob a alegação de que o novo imposto era necessário para compensar a perda de arrecadação até a reoneração total dos combustíveis, no fim de junho, o governo passou por cima de compromissos relacionados aos leilões de concessão de blocos petrolíferos, que não previam a taxação das exportações, e turbinou a insegurança jurídica e regulatória no setor.

A estimativa do governo era de que a tributação das exportações de petróleo, que durou apenas até a MP perder a validade, por não ter sido votada pelo Congresso, rendesse cerca de R$ 6 bilhões ao Tesouro. Mas, no fim, a receita com o tributo acabou frustrando a equipe econômica, ao ficar em pouco mais de R$ 1 bilhão nos quatro meses em que esteve em vigor. Deixou, porém, sérias dúvidas na praça sobre a possibilidade de o governo reeditar a medida a qualquer momento, inclusive com a incorporação de outros setores, seguindo uma política adotada na Argentina que tumultuou a economia do país.

5. Investimentos no exterior

Na mesma Medida Provisória que reajustou o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo avançou sobre os rendimentos obtidos com aplicações financeiras realizadas no exterior, sejam elas feitas diretamente por pessoas físicas residentes no País ou por meio de offshores (companhias privadas de investimento) ou de trusts (organizações que administram o patrimônio de um investidor em benefício de terceiros).

Como no caso da desoneração dos combustíveis e da tributação das exportações de petróleo, a justificativa foi de que era preciso buscar uma “compensação” para a perda de receita que o governo teria ao reajustar o limite de isenção do Imposto de Renda. Se o dispositivo for aprovado pelo Congresso, as aplicações feitas lá fora serão tributadas pela tabela progressiva do IR, a partir de 2024. Os rendimentos de até R$ 6 mil estarão isentos. Os ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil pagarão um “pedágio” ao Fisco de 15% e os que superarem os R$ 50 mil serão taxados em 22,5%.

A tributação deverá ocorrer no momento da efetiva disponibilização dos recursos para os investidores, ou seja, quando houver resgate, vencimento ou liquidação das aplicações. No caso das operações feitas por meio de offshores ou trusts sediados em paraísos fiscais, a “mordida” do Leão deverá ser anual. Segundo estimativas da Fazenda, a medida deverá render ao Tesouro R$ 3,6 bilhões em 2024 e de R$ 6,75 bilhões em 2025.

6. Receitas financeiras de empresas

Logo ao tomar posse, o governo revogou um decreto editado em 30 de dezembro de 2022 pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, hoje senador (Republicanos-RS), que reduzia em 50% a Cofins e o PIS incidentes sobre aplicações financeiras de empresas. Com isso, voltaram a vigorar as alíquotas anteriores, de 4% e 0,65%, respectivamente.

A medida chegou a ser contestada por empresas na Justiça, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) validou o decreto do governo Lula que revogou o benefício, endossando a liminar concedida pelo então ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, ao atingir a idade-limite de 75 anos para o posto. Pelos cálculos do Ministério da Fazenda, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de R$ 5,8 bilhões em 2023.

7. IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS

O governo pretendia editar uma Medida Provisória, segundo o ministro Fernando Haddad, para incluir na base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) os incentivos fiscais concedidos pelos Estados às empresas por meio do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). No entanto, antes de a iniciativa se concretizar, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizou a tributação estendida ao julgar a questão, que tramitava na Corte desde 2017, exceto quando os incentivos forem concedidos para a realização de investimentos e não forem usados com outra finalidade.

O ministro do STF, André Mendonça, chegou a conceder uma liminar suspendendo os efeitos do julgamento do STJ, mas depois recuou, atendendo argumentação da União de que a demora na definição da questão poderia “causar prejuízos” aos cofres públicos. Com a decisão, a Receita Federal já está notificando as empresas que reduziram os recolhimentos de IRPJ e CSLL de forma considerada irregular pelo STJ. A previsão da Fazenda é de que a cobrança das pendências possa gerar uma receita extraordinário de R$ 90 bilhões, sem contar o impacto que a medida terá na arrecadação a partir de agora.

8. Operações internacionais entre empresas de um mesmo grupo

O ministro Fernando Haddad atuou pessoalmente para garantir a aprovação pelo Senado de uma Medida Provisória editada no fim do governo Bolsonaro, que alterava as regras de tributação das operações internacionais realizadas por empresas de um mesmo grupo econômico, o chamado “preço de transferência”.

Com o dispositivo, que segue o padrão recomendado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e começará a valer em 2024, a Fazenda espera fechar as brechas que permitiam às multinacionais pagar menos imposto no País. De acordo com as estimativas oficiais, a medida deverá proporcionar uma arrecadação adicional de até R$ 23 bilhões no ano que vem.

9. ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins

Por meio de uma Medida Provisória, que já foi aprovada pelo Congresso e virou lei, o governo reforçou decisão do STF que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Mas, ao mesmo tempo, excluiu o ICMS do cálculo dos créditos devidos aos contribuintes pelo pagamento “a maior” dos dois tributos.

Pelas contas oficiais, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de cerca de R$ 40 bilhões em 2024 e de R$ 30 bilhões em 2023, já que entrou em vigor apenas em maio.

10. Fundos exclusivos

O ministro Fernando Haddad anunciou recentemente que os fundos exclusivos, chamados por ele de “fundos dos super-ricos”, serão os próximos alvos do governo em sua cruzada para ampliar a arrecadação federal. A intenção é enviar ao Congresso o projeto de tributação dessas aplicações – que hoje não estão sujeitas ao regime de “come-cotas” incidente sobre outras modalidades de fundos – ainda em agosto, junto com o Orçamento de 2024.

De acordo com estimativa da Fazenda, a tributação dos fundos exclusivos poderá gerar uma receita adicional de R$ 10 bilhões por ano. Mas, desde abril, quando o governo informou pela primeira vez que pretendia tributá-los, o patrimônio dos fundos exclusivos, usados principalmente por quem tem aplicações de maior valor, vem caindo, assim como o número de fundos do gênero em atividade.

Segundo um levantamento realizado pela TradeMap, o patrimônio dos fundos exclusivos teve uma queda de R$ 183 bilhões, de R$ 939 bilhões para R$ 756,8 bilhões, entre abril e meados de julho, e o número de fundos passou de 2.685 para 2.568 no mesmo período. Na avaliação de analistas de mercado, os investidores deverão buscar outras aplicações no País, como os fundos de previdência, sobre os quais não incide o “come-cotas”, ou migrar para opções de investimento mais atraentes no exterior, para fugir da nova tributação.

11. Juros sobre capital próprio

Considerados pela Fazenda como uma brecha para as empresas reduzirem o valor a pagar de Imposto de Renda, os juros sobre capital próprio, usados como forma de remuneração dos acionistas, devem ser extintos pelo atual governo, em linha com o que havia proposto o ex-ministro da Economia Paulo Guedes.

Ao contrário do que acontece com os dividendos, sobre os quais as empresas têm de pagar o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), enquanto o investidor é isento de tributação, nos juros sobre capital próprio o investidor paga 15% de Imposto de Renda na fonte e as empresas são isentas de recolhimento. O governo não divulgou estimativas sobre a arrecadação adicional que será viabilizada com o fim do mecanismo, mas o ministro Fernando Haddad chegou a falar numa perda de “mais de R$ 100 bilhões” para a União com as regras atuais, sem especificar o período a que se referia.

12. Dividendos

A tributação dos dividendos, hoje isentos de impostos, é outra maneira que o governo está estudando para aumentar a arrecadação. Usada como uma forma de contornar a taxação dos rendimentos do trabalho, a distribuição de dividendos acabou beneficiando empresários e profissionais de alta renda, que recebem seus “pró-labores” e seus “salários” sem qualquer desconto.

Muitos profissionais liberais e os chamados “pejotinhas”, que prestam serviços às empresas como pessoa jurídica, sem vínculo empregatício, também passaram a recorrer à distribuição de dividendos pelas vantagens tributárias que o mecanismo oferece em relação a outras formas de remuneração do trabalho.

Em 2021, a taxação dos dividendos em 15% chegou a ser aprovada pela Câmara, preservando a isenção das micro e pequenas empresas, mas acabou parando no Senado, e agora deverá voltar à pauta. De acordo com as estimativas feitas pela equipe do ex-ministro Paulo Guedes, a taxação dos dividendos proporcionaria uma arrecadação de cerca de R$ 60 bilhões por ano, se a alíquota fosse de 20%, como previa a proposta inicial. Com a alíquota de 15% aprovada na Câmara, o impacto na receita deve ser de R$ 45 bilhões ao ano.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz o estilo descolado, do tipo que toca violão durante entrevista para a TV, e se mostra como “voz moderada” do governo Lula na economia, em meio aos devaneios heterodoxos do presidente, do PT e de seus aliados à esquerda, que assustam a Faria Lima e todos os que pregam um mínimo de racionalidade na gestão da política econômica, especialmente das contas públicas.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está empreendendo uma cruzada contra os pagadores de impostos, para viabilizar a gastança do governo Lula Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Por seu voluntarismo e sua fala mansa, Haddad ganhou também a fama de “negociador hábil”, ao tomar a dianteira nas negociações com o Congresso para aprovação de propostas patrocinadas pelo governo ou de seu interesse. Entre elas, destacam-se a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, que prevê o ajuste das finanças governamentais, hoje tingidas de vermelho, pelo aumento das receitas e não pelo corte das despesas.

Mas, por trás da imagem de sujeito “tranquilão” e de boa lábia propagada por aí, uma face sinistra de Haddad começa a ganhar contornos mais nítidos, com a cruzada que está empreendendo contra os pagadores de impostos, para tentar viabilizar a gastança que o governo pretende promover, sem estourar o Orçamento.

Sob a nobre justificativa de que é preciso ampliar a arrecadação, para bancar ações sociais e investimentos estatais, Haddad está se revelando como uma espécie de publicano – o detestado cobrador de tributos do Império Romano – “do bem”.

Da reoneração dos combustíveis ao “voto de qualidade” no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), da reversão de benefícios tributários à tributação de apostas esportivas online e de investimentos no exterior, a “mão grande” do governo está se fazendo sentir por todos os lados, em sua gestão na Fazenda.

Embora negue sistematicamente que o governo irá aumentar impostos e jure de pés juntos que está só equacionando “jabutis” tributários, as medidas que Haddad já implementou ou pretende implementar, segundo ele mesmo anunciou, deverão drenar um volume gigantesco de recursos adicionais, de pessoas físicas e jurídicas, para o erário.

Dinheirama

Pelas contas mais recentes da Fazenda, a “tungada” do Fisco tem de alcançar no mínimo mais R$ 100 bilhões, o equivalente a 1% do PIB (Produto Interno Bruto), para zerar o rombo fiscal no ano que vem e garantir superávits a partir de 2025, em linha com o que prevê o novo arcabouço que está em análise no Congresso. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, porém, já declarou que, na verdade, serão necessários R$ 150 bilhões ou 1,5% do PIB – um valor equivalente a dois anos de benefícios do Bolsa Família – para atingir tal objetivo.

Como essa dinheirama até agora não recheava os cofres do Tesouro, o que deverá acontecer na prática, apesar dos desmentidos oficiais, é um aumento efetivo da carga tributária no País, que hoje já representa 33% do PIB, o maior nível entre os países em desenvolvimento.

É certo que o governo aumentou o limite de isenção do Imposto de Renda, que não era reajustado desde 2015, de R$ 1.903 para R$ 2.640, abdicando de R$ 3,2 bilhões em receitas em 2023 e de mais R$ 6 bilhões em 2024. Também zerou o imposto de importação nas “comprinhas” de até US$ 50 realizadas em sites internacionais, com custo estimado em cerca de R$ 10 bilhões ao ano.

Além disso, como já ocorreu nas gestões anteriores do PT, o governo implementou uma série de medidas para favorecer setores específicos da economia, em vez de adotar ações verticais, que beneficiem as empresas independentemente da área em que atuam.

Em março, o governo zerou os tributos federais sobre os painéis fotovoltaicos, voltados para a produção de energia solar, até dezembro de 2026, a um custo de R$ 600 milhões só neste ano para os cofres públicos, de acordo com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Em maio, zerou também o imposto de importação de equipamentos de tecnologia, como o roteador Wi-Fi 6, e diversos bens de capital.

Houve ainda a prorrogação da isenção de tributos federais para as companhias aéreas até 2026, com impacto fiscal calculado em cerca de R$ 500 milhões neste ano e em R$ 1,1 bilhão nos anos seguintes, e o lançamento do programa de incentivo à venda de “carros populares” de até R$ 120 mil, além de caminhões e ônibus, que consumiu R$ 1,8 bilhão em créditos tributários para as montadoras.

Linha Branca

Por ora, está pendente a reedição do corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de eletrodomésticos, que é defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas enfrenta resistência da equipe econômica. Só em 2009, no governo Lula 2, quando foi implementada pela primeira vez, a medida teve um custo, em valores históricos, de R$ 400 milhões em seis meses, considerando apenas os subsídios para aquisição de produtos da chamada “linha branca’.

A questão é que, na melhor das hipóteses, o total das benesses não chega nem a 20% dos recursos dos pagadores de impostos que o governo quer “abocanhar”, alegando que “é preciso cobrar de quem não paga”. Mais uma vez, a conta vai sobrar para os contribuintes, se tudo o que o “Mr. Imposto” Fernando Haddad propôs e pretende propor for realmente implementado.

Confira a seguir as principais medidas já adotadas pelo ministro da Fazenda e outras que estão no prelo e devem ser propostas ou implementadas em breve.

1. Reoneração de combustíveis

Com a volta da cobrança do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), zerada em junho de 2022, além da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), zerada desde o governo Temer, o impacto para os consumidores nas bombas foi imediato.

Segundo os cálculos da Receita Federal, a reoneração da gasolina, do álcool e do querosene de aviação, realizada de forma parcial em março e integralmente a partir de julho, deverá drenar R$ 14,8 bilhões para os cofres do Tesouro apenas no segundo semestre de 2023.

No caso do diesel, com a antecipação para setembro de parte da reoneração, que deveria ocorrer só em janeiro de 2024, o impacto nas bombas deverá ser de cerca de 10%, de acordo com estimativas de mercado. A medida, conforme o Ministério da Fazenda, deverá gerar uma arrecadação extra de R$ 2 bilhões só no último quadrimestre do ano.

2. ‘Voto de qualidade’ no Carf

Em oposição ao princípio jurídico do “in dubio pro reo”, expressão latina que significa “na dúvida, em favor do réu”, o governo quer restabelecer o chamado “voto de qualidade” no Carf, que havia sido extinto em 2020.

Com isso, os julgamentos que terminarem empatados no órgão, cuja atribuição é avaliar na esfera administrativa as pendências tributárias, agora deverão beneficiar o Fisco, já que o voto de desempate caberá ao representante da Fazenda.

Inicialmente, o governo editou uma Medida Provisória para ressuscitar o dispositivo, mas ela não chegou a ser analisada pela Câmara dos Deputados e perdeu a validade após o prazo legal de quatro meses. Então, o governo resolveu reencaminhar a matéria ao Congresso por meio de um projeto de lei, que foi aprovado pela Câmara no começo de julho e agora deverá passar pelo crivo do Senado.

Se a volta do “voto de qualidade” no Carf, que é vinculado ao Ministério da Fazenda, for aprovada também no Senado, poderá proporcionar ao governo uma receita adicional de R$ 50 bilhões só neste ano, incluindo R$ 35 bilhões considerados não-recorrentes. A expectativa da equipe econômica é de que a medida gere uma receita anual extra de R$ 15 bilhões a partir de 2024.

3. Apostas esportivas online

Com a edição de uma Medida Provisória para regulamentar as apostas esportivas eletrônicas, o governo instituiu uma tributação de 18% sobre a receita das operadoras, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores. Também foi instituída a taxação dos prêmios, fixada em 30% do valor total, com isenção até R$ 2.112.

Caso a medida seja aprovada pelo Congresso, a Fazenda estima que ela permitirá uma arrecadação adicional de R$ 2 bilhões em 2024, mas diz que o montante poderá chegar a R$ 12 bilhões ao ano. Na prática, o governo tornou-se uma espécie de “dono da banca” ao ficar com quase metade do dinheiro movimentado pelas operadoras de apostas online.

4. Exportações de petróleo

Instituída no início de março pela mesma Medida Provisória que estabeleceu a reoneração parcial dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol, a cobrança do imposto de 9,2% sobre as exportações de óleo cru mostrou que a sanha tributária do governo não tem limite.

Sob a alegação de que o novo imposto era necessário para compensar a perda de arrecadação até a reoneração total dos combustíveis, no fim de junho, o governo passou por cima de compromissos relacionados aos leilões de concessão de blocos petrolíferos, que não previam a taxação das exportações, e turbinou a insegurança jurídica e regulatória no setor.

A estimativa do governo era de que a tributação das exportações de petróleo, que durou apenas até a MP perder a validade, por não ter sido votada pelo Congresso, rendesse cerca de R$ 6 bilhões ao Tesouro. Mas, no fim, a receita com o tributo acabou frustrando a equipe econômica, ao ficar em pouco mais de R$ 1 bilhão nos quatro meses em que esteve em vigor. Deixou, porém, sérias dúvidas na praça sobre a possibilidade de o governo reeditar a medida a qualquer momento, inclusive com a incorporação de outros setores, seguindo uma política adotada na Argentina que tumultuou a economia do país.

5. Investimentos no exterior

Na mesma Medida Provisória que reajustou o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo avançou sobre os rendimentos obtidos com aplicações financeiras realizadas no exterior, sejam elas feitas diretamente por pessoas físicas residentes no País ou por meio de offshores (companhias privadas de investimento) ou de trusts (organizações que administram o patrimônio de um investidor em benefício de terceiros).

Como no caso da desoneração dos combustíveis e da tributação das exportações de petróleo, a justificativa foi de que era preciso buscar uma “compensação” para a perda de receita que o governo teria ao reajustar o limite de isenção do Imposto de Renda. Se o dispositivo for aprovado pelo Congresso, as aplicações feitas lá fora serão tributadas pela tabela progressiva do IR, a partir de 2024. Os rendimentos de até R$ 6 mil estarão isentos. Os ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil pagarão um “pedágio” ao Fisco de 15% e os que superarem os R$ 50 mil serão taxados em 22,5%.

A tributação deverá ocorrer no momento da efetiva disponibilização dos recursos para os investidores, ou seja, quando houver resgate, vencimento ou liquidação das aplicações. No caso das operações feitas por meio de offshores ou trusts sediados em paraísos fiscais, a “mordida” do Leão deverá ser anual. Segundo estimativas da Fazenda, a medida deverá render ao Tesouro R$ 3,6 bilhões em 2024 e de R$ 6,75 bilhões em 2025.

6. Receitas financeiras de empresas

Logo ao tomar posse, o governo revogou um decreto editado em 30 de dezembro de 2022 pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, hoje senador (Republicanos-RS), que reduzia em 50% a Cofins e o PIS incidentes sobre aplicações financeiras de empresas. Com isso, voltaram a vigorar as alíquotas anteriores, de 4% e 0,65%, respectivamente.

A medida chegou a ser contestada por empresas na Justiça, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) validou o decreto do governo Lula que revogou o benefício, endossando a liminar concedida pelo então ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, ao atingir a idade-limite de 75 anos para o posto. Pelos cálculos do Ministério da Fazenda, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de R$ 5,8 bilhões em 2023.

7. IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS

O governo pretendia editar uma Medida Provisória, segundo o ministro Fernando Haddad, para incluir na base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) os incentivos fiscais concedidos pelos Estados às empresas por meio do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). No entanto, antes de a iniciativa se concretizar, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizou a tributação estendida ao julgar a questão, que tramitava na Corte desde 2017, exceto quando os incentivos forem concedidos para a realização de investimentos e não forem usados com outra finalidade.

O ministro do STF, André Mendonça, chegou a conceder uma liminar suspendendo os efeitos do julgamento do STJ, mas depois recuou, atendendo argumentação da União de que a demora na definição da questão poderia “causar prejuízos” aos cofres públicos. Com a decisão, a Receita Federal já está notificando as empresas que reduziram os recolhimentos de IRPJ e CSLL de forma considerada irregular pelo STJ. A previsão da Fazenda é de que a cobrança das pendências possa gerar uma receita extraordinário de R$ 90 bilhões, sem contar o impacto que a medida terá na arrecadação a partir de agora.

8. Operações internacionais entre empresas de um mesmo grupo

O ministro Fernando Haddad atuou pessoalmente para garantir a aprovação pelo Senado de uma Medida Provisória editada no fim do governo Bolsonaro, que alterava as regras de tributação das operações internacionais realizadas por empresas de um mesmo grupo econômico, o chamado “preço de transferência”.

Com o dispositivo, que segue o padrão recomendado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e começará a valer em 2024, a Fazenda espera fechar as brechas que permitiam às multinacionais pagar menos imposto no País. De acordo com as estimativas oficiais, a medida deverá proporcionar uma arrecadação adicional de até R$ 23 bilhões no ano que vem.

9. ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins

Por meio de uma Medida Provisória, que já foi aprovada pelo Congresso e virou lei, o governo reforçou decisão do STF que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Mas, ao mesmo tempo, excluiu o ICMS do cálculo dos créditos devidos aos contribuintes pelo pagamento “a maior” dos dois tributos.

Pelas contas oficiais, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de cerca de R$ 40 bilhões em 2024 e de R$ 30 bilhões em 2023, já que entrou em vigor apenas em maio.

10. Fundos exclusivos

O ministro Fernando Haddad anunciou recentemente que os fundos exclusivos, chamados por ele de “fundos dos super-ricos”, serão os próximos alvos do governo em sua cruzada para ampliar a arrecadação federal. A intenção é enviar ao Congresso o projeto de tributação dessas aplicações – que hoje não estão sujeitas ao regime de “come-cotas” incidente sobre outras modalidades de fundos – ainda em agosto, junto com o Orçamento de 2024.

De acordo com estimativa da Fazenda, a tributação dos fundos exclusivos poderá gerar uma receita adicional de R$ 10 bilhões por ano. Mas, desde abril, quando o governo informou pela primeira vez que pretendia tributá-los, o patrimônio dos fundos exclusivos, usados principalmente por quem tem aplicações de maior valor, vem caindo, assim como o número de fundos do gênero em atividade.

Segundo um levantamento realizado pela TradeMap, o patrimônio dos fundos exclusivos teve uma queda de R$ 183 bilhões, de R$ 939 bilhões para R$ 756,8 bilhões, entre abril e meados de julho, e o número de fundos passou de 2.685 para 2.568 no mesmo período. Na avaliação de analistas de mercado, os investidores deverão buscar outras aplicações no País, como os fundos de previdência, sobre os quais não incide o “come-cotas”, ou migrar para opções de investimento mais atraentes no exterior, para fugir da nova tributação.

11. Juros sobre capital próprio

Considerados pela Fazenda como uma brecha para as empresas reduzirem o valor a pagar de Imposto de Renda, os juros sobre capital próprio, usados como forma de remuneração dos acionistas, devem ser extintos pelo atual governo, em linha com o que havia proposto o ex-ministro da Economia Paulo Guedes.

Ao contrário do que acontece com os dividendos, sobre os quais as empresas têm de pagar o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), enquanto o investidor é isento de tributação, nos juros sobre capital próprio o investidor paga 15% de Imposto de Renda na fonte e as empresas são isentas de recolhimento. O governo não divulgou estimativas sobre a arrecadação adicional que será viabilizada com o fim do mecanismo, mas o ministro Fernando Haddad chegou a falar numa perda de “mais de R$ 100 bilhões” para a União com as regras atuais, sem especificar o período a que se referia.

12. Dividendos

A tributação dos dividendos, hoje isentos de impostos, é outra maneira que o governo está estudando para aumentar a arrecadação. Usada como uma forma de contornar a taxação dos rendimentos do trabalho, a distribuição de dividendos acabou beneficiando empresários e profissionais de alta renda, que recebem seus “pró-labores” e seus “salários” sem qualquer desconto.

Muitos profissionais liberais e os chamados “pejotinhas”, que prestam serviços às empresas como pessoa jurídica, sem vínculo empregatício, também passaram a recorrer à distribuição de dividendos pelas vantagens tributárias que o mecanismo oferece em relação a outras formas de remuneração do trabalho.

Em 2021, a taxação dos dividendos em 15% chegou a ser aprovada pela Câmara, preservando a isenção das micro e pequenas empresas, mas acabou parando no Senado, e agora deverá voltar à pauta. De acordo com as estimativas feitas pela equipe do ex-ministro Paulo Guedes, a taxação dos dividendos proporcionaria uma arrecadação de cerca de R$ 60 bilhões por ano, se a alíquota fosse de 20%, como previa a proposta inicial. Com a alíquota de 15% aprovada na Câmara, o impacto na receita deve ser de R$ 45 bilhões ao ano.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz o estilo descolado, do tipo que toca violão durante entrevista para a TV, e se mostra como “voz moderada” do governo Lula na economia, em meio aos devaneios heterodoxos do presidente, do PT e de seus aliados à esquerda, que assustam a Faria Lima e todos os que pregam um mínimo de racionalidade na gestão da política econômica, especialmente das contas públicas.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está empreendendo uma cruzada contra os pagadores de impostos, para viabilizar a gastança do governo Lula Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Por seu voluntarismo e sua fala mansa, Haddad ganhou também a fama de “negociador hábil”, ao tomar a dianteira nas negociações com o Congresso para aprovação de propostas patrocinadas pelo governo ou de seu interesse. Entre elas, destacam-se a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, que prevê o ajuste das finanças governamentais, hoje tingidas de vermelho, pelo aumento das receitas e não pelo corte das despesas.

Mas, por trás da imagem de sujeito “tranquilão” e de boa lábia propagada por aí, uma face sinistra de Haddad começa a ganhar contornos mais nítidos, com a cruzada que está empreendendo contra os pagadores de impostos, para tentar viabilizar a gastança que o governo pretende promover, sem estourar o Orçamento.

Sob a nobre justificativa de que é preciso ampliar a arrecadação, para bancar ações sociais e investimentos estatais, Haddad está se revelando como uma espécie de publicano – o detestado cobrador de tributos do Império Romano – “do bem”.

Da reoneração dos combustíveis ao “voto de qualidade” no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), da reversão de benefícios tributários à tributação de apostas esportivas online e de investimentos no exterior, a “mão grande” do governo está se fazendo sentir por todos os lados, em sua gestão na Fazenda.

Embora negue sistematicamente que o governo irá aumentar impostos e jure de pés juntos que está só equacionando “jabutis” tributários, as medidas que Haddad já implementou ou pretende implementar, segundo ele mesmo anunciou, deverão drenar um volume gigantesco de recursos adicionais, de pessoas físicas e jurídicas, para o erário.

Dinheirama

Pelas contas mais recentes da Fazenda, a “tungada” do Fisco tem de alcançar no mínimo mais R$ 100 bilhões, o equivalente a 1% do PIB (Produto Interno Bruto), para zerar o rombo fiscal no ano que vem e garantir superávits a partir de 2025, em linha com o que prevê o novo arcabouço que está em análise no Congresso. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, porém, já declarou que, na verdade, serão necessários R$ 150 bilhões ou 1,5% do PIB – um valor equivalente a dois anos de benefícios do Bolsa Família – para atingir tal objetivo.

Como essa dinheirama até agora não recheava os cofres do Tesouro, o que deverá acontecer na prática, apesar dos desmentidos oficiais, é um aumento efetivo da carga tributária no País, que hoje já representa 33% do PIB, o maior nível entre os países em desenvolvimento.

É certo que o governo aumentou o limite de isenção do Imposto de Renda, que não era reajustado desde 2015, de R$ 1.903 para R$ 2.640, abdicando de R$ 3,2 bilhões em receitas em 2023 e de mais R$ 6 bilhões em 2024. Também zerou o imposto de importação nas “comprinhas” de até US$ 50 realizadas em sites internacionais, com custo estimado em cerca de R$ 10 bilhões ao ano.

Além disso, como já ocorreu nas gestões anteriores do PT, o governo implementou uma série de medidas para favorecer setores específicos da economia, em vez de adotar ações verticais, que beneficiem as empresas independentemente da área em que atuam.

Em março, o governo zerou os tributos federais sobre os painéis fotovoltaicos, voltados para a produção de energia solar, até dezembro de 2026, a um custo de R$ 600 milhões só neste ano para os cofres públicos, de acordo com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Em maio, zerou também o imposto de importação de equipamentos de tecnologia, como o roteador Wi-Fi 6, e diversos bens de capital.

Houve ainda a prorrogação da isenção de tributos federais para as companhias aéreas até 2026, com impacto fiscal calculado em cerca de R$ 500 milhões neste ano e em R$ 1,1 bilhão nos anos seguintes, e o lançamento do programa de incentivo à venda de “carros populares” de até R$ 120 mil, além de caminhões e ônibus, que consumiu R$ 1,8 bilhão em créditos tributários para as montadoras.

Linha Branca

Por ora, está pendente a reedição do corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de eletrodomésticos, que é defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas enfrenta resistência da equipe econômica. Só em 2009, no governo Lula 2, quando foi implementada pela primeira vez, a medida teve um custo, em valores históricos, de R$ 400 milhões em seis meses, considerando apenas os subsídios para aquisição de produtos da chamada “linha branca’.

A questão é que, na melhor das hipóteses, o total das benesses não chega nem a 20% dos recursos dos pagadores de impostos que o governo quer “abocanhar”, alegando que “é preciso cobrar de quem não paga”. Mais uma vez, a conta vai sobrar para os contribuintes, se tudo o que o “Mr. Imposto” Fernando Haddad propôs e pretende propor for realmente implementado.

Confira a seguir as principais medidas já adotadas pelo ministro da Fazenda e outras que estão no prelo e devem ser propostas ou implementadas em breve.

1. Reoneração de combustíveis

Com a volta da cobrança do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), zerada em junho de 2022, além da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), zerada desde o governo Temer, o impacto para os consumidores nas bombas foi imediato.

Segundo os cálculos da Receita Federal, a reoneração da gasolina, do álcool e do querosene de aviação, realizada de forma parcial em março e integralmente a partir de julho, deverá drenar R$ 14,8 bilhões para os cofres do Tesouro apenas no segundo semestre de 2023.

No caso do diesel, com a antecipação para setembro de parte da reoneração, que deveria ocorrer só em janeiro de 2024, o impacto nas bombas deverá ser de cerca de 10%, de acordo com estimativas de mercado. A medida, conforme o Ministério da Fazenda, deverá gerar uma arrecadação extra de R$ 2 bilhões só no último quadrimestre do ano.

2. ‘Voto de qualidade’ no Carf

Em oposição ao princípio jurídico do “in dubio pro reo”, expressão latina que significa “na dúvida, em favor do réu”, o governo quer restabelecer o chamado “voto de qualidade” no Carf, que havia sido extinto em 2020.

Com isso, os julgamentos que terminarem empatados no órgão, cuja atribuição é avaliar na esfera administrativa as pendências tributárias, agora deverão beneficiar o Fisco, já que o voto de desempate caberá ao representante da Fazenda.

Inicialmente, o governo editou uma Medida Provisória para ressuscitar o dispositivo, mas ela não chegou a ser analisada pela Câmara dos Deputados e perdeu a validade após o prazo legal de quatro meses. Então, o governo resolveu reencaminhar a matéria ao Congresso por meio de um projeto de lei, que foi aprovado pela Câmara no começo de julho e agora deverá passar pelo crivo do Senado.

Se a volta do “voto de qualidade” no Carf, que é vinculado ao Ministério da Fazenda, for aprovada também no Senado, poderá proporcionar ao governo uma receita adicional de R$ 50 bilhões só neste ano, incluindo R$ 35 bilhões considerados não-recorrentes. A expectativa da equipe econômica é de que a medida gere uma receita anual extra de R$ 15 bilhões a partir de 2024.

3. Apostas esportivas online

Com a edição de uma Medida Provisória para regulamentar as apostas esportivas eletrônicas, o governo instituiu uma tributação de 18% sobre a receita das operadoras, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores. Também foi instituída a taxação dos prêmios, fixada em 30% do valor total, com isenção até R$ 2.112.

Caso a medida seja aprovada pelo Congresso, a Fazenda estima que ela permitirá uma arrecadação adicional de R$ 2 bilhões em 2024, mas diz que o montante poderá chegar a R$ 12 bilhões ao ano. Na prática, o governo tornou-se uma espécie de “dono da banca” ao ficar com quase metade do dinheiro movimentado pelas operadoras de apostas online.

4. Exportações de petróleo

Instituída no início de março pela mesma Medida Provisória que estabeleceu a reoneração parcial dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol, a cobrança do imposto de 9,2% sobre as exportações de óleo cru mostrou que a sanha tributária do governo não tem limite.

Sob a alegação de que o novo imposto era necessário para compensar a perda de arrecadação até a reoneração total dos combustíveis, no fim de junho, o governo passou por cima de compromissos relacionados aos leilões de concessão de blocos petrolíferos, que não previam a taxação das exportações, e turbinou a insegurança jurídica e regulatória no setor.

A estimativa do governo era de que a tributação das exportações de petróleo, que durou apenas até a MP perder a validade, por não ter sido votada pelo Congresso, rendesse cerca de R$ 6 bilhões ao Tesouro. Mas, no fim, a receita com o tributo acabou frustrando a equipe econômica, ao ficar em pouco mais de R$ 1 bilhão nos quatro meses em que esteve em vigor. Deixou, porém, sérias dúvidas na praça sobre a possibilidade de o governo reeditar a medida a qualquer momento, inclusive com a incorporação de outros setores, seguindo uma política adotada na Argentina que tumultuou a economia do país.

5. Investimentos no exterior

Na mesma Medida Provisória que reajustou o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo avançou sobre os rendimentos obtidos com aplicações financeiras realizadas no exterior, sejam elas feitas diretamente por pessoas físicas residentes no País ou por meio de offshores (companhias privadas de investimento) ou de trusts (organizações que administram o patrimônio de um investidor em benefício de terceiros).

Como no caso da desoneração dos combustíveis e da tributação das exportações de petróleo, a justificativa foi de que era preciso buscar uma “compensação” para a perda de receita que o governo teria ao reajustar o limite de isenção do Imposto de Renda. Se o dispositivo for aprovado pelo Congresso, as aplicações feitas lá fora serão tributadas pela tabela progressiva do IR, a partir de 2024. Os rendimentos de até R$ 6 mil estarão isentos. Os ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil pagarão um “pedágio” ao Fisco de 15% e os que superarem os R$ 50 mil serão taxados em 22,5%.

A tributação deverá ocorrer no momento da efetiva disponibilização dos recursos para os investidores, ou seja, quando houver resgate, vencimento ou liquidação das aplicações. No caso das operações feitas por meio de offshores ou trusts sediados em paraísos fiscais, a “mordida” do Leão deverá ser anual. Segundo estimativas da Fazenda, a medida deverá render ao Tesouro R$ 3,6 bilhões em 2024 e de R$ 6,75 bilhões em 2025.

6. Receitas financeiras de empresas

Logo ao tomar posse, o governo revogou um decreto editado em 30 de dezembro de 2022 pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, hoje senador (Republicanos-RS), que reduzia em 50% a Cofins e o PIS incidentes sobre aplicações financeiras de empresas. Com isso, voltaram a vigorar as alíquotas anteriores, de 4% e 0,65%, respectivamente.

A medida chegou a ser contestada por empresas na Justiça, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) validou o decreto do governo Lula que revogou o benefício, endossando a liminar concedida pelo então ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, ao atingir a idade-limite de 75 anos para o posto. Pelos cálculos do Ministério da Fazenda, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de R$ 5,8 bilhões em 2023.

7. IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS

O governo pretendia editar uma Medida Provisória, segundo o ministro Fernando Haddad, para incluir na base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) os incentivos fiscais concedidos pelos Estados às empresas por meio do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). No entanto, antes de a iniciativa se concretizar, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizou a tributação estendida ao julgar a questão, que tramitava na Corte desde 2017, exceto quando os incentivos forem concedidos para a realização de investimentos e não forem usados com outra finalidade.

O ministro do STF, André Mendonça, chegou a conceder uma liminar suspendendo os efeitos do julgamento do STJ, mas depois recuou, atendendo argumentação da União de que a demora na definição da questão poderia “causar prejuízos” aos cofres públicos. Com a decisão, a Receita Federal já está notificando as empresas que reduziram os recolhimentos de IRPJ e CSLL de forma considerada irregular pelo STJ. A previsão da Fazenda é de que a cobrança das pendências possa gerar uma receita extraordinário de R$ 90 bilhões, sem contar o impacto que a medida terá na arrecadação a partir de agora.

8. Operações internacionais entre empresas de um mesmo grupo

O ministro Fernando Haddad atuou pessoalmente para garantir a aprovação pelo Senado de uma Medida Provisória editada no fim do governo Bolsonaro, que alterava as regras de tributação das operações internacionais realizadas por empresas de um mesmo grupo econômico, o chamado “preço de transferência”.

Com o dispositivo, que segue o padrão recomendado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e começará a valer em 2024, a Fazenda espera fechar as brechas que permitiam às multinacionais pagar menos imposto no País. De acordo com as estimativas oficiais, a medida deverá proporcionar uma arrecadação adicional de até R$ 23 bilhões no ano que vem.

9. ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins

Por meio de uma Medida Provisória, que já foi aprovada pelo Congresso e virou lei, o governo reforçou decisão do STF que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Mas, ao mesmo tempo, excluiu o ICMS do cálculo dos créditos devidos aos contribuintes pelo pagamento “a maior” dos dois tributos.

Pelas contas oficiais, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de cerca de R$ 40 bilhões em 2024 e de R$ 30 bilhões em 2023, já que entrou em vigor apenas em maio.

10. Fundos exclusivos

O ministro Fernando Haddad anunciou recentemente que os fundos exclusivos, chamados por ele de “fundos dos super-ricos”, serão os próximos alvos do governo em sua cruzada para ampliar a arrecadação federal. A intenção é enviar ao Congresso o projeto de tributação dessas aplicações – que hoje não estão sujeitas ao regime de “come-cotas” incidente sobre outras modalidades de fundos – ainda em agosto, junto com o Orçamento de 2024.

De acordo com estimativa da Fazenda, a tributação dos fundos exclusivos poderá gerar uma receita adicional de R$ 10 bilhões por ano. Mas, desde abril, quando o governo informou pela primeira vez que pretendia tributá-los, o patrimônio dos fundos exclusivos, usados principalmente por quem tem aplicações de maior valor, vem caindo, assim como o número de fundos do gênero em atividade.

Segundo um levantamento realizado pela TradeMap, o patrimônio dos fundos exclusivos teve uma queda de R$ 183 bilhões, de R$ 939 bilhões para R$ 756,8 bilhões, entre abril e meados de julho, e o número de fundos passou de 2.685 para 2.568 no mesmo período. Na avaliação de analistas de mercado, os investidores deverão buscar outras aplicações no País, como os fundos de previdência, sobre os quais não incide o “come-cotas”, ou migrar para opções de investimento mais atraentes no exterior, para fugir da nova tributação.

11. Juros sobre capital próprio

Considerados pela Fazenda como uma brecha para as empresas reduzirem o valor a pagar de Imposto de Renda, os juros sobre capital próprio, usados como forma de remuneração dos acionistas, devem ser extintos pelo atual governo, em linha com o que havia proposto o ex-ministro da Economia Paulo Guedes.

Ao contrário do que acontece com os dividendos, sobre os quais as empresas têm de pagar o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), enquanto o investidor é isento de tributação, nos juros sobre capital próprio o investidor paga 15% de Imposto de Renda na fonte e as empresas são isentas de recolhimento. O governo não divulgou estimativas sobre a arrecadação adicional que será viabilizada com o fim do mecanismo, mas o ministro Fernando Haddad chegou a falar numa perda de “mais de R$ 100 bilhões” para a União com as regras atuais, sem especificar o período a que se referia.

12. Dividendos

A tributação dos dividendos, hoje isentos de impostos, é outra maneira que o governo está estudando para aumentar a arrecadação. Usada como uma forma de contornar a taxação dos rendimentos do trabalho, a distribuição de dividendos acabou beneficiando empresários e profissionais de alta renda, que recebem seus “pró-labores” e seus “salários” sem qualquer desconto.

Muitos profissionais liberais e os chamados “pejotinhas”, que prestam serviços às empresas como pessoa jurídica, sem vínculo empregatício, também passaram a recorrer à distribuição de dividendos pelas vantagens tributárias que o mecanismo oferece em relação a outras formas de remuneração do trabalho.

Em 2021, a taxação dos dividendos em 15% chegou a ser aprovada pela Câmara, preservando a isenção das micro e pequenas empresas, mas acabou parando no Senado, e agora deverá voltar à pauta. De acordo com as estimativas feitas pela equipe do ex-ministro Paulo Guedes, a taxação dos dividendos proporcionaria uma arrecadação de cerca de R$ 60 bilhões por ano, se a alíquota fosse de 20%, como previa a proposta inicial. Com a alíquota de 15% aprovada na Câmara, o impacto na receita deve ser de R$ 45 bilhões ao ano.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz o estilo descolado, do tipo que toca violão durante entrevista para a TV, e se mostra como “voz moderada” do governo Lula na economia, em meio aos devaneios heterodoxos do presidente, do PT e de seus aliados à esquerda, que assustam a Faria Lima e todos os que pregam um mínimo de racionalidade na gestão da política econômica, especialmente das contas públicas.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está empreendendo uma cruzada contra os pagadores de impostos, para viabilizar a gastança do governo Lula Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Por seu voluntarismo e sua fala mansa, Haddad ganhou também a fama de “negociador hábil”, ao tomar a dianteira nas negociações com o Congresso para aprovação de propostas patrocinadas pelo governo ou de seu interesse. Entre elas, destacam-se a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, que prevê o ajuste das finanças governamentais, hoje tingidas de vermelho, pelo aumento das receitas e não pelo corte das despesas.

Mas, por trás da imagem de sujeito “tranquilão” e de boa lábia propagada por aí, uma face sinistra de Haddad começa a ganhar contornos mais nítidos, com a cruzada que está empreendendo contra os pagadores de impostos, para tentar viabilizar a gastança que o governo pretende promover, sem estourar o Orçamento.

Sob a nobre justificativa de que é preciso ampliar a arrecadação, para bancar ações sociais e investimentos estatais, Haddad está se revelando como uma espécie de publicano – o detestado cobrador de tributos do Império Romano – “do bem”.

Da reoneração dos combustíveis ao “voto de qualidade” no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), da reversão de benefícios tributários à tributação de apostas esportivas online e de investimentos no exterior, a “mão grande” do governo está se fazendo sentir por todos os lados, em sua gestão na Fazenda.

Embora negue sistematicamente que o governo irá aumentar impostos e jure de pés juntos que está só equacionando “jabutis” tributários, as medidas que Haddad já implementou ou pretende implementar, segundo ele mesmo anunciou, deverão drenar um volume gigantesco de recursos adicionais, de pessoas físicas e jurídicas, para o erário.

Dinheirama

Pelas contas mais recentes da Fazenda, a “tungada” do Fisco tem de alcançar no mínimo mais R$ 100 bilhões, o equivalente a 1% do PIB (Produto Interno Bruto), para zerar o rombo fiscal no ano que vem e garantir superávits a partir de 2025, em linha com o que prevê o novo arcabouço que está em análise no Congresso. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, porém, já declarou que, na verdade, serão necessários R$ 150 bilhões ou 1,5% do PIB – um valor equivalente a dois anos de benefícios do Bolsa Família – para atingir tal objetivo.

Como essa dinheirama até agora não recheava os cofres do Tesouro, o que deverá acontecer na prática, apesar dos desmentidos oficiais, é um aumento efetivo da carga tributária no País, que hoje já representa 33% do PIB, o maior nível entre os países em desenvolvimento.

É certo que o governo aumentou o limite de isenção do Imposto de Renda, que não era reajustado desde 2015, de R$ 1.903 para R$ 2.640, abdicando de R$ 3,2 bilhões em receitas em 2023 e de mais R$ 6 bilhões em 2024. Também zerou o imposto de importação nas “comprinhas” de até US$ 50 realizadas em sites internacionais, com custo estimado em cerca de R$ 10 bilhões ao ano.

Além disso, como já ocorreu nas gestões anteriores do PT, o governo implementou uma série de medidas para favorecer setores específicos da economia, em vez de adotar ações verticais, que beneficiem as empresas independentemente da área em que atuam.

Em março, o governo zerou os tributos federais sobre os painéis fotovoltaicos, voltados para a produção de energia solar, até dezembro de 2026, a um custo de R$ 600 milhões só neste ano para os cofres públicos, de acordo com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Em maio, zerou também o imposto de importação de equipamentos de tecnologia, como o roteador Wi-Fi 6, e diversos bens de capital.

Houve ainda a prorrogação da isenção de tributos federais para as companhias aéreas até 2026, com impacto fiscal calculado em cerca de R$ 500 milhões neste ano e em R$ 1,1 bilhão nos anos seguintes, e o lançamento do programa de incentivo à venda de “carros populares” de até R$ 120 mil, além de caminhões e ônibus, que consumiu R$ 1,8 bilhão em créditos tributários para as montadoras.

Linha Branca

Por ora, está pendente a reedição do corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de eletrodomésticos, que é defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas enfrenta resistência da equipe econômica. Só em 2009, no governo Lula 2, quando foi implementada pela primeira vez, a medida teve um custo, em valores históricos, de R$ 400 milhões em seis meses, considerando apenas os subsídios para aquisição de produtos da chamada “linha branca’.

A questão é que, na melhor das hipóteses, o total das benesses não chega nem a 20% dos recursos dos pagadores de impostos que o governo quer “abocanhar”, alegando que “é preciso cobrar de quem não paga”. Mais uma vez, a conta vai sobrar para os contribuintes, se tudo o que o “Mr. Imposto” Fernando Haddad propôs e pretende propor for realmente implementado.

Confira a seguir as principais medidas já adotadas pelo ministro da Fazenda e outras que estão no prelo e devem ser propostas ou implementadas em breve.

1. Reoneração de combustíveis

Com a volta da cobrança do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), zerada em junho de 2022, além da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), zerada desde o governo Temer, o impacto para os consumidores nas bombas foi imediato.

Segundo os cálculos da Receita Federal, a reoneração da gasolina, do álcool e do querosene de aviação, realizada de forma parcial em março e integralmente a partir de julho, deverá drenar R$ 14,8 bilhões para os cofres do Tesouro apenas no segundo semestre de 2023.

No caso do diesel, com a antecipação para setembro de parte da reoneração, que deveria ocorrer só em janeiro de 2024, o impacto nas bombas deverá ser de cerca de 10%, de acordo com estimativas de mercado. A medida, conforme o Ministério da Fazenda, deverá gerar uma arrecadação extra de R$ 2 bilhões só no último quadrimestre do ano.

2. ‘Voto de qualidade’ no Carf

Em oposição ao princípio jurídico do “in dubio pro reo”, expressão latina que significa “na dúvida, em favor do réu”, o governo quer restabelecer o chamado “voto de qualidade” no Carf, que havia sido extinto em 2020.

Com isso, os julgamentos que terminarem empatados no órgão, cuja atribuição é avaliar na esfera administrativa as pendências tributárias, agora deverão beneficiar o Fisco, já que o voto de desempate caberá ao representante da Fazenda.

Inicialmente, o governo editou uma Medida Provisória para ressuscitar o dispositivo, mas ela não chegou a ser analisada pela Câmara dos Deputados e perdeu a validade após o prazo legal de quatro meses. Então, o governo resolveu reencaminhar a matéria ao Congresso por meio de um projeto de lei, que foi aprovado pela Câmara no começo de julho e agora deverá passar pelo crivo do Senado.

Se a volta do “voto de qualidade” no Carf, que é vinculado ao Ministério da Fazenda, for aprovada também no Senado, poderá proporcionar ao governo uma receita adicional de R$ 50 bilhões só neste ano, incluindo R$ 35 bilhões considerados não-recorrentes. A expectativa da equipe econômica é de que a medida gere uma receita anual extra de R$ 15 bilhões a partir de 2024.

3. Apostas esportivas online

Com a edição de uma Medida Provisória para regulamentar as apostas esportivas eletrônicas, o governo instituiu uma tributação de 18% sobre a receita das operadoras, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores. Também foi instituída a taxação dos prêmios, fixada em 30% do valor total, com isenção até R$ 2.112.

Caso a medida seja aprovada pelo Congresso, a Fazenda estima que ela permitirá uma arrecadação adicional de R$ 2 bilhões em 2024, mas diz que o montante poderá chegar a R$ 12 bilhões ao ano. Na prática, o governo tornou-se uma espécie de “dono da banca” ao ficar com quase metade do dinheiro movimentado pelas operadoras de apostas online.

4. Exportações de petróleo

Instituída no início de março pela mesma Medida Provisória que estabeleceu a reoneração parcial dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol, a cobrança do imposto de 9,2% sobre as exportações de óleo cru mostrou que a sanha tributária do governo não tem limite.

Sob a alegação de que o novo imposto era necessário para compensar a perda de arrecadação até a reoneração total dos combustíveis, no fim de junho, o governo passou por cima de compromissos relacionados aos leilões de concessão de blocos petrolíferos, que não previam a taxação das exportações, e turbinou a insegurança jurídica e regulatória no setor.

A estimativa do governo era de que a tributação das exportações de petróleo, que durou apenas até a MP perder a validade, por não ter sido votada pelo Congresso, rendesse cerca de R$ 6 bilhões ao Tesouro. Mas, no fim, a receita com o tributo acabou frustrando a equipe econômica, ao ficar em pouco mais de R$ 1 bilhão nos quatro meses em que esteve em vigor. Deixou, porém, sérias dúvidas na praça sobre a possibilidade de o governo reeditar a medida a qualquer momento, inclusive com a incorporação de outros setores, seguindo uma política adotada na Argentina que tumultuou a economia do país.

5. Investimentos no exterior

Na mesma Medida Provisória que reajustou o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, o governo avançou sobre os rendimentos obtidos com aplicações financeiras realizadas no exterior, sejam elas feitas diretamente por pessoas físicas residentes no País ou por meio de offshores (companhias privadas de investimento) ou de trusts (organizações que administram o patrimônio de um investidor em benefício de terceiros).

Como no caso da desoneração dos combustíveis e da tributação das exportações de petróleo, a justificativa foi de que era preciso buscar uma “compensação” para a perda de receita que o governo teria ao reajustar o limite de isenção do Imposto de Renda. Se o dispositivo for aprovado pelo Congresso, as aplicações feitas lá fora serão tributadas pela tabela progressiva do IR, a partir de 2024. Os rendimentos de até R$ 6 mil estarão isentos. Os ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil pagarão um “pedágio” ao Fisco de 15% e os que superarem os R$ 50 mil serão taxados em 22,5%.

A tributação deverá ocorrer no momento da efetiva disponibilização dos recursos para os investidores, ou seja, quando houver resgate, vencimento ou liquidação das aplicações. No caso das operações feitas por meio de offshores ou trusts sediados em paraísos fiscais, a “mordida” do Leão deverá ser anual. Segundo estimativas da Fazenda, a medida deverá render ao Tesouro R$ 3,6 bilhões em 2024 e de R$ 6,75 bilhões em 2025.

6. Receitas financeiras de empresas

Logo ao tomar posse, o governo revogou um decreto editado em 30 de dezembro de 2022 pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, hoje senador (Republicanos-RS), que reduzia em 50% a Cofins e o PIS incidentes sobre aplicações financeiras de empresas. Com isso, voltaram a vigorar as alíquotas anteriores, de 4% e 0,65%, respectivamente.

A medida chegou a ser contestada por empresas na Justiça, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) validou o decreto do governo Lula que revogou o benefício, endossando a liminar concedida pelo então ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, ao atingir a idade-limite de 75 anos para o posto. Pelos cálculos do Ministério da Fazenda, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de R$ 5,8 bilhões em 2023.

7. IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS

O governo pretendia editar uma Medida Provisória, segundo o ministro Fernando Haddad, para incluir na base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) os incentivos fiscais concedidos pelos Estados às empresas por meio do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). No entanto, antes de a iniciativa se concretizar, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizou a tributação estendida ao julgar a questão, que tramitava na Corte desde 2017, exceto quando os incentivos forem concedidos para a realização de investimentos e não forem usados com outra finalidade.

O ministro do STF, André Mendonça, chegou a conceder uma liminar suspendendo os efeitos do julgamento do STJ, mas depois recuou, atendendo argumentação da União de que a demora na definição da questão poderia “causar prejuízos” aos cofres públicos. Com a decisão, a Receita Federal já está notificando as empresas que reduziram os recolhimentos de IRPJ e CSLL de forma considerada irregular pelo STJ. A previsão da Fazenda é de que a cobrança das pendências possa gerar uma receita extraordinário de R$ 90 bilhões, sem contar o impacto que a medida terá na arrecadação a partir de agora.

8. Operações internacionais entre empresas de um mesmo grupo

O ministro Fernando Haddad atuou pessoalmente para garantir a aprovação pelo Senado de uma Medida Provisória editada no fim do governo Bolsonaro, que alterava as regras de tributação das operações internacionais realizadas por empresas de um mesmo grupo econômico, o chamado “preço de transferência”.

Com o dispositivo, que segue o padrão recomendado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e começará a valer em 2024, a Fazenda espera fechar as brechas que permitiam às multinacionais pagar menos imposto no País. De acordo com as estimativas oficiais, a medida deverá proporcionar uma arrecadação adicional de até R$ 23 bilhões no ano que vem.

9. ICMS na base de cálculo de PIS/Cofins

Por meio de uma Medida Provisória, que já foi aprovada pelo Congresso e virou lei, o governo reforçou decisão do STF que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Mas, ao mesmo tempo, excluiu o ICMS do cálculo dos créditos devidos aos contribuintes pelo pagamento “a maior” dos dois tributos.

Pelas contas oficiais, a medida deverá gerar uma arrecadação adicional de cerca de R$ 40 bilhões em 2024 e de R$ 30 bilhões em 2023, já que entrou em vigor apenas em maio.

10. Fundos exclusivos

O ministro Fernando Haddad anunciou recentemente que os fundos exclusivos, chamados por ele de “fundos dos super-ricos”, serão os próximos alvos do governo em sua cruzada para ampliar a arrecadação federal. A intenção é enviar ao Congresso o projeto de tributação dessas aplicações – que hoje não estão sujeitas ao regime de “come-cotas” incidente sobre outras modalidades de fundos – ainda em agosto, junto com o Orçamento de 2024.

De acordo com estimativa da Fazenda, a tributação dos fundos exclusivos poderá gerar uma receita adicional de R$ 10 bilhões por ano. Mas, desde abril, quando o governo informou pela primeira vez que pretendia tributá-los, o patrimônio dos fundos exclusivos, usados principalmente por quem tem aplicações de maior valor, vem caindo, assim como o número de fundos do gênero em atividade.

Segundo um levantamento realizado pela TradeMap, o patrimônio dos fundos exclusivos teve uma queda de R$ 183 bilhões, de R$ 939 bilhões para R$ 756,8 bilhões, entre abril e meados de julho, e o número de fundos passou de 2.685 para 2.568 no mesmo período. Na avaliação de analistas de mercado, os investidores deverão buscar outras aplicações no País, como os fundos de previdência, sobre os quais não incide o “come-cotas”, ou migrar para opções de investimento mais atraentes no exterior, para fugir da nova tributação.

11. Juros sobre capital próprio

Considerados pela Fazenda como uma brecha para as empresas reduzirem o valor a pagar de Imposto de Renda, os juros sobre capital próprio, usados como forma de remuneração dos acionistas, devem ser extintos pelo atual governo, em linha com o que havia proposto o ex-ministro da Economia Paulo Guedes.

Ao contrário do que acontece com os dividendos, sobre os quais as empresas têm de pagar o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), enquanto o investidor é isento de tributação, nos juros sobre capital próprio o investidor paga 15% de Imposto de Renda na fonte e as empresas são isentas de recolhimento. O governo não divulgou estimativas sobre a arrecadação adicional que será viabilizada com o fim do mecanismo, mas o ministro Fernando Haddad chegou a falar numa perda de “mais de R$ 100 bilhões” para a União com as regras atuais, sem especificar o período a que se referia.

12. Dividendos

A tributação dos dividendos, hoje isentos de impostos, é outra maneira que o governo está estudando para aumentar a arrecadação. Usada como uma forma de contornar a taxação dos rendimentos do trabalho, a distribuição de dividendos acabou beneficiando empresários e profissionais de alta renda, que recebem seus “pró-labores” e seus “salários” sem qualquer desconto.

Muitos profissionais liberais e os chamados “pejotinhas”, que prestam serviços às empresas como pessoa jurídica, sem vínculo empregatício, também passaram a recorrer à distribuição de dividendos pelas vantagens tributárias que o mecanismo oferece em relação a outras formas de remuneração do trabalho.

Em 2021, a taxação dos dividendos em 15% chegou a ser aprovada pela Câmara, preservando a isenção das micro e pequenas empresas, mas acabou parando no Senado, e agora deverá voltar à pauta. De acordo com as estimativas feitas pela equipe do ex-ministro Paulo Guedes, a taxação dos dividendos proporcionaria uma arrecadação de cerca de R$ 60 bilhões por ano, se a alíquota fosse de 20%, como previa a proposta inicial. Com a alíquota de 15% aprovada na Câmara, o impacto na receita deve ser de R$ 45 bilhões ao ano.

Opinião por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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