O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não costuma dar ponto sem nó, como se diz por aí. Principal gestor do chamado “orçamento secreto” e um dos líderes do Centrão, o bloco que reúne os parlamentares da chamada “velha política”, Lira é um símbolo do fisiologismo que, segundo as pesquisas de opinião, marca a ação e a imagem não apenas da Câmara, mas do Congresso como um todo.
Agora, independentemente de ele representar o caráter mais nefasto do Congresso, no que se refere ao atendimento dos interesses privados dos parlamentares com o uso de verbas do Orçamento, em detrimento da alocação de recursos para a realização de políticas públicas consideradas prioritárias, não dá para ignorar o fato de que Lira tem transmitido mensagens contundentes ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em relação à postura e ao perfil da atual legislatura.
Se, de um lado, ele tenta extrair o máximo do governo para beneficiar parlamentares em troca de apoio político, de outro, ele tem procurado mostrar que, hoje, a Câmara não é um “puxadinho” do Palácio do Planalto, pronta para aprovar tudo o que Lula e seus aliados queiram. Pode até parecer ingenuidade dizer isso, mas Lira emite sinais, por meio de suas declarações, de que nem tudo é “uma questão de preço” e de que o governo não terá vida fácil no Congresso para implementar propostas defendidas pelo PT e pela esquerda.
“O governo tem de se preparar para conviver com quem pensa diferente”, disse Lira, na segunda-feira, 12, em entrevista à GloboNews. Na semana passada, em entrevista à CNN, ele já havia dado recado semelhante ao falar sobre o atual perfil do Legislativo: “O Congresso não é um Congresso que foi eleito progressista de esquerda. É um Congresso reformador, liberal, conservador, que tem posicionamentos próprios”. E em maio, em evento com lideranças empresariais e investidores estrangeiros em Nova York, ele afirmou que “a principal reforma que o Congresso brasileiro vai ter que brigar diariamente é a reforma de não deixar retroceder tudo que foi já aprovado no Brasil no sentido da amplitude do que é mais liberal”. ´
Na prática, talvez o melhor exemplo até agora dessa posição tenha sido a derrota imposta ao governo na Câmara com a derrubada do decreto de Lula que flexibilizava o novo marco legal do saneamento, aprovado em 2020, ampliando o espaço conferido à iniciativa privada no setor. Foi uma clara demonstração de que as declarações de Lira não são apenas palavras vazias, para aumentar o “cacife” do Congresso nas negociações com Lula, como dizem muitos analistas.
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Diante das investidas do governo para alterar medidas liberalizantes implementadas nos últimos anos e da presunção de que, como no passado, o Congresso acabará por encampar as suas propostas, mais cedo ou mais tarde, os recados de Lira não são pouca coisa, não, e dão margem para haja alguma esperança de que o País não andará para trás na gestão petista.
Agora, se realmente essa postura de independência em relação ao governo, ao menos nas grandes questões nacionais, vai se confirmar ou se no fim, como sempre, vai tudo acabar em pizza, só o tempo dirá. Não deixa de ser um alento, porém, Lira declarar que está disposto a conter, com o apoio da maioria do Congresso, o “revogaço” que Lula diz não querer implementar, mas que parece já estar em curso em diferentes áreas da administração.
É certo que, no atual cenário político e institucional, sempre haverá a possibilidade de o governo e seus aliados recorrerem ao STF (Supremo Tribunal Federal) e que a Corte interfira nas decisões do Legislativo e dê a palavra final, favorável a Lula. Mas esta já é outra história.