A aprovação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados, com o objetivo maior de simplificar o sistema de impostos no País, foi comemorada do Oiapoque ao Chuí como uma conquista épica.
Depois de 35 anos de tentativas malsucedidas de alterar o atual regime tributário, marcado pela complexidade e pela cumulatividade de tributos, que penalizam os consumidores e os empreendedores e afetam a produtividade e a competitividade das empresas, não é de estranhar que a aprovação da reforma tenha gerado uma onda de euforia que contagiou boa parte da sociedade.
Em meio ao cipoal de normas e regulamentações que os pagadores de impostos têm de cumprir, que consomem em média 1.501 horas por ano das empresas só para organizar documentos fiscais, preencher guias e declarações e realizar pagamentos, segundo o estudo Doing Business, do Banco Mundial, qualquer perspectiva de simplificação é mais que bem-vinda.
Passado o momento de catarse coletiva, porém, a ficha começa a cair. Talvez, a reforma aprovada de maneira acelerada pela Câmara, sob pressão do governo Lula, não seja a panaceia que se imaginava a princípio. Além da centralização da arrecadação nas mãos da União, da redução da autonomia da Federação e da possibilidade de os Estados cobrarem um imposto sobre exportação de produtos primários e semielaborados até 2043, a reforma não definiu a alíquota total do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) que as empresas e os consumidores terão de pagar.
Por mais bizarro que possa parecer, é isso mesmo: a reforma tributária aprovada pela Câmara deixou os contribuintes no escuro, sem ter a mais remota ideia de qual será a fatura que lhes caberá quando ela for regulamentada, possivelmente em 2024, de acordo com as previsões oficiais. Em outras palavras, a reforma representa um “cheque em branco” dos pagadores de impostos para o governo e poderá se tornar uma conta salgada se a discussão no Senado não sair do plano das ideias e mergulhar no mundo real.
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O texto-base da reforma até fala, em porcentagem, de quanto será o abatimento que os setores privilegiados com benefícios tributários, como educação, saúde, transporte coletivo, produtos ligados à saúde menstrual, itens da cesta básica e atividades artísticas e culturais, terão em relação à alíquota-base que os demais pagarão. Fala, também, que os produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente pagarão mais. Mas não há nada, nem um número sequer, que revele qual será a alíquota a ser cobrada dos setores não incluídos nas exceções.
Talvez pareça difícil fazer esses cálculos no atual estágio do processo. Mas, segundo afirmou ao Estadão o economista Adolfo Sachsida, funcionário licenciado do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério do Planejamento), ex-ministro de Minas e Energia e ex-secretário de Política Econômica, é possível definir isso sem grandes dificuldades.
De acordo com Sachsida, na proposta de reforma tributária que ele e outros economistas do IPEA apresentaram em 2016, semelhante à aprovada agora pela Câmara, mas com adesão voluntária dos Estados ao sistema, a alíquota do IVA ficaria em 26% se fosse a mesma para todos – um percentual semelhante aos 25% previstos originalmente na PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 45, que deu origem ao texto atual. “Essas contas são perfeitamente possíveis de ser feitas, tanto que, lá no Ipea, com uma estrutura muito menor do que a do governo federal, nós conseguimos fazê-las”, disse Sachsida.
‘Paulada’ nos contribuintes
Do jeito que ficou a coisa, no entanto, os tributaristas e economistas já calculam que a alíquota total deverá ir muito além disso, mesmo sem incluir a possível criação do imposto sobre exportações pelos Estados, que deverá ser cobrado à parte. O próprio IPEA apresentou um estudo atualizado, com base na proposta encaminhada pela Câmara ao Senado, segundo o qual a alíquota do novo IVA chegará a 28,04%, dois pontos percentuais a mais do que a prevista por Sachsida e seus colegas há sete anos, e será a maior do mundo para um imposto do gênero.
Pelas contas do economista Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, a alíquota total deverá ser ainda maior, ficando acima de 30%. Nas estimativas do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), a “mordida” alcançará 33,24%. E para o economista Marcos Cintra, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e ex-secretário da Receita Federal, ela vai roçar os 34%.
O problema é que, embora essas previsões mostrem que o novo IVA será uma “paulada” nos contribuintes, o que já é uma informação relevante, a dispersão entre elas chega a cerca de seis pontos percentuais. Para que se tenha uma ideia precisa do impacto que a reforma tributária terá no bolso dos consumidores e no caixa das empresas, é preciso que o Senado jogue uma luz sobre a questão. Não dá para avançar com uma reforma dessa grandeza sem saber com precisão qual será o tamanho da “trolha” de cada um.